Cortando caminho

Presidente da Ajufesp defende menor número de instâncias

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25 de maio de 2005, 12h25

“Pode ser até utopia, mas diminuir o número de instâncias resolveria muitos dos entraves do Judiciário brasileiro”. Esta é a opinião do juiz federal Erik Frederico Gramstrup, que assumiu, neste mês, a presidência da Ajufesp — Associação dos Juizes Federais do Estado de São Paulo e Mato Grosso do Sul.

Para Gramstrup, duas instâncias e um tribunal constitucional seriam o ideal para a Justiça do país. Em entrevista concedida à revista Consultor Jurídico, Gramstrup acredita que a redução de degraus da Justiça seria uma solução muito mais adequada e eficaz do que medidas como a limitação da possibilidade de recursos ou até mesmo a súmula vinculante. Mesmo porque, a redução de instâncias implica forçosamente na diminuição de recursos.

Gramstrup defende também a substituição dos julgamentos individuais por julgamentos colegiados, o que tornaria as decisões menos subjetivas e, de quebra, diminuiria o foco de vaidade pessoal dos juízes.

Com 39 anos de idade e 15 de magistratura, Gramstrup já tem experiência suficiente para perceber que um dos grandes dramas do juiz é o isolamento a que, por tradição e formação ele está condenado. “Eu acho que o juiz tem de falar, tem de prestar contas à sociedade de suas decisões”, diz ao defender uma relação mais aberta do Judiciário com a sociedade.

Leia a íntegra da entrevista

ConJur – Que medidas o senhor sugere para superar as deficiências da Justiça brasileira?

Gramstrup —O mundo mudou e a estrutura judiciária não mudou. Talvez, num futuro distante, nós tivéssemos mesmo é que trabalhar com menos instâncias. Acabar com os julgamentos individuais e trabalhar só com os órgãos colegiados, que podem reduzir a subjetividade dos julgamentos. O próprio funcionamento dos colegiados poderia mudar, ao invés de se pronunciarem em votos individuais os juízes poderiam entrar em um acordo geral pré-estabelecido antes de cada voto. Mas é claro que existem casos que precisam de decisões individuais. O fato é que o sistema não foi pensado para lidar com certas situações.

ConJur — Acabar com os julgamentos individuais não deixaria o Judiciário mais lento?

Gramstrup — Há esse risco mas, nós poderíamos modificar o modo de proceder. Hoje em dia, por exemplo, para se fazer um julgamento em turma, sessão, câmara, você tem que reunir os juizes num cerimonial medieval, onde tudo é feito oralmente para depois ser escrito. Se cada juiz levasse seu voto por escrito, como acontece no Uruguai, por exemplo, seria muito mais rápido.

ConJur — O senhor é a favor da Súmula Vinculante?

Gramstrup — A súmula não tem todos os defeitos daqueles que a demonizam atribuem a ela, nem todas as qualidades que seus propagandistas dizem. A súmula é um enunciado que vai se desvinculando dos julgamentos que a criaram e vai ganhando vida própria, que poderá ser objeto de interpretações subjetivas. Ela vai ser interpretada da mesma forma que os juizes interpretam as leis e os decretos, o que vai possibilitar aplicações díspares da mesma súmula. A Súmula Vinculante é uma adaptação grosseira. Mas ela nem de longe é suficiente. A Súmula em si será uma decepção para a população, porque ela sozinha não vai resolver

ConJur — Então quais seriam as soluções plausíveis?

Gramstrup — Reduzir recursos também não adianta. Quando você limita uma possibilidade de recurso, inventam-se meios oblíquos para ter o mesmo efeito de recurso. Eu defendo mesmo é a redução do número de instâncias. Enquanto você tiver uma quarta e, às vezes uma quinta instância, alguém vai arrumar algum artifício para recorrer, porque é natural do ser humano não se conformar com a derrota. Então acabar com as várias instâncias é evitar caminhos oblíquos. Não é um trabalho de engenharia fácil de fazer, o Brasil é muito grande. E elas também não existem por acaso, foram surgindo por necessidade histórica.

ConJur — Qual a sua opinião sobre a reforma processual?

Gramstrup — Ela vai ter um pequeno impacto, mas não é nem de longe suficiente. A Emenda 45 foi feita com grande marketing para a população como a grande salvadora e agora o próprio governo já reconheceu que ela não é suficiente. A reforma processual tem uma idéia boa que é valorizar a decisão de primeira instância.

ConJur — Notamos que alguns juizes e tribunais têm dificuldade de se comunicar com a imprensa. Não gostam de revelar decisões e nem divulgá-las. Como o senhor vê esse tipo de comportamento?

Gramstrup — Essa recusa em se abrir começa já no ensino jurídico. É ensinado na faculdade de direito que o juiz se misturar é uma coisa perigosa, pode gerar parcialidade em alguma decisão que envolver um jornalista com quem se relaciona. A idéia de se isolar para ser parcial é uma coisa que não é proposital, faz parte de uma tradição. Isso precisa ser combatido lá no começo, na escola de direito. Dentro da própria área, se o juiz começa a se expor em relação aos meios de comunicação, isso é visto como algo negativo. Então, ele evita falar porque não quer ser alvo de censura dos colegas. Temos também uma lei de mordaça muito bem apertada que proíbe o juiz de falar sobre matéria que está julgando. Eu sou de opinião de que, depois de cumprida sua função no processo, o juiz tem a obrigação de se explicar para a população. O interesse público deve prevalecer.

ConJur – A Justiça Federal dá impressão de ser mais moderna do que a estadual. Esta impressão corresponde à realidade?

Gramstrup — A Justiça Estadual que a gente conhece é sucessora da Justiça colonial. Portugal criou uma série de tribunais aqui na época da colônia, chamados tribunais da relação, que deram origem aos tribunais dos estados. É a justiça mais antiga do país e altamente estruturada. A Justiça Federal apareceu com a proclamação da República e foi extinta por Getúlio Vargas que na época do Estado Novo. Foi recriada em 1946 quando teve a redemocratização, como segunda instância, como tribunal de recursos. A primeira instância só foi recriada nos anos 60, por isso ela passa uma impressão de ser mais recente, historicamente falando.

ConJur — Qual a posição da Justiça Federal sobre o poder de investigação do Ministério Público?

Gramstrup — A Justiça Federal é predominantemente a favor do poder investigatório do MP. É importante para a sociedade que ele tenha isso. Hoje o MP é uma das poucas instituições que tem garantias de independência suficiente dentro do Poder Público.

ConJur — Ouvimos muito dos advogados o argumento de que esse poder desequilibra as partes, uma vez o Ministério Público produz a prova interessado na condenação e pode descartar provas que favoreçam o acusado. O senhor concorda com isso?

Gramstrup — Eu concordo, isso pode acontecer e às vezes acontece. Não por maldade, mas porque a pessoa está tão psicologicamente ligada a acusação que ele passa a ter aquele espírito de cavaleiro cruzado — “vou pegar esse cara”. Eu acho que o Ministério Público tem que ser assim — “vou pegar esse cara”, a população espera isso dele. No Brasil todos têm o rabo preso e todos temem qualquer órgão que possa ter poder investigatório. Aconteceu a mesma coisa quando a Justiça começou a fazer penhora eletrônica. Por que que todo mundo reclamou? Porque todo mundo é mau pagador.

ConJur — De cada dez denúncias do MP que recebe, quantas o senhor acata?

Gramstrup — Mais de nove. A média de denúncias rejeitadas é muito baixa. Nem todas as denúncias são tecnicamente perfeitas. Até porque o Ministério Público têm seus próprios problemas operacionais. Muitas denúncias são aceitas com alguma tolerância, porque o juiz percebe que há interesse público e que rejeitar seria pior do que aceitar. O certo mesmo seria manter o poder investigativo do MP e corrigir as deficiências da polícia. O sistema atual não é válido, é um quebra-galho.

ConJur — Existe um movimento muito forte contra a divulgação de informações sigilosas ainda em fase de investigação, que tem provocado reações de não se divulgar nada nem na apresentação da denúncia. O que o senhor acha disso?

Gramstrup — Eu não acho que seja preciso proibir a divulgação, a não ser em casos restritos e situações extremas. Se vier a comprometer uma investigação importante ou se o Brasil está em guerra e as informações possam favorecer o inimigo.

ConJur — E no caso contrário, em que o MP tem usado a imprensa para confirmar suspeitas?

Gramstrup — Isso infelizmente existe. Eu gosto de acreditar na boa-fé das pessoas e acho que o MP faz isso porque está convencido de que o sujeito é um bandido. Ao utilizar-se dos meios de comunicação para expor o caso e agilizar o processo de punição o MP acredita estar fazendo um bem à sociedade. A imprensa é claro, tem de ser crítica.

ConJur — E a questão da federalização dos direitos humanos, é válida a modificação?

Gramstrup — Do modo como foi feito eu sou favorável. A justificativa técnica é a seguinte: a medida deve ser aplicada nas situações em que o Brasil responde perante tribunais internacionais. Se quem responde é a União, é preciso dar uma chance para que a União possa agir antes de ser punida por esses tribunais.

ConJur — A Justiça Federal não sei saiu muito bem na pesquisa recente divulgada pelo STF. Fale um pouco sobre esses números.

Gramstrup — Bom, eu ainda estou estudando esses relatórios. O problema desses números é a interpretação que está sendo feita por pessoas que não compreendem o contexto deles. Há uma coisa nesse assunto que me assusta muito. Os números do relatório estão sendo usados dentro de uma perspectiva governista pra dizer que não é preciso investir mais um centavo em Justiça no Brasil. E isso está longe de ser verdade. Não adianta falar em muitos juizes por número de habitantes e sim por número de processos. Não estou falando que sou a favor de expandir a Justiça, quanto maior fica mais burocratizada e difícil de controlar. Agora, reduzir a taxa de investimentos em informática seria um crime. Mas não tenho dúvidas que a Justiça Federal tem uma grande dívida com a população.

ConJur — Como os juizes enfrentaram os problemas com o novo sistema de informática do Tribunal Regional Federal da 3ª Região?

Gramstrup — Foi um golpe muito forte para os juízes. O sistema implantado era necessário para o funcionamento do sistema de execução fiscal virtual, que seria piloto para a virtualização de todos os processos. O triste do programa ter naufragado é que a execução fiscal acabou junto. Hoje se voltou ao sistema anterior e a empresa que forneceu o S3R vai ter que devolver o investimento do tribunal com correção e multa.

ConJur — Os 60 dias de férias para juízes ainda está valendo?

Gramstrup — Ainda existe. Na verdade os 60 dias eram a maneira de se ter o 14º salário. Pela média salarial que se paga hoje para os juízes eu acho que isso seria justificável. Esse valor gera uma sensação de insatisfação, você pensa que seu trabalho não é reconhecido. A Justiça trabalha dentro de uma imagem que foi criada de que trabalha pouco e ganha muito.

ConJur — Quais são seus planos para a Ajufesp?

Gramstrup — O primeiro trabalho, que considero importante é melhorar a nossa comunicação social, torná-la mais natural e transparente. A Ajufesp também tem uma série de trabalhos sociais com empregados terceirizados que eu quero manter e incrementar, além de levar para o interior. A associação tem também o seu trabalho sindical que precisa de atenção especial. Aprfundar a articulação com outras associações, como a Ajufe — Associação dos Juízes Federais do Brasil também está nos meus planos.

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