Patrimônio protegido

Governo do Rio não pode promover eventos em parque

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24 de maio de 2005, 17h38

O estado do Rio de Janeiro está proibido de autorizar ou promover festas no Parque Lage, Zona Sul carioca. Segundo denúncia do Ministério Público Federal, os eventos promovidos pelo governo estadual no local estariam degradando o conjunto arquitetônico histórico.

A decisão é da desembargadora federal Vera Lúcia Lima, da 5ª Turma Especializada do Tribunal Regional Federal da 2ª Região, que rejeitou o pedido da Ameav — Associação de Amigos da Escola de Artes Visuais do Parque Lage contra sentença que proibiu o estado do Rio de Janeiro de fazer festas no parque.

Pela decisão, a União, que é a proprietária do imóvel, tem 30 dias contados da data da decisão para iniciar as obras necessárias à restauração do parque e terá de apresentar relatórios mensais sobre o andamento das reformas. A decisão foi dada em Mandado de Segurança apresentado pela associação e vale até que o mérito da questão seja analisado pela 5ª Turma.

Forma original

O Ministério Público Federal iniciou em 1997 um inquérito administrativo para apurar denúncia de descaracterização e degradação do conjunto arquitetônico do Parque Lage e ajuizou ação pública em 2004.

Segundo o MPF, em uma vistoria feita no edifício foi constatada a degradação das ornamentações das paredes e dos pilares, com a estrutura em ferro exposta, infiltrações, trincas e a ausência das estátuas que ornavam os quatro cantos da piscina. Também foi apurado desvio na captação de águas do lago do parque para a piscina da Escola de Artes Visuais, queima de vegetação e o enterro irregular de lixo no terreno.

O órgão afirmou, ainda, que os eventos feitos no parque estariam desvirtuando o contrato de cessão firmado em favor do estado, além de que a renda (seriam arrecadados cerca de R$ 6 mil em cada festa) não teria sido revertida para os cofres da União.

Em sua sustentação, a Ameav alegou que, para manter em funcionamento a Escola de Artes Visuais do Parque Lage (pagamento de empregados administrativos, professores, pessoal da limpeza, manutenção e vigilância), necessitaria da verba arrecadada nos eventos culturais e sociais, e que a ausência de tais recursos inviabilizaria os trabalhos desenvolvidos pelos professores, assim como a manutenção da Mansão dos Lages.

A associação alegou também que faz eventos no local há mais de 10 anos e que eles nunca teriam causado qualquer dano ao patrimônio histórico e cultural, indo de encontro, portanto, às declarações apresentadas pelos representantes dos órgãos fiscalizadores — Ibama e Instituto do Patrimônio Histórico Cultural.

Patrimônio cultural

O Parque Lage ocupa mais de 52 hectares no bairro do Jardim Botânico, no Rio de Janeiro, e foi projetado pelo paisagista inglês John Tyndale, em 1840. Em 1924, o industrial Henrique Lage mudou-se para a propriedade com sua mulher, a cantora lírica italiana Gabriella Besanzone. O conjunto arquitetônico foi tombado em 1957.

Desde 1966, a Escola de Artes Visuais funciona no local. Ocorre que o parque, em 1976, foi incorporado ao patrimônio da União e, no ano seguinte, passou a ser administrado pelo Ibama — Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e Recursos Naturais Renováveis. Em 1991, o Decreto Presidencial de 25 de abril autorizou a escola a permanecer ocupando o prédio e os jardins.

Processo 2004.02.01.009174-0

Leia a íntegra do voto do relator

RELATOR: DESEMBARGADORA FEDERAL VERA LÚCIA LIMA

IMPETRANTE: ASSOCIAÇAO DOS AMIGOS DA ESCOLA DE ARTES VISUAIS DO PARQUE LAGE

ADVOGADO: LELHA SOARES GOMES CANEDO E OUTROS

IMPETRADO: JUIZO FEDERAL DA 26A VARA-RJ

ORIGEM: VIGÉSIMA SEXTA VARA FEDERAL DO RIO DE JANEIRO

(2004.510.101.155-75)

Decisão

A Associação dos Amigos da Escola de Artes Visuais do Parque Lage – AMEAV impetra o presente mandado de segurança, com pedido de liminar, atacando ato judicial praticado pelo MM. Juízo da 26ª Vara Federal do Rio de Janeiro, pelo qual, nos autos da ação civil pública nº 2004.51.01.011557-5, foi deferida a liminar vindicada.

Na hipótese, o Ministério Público Federal ajuizou a referida ação civil pública, pretendendo, em síntese, a condenação da União à obrigação de fazer consistente na restauração do conjunto arquitetônico denominado Mansão do Lage, patrimônio público federal tombado pelo Instituto do Patrimônio Histórico Nacional – IPHAN, e à condenação do Estado do Rio de Janeiro a abster-se de autorizar ou promover eventos que desvirtuem o contrato de cessão de uso do referido imóvel, bem como na declaração de nulidade da portaria que prorrogou o aludido contrato, porque teria infringido a Lei n.º 9.636/98.

Sustenta o MPF, na essência, que, após receber denúncia de descaracterização do conjunto arquitetônico do Parque Lage, instaurou, no ano de 1997, o procedimento administrativo nº 08.120.000902/97-15, com o escopo de averiguar possível dano ao patrimônio histórico e cultural nacional, tendo tentado entendimento com o IPHAN e com a Escola de Artes Visuais – EAV para a realização das obras de restauração necessárias à conservação do Parque Lage.


Afirma, outrossim, que, no decorrer do sobredito procedimento apuratório, foram constatados diversas irregularidades no cumprimento do contrato de cessão de uso firmado entre a União e o Estado do Rio de Janeiro. Neste contexto, em 12 de junho de 2001, em vistoria realizada no Parque Lage por membro do MPF, verificou-se “a degradação das ornamentações das paredes e dos pilares, com a estrutura de sustentação em ferro exposta e ausência de partes do reboco das paredes; infiltrações e trincas aparentes nas paredes e nos pilares; ausência das estátuas decorativas nos quatro cantos da piscina. Ademais, confirmou-se o desvio de captação de águas do lago do parque para a piscina da Escola de Artes Visuais, que se encontrava completamente cheia, enquanto o lago estava quase vazio.”

Apurou-se, por outro lado, que a Escola de Artes Visuais promovera festas no Parque Lage, as quais teriam rendido, cada uma, em média, a importância de R$ 6.000,00 (seis mil reais), sem que tal quantia tivesse sido revertida em benefício do bem da União.

E concluiu:

“Assim, ficou comprovado que o Estado do Rio de Janeiro, através da Escola de Artes Visuais, usufruiu e continua a usufruir de imóvel da União sem cumprir as condições especiais impostas pelo Decreto Presidencial de 25 de abril de 1991 e ainda desvirtuou a finalidade do contrato de cessão de uso ao obter lucro mediante a realização de festas no Parque Lage, que fora cedido pela União para as atividades de apoio e necessárias ao funcionamento da Escola de Artes Visuais.

A União, por sua vez, deixou de imitir-se na posse do imóvel de sua propriedade, conforme determina o art. 10 da Lei n.º 9.636/98, e ainda premiou o Estado do Rio de Janeiro com a prorrogação do contrato de cessão do Parque Lage por mais 5 (cinco) anos”.

A douta autoridade impetrada, convencendo-se da presença dos requisitos autorizadores, deferiu a liminar pleiteada para:

“(…) 1) determinar ao Estado do Rio de Janeiro que se abstenha de realizar ou promover eventos ou festas desvirtuados da finalidade expressa do contrato de cessão de uso do Parque Lage;

2) determinar ao Estado do Rio de Janeiro que se abstenha de realizar qualquer ação antrópica (desvio de água de fonte natural para piscina do antigo palacete, queima de vegetação, enterro de lixo, latas de alumínio, etc.) que degrade o conjunto arquitetônico Parque Lage;

3) determinar à União que inicie, no prazo máximo de trinta dias, e realize as obras necessárias para a restauração do conjunto arquitetônico Parque Lage, que se encontram detalhadas no Programa de Restauro e Reestruturação de fls. 26/178, e deixaram de ser efetivadas pelo Estado do Rio de Janeiro por alegada falta de recursos;

4) determinar à União que apresente, mensalmente, a partir da intimação, a este Juízo, relatório sobre a execução das obras de restauração do Parque Lage(…)”

Daí a propositura do presente writ, por parte da Associação dos Amigos da Escola de Artes Visuais do Parque Lage – AMEAV, considerando-se terceira interessada, e visando à revogação do aludido decisum.

Aduz, para tanto, que, a fim de manter em funcionamento a Escola de Artes Visuais do Parque Lage (pagamento de empregados administrativos, professores, pessoal de limpeza, manutenção e vigilância), necessita da verba advinda dos eventos culturais e sociais que realiza, sendo que a ausência de tais recursos inviabilizaria a continuidade dos trabalhos.

Neste sentido, está na petição inicial (fl. 7):

“Os eventos são realizados há mais de 10 (dez) anos e nunca causaram qualquer dano ao patrimônio histórico e cultural, como comprovam as declarações apresentadas no dossiê emitidas pelos representantes dos órgãos fiscalizadores, IPHAN e IBAMA.

Comprovada, ainda, que todo numerário pago à AMEAV pelos eventos, são revertidos integralmente para os fundos de manutenção da Escola de Artes Visuais do Parque Lage e manutenção dos imóveis sob a responsabilidade da IMPETRANTE.

Se mantida a decisão em sua íntegra causará danos irreparáveis à IMPETRANTE, aos idealizadores e aos alunos da EAV, pois com a proibição da realização dos eventos obrigará a AMEAV a devolver as importâncias já recebidas, podendo responder por danos morais, bem como colocará em risco a continuidade dos trabalhos desenvolvidos pelos professores com os alunos e a manutenção da Mansão dos Lages.” Informações prestadas pela douta autoridade impetrada às fls. 254/257.

É o relato do necessário. Passo a decidir.

Inicialmente, no tocante ao cabimento desta ação mandamental, verifico que a ora impetrante não integra a relação processual da ação civil pública da qual se originou o presente writ. Assim, apesar de se pretender a revogação de uma decisão judicial, revela-se possível, em caráter excepcional, o manejo desta via de impugnação.


É que, por se tratar de pessoa não integrante do feito principal, aplicável se mostra o disposto no verbete n.º 202 da Súmula do Superior Tribunal de Justiça, in verbis: “A impetração de segurança por terceiro, contra ato judicial, não se condiciona à interposição de recurso.” Nesta linha, confiram-se, ainda: ROMS n.º 15.819, Segunda Turma, Rel. Ministro FRANCIULLI NETTO, DJ de 21.3.2005; ROMS n.º 12.226, Quarta Turma, Rel. Ministro JORGE SCARTEZZINI, DJ de 17.12.2004.

O interesse processual, por sua vez, encontra-se presente, valendo mencionar, no ponto, o seguinte trecho da peça exordial:

“(…)O Parque Lage consiste no conjunto arquitetônico denominado “Palacete dos Lages”, que é composto pela casa principal, cavalariças, quadra de tênis, que como acima explanado é utilizado e administrado pela IMPETRANTE, por contratos legalmente firmados, sendo ela a responsável direta pela realização dos eventos mencionados na decisão impugnada(…)”

No mérito, contudo, sem embargo dos fundamentos lançados na petição inicial, não visualizo, por ora, elementos suficientes a ponto de reformar liminarmente o entendimento adotado pelo MM. Juízo da 26ª Vara Federal do Rio de Janeiro.

Com efeito, as questões suscitadas nesta demanda, prima facie, parecem recomendar detido e cuidadoso exame, de maneira que, ao menos nesta análise inicial, não se revela prudente, a meu ver, modificar os termos do decisum ora alvejado.

Neste particular, é válido acentuar que não foi trazida a estes autos a cópia do procedimento administrativo instaurado pelo MPF, a partir da qual, se fosse o caso, poder-se-ia melhor avaliar as questões fáticas ora agitadas pela impetrante. Afinal, não se pode perder de vista que, dada a gravidade dos fatos verificados no referido procedimento apuratório, houve a propositura de uma ACP por parte do MPF, resultando, inclusive, no deferimento da liminar ali postulada.

Ainda neste ponto, é relevante notar que tal procedimento administrativo foi instaurado em 1997, sendo que a respectiva ação coletiva veio a ser ajuizada no ano de 2004. Isto é, ao longo de aproximadamente 7 (sete) anos foram colhidos elementos acerca de possíveis irregularidades na utilização do Parque Lage, culminando-se no ajuizamento de uma ACP, em que veio a ser concedida uma liminar.

Levando em conta estas circunstâncias, a priori, a cautela recomenda a manutenção do entendimento assentado pelo douto magistrado de primeiro grau, especialmente considerando-se que esta Relatoria não dispõe do acervo probatório constante do mencionado procedimento apuratório.

Além disso, ao que se extrai do teor do ato judicial ora atacado, verifico que seu intuito, pelo menos no que se refere ao Estado do Rio de Janeiro, foi o de obstar eventuais danos ao conjunto arquitetônico do Parque Lage, danos esses que poderiam ser ocasionados a partir dos eventos noticiados nos autos daquela ação coletiva, e que vinham sendo promovidos pela impetrante.

Seguindo esta linha de raciocínio, ainda que o impedimento à realização dos aludidos eventos possa vir a trazer certas restrições na atuação da impetrante, penso que, a partir de uma ponderação dos valores envolvidos, há que se dar prevalência, ao menos em um primeiro momento, à proteção do interesse público, vale dizer, do patrimônio histórico e cultural nacional inerente ao Parque Lage.

Por fim, ressalto que a matéria poderá ser melhor analisada quando do julgamento deste writ pelo colegiado, oportunizando-se, no ensejo, as pertinentes manifestações de meus pares, sendo certo que até lá a questão estará mais amadurecida, inclusive contando-se com o valioso parecer a ser oferecido por ilustre membro do Parquet.

Diante do exposto, por ora, INDEFIRO A LIMINAR vindicada, até ulterior apreciação do feito pela colenda Quinta Turma Especializada.

Ao Ministério Público Federal.

Publique-se.

Rio de Janeiro, 13 de abril de 2005.

Desembargadora Federal VERA LÚCIA LIMA

Relatora

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