Hora de trabalhar

Juíza dá horas extras e critica jornada do McDonald´s

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18 de maio de 2005, 11h23

São nulas as cláusulas do contrato de trabalho que submetem os empregados do McDonald´s a jornadas móveis e variáveis, pois alteram seu relógio biológico e sua remuneração. A decisão é da 10ª Turma do Tribunal Regional do Trabalho da 2ª Região (São Paulo) e reitera entendimento da 6ª Turma do tribunal. Ainda cabe recurso.

Uma ex-empregada da empresa RLM Comércio de Alimentos — proprietária de lojas McDonald´s em Santos, entrou com ação na 2ª Vara do Trabalho da cidade reclamando o pagamento de horas extras. A primeira instância negou o pedido. A ex-empregada recorreu.

A juíza Lílian Gonçalves, relatora do Recurso Ordinário, considerou que “as cláusulas 2ª e 3ª do contrato de trabalho, que estabelecem cumprimento de jornada móvel e variável revestem-se de absoluta nulidade”. De acordo com a relatora, a jornada regular de trabalho é um direito que não pode ser alterado ou abolido. A informação é do TRT-SP.

“Trata-se de matéria intrínseca à saúde do trabalhador com o escopo de restringir o número de horas trabalhadas, de forma a manter sua higidez física e mental, além de propiciar melhor convívio social e familiar”, observou a relatora.

Para a juíza Lilian, “o trabalhador não pode ficar a mercê do empregador quanto ao estabelecimento de jornadas móveis e variáveis, suscetíveis de alterar seu relógio biológico e a quantificação remuneratória (à base das horas laboradas), bem como inviabilizar sua interação e desenvolvimento no meio social, familiar, psíquico e intelectual”.

A relatora mandou a rede de lanchonetes a pagar as horas extras, “excedentes da 5ª diária e 25ª semanal, conforme se apurar pelos cartões de ponto”. A decisão foi unânime. A 10ª Turma do TRT-SP condenou, ainda, a empresa a pagar os reflexos das horas extras nos descansos semanais remunerados, nas férias, 13º salários e no FGTS — Fundo de Garantia por Tempo de Serviço.

Leia a íntegra do voto

PROCESSO TRT/SP Nº 02052.1998.442.02.00-7

RECURSO ORDINÁRIO

RECORRENTE : CHRISTIANE BUENO DUGAICH

RECORRIDO : R L M COMERCIO DE ALIMENTOS LTDA

ORIGEM : 2ª VARA DO TRABALHO DE SANTOS

HORAS EXTRAS. Jornada móvel e variável. Nulidade. O trabalhador não pode ficar a mercê do empregador quanto ao estabelecimento de jornadas móveis e variáveis, suscetíveis de alterar seu relógio biológico e a quantificação remuneratória (à base das horas laboradas), bem como inviabilizar sua interação e desenvolvimento no meio social, familiar, psíquico e intelectual, em manifesto prejuízo (arts. 9º, 444 e 468 da CLT). Recurso provido no particular.

Inconformada com r. decisão de fls. 332/338, complementada à fl. 342, cujo relatório adoto e que julgou procedente em parte a ação, recorre ordinariamente a reclamante, às fls. 344/373, argüindo preliminar de nulidade e requerendo o afastamento da inépcia declarada. No mérito, pugna pela condenação da reclamada no pagamento de horas extras, inclusive pela ausência de intervalo, integração de alimentação, reembolso pela lavagem de uniforme, quebra de caixa, reconhecimento da rescisão indireta do contrato de trabalho e consectários daí decorrentes. Pugna pela reforma do julgado, recolhimentos previdenciários e fiscais a cargo do encargo, alteração dos critérios de atualização.

Contra-razões, fls. 377/390.

Custas pela reclamada, fl. 338.

Parecer da D. Procuradoria Regional, fl. 391.

É o relatório.

VOTO

Conheço do recurso ordinário, por presentes os pressupostos de admissibilidade.

1. Da nulidade

1.1. Do indeferimento de pergunta

Sem razão o inconformismo.

Da análise dos autos, depreende-se que, na audiência instrutória, a MM. Juíza de Origem, indeferiu pergunta à reclamada (“em que consistia o lanche e quanto custava”?), por entender irrelevante, eis que a matéria não fora objeto de postulação. Nesse passo, a condução da audiência e o procedimento eleito estão amparados pelos arts. 765, consolidado e 130, do CPC, não havendo que se falar em cerceamento de defesa.

Rejeito a preliminar.

1.2. Da pena de confissão

Ao contrário do afiançado pela recorrente, a Juíza Condutora não indeferiu a aplicação da pena de confissão pelos fatos do desconhecimento do preposto, apenas postergando sua apreciação para o momento da prolação da sentença (fl. 47).

E, sob este prisma, tratando-se de instituto que gera mera presunção relativa de veracidade das alegações formuladas pelo ex adverso, valorou-a de conformidade com o conjunto probatório, à luz do livre convencimento motivado, da persuasão racional e da valoração das provas (art. 131, CPC).

Incensurável o procedimento.

2. Da inépcia

De fato, a exposição inicial deve ser considerada em seu conjunto, não se justificando a apreciação isolada dos pedidos, quando interligados entre si, máxime porque o Processo do Trabalho prescinde de excesso de formalismo, quando atendidas as exigências de que trata o art. 840, par. 1º, da CLT.


Contudo, da análise dos autos, depreende-se que, a despeito de a reclamante ter declinado que os valores a título de lanche eram inferiores ao valores de vale refeição, suscetíveis de gerar diferenças reflexas, não requereu, expressamente, o reconhecimento ou pagamento de tais valores, postulando tão-somente integrações. Vale dizer, há causa de pedir, mas não há pedido.

Neste contexto, observando-se as disposições contidas nos arts. 128, 460, 295, § único, inciso I do CPC, nenhum reparo merece a r. Sentença de Origem, que declarou a inépcia no tocante.

3. Das horas extras

De plano, forçoso concluir que as cláusulas 2ª e 3ª do contrato de trabalho, as quais estabelecem cumprimento de jornada móvel e variável (fls. 67/68) revestem-se de absoluta nulidade.

Isto porque, interpretação lógica, sistemática e teleológica das disposições constitucionais e consolidadas, concernentes à regular jornada de trabalho pertinem ao Direito Tutelar do Trabalho, de ordem pública, conteúdo cogente e inderrogável. Trata-se de matéria intrínseca à saúde do trabalhador com o escopo de restringir o número de horas trabalhadas, de forma a manter sua higidez física e mental, além de propiciar melhor convívio social e familiar, eis que, conhecedor de seu próprio horário de trabalho, pode dispor do tempo livre ao seu talante. Vale dizer, o trabalhador não pode ficar a mercê do empregador quanto ao estabelecimento de jornadas móveis e variáveis, suscetíveis de alterar seu relógio biológico e a quantificação remuneratória (à base das horas laboradas), bem como inviabilizar sua interação e desenvolvimento no meio social, familiar, psíquico e intelectual, em manifesto prejuízo (arts. 9º, 444 e 468 da CLT).

Neste contexto e considerando o desconhecimento do fato pelo preposto, quanto aos horários efetivamente trabalhados pela demandante (fls. 46/47), reputo verdadeira a assertiva lançada na peça de ingresso (item 8, fl. 3), quanto à jornada contratual de 05 horas diárias e 25 semanais.

De outro turno, não se pode olvidar que a confissão real pela reclamada e depoimento da testemunha patronal emergem firmes e induvidosos, quanto à obrigatoriedade de ingresso antes do horário consignados nos controles, para troca de roupa e posicionamento, fato corroborado pela testemunha obreira (fls. 46/49).

Reformo, para deferir horas extras, excedentes da 5ª diária e 25ª semanal, conforme se apurar pelos cartões de ponto (e, na ausência, pela média aritmética), acrescendo-se ao início do expediente 30 (trinta) minutos diários e observando-se o disposto na Orientação Jurisprudencial nº 23, da SDI, do C. TST. Para fins de apuração, observar-se-ão os critérios e repercussões, nos moldes deferidos pelo MM. Juízo de Origem.

4. Do adicional noturno

Irrepreensível a sentença proferida pela MM. Vara de Origem que, de conformidade com o sistema do livre convencimento motivado, da persuasão racional e da valoração das provas (art. 131, CPC), não constatou diferenças de adicional noturno.

Com efeito, da análise da manifestação de fls. 180/183, depreende-se que a autora limitou-se a impugnar os cartões de ponto, sem apontar, analiticamente e por amostragem, quaisquer diferenças, reputando-se, por conseguinte, inexistentes. No particular, registre-se que a exordial não cogita de excedimento após o horário de saída, conforme item 02, fl. 02, constituindo verdadeira inovação (arts. 128 e 460 do CPC).

5. Dos reflexos de horas extras

A reclamante não tem interesse recursal, na medida em que o MM. Juízo a quo deferiu diferenças de horas extras pelo cômputo do adicional noturno, adicional de insalubridade e adicional por tempo de serviço, com as repercussões reflexas (itens 1 e 4 do dispositivo, fl. 337).

6. Dos DSRs majorados

O cômputo do repouso remunerado às horas extras habitualmente prestadas é indiscutível (Enunciado 172, do C. TST) e, por constituírem um “plus” salarial devem compor a remuneração para novas repercussões (inteligência do art. 457, par. 1º, da CLT), não havendo que se falar em bis in idem, porquanto distinto o fato gerador.

Reformo, para deferir reflexos dos DSRs majorados (pelas repercussões de horas extras) nas férias + 1/3, 13º salários e FGTS. .

7. Do intervalo

Não prospera o inconformismo.

Isso porque, reconhecida a jornada contratual de cinco horas, deveria a autora, por força do § 1º do mesmo artigo, usufruir de intervalo de quinze minutos para refeições, os quais foram observados (fato incontroverso). Assim, se, de um lado, o intervalo legal foi observado; de outro, as horas excedentes, à 5ª diária, já foram deferidas, como extras, pena do reprovável bis in idem.

De rigor, portanto, seria o indeferimento do pleito, não se cogitando das repercussões daí decorrentes. Contudo, tendo em vista a vedação de reformatio in pejus, mantenho o julgado de origem.


8. Da integração da alimentação

A alimentação na forma instituída pelas cláusulas convencionais “não integrará, em hipótese alguma, o salário ou a remuneração do empregado” (fls. 25, verso e 35). Por decorrência e de conformidade com os arts. 457, par. 2º, da CLT e 114, do Código Civil, afiguram-se indevidas repercussões a este título.

Nada a reparar.

9. Do reembolso pela lavagem do uniforme

De fato, as cláusulas ajustadas em norma coletiva devem ser observadas e valorizadas, pois fazem lei entre as partes. Inteligência do art. 7º, XXVI da Constituição Federal.

In casu, da prova oral colhida emerge insofismável que a reclamada não cuidou da manutenção e lavagem dos uniformes, nos moldes avençados. Assim, na forma dos arts. 186, 248 e 927 do Código Civil, a impossibilidade da prestação por culpa do devedor resolve-se em perdas e danos, sendo devida a indenização equivalente.

Reformo, para deferir indenização equivalente, observado o teor e vigência das cláusulas convencionais.

10. Da quebra de caixa

Sem razão a recorrente.

A par de a autora não ter-se ativado exclusivamente como caixa, eis que realizava funções e atividades variadas, a testemunha da própria obreira afiançou que eventuais diferenças de caixa eram de responsabilidade do gerente (fl. 48). Logo, revela-se inquestionável não fazer jus ao benefício postulado.

11. Da despedida indireta

Ab initio, cumpre registrar que o pedido de reconhecimento da rescisão indireta do contrato de trabalho revela-se inovador, eis que não fora cogitado na peça de ingresso, cingindo-se a declinar dispensa imotivada (itens 16 e 17, fl. 05).

Ainda que assim não fosse, os documentos de fls. 69/74 – cuja integridade permanece incólume – demonstram que a modalidade rescisória decorreu de pedido de demissão, devidamente homologado pela DRT.

12. Das férias proporcionais

As férias proporcionais foram quitadas (fls. 73/75), sendo certo que, de conformidade com o art. 15, da Lei 8036/90, sobre referida parcela não há incidência do FGTS. Nada a modificar.

13. Do aviso prévio

Como corolário do pedido de demissão e aviso prévio não cumprido, indevido o título postulado, sendo absolutamente inovadora a tese lançada em razões recursais acerca da dispensa de seu cumprimento. Aplicável o art. 487, § 2º da CLT.

14. Dos descontos fiscais – inconstitucionalidade

Não há que se cogitar de inconstitucionalidade do art. 46, da Lei 8.541/92, vez que sua aplicação não importa em violação a dispositivos constitucionais.

Tal dispositivo preceitua que “o imposto sobre a renda incidente sobre os rendimentos pagos em cumprimento de decisão judicial será retido na fonte pela pessoa física ou jurídica obrigada ao pagamento, no momento em que, por qualquer forma, o rendimento se torne disponível para o beneficiário”. Afigura-se, portanto, inquestionável que referido desconto tem como fato gerador a existência de sentença condenatória e a disponibilidade dos valores dela decorrentes ao beneficiário, incidindo sobre a totalidade dos valores recebidos.

Tal situação em nada se assemelha ao pagamento de verbas salariais pagas mensalmente, decorrentes da contraprestação pelos serviços prestados, porquanto absolutamente distinto o fato gerador, não se vislumbrando, por corolário, violação ao princípio da igualdade de todos perante a lei, da isonomia de tratamento aos contribuintes perante o Fisco e da progressividade.

A jurisprudência é assente:

“O Princípio Isonômico para ser aplicado, necessita guardar absoluta correspondência com a situação daqueles que se apresentam como iguais”. (grifos) (TST- 3ª Turma- Proc. RR-3715/84 – Rel. Min. Orlando Teixeira da Costa).

15. Dos descontos previdenciários e fiscais

A matéria está absolutamente superada pelas disposições contidas nos Provimentos TST-CGJT 02/93 e 01/96, Orientações Jurisprudenciais nºs 32 e 228, da SDI-1, do C. TST.

Com efeito, não há que se falar em ausência de retenção da contribuição previdenciária e fiscal “a época própria”. É que estando as parcelas sub judice não constituíam direito e líquido e certo do autor, sendo certo que, somente após decisão judicial, as importâncias passaram a ser exigíveis, surgindo a oportunidade para os devidos recolhimentos. Destarte, os descontos previdenciários decorrem de imposição legal (art. 195, II, CF/88), que definiu, o empregado, como contribuinte obrigatório, suportando, portanto, os encargos atinentes à sua quota parte.

Por oportuno, consigne-se que os descontos fiscais devem ser procedidos de conformidade com o art. 46, Lei 8541/92, que não cogita da aplicação de tabela progressiva para pagamentos “disponíveis” em uma única oportunidade, incidindo sobre a totalidade do crédito, observadas as parcelas tributáveis e os limites de isenção definidos pela Receita Federal. Quanto aos recolhimentos previdenciários, proceder-se-ão mês a mês, respeitado o teto de contribuição e as alíquotas cabíveis, conforme art. 276, par. 4º, do Decreto 3048/99.

Neste contexto, nada a modificar.

16. Da indenização por descontos legais

Nos moldes preconizados pelo art. 186 do Código Civil, de aplicação subsidiária, “aquele que, por ação ou omissão voluntário, negligência, ou imprudência, violar direito e causar dano a outrem, ainda que exclusivamente moral, comete ato ilícito” e tem o dever de reparar, na forma disposto pelo art. 927 do mesmo Diploma.

In casu, não se pode olvidar a inexistência de ato culposo ou doloso pelo empregador, porquanto absolutamente controvertido o direito postulado, sendo certo que, somente após decisão judicial, emergiu a exigibilidade da obrigação de reparar.

Demais disso, emerge insofismável que esta modalidade de obrigação de reparar pertine ao pagamento dos consectários reconhecidos, através da presente ação, devidamente atualizados, restituindo-se as partes ao status quo ante, mediante o pagamento de indenização pelo equivalente ao valor dos títulos postulados e reconhecidos.

Na forma do art. 5º, II, Constituição Federal, improcede indenização pecuniária.

17. Da atualização monetária

Ressalvando entendimento anterior, curvo-me à Orientação Jurisprudencial nº 124, da SDI, do C. TST, no sentido de que as prestações mensais sujeitam-se à atualização monetária desde quando se fizerem exigíveis, ou seja, a partir do 1º dia do mês imediatamente subseqüente ao da prestação de serviços, observada a TR integral. Quanto aos demais títulos (não mensais), a atualização deve ser aplicada a partir do vencimento de cada qual.

Reformo, nestes termos.

18. Dos ofícios

A determinação de expedição de ofícios decorre do poder discricionário do Juiz, no exercício de sua função, estando, expressamente, prevista, nos arts. 659, caput e 765 da CLT e 125, III do CPC. No presente caso, não se vislumbram irregularidades que demandem a reforma do julgado, no particular.

Isto posto, conheço do recurso ordinário, rejeito as preliminares argüidas e, no mérito, DOU PROVIMENTO PARCIAL ao apelo, para acrescer à condenação horas extras, excedentes da 5ª diária e 25ª semanal, acrescendo-se ao início do expediente 30 (trinta) minutos diários e reflexos; reflexos dos DSRs majorados (pelas repercussões de horas extras) nas férias + 1/3, 13º salários e FGTS; indenização pela lavagem de uniformes; bem como reacertar os critérios de atualização monetária, tudo nos termos da fundamentação supra, mantendo, no mais, íntegra a r. sentença de origem. Rearbitro à condenação o valor de R$ 10.000,00 e custas, no importe de R$ 200,00.

LILIAN GONÇALVES

Juíza Relatora

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