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Desembargador suspende projeto Justiça sem Papel

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13 de maio de 2005, 21h02

O projeto Justiça sem Papel foi suspenso pelo desembargador federal Antônio Souza Prudente, do Tribunal Regional Federal da 1ª Região. Fruto de parceria entre o Ministério da Justiça, a Fundação Getúlio Vargas e a Souza Cruz, ele tem como objetivo custear e auxiliar no desenvolvimento de propostas para a modernização do Judiciário brasileiro.

A decisão acatou recurso formulado pelo Ministério Público da União contra decisão da 22ª Vara Federal do Distrito Federal. O órgão alega inconstitucionalidade no financiamento de projetos da Justiça com recursos do setor privado. Na sentença de primeiro grau, o juiz Cleberson José Rocha entendeu pela continuidade do programa já que “o Judiciário será beneficiário dos resultados do programa mediante parceria e que tais recursos serão de domínio público”.

Rocha levou em consideração, ainda, que as propostas de informatização não serão impostas ao sistema jurisdicional brasileiro: cada tribunal terá de manifestar seu interesse na utilização das ferramentas desenvolvidas pelo “Justiça sem Papel”, ou seja, a implementação dos projetos só será levada adiante pelas cortes interessadas.

A decisão do desembargador do TRF-1 se dá em meio à maior mobilização já vista na comunidade Jurídica para discutir meios de melhorar a qualidade do Judiciário brasileiro – objetivo que inevitavelmente passa pela informatização dos tribunais. Um exemplo de sucesso do programa é o Juizado Especial da Ilha do Governador, no Rio de Janeiro. Lá, com a implementação do piloto apoiado pelo “Justiça sem Papel”, a distribuição de um processo ficou 80% mais rápida – o procedimento é feito em cinco minutos. Em São Paulo, onde só agora se começa a pensar em informatização, uma ação demora cinco anos para ser distribuída.

Público X Privado

Para o desembargador Souza Prudente, no entanto, o Judiciário “deve portar-se, no meio social, com eficiência e moralidade, independência e honradez, na oportuna e eficaz distribuição da Justiça, evitando sempre a receptação de ‘oferendas’ financeiras do setor privado, ainda que se lhe apresentem com a máscara dos propósitos mais nobres e socialmente justificáveis”.

Segundo ele, é inadmissível e inconstitucional aceitar qualquer ajuda, “benesse” ou doação de empresas privadas em favor do poder público, em especial de companhia cuja atividade é atentatória à manutenção do ecológico. Prudente classificou, ainda, a parceria de espúria, moralmente reprovável e constitucionalmente repudiada, a ponto de comprometer o bom nome, a moralidade e o grandioso “Papel da Justiça”.

Procurado pela revista Consultor Jurídico, o gestor do “Justiça sem Papel”, Pablo de Camargo Cerdeira afirmou que a FGV dará andamento normal à sua programação até que seja formalmente notificada da decisão. Ainda, segundo ele, o andamento interno das atividades como a seleção dos 92 propostas encaminhados ao projeto. A premiação dos cinco escolhidos está prevista para julho deste ano. A idéia, afirmou, é tentar aumentar o número de propostas que podem ser financiadas com a busca de novos patrocínios.

Polêmica

O desembargador Antônio Souza Prudente é conhecido por decisões recentes que causaram polêmica na comunidade jurídica. Foi dele o entendimento que garantiu, por exemplo, a permanência do empresário Álcio Carvalho Portella numa mansão da União, em Brasília, a custo zero – ele parou de pagar aluguel pelo imóvel desde 1990 quando a proprietária do bem, a Portobrás, foi extinta.

Prudente também condenou a União a pagar cerca de R$ 2,5 bilhões à Vasp por alegadas perdas pela defasagem tarifária, entre 1987 e 1992, enquanto vigorou a política oficial de controle de preços. Em outra decisão, o desembargador determinou que o plantio de soja transgênica fosse proibido no Rio Grande do Sul e toda a produção do grão incinerada.

Isenção

Parcerias entre os setores privados e o Judiciário não são novidades no Brasil. Um dos tribunais de Justiça mais informatizados e eficientes do Brasil, o do Rio de Janeiro, por exemplo, possui acordo com a empresa Cobra Tecnologia. Nos últimos dois anos, ela cedeu mais de cinco mil computadores à corte fluminense. O aluguel de 20 prédios da Justiça Federal de São Paulo é pago pela Nossa Caixa e o combustível da Justiça itinerante da primeira região é doado pela Petrobrás, sem que a isenção do Judiciário seja comprometida.

“Nosso projeto é todo montado para resistir a qualquer tipo de influência no entendimento dos juízes e desembargadores. Além disso, eles possuem prerrogativas e o sistema conta com o duplo grau de jurisdição para garantir a isenção do julgamento”, afirma Cerdeira.

“Não custeamos o Judiciário em si, custeamos e desenvolvemos projetos que são tornados livres e cedidos a ele”, diz. O “Justiça” já conta com um parecer do Tribunal de Contas da União segundo o qual não existe qualquer ilegalidade no processo.

“A participação da Souza Cruz deve ser vista, na realidade, como uma demonstração de responsabilidade social da companhia. O fato de fabricar um produto nocivo à saúde e ao meio ambiente não significa que atue ilegalmente”, pondera a presidente do Instituto Nacional da Qualidade do Judiciário, Elizabeth Leão. Para ela, a parceria é um incentivo à prestação jurisdicional e a “sociedade precisa participar da imensa responsabilidade que é buscar a modernização da Justiça, já que o Estado não é capaz de prover os órgãos de Justiça” com os recursos necessários.

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