Débito pendente

Carro alienado pode ser bloqueado para pagar dívida

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11 de maio de 2005, 10h46

O carro comprado a prestação não pode ser penhorado, pois ainda não está incorporado definitivamente ao patrimônio do executado. Entretanto, pode ser bloqueado em favor do credor em ação trabalhista e só poderá ser alienado com autorização judicial. O entendimento é da 3ª Turma do Tribunal Regional do Trabalho da 2ª Região (São Paulo).

A Justiça do Trabalho garantiu a uma ex-empregada da Medi Care Assistência Médica o direito de receber verbas trabalhistas devidas pela empresa. Como a empresa não quitou a dívida com a ex-funcionária, ela pediu à 2ª Vara do Trabalho de Barueri que fosse penhorado o carro de um dos sócios da empresa. A primeira instância negou o pedido, pois o automóvel financiado não estava quitado.

A ex-empregada recorreu ao TRT-SP. Sustentou que não existem impedimentos para penhorar o carro, já que “o contrato de alienação fiduciária se equipara com o leasing e não afeta a disponibilidade do bem”, pois o ônus que incide sobre o bem se transfere com a venda em leilão público.

O relator, juiz Eduardo de Azevedo Silva, considerou que “o executado não tem — não ao menos ainda — os direitos de propriedade do veículo, ou seja, o bem não se incorporou ainda ao patrimônio do executado”.

O relator observou, entretanto, que o sócio da Medi Care tem direitos em relação à instituição financeira em razão dos valores já pagos. De acordo com o contrato juntado ao processo, metade dívida já deve estar quitada.

Para o juiz Eduardo, “nesse contexto, nada impede a constrição sobre os direitos que o executado já tem em face do seu credor. E isso, mesmo na hipótese de leasing, pois já se sabe muito bem que, em se tratando de veículo de uso comum, notadamente em relação à pessoa física, essa forma de locação, na verdade, obriga o (suposto) locatário a pagar antecipadamente o valor residual diluído entre todas as parcelas, e já desde a primeira. Vale dizer, é um leasing desvirtuado, pois na realidade não há locação, mas aquisição do bem”.

O juiz relator destacou ainda que “não se está interferindo, de forma alguma, na execução do contrato e nem, menos ainda, na esfera patrimonial da instituição financeira, que, afinal, nada tem a ver com a execução trabalhista. Apenas se reservam ao exeqüente eventuais direitos que tem o executado nesse contrato, seja em relação ao veículo, futuramente (com a alienação, quitadas as prestações), seja em relação aos valores já quitados, que têm significado econômico numa eventual rescisão do contrato por inadimplemento”.

O relator determinou a “constrição dos direitos do executado” em relação ao contrato de compra do veículo, “intimando-se o contratante credor a não praticar qualquer ato que implique alienação do bem senão mediante autorização judicial”. A decisão não foi unânime.

AP 00531.1995.202.02.00-0

Leia a íntegra do voto

AGRAVO DE PETIÇÃO

Processo TRT/SP Nº 00531.1995.202.02.00-0 (20050076242)

ORIGEM: 2ª VARA DO TRABALHO DE BARUERI

AGRAVANTE: MARIA AUXILIADORA PEREIRA DA SILVA

AGRAVADO: MEDI CARE ASSISTÊNCIA MÉDICA LTDA.

EXECUÇÃO. PENHORA SOBRE DIREITOS. ALIENAÇÃO FIDUCIÁRIA E LEASING. Não pode ser objeto de penhora o bem adquirido a prestações pelo executado, mediante alienação fiduciária ou em regime de leasing, já que ainda não incorporado definitivamente ao seu patrimônio, o que, todavia, não impede a constrição sobre os direitos do executado em relação ao contrato, mesmo em se tratando de leasing, que é, na hipótese, forma desvirtuada de locação, uma vez que, antecipado o pagamento do valor residual, eliminam-se as opções de renovação da locação e de devolução do bem, encerrando autêntico contrato de compra e venda a prestações.

V O T O

Trata-se de Agravo de Petição, oposto pela exeqüente, a fls. 2/5, insurgindo-se contra a sentença de fl. 90, pela qual o juízo de origem indeferiu a penhora de veículo de sócio da executada. Sustenta a agravante, em suma, que não há óbice à penhora do veículo indicado, apesar da garantia que pesa em favor de terceiro (Banco FIAT ou ITAULEASING). Argumenta que o contrato de alienação fiduciária se equipara com o leasing e não afeta a disponibilidade do bem, eis que o gravame se transfere com a venda em hasta pública.

Não há resposta.

É o relatório.

Atendidos os pressupostos de admissibilidade, conheço.

Insiste o agravante na penhora do veículo descrito a fl. 75 ou, alternativamente, sobre os direitos do executado em relação ao referido bem.

De fato, não se pode perder de vista que a lei permite a penhora de “créditos e de outros direitos patrimoniais”, como se defluiu do disposto nos artigos 671 a 676 do Código de Processo Civil.

Não está claro nos autos se o veículo foi adquirido pelo executado mediante alienação fiduciária ou em regime de leasing (a cópia do documento de fl. 70 está incompleta). De qualquer forma, seja numa ou noutra hipótese, o certo é que o executado não tem – não ao menos ainda – os direitos de propriedade do veículo, ou seja, o bem não se incorporou ainda ao patrimônio do executado. Logo, o veículo não pode ser objeto de constrição judicial.

De outro lado, também não há dúvida de que o executado tem direitos em relação ao seu credor (instituição financeira), em razão dos valores já pagos. O contrato, pelo que mostra o documento de fl. 86, prevê o pagamento de 36 parcelas, sendo em junho de 2004 dez já estavam pagas. A última está prevista para julho de 2006. A essa altura, portanto, metade das prestações já deve estar quitada. Supõe-se, pois não há mais notícias nos autos, além do que foi informado pela instituição financeira a fl. 86.

Nesse contexto, nada impede a constrição sobre os direitos que o executado já tem em face do seu credor. E isso, mesmo na hipótese de leasing, pois já se sabe muito bem que, em se tratando de veículo de uso comum, notadamente em relação à pessoa física, essa forma de locação, na verdade, obriga o (suposto) locatário a pagar antecipadamente o valor residual diluído entre todas as parcelas, e já desde a primeira. Vale dizer, é um leasing desvirtuado, pois na realidade não há locação, mas aquisição do bem.

Note-se o seguinte:

“0 arrendamento mercantil, também denominado leasing, é, em linhas gerais, um negócio jurídico de financiamento, que toma a forma de uma locação de bens móveis ou imóveis, onde o locador atribuí ao locatário o direito de opção entre renovar a locação, devolver o bem ou comprá-lo, pagando então apenas o valor residual nele previsto, findo o prazo contratual” (Aramy Dornelles da Luz, Negócios Jurídicos Bancários – Banco Múltiplo e seus Contratos, Editora Revista dos Tribunais, p. 194).

Daí que se o contrato exclui do locatário as duas outras opções, a de renovar a locação e a de devolver o bem, fica então evidente que de locação não se trata, mas de autêntica aquisição.

Aliás, é nesse sentido que se firmou a jurisprudência no Superior Tribunal de Justiça, como exemplifica esta Ementa:

“LEASING. VRG antecipado. Juros. – A cobrança antecipada do VRG descaracteriza o contrato de leasing. Precedentes” (RESP 316652/GO; RECURSO ESPECIAL 2001/0040049-3; Rel. Ministro Ruy Rosado de Aguiar, 4ª Turma, 20/09/2001, DJ 19.11.2001, p. 284).

Num tal contexto, não vejo obstáculo para se permitir a penhora sobre os direitos do executado em relação a esse contrato, que envolve, bem se vê, verdadeira aquisição, ou seja, é contrato de compra e venda a prestação.

Claro que também é remota a hipótese de se conseguir interessados nesses direitos em eventual leilão. Até porque o inadimplemento das obrigações pelo executado implicará medidas judiciais pela instituição financeira, para reaver o bem, de sorte que o adquirente desses direitos terá que se envolver nessa disputa judicial, cujo êxito, já se sabe, é incerto.

Tudo isso, porém, não impede, insisto, a constrição judicial desses direitos, bastando que fique intimado o credor do executado a não praticar qualquer ato que implique alienação do veículo, senão mediante autorização judicial.

Anoto que também há precedentes do Superior Tribunal de Justiça permitindo a penhora sobre direitos na hipótese de alienação judiciária, como aqui:

PROCESSUAL CIVIL. LOCAÇÃO. PENHORA. DIREITOS. CONTRATO DE ALIENAÇÃO. FIDUCIÁRIA. VIOLAÇÃO AO ART. 535, DO CPC. INEXISTÊNCIA. I – Não ocorre ofensa ao art. 535, II, do CPC, tampouco recusa à apreciação da matéria, se o e. Tribunal de origem fundamentadamente apreciou a controvérsia. II – O bem alienado fiduciariamente, por não integrar o patrimônio do devedor, não pode ser objeto de penhora. Nada impede, contudo, que os direitos do devedor fiduciante oriundos do contrato sejam constritos (RESP 679821/DF; Rel. Ministro FELIX FISCHER, 5ª Turma, 23/11/2004, DJ 17.12.2004 p. 594, destaque não original).

Que fique bem destacado o seguinte: não se está interferindo, de forma alguma, na execução do contrato e nem, menos ainda, na esfera patrimonial da instituição financeira, que, afinal, nada tem a ver com a execução trabalhista. Apenas se reservam ao exeqüente eventuais direitos que tem o executado nesse contrato, seja em relação ao veículo, futuramente (com a alienação, quitadas as prestações), seja em relação aos valores já quitados, que têm significado econômico numa eventual rescisão do contrato por inadimplemento.

Daí porque, concluindo, dou provimento ao agravo, para determinar a constrição dos direitos do executado em relação ao contrato referido no documento de fl. 86, intimando-se o contratante credor a não praticar qualquer ato que implique alienação do bem senão mediante autorização judicial, comunicando também ao juízo da execução, e imediatamente, qualquer medida que venha tomar contra o devedor em relação à execução do contrato.

É como voto.

Juiz Eduardo de Azevedo Silva

Relator

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