Mercado não resolve

Poder Público deve intervir para sanear a Varig

Autor

  • Jorge Lobo

    é advogado professor e procurador de Justiça aposentado do Rio de Janeiro. Mestre em Direito da Empresa pela UFRJ e doutor e livre-docente em Direito Comercial pela Uerj.

8 de maio de 2005, 10h19

O Poder Executivo deve decretar, imediatamente, a intervenção na Varig ou seus gravíssimos problemas podem ser resolvidos através da alienação do controle da companhia a investidores privados nacionais ou estrangeiros, e do equacionamento de parcela substancial de suas dívidas com fundamento na Lei de Recuperação da Empresa — LRE?

A “solução de mercado”, sempre desejável numa economia capitalista, e a composição consensual de dívidas, factível quando perseguida a tempo e a hora, são inexeqüíveis no caso da Varig.

Primeiro, porque a Varig não pode permanecer nove meses sem que ocorra uma mudança drástica em sua diretoria e no seu conselho de administração (três meses até a entrada em vigor da LRE e mais seis para aprovar o plano de reestruturação e saneamento).

Segundo, porque eventuais interessados na aquisição do controle societário da Varig só concluirão a compra após perfeito, completo e cabal conhecimento da situação dos negócios sociais, atestada por uma ou mais empresas de auditoria de primeira linha com base em parecer técnico com milhares de informações e instruído com centenas de documentos. O que demandará árduo trabalho e, de novo, um bom tempo.

Terceiro, porque a definição precisa de todas as cláusulas e condições contratuais possíveis, particularmente quanto às contas ativas e passivas e ao patrimônio líquido, exigirá meticulosos estudos e detalhada análise de riscos, os quais consumirão também vários meses.

Quarto, porque a venda do controle de uma empresa em estado de crise econômico-financeira baseia-se no princípio da transparência, ao qual é infensa a Fundação Rubem Berta, como se tornou público e notório com a decisão de não autorizar seus competentes assessores técnicos a comparecer e a prestar esclarecimentos sobre o plano de recuperação da companhia na audiência pública realizada na Câmara dos Deputados no dia 10 de março último. Mesmo após haver se comprometido com o vice-presidente José Alencar e com a deputada Yeda Crusius, coordenadora dos trabalhos do “Grupo Parlamentar Misto em Defesa da Varig”.

Quinto, porque o “padrão de qualidade Varig”, nos vôos nacionais e internacionais, vem caindo, assustadoramente, dia após dia, o que exige medidas rápidas e eficazes, incompatíveis com o ritmo lento de um processo judicial, lastreado em uma nova legislação, sofisticada em sua forma, complexa em sua execução.

Assim, à suposição de que à Varig só resta a “solução de mercado” nos autos de uma ação de recuperação judicial, invoco a lição do filósofo alemão Gadamer, falecido em 2002, aos 102 anos, segundo o qual “a realização dos fins justos não podem ser totalmente calculados de antemão, mas dependem de cada situação específica” (José Ricardo Cunha,A Justiça diante da lei na razão jurídica contemporânea), de cada caso concreto.

Na Itália, com respaldo na “Justiça do caso concreto”, o Poder Executivo, para salvar a Parmalat, editou lei especial, destituiu todos os administradores e nomeou interventor. Alguns meses após, para socorrer a Volare, companhia aérea de pequeno porte, com pouco mais de 400 empregados, modificou a citada lei, que só se aplicava a empresas com mais de mil empregados, encontrando-se hoje ambas as companhias no caminho da reestruturação.

No Brasil, sendo a Varig uma concessionária de serviço público de transporte aéreo de passageiros e cargas, não há mister promulgar lei alguma, bastando que o Poder Executivo, inspirado nos princípios constitucionais da ordem econômica, em especial o do pleno emprego (Constituição Federal, artigo 170, VIII), cumpra, fiel e exemplarmente o artigo 188, do Código Brasileiro de Aeronáutica, que lhe atribui o “poder-dever” de intervir nas companhias aéreas quando a sua “situação operacional, financeira ou econômica ameace a continuidade dos serviços, a eficiência ou a segurança do transporte aéreo”.

Intervir para, de imediato, afastar os atuais gestores e, na forma da Lei das Sociedades Anônimas, no momento próprio, convocar assembléia geral extraordinária de acionistas, para decidir os destinos da companhia e de sua acionista controladora.

Intervir não para liquidar e dissolver, mas para reestruturar, sanear e recuperar a maior empresa de aviação do país e da América Latina, um dos símbolos da nacionalidade e, durante anos a fio, modelo de organização, eficiência e qualidade, conforme ressaltado por inúmeros ilustres deputados federais na sessão do último dia 10 de março.

Por isso, sob a segura e esclarecida orientação do vice-presidente José Alencar, vitorioso empresário e notável homem público, numa eloqüente demonstração de que, hoje, entre nós, “o Direito é uma força viva, movida pela luta e baseada na idéia de Justiça” (Rudolf von Ihering), o Poder Executivo deve decretar, imediatamente, a intervenção na Varig.

Autores

  • é mestre em Direito da Empresa pela UFRJ, doutor e livre docente em Direito Comercial pela UERJ e especialista em aquisição, reorganização e recuperação de empresas

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