Fonte de renda

Justiça quebra sigilo bancário de vereadora petista

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4 de maio de 2005, 17h58

O juiz Marcelo Sérgio, da 2ª Vara da Fazenda Pública, quebrou o sigilo bancário da vereadora Claudete Alves da Silva Souza. A quebra de sigilo envolve as contas bancárias, os cartões de créditos e aplicações financeiras no período entre outubro de 2002 e fevereiro de 2004. Claudete é investigada pelo Ministério Público paulista desde setembro do ano passado, suspeita de enriquecimento ilícito.

O Ministério Público ingressou com ação contra a vereadora Claudete Alves da Silva Souza (PT), Jefferson Luiz de Souza (marido de Claudete) e Maciel Silva Nascimento (ex-chefe de gabinete da vereadora). A ação foi proposta, em novembro do ano passado, à 2ª Vara da Fazenda Pública.

A vereadora está sendo investigada por causa de denúncia de suposto caixa dois. A denúncia foi apresentada por uma ex-funcionária de seu gabinete. A servidora foi demitida pela vereadora.

Com base no depoimento da funcionária, a Promotoria de Justiça da Cidadania obteve a quebra do sigilo bancário da vereadora , de seu marido e de seu ex-chefe de gabinete, também citados na denúncia. Segundo o MP apurou, a vereadora teria um padrão de vida e de consumo incompatível com sua renda e patrimônio.

O resultado apontou movimentação de bens não declarados pela petista. Claudete declarou ao Fisco ter como fonte de renda o salário bruto de vereador de R$ 7.155,00 e um apartamento ainda financiado no valor de R$ 185 mil. O total declarado pela vereadora foi de R$ 222 mil.

Claudete foi eleita como 2ª suplente nas eleições de 2000. Em 2002, ela assumiu provisoriamente o mandato, no lugar de Adriano Diogo. No ano passado foi reeleita para o cargo.

Leia a íntegra da decisão

Vistos.

O Ministério Público do Estado de São Paulo pretende a quebra do sigilo bancário de CLAUDETE ALVES DA SILVA SOUZA, vereadora do Partido dos Trabalhadores também conhecida como Claudete Alves, como também de JEFFERSON LUIZ DE SOUZA e de MACIEL SILVA NASCIMENTO, a dizer, em resumo, que, no inquérito civil nº 11/2004, os secretários parlamentares da vereadora, Lucélia dos Santos Sales e Jorge Antônio Sales, relataram que a vereadora teria se apropriado de parte significativa de seus vencimentos, como também de outros assessores do gabinete, incluindo dois assessores que apenas assinavam o ponto e não trabalhavam na Câmara Municipal. Aduz que, com tal manobra, a vereadora conseguia a devolução de quantia que superava vinte mil reais mensais, o que era administrado e/ou arrecadado por MACIEL SILVA NASCIMENTO (principal assessor da vereadora) e também por JEFFERSON LUIS DE SOUZA (filho da vereadora).

Decido.

Presentes estão os pressupostos para a concessão da tutela, de natureza satisfativa.

A inicial veio instruída com termo de declarações de ex-funcionários do Gabinete da Vereadora, prestados perante a Promotoria de Justiça da Cidadania da Capital, por meio dos quais é possível inferir-se que a vereadora, por meio de Maciel Silva Nascimento e Jefferson Luis de Souza, apropriava-se de boa parte dos vencimentos dos funcionários, havendo, dentre esses, funcionários que apenas assinavam o ponto e não trabalhavam na Câmara.

Destaco:

Que trabalhou como secretária parlamentar da vereadora de fevereiro de 2003 a fevereiro de 2004;… Que a vereadora somente ficou com o cartão de João Carlos Moreno, funcionário fantasma, que nunca trabalhou no local; Que a movimentação da conta de João Carlos Moreno era efetuada pela vereadora ou pelo seu filho Jéferson, que é assessor do Deputado Estadual Marcelo Cândido; Que a declarante, no início, foi orientada pela vereadora a entregar R$ 1.000,00 (um mil reais) para João Carlos Moreno, mas, posteriormente, referida quantia foi reduzida para R$ 500,00 (quinhentos reais);… Outra funcionária que sempre foi fantasma é Brenda Maira Tiago Candido; Que Brenda nunca trabalhou no local, mas pelo que a declarante percebeu tratava-se de uma troca de favores, isto é, Brenda, esposa do Deputado Estadual Marcelo Candido, também do PT (Partido dos Trabalhadores), estava lotada como funcionária da vereadora Claudete, ao passo que o filho da última constava como assessor do deputado; Que a vereadora sempre deixou bem claro que os salários de João Carlos Moreno e de Jorge Antonio Sales eram para a sua pessoa; Que Jorge somente recebia R$ 800,00 (oitocentos reais), pois era obrigado a devolver o saldo para a declarante, que o repassava para a vereadora;… Que todos os pagamentos eram efetuados à vereadora entre os dias 25 e no mais tardar no dia 30,… Caso algum assessor se recusasse a repassar o dinheiro, seria exonerado;… Que a declarante sabe que a vereadora comprou um apartamento, financiado pelo Banco de Minas Gerais, na Avenida Lins de Vasconcelos;… Que a vereadora tem origem bastante humilde e sustenta algumas pessoas de sua família, dentre elas o seu irmão Antonio Sebastião Alves, a quem a própria declarante entregava, a mando da vereadora, mensalmente a quantia de R$ 1.300,00… Que a vereadora fazia inúmeros gastos particulares com o seu cartão de crédito, como exemplo o presente de casamento da Prefeita Marta, que custou R$ 720,00… (Lucélia dos Santos Sales, fls. 22/29).

Quando foi admitido, o declarante ficou sabendo que seria obrigado a devolver parte dos vencimentos ao gabinete, mas não tinha conhecimento dos detalhes dessa devolução. O declarante ganhava mensalmente da Câmara Municipal de São Paulo a quantia de R$ 4.930,00, mas era obrigado a devolver cerca de R$ 4.130,00 todo o dia 25 do mês (ficava com apenas R$ 800,00). Dos dezoito assessores, pelo menos 12 devolviam parte de seus vencimentos à vereadora CLAUDETE ALVES… Portanto, a vereadora recebia, para si, de dinheiro desviado dos assessores, cerca de R$ 16.500,00 por mês, em média…. Havia dois funcionários “fantasmas” no gabinete, que praticamente apareciam apenas para receber os vencimentos e devolver uma parte ao gabinete…. Quem coordenava o recebimento do dinheiro eram a vereadora CLAUDETE ALVES e o chefe de gabinete MACIEL DA SILVA NASCIMENTO. (Jorge Antonio Sales, fls. 34/35).

Que trabalhou na Câmara Municipal de fevereiro de 2003 a fevereiro de 2004; Que entrou como secretário parlamentar da vereadora Claudete, mas não ficava no gabinete; Que foi orientado a abrir a conta corrente na agência do Banespa da Câmara Municipal, a pegar o cartão e a cadastrar a senha; Que depois, Maciel orientou o declarante a entregar o cartão e a senha, esclarecendo que o declarante não movimentaria a conta e passaria no gabinete, todo mês, para receber; Que nunca trabalhou no local, mas passava por lá;… Que não recebia o salário integral, mas entendia porque quase não ficava no local; (João Carlos Pereira Moreno, fls. 36/38).


Existem, ainda, extratos bancários de Jorge Antonio Sales e de João Carlos Pereira Moreno por meio dos quais é possível notar que quase todo o valor dos vencimentos era retirado, em dinheiro, por meio de cartão, poucos dias depois do recebimento, o que demonstra certa anormalidade para quem necessita movimentar a conta ao longo do mês para suas próprias despesas.

Do exposto, nota-se que o inquérito civil instaurado pelo Ministério Público do Estado de São Paulo tem, efetivamente, razoável documentação a apontar para possível conduta ilegal praticada pela vereadora.

Tais atos, se comprovados, podem ser enquadrados como sendo de enriquecimento ilícito e ofensivos à moralidade administrativa, passível de ressarcimento ao erário público.

Demonstrado, outrossim, a necessidade da medida, porquanto somente com a investigação da movimentação bancária e da movimentação dos cartões de crédito dos investigados é que será possível ao Ministério Público comprovar suas alegações, verificando se o aporte de recursos movimentados seria compatível com os vencimentos auferidos pelos investigados.

Será possível, de outro lado, demonstrar que os investigados que não receberam os vencimentos dos funcionários do Gabinete da vereadora. Ou seja, é medida que somente tem por finalidade a apuração da verdade material, podendo beneficiar um (o Ministério Público) ou outros (os investigados).

A Lei Complementar nº 105/01, ao explicitar que as Comissões Parlamentares de Inquérito e mesmo o Poder Legislativo têm acesso direto às movimentações bancárias dos investigados (independentemente de ordem judicial), deixa claro que a medida não está restrita a processos judiciais em curso. Aliás, ao conferir poderes investigatórios ao Ministério Público em sede de procedimento extrajudicial (o inquérito civil), a Constituição Federal indiretamente autorizou que deste procedimento surjam as medidas necessárias a garantir o bom andamento das investigações, ainda que por meio de ações cautelares (art. 4º da lei 7347/85).

Aliás, existe no nosso ordenamento jurídico medida mais extremada que pode ser decretada sem a existência de processo judicial e sem a observância do contraditório, desde que presentes os pressupostos legais e a necessidade da medida para a investigação: a prisão temporária.

Daí porque dispensável, no momento, a observância do contraditório, uma vez que a presente medida tem caráter satisfativo e é decretada ainda na fase inquisitorial. Nessa fase, o interesse prevalente é o do interesse público.

Os procedimentos administrativos visam à colheita de elementos para eventual e futuro processo judicial, não se revestindo das mesmas peculiaridades destes. Não há partes em confronto, ainda, mas apenas fatos que podem incriminar ou não pessoas físicas ou jurídicas. Não se há de falar, portanto, em obediência aos princípios do contraditório e da ampla defesa.

O contraditório, evidentemente, será observado posteriormente, desde que o Ministério Público do Estado de São Paulo encontre provas seguras para dar início a uma ação judicial.

Sobre o tema, confira-se:

2. A quebra do sigilo bancário encerra um procedimento administrativo investigatório de natureza inquisitiva, diverso da natureza do processo, o que afasta a alegação de violação dos Princípios do Devido Processo Legal, do Contraditório e da Ampla Defesa.

3. O sigilo bancário não é um direito absoluto, deparando-se ele com uma série de exceções previstas em lei ou impostas pela necessidade de defesa ou salvaguarda de interesses sociais mais relevantes. (Vide §§ 3º e 4º do art. 1º e art. 7º da Lei Complementar 105/2001). (STJ, ROMS nº 15146/SC, reg. nº 200200876097, 1ª T., Rel. Min. Luiz Fux, j. 18.3.2003, vu, DJ 7.4.2003, p. 132).

1. A parla de relevante interesse público e social, ampliou-se ao âmbito de atividades do Ministério Público para realizar atividades investigatórias, alicerçando informações para promover o inquérito e ação civil pública (C.F., arts. 127 e 129, III, – Lei 7.347/85, arts. 1º e 5º).

2. O sigilo bancário não é um direito absoluto, quando demonstradas fundadas razões, podendo ser desvendado por requisição do Ministério Público em medidas e procedimentos administrativos, inquéritos e ações, mediante, requisição submetida ao Poder Judiciário.

3. A “quebra de sigilo” compatibiliza-se com a norma inscrita no art. 5º, X e XII, C.F., consono jurisprudência do STF.

4. O princípio do contraditório não prevalece no curso das investigações preparatórias incetadas pelo Ministério Público (RE 136.239 – Ag.Reg. em inquérito 897 – DJU de 24.03.95).

5. Não constitui ilegalidade ou abuso de poder, provimento judicial aparelhando o MP na coleta de urgentes informações para apuração de ilícitos civis e penais. (STJ, ROMS nº 8716/GO, reg. nº 199700455234, 1ª T., Rel. Min. Milton Luiz Pereira, j. 31.3.1998, vu, DJ 25.5.1998, p. 11).


Último ponto que deve ser enfrentado diz respeito ao período solicitado pelo Ministério Público do Estado de São Paulo (de outubro de 2002 a fevereiro de 2004), pois abriga período anterior à posse de CLAUDETE ALVES como vereadora.

Efetivamente, a pretensão tem pertinência, uma vez que, de posse das movimentações financeiras dos investigados no período que antecede a quatro meses da posse, será possível ao Ministério Público do Estado de São Paulo investigar se as movimentações foram uniformes durante todo o período ou se passaram a receber maiores aportes a partir da posse da vereadora.

Com esses fundamentos:

a) DECRETO A QUEBRA DO SIGILO BANCÁRIO no período de outubro de 2002 a fevereiro de 2004 para as contas correntes das contas bancárias e das aplicações financeiras em nome de CLAUDETE ALVES DA SILVA SOUZA (título de eleitor nº 01.588.268.801-41 e CPF nº 042.808.568-77), de JEFFERSON LUIZ DE SOUZA (RG nº 28.019.382-8 e CPF nº 296.311.568-77), e de MACIEL SILVA NASCIMENTO (RG nº 17.809.530-8 e CPF nº 074.665.218-60).

Para tal fim, expeça-se ofício ao Banco Central do Brasil, consignando que os documentos deverão ser remetidos ao Ministério Público do Estado de São Paulo (rua Minas Gerais, nº 316, 6º andar, CEP 01244-010, São Paulo, Capital);

b) DECRETO A QUEBRA DO SIGILO FISCAL, a partir do exercício de 2002 (já que não justificada a extensão a períodos anteriores), inclusive, de CLAUDETE ALVES DA SILVA SOUZA, devendo, para tal fim, expedir-se ofício à Superintendência Regional da 8ª Região Fiscal da Secretaria da Receita Federal, consignando que os documentos deverão ser remetidos ao Ministério Público do Estado de São Paulo (rua Minas Gerais, nº 316, 6º andar, CEP 01244-010, São Paulo, Capital);

c) DECRETO A QUEBRA DO SIGILO PERTINENTE À MOVIMENTAÇÃO DOS CARTÕES DE CRÉDITO, a partir de outubro de 2002 (já que não justificada a extensão a períodos anteriores), de CLAUDETE ALVES DA SILVA SOUZA.

Para tal fim, expeçam-se ofícios às empresas American Express, Visa, Credit Card, Mastercard e Diners, conforme endereços indicados a fls. 73.

Consigne-se nos ofícios que os documentos deverão ser remetidos ao Ministério Público do Estado de São Paulo (rua Minas Gerais, nº 316, 6º andar, CEP 01244-010, São Paulo, Capital).

d) Diante das informações constantes nos autos, DECRETO o segredo de Justiça;

e) A considerar que o Ministério Público não fez qualquer referência sobre a necessidade de os investigados não terem ciência da presente medida, até porque não têm eles ingerência sobre os dados que serão obtidos, determino que os investigados sejam cientificados da presente decisão, por Oficial de Justiça.

Deverá, oportunamente, o Ministério Público comunicar a chegada dos documentos, para a extinção do presente expediente.

São Paulo, 8 de novembro de 2004.

Marcelo Sergio

Juiz de Direito

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