Acidente de trabalho

Estatísticas mostram tragédia dos acidentes de trabalho

Autor

  • Luiz Salvador

    é presidente da ALAL diretor do Departamento de Saúde do Trabalhador da JUTRA assessor jurídico de entidades de trabalhadores membro integrante do corpo técnico do Diap do corpo de jurados do Tribunal Internacional de Liberdade Sindical (México) da Comissão Nacional de Relações internacionais do Conselho Federal da OAB e da comissão de juristas responsável pela elaboração de propostas de aprimoramento e modernização da legislação trabalhista instituídas pelas Portarias-MJ 840 1.787 2.522/08 e 3105/09.

2 de maio de 2005, 12h30

A legislação brasileira que visa proteger a saúde dos trabalhadores é avançada, preocupando-se em assegurar ao trabalhador a realização da dignidade humana, pela valorização social do trabalho, objetivos esses, dentre outros enunciados que constituem fundamentos do Estado Democrático de Direito (CF, artigo 1º, incisos III e IV).

Os objetivos do Estado encontram-se enumerados no artigo 3º da mesma Carta Política vigente: I- construção de uma sociedade livre, justa e solidária; II – garantia do desenvolvimento nacional; III – erradicação da pobreza , da marginalização e da redução das desigualdades sociais e regionais; IV –a promoção do bem de todos, sem preconceitos de origem, raça, sexo, cor, idade e quaisquer outras formas de discriminação, sendo que o inciso II do artigo 4º, assegura a prevalência dos direitos humanos, e a garantia à inviolabilidade do direito à vida encontra-se protegido pelo artigo 5º (caput).

Todos os cidadãos têm direito a um meio ambiente equilibrado (CF, art. 225). E, em especial, os trabalhadores.

A preocupação encontra-se reformada pela Lex Legum ao garantir a redução dos riscos por meio de normas de saúde, higiene e segurança (incisos XXII) e ao responsabilizar o empregador para que arque com os custos do seguro contra acidentes e doenças ocupacionais, acrescido do dever de indenizar os prejuízos ocasionados ao trabalhador, pelos descuidos, omissões, abusos (atos ilícitos), como se extrai do exame do inciso XXVIII, ambos do artigo 7º.

Toda a construção da Constituição Cidadã tem em vista o homem, o direito à cidadania, onde a prevalência é a do social:

– a propriedade atenderá à sua função social (CF, artigo 5º, inciso XXIII);

– função social da propriedade (CF, artigo 170, inciso III).

Por último, o Novo Código Civil (artigo 1.228) abandonou a concepção privativista, adotando o princípio da prevalência do social e ao prescrever que o proprietário tem a faculdade de usar, gozar e dispor da coisa, e o direito de reavê-la do poder de quem quer que injustamente a possua ou detenha, impõe, por outro lado, a obrigação de exercer o direito de propriedade em consonância com as suas finalidades econômicas e sociais e de modo que sejam preservados, de conformidade com o estabelecido em lei especial, a flora, a fauna, as belezas naturais, o equilíbrio ecológico e o patrimônio histórico e artístico, bem como evitada a poluição do ar e das águas, tudo visando a um desenvolvimento sustentável, assegurando-se às gerações futuras condições seguras à prevalência da vida.

Essa evolução legislativa em favor da dignidade da pessoa humana teve significativo avanço com a Declaração Universal dos Direitos Humanos de 1948, com decorrência da necessidade de se implantar no mundo o ideário da edificação de sociedades livres e democráticas.

Assim, houve o reconhecimento da dignidade da pessoa humana, inerente a todos os membros de qualquer família humana, bem como de seus direitos à cidadania e como direitos inalienáveis, tudo visando à distribuição de justiça e busca da paz no mundo.

A Declaração em comento já em seu artigo 1º reconhece o direito de as pessoas nascerem livres e iguais em dignidade e direitos, sendo que o artigo 3º assegura o direito à vida, à liberdade, à segurança pessoal e o artigo 8º, por seu lado, assegura o direito de a pessoa receber dos tribunais nacionais competentes o remédio efetivo para os atos que violem os direitos fundamentais que lhe sejam reconhecidos pela constituição ou pela lei.

Dada a importância do reconhecimento dessas garantias universais, já em 1966 o Pacto Internacional dos Direitos Econômicos, Sociais e Culturais reafirma todos esses direitos esposados pela Declaração dos Direitos Humanos, buscando-se o ideário do atingimento do bem-estar geral a todos os cidadãos, como obrigação maior de uma sociedade democrática. Os Estados Membros e presentes no Pacto reconheceram o direito de toda pessoa à possibilidade de ganhar a vida mediante um trabalho livremente escolhido. Reafirmou também a obrigação do Estado de promover o bem comum, e o direito de toda pessoa de desfrutar o mais elevado nível de saúde física e mental (art. 12).

Apesar de todo esse aparato jurídico consagrado, as estatísticas continuam a demonstrar um quadro de gravidade e de tragédia nacional, em que milhares de trabalhadores encontram no ambiente de trabalho infortúnios ocupacionais e acidentários e mesmo a própria morte, ou a entrada num mundo de exclusão e de discriminação, diante das mutilações e das seqüelas as mais diversas de que são vítimas. Isso ocorre exatamente pela omissão do Estado na cobrança do cumprimento da legislação da infortunística. A prática dos atos ilícitos conhecidos, tais como abusos e omissões, são incentivados justamente pela falta de fiscalização efetiva e pontual de nossas autoridades governamentais e pela certeza da impunidade.


Ainda por esses dias, o Delegado Regional do Trabalho no estado do Paraná, Dr. Geraldo Serathiuk, nos deu um quadro que reforça essas denúncias, demonstrando que naquele estado, que não é diferente dos demais, o número de mortos e de mutilados é assustador: “Acidentes de trabalho mataram 216 trabalhadores e 812 ficaram incapacitados” (Leia notícia abaixo).

Cabe ressaltar que esse quadro ainda não representa, infelizmente, toda a realidade e apenas parte da história dessa tragédia, já que não são computados nas pesquisas os acidentes e infortúnios dos trabalhadores que não tem a CTPS anotada, como servidores, trabalhadores autônomos, ou mesmo dos celetistas, diante da prática das conhecidas e repudiadas subnotificações.

O próprio governo reconhece esse estado de coisas e a prática costumeira das subnotificações acidentárias. Diante de tantos abusos e omissões, recentemente, modificou os critérios legais ao recebimento das alíquotas devidas ao financiamento das despesas com a aposentadoria especial e com as doenças acidentárias e ocupacionais, cujos benefícios são concedidos em razão do grau de incidência de incapacidade laborativa decorrentes dos riscos ambientais do trabalho.

Assim, pela nova Lei 10.666, de 8 de maio de 2003, alterou-se a Lei 8.212/91, artigo 22, inciso II, que antes estabelecia percentuais de 1% a 3% da folha de pagamento para tais financiamentos e que agora, com a alteração, a alíquota de contribuição já descrita poderá ser reduzida em até 50% caso o empregador cumpra com o dever legal de eliminar do ambiente de trabalho os riscos ocupacionais ou, em não o fazendo, ter aumentada a alíquota para até 100%:

“poderá ser reduzida, em até cinqüenta por cento, ou aumentada, em até cem por cento, conforme dispuser o regulamento, em razão do desempenho da empresa em relação à respectiva atividade econômica, apurado em conformidade com os resultados obtidos a partir dos índices de freqüência, gravidade e custo, calculados segundo metodologia aprovada pelo Conselho Nacional de Previdência Social”(art. 10 da nova Lei 10.666/2003)”.

E ainda também, pela Resolução 1.236, de 28 de abril de 2004, publicada no DOU em data de 10 de maio de 2004, implantou possibilidade de o benefício acidentário ser reconhecido pelo INSS pelo Risco Epidemiológico, através do CID, uma vez que este não padece do mesmo vício da CAT, já que independe da comunicação da empresa,, como esclarece o especialista no assunto, o auditor-fiscal da Previdência Social, Paulo Rogério Albuquerque de Oliveira:

“O CID não padece do mesmo vício da CAT, uma vez que independe da comunicação da empresa. Se o segurado for acometido de uma doença ou lesão e estas implicarem a incapacidade para o exercício de sua atividade, o benefício será concedido pela Previdência Social, independentemente de qualquer manifestação da empresa. A comunicação destas tão-somente influencia na caracterização da natureza da prestação-acidentária ou previdenciária (não acidentária)”. (1)

Esse é um quadro de tragédia nacional. Os trabalhadores têm sido demitidos doentes e lesionados, fraudando-se o disposto no artigo 168 da CLT.

Esses mesmos trabalhadores não conseguem novo emprego formal, porque não conseguem passar nos respectivos exames admissionais onde a lesão logo aparece de plano.

Daí a quantidade enorme de trabalhadores que recorrem ao INSS buscando o benefício do auxílio-doença, quando deveriam receber o benefício acidentário, com fonte de custeio próprio. Desta forma se onera o sistema previdenciário em prejuízo do infortunado, da família, da sociedade como um todo e da própria previdência que fica sem condições de cumprir a garantia constitucional que assegura ser a saúde um direito de todos e um dever do Estado.

Temos de somar e unificar forças com todos os movimentos e pessoas compromissadas com o avanço e contra o retrocesso social, dando um basta nesse estado de coisas.

E para o exército de doentes e mutilados já demitidos, cabe ao INSS assegurar o benefício de lei, mas usando da prerrogativa legal prevista nos artigos 120 e 121 da Lei 8.213/91, adentrando com as cabíveis ações regressivas contra as empresas causadoras dos infortúnios, para repor o caixa da previdência em benefício de todos os cidadãos.

Leia noticia da DRT do Paraná sobre acidentes de trabalho no estado

Delegacia Regional do Trabalho no Paraná

Seção de Comunicação Social

27/04/2005

Acidentes de trabalho mataram 216

trabalhadores e 812 ficaram incapacitados

Duzentos e dezesseis trabalhadores morreram em 2003 desempenhando suas atividades no Paraná. Cerca de 812 ficaram permanentemente incapacitados e mais de 3,7 mil trabalhadores receberam tratamento médico prolongado. No total, o Estado registrou mais de 30 mil acidentes. Destes, 85,5% foram acidentes dentro do ambiente de trabalho, 10,9% acidentes de trajeto e 3,3% doenças de trabalho. Segundo o delegado regional do Trabalho, Geraldo Serathiuk, houve um aumento, com relação ao ano anterior (2002), de aproximadamente 4% no índice de acidentes de trabalho no Estado. Os dados são do Anuário Estatístico de Acidentes do Trabalho de 2003 (último disponível), elaborado em conjunto pelo Ministério do Trabalho e Emprego (MTE) e Previdência Social.


Uma das atividades que mais registrou acidentes foi a área de saúde. Mais de 1,2 mil trabalhadores que atuavam em hospitais, sanatórios, centros de medicina preventiva e outras instituições de saúde, incluindo hospitais militares e centros penitenciários sofreram acidentes. Segundo Serathiuk, é muito comum esses profissionais sofrerem acidentes durante o manuseio com produtos e equipamentos.

Setores que também registraram grandes quantidades de acidentes foram na agricultura, nas serrarias e em madeireiras. Juntos somam mais de 2,8 mil acidentes. “Além dessas atividades, há também muitos trabalhadores com Dort (Distúrbio Osteomuscular Relacionado ao Trabalho), doença causada pelo movimento repetitivo durante o exercício do trabalho”, diz o delegado do Trabalho. Entre os profissionais que sofrem com a Dort estão os que atuam com o telemarketing e em frigoríficos. “Os trabalhadores de frigoríficos, por exemplo, realizam trabalho repetitivo e sem pausas, além de passarem longos períodos em pé”, informa Serathiuk..

Segundo o delegado do Trabalho, os informais, que são muitos no Paraná e no Brasil, ficam de fora desse cálculo e, conseqüentemente, sem cobertura previdenciária. “Tão chocante ou mais do que os números, é saber que eles revelam apenas o que acontece entre os trabalhadores legalmente contratados”, observa Serathiuk. No Brasil, 60% dos trabalhadores estão atuando na informalidade, ou seja, não têm carteira de trabalho assinada e os direitos trabalhistas respeitados. “São aproximadamente dois milhões de informais no Paraná e 45 milhões no Brasil”, complementa Serathiuk.

O país perde ao ano R$ 21 bilhões com custos acidentários, o equivalente a US$ 7 bilhões ao ano. “Para cada real que se investe em segurança e saúde no trabalho, têm-se um retorno de 5 reais”, informa Serathiuk. Esses números significam uma perda econômica da ordem de 2,3 do PIB brasileiro anual, mas que pode chegar a quatro, “se considerarmos os acidentes e doenças que não são registrados pelas estatísticas oficiais, como ocorre com os trabalhadores do setor informal da economia, do setor público, da área rural e entre os cooperados e autônomos”, argumenta.

Para o delegado do Trabalho, mesmo com todo o trabalho de fiscalização e prevenção, o fato deve preocupar toda sociedade e os órgãos precisam procurar a integração para diminuir os índices. “Não adianta inúmeros órgãos federais, estaduais e municipais fiscalizarem de forma desarticulada, pois acabamos tendo muita fiscalização sem planejamento”, afirma Geraldo Serathiuk

No Brasil, em 2003, 390.180 foram vítimas de algum tipo de acidente de trabalho, com aproximadamente 2,6 mil mortes. Já em 2002, foram registrados oficialmente, 387.905 casos de acidentes e doenças relacionadas ao trabalho, dos quais 2.898 resultaram na morte do trabalhador e 15.029 em casos de incapacidade permanente.

A Organização Internacional do Trabalho (OIT) estima que, no mundo, anualmente, entre 1,9 e 2,3 milhões de trabalhadores perdem suas vidas enquanto trabalham. Isso representa mais do que o dobro das mortes ocorridas em razão de guerras e epidemias como a Aids. A exposição a agentes cancerígenos, presentes em pesticidas e em outros produtos, por exemplo, está na origem de várias doenças que levam à morte após longo tempo de incubação.

Dia 28 de abril – A Fundacentro, em conjunto com a Delegacia Regional do Trabalho (DRT/PR) e as Centrais Sindicais, realizam amanhã (dia 28), às 18h, no auditório do Sinduscom, ato em memória das vitimas de acidente do trabalho. Na ocasião, será apresentada aos participantes uma peça de teatro cujo tema é a qualidade de vida. O delegado regional do Trabalho, Geraldo Serathiuk, estará presente. O evento é aberto ao público. A entrada é 1Kg de alimento não perecível.

Renata Souza

Assessora de imprensa

[email protected]

41 219-7774 / 9644-9122

Nota

1. Mais informes, vide nosso artigo intitulado: Risco Epidemiológico – Com adoção do CID INSS passa a reconhecer a doença acidentária sem CAT, no endereço seguinte: http://jusvi.com/colaboradores/artigos/67

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