Súmulas do TST

Nova organização traz conseqüências processuais

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30 de junho de 2005, 19h31

Os Enunciados (agora também denominados Súmulas, unificando a linguagem dos Tribunais Superiores) e as orientações jurisprudenciais do Tribunal Superior do Trabalho foram reorganizadas, em grande parte incorporando-se muitas delas por afinidade temática, e, a minoria alterada, cancelada ou realocada (de uma Seção Especializada para outra, ou para a categoria de orientações transitórias).

Não foi sem tempo essa faxina. O TST certamente organiza sua bibliografia jurisprudencial tendo em conta a infinidade de outros assuntos polêmicos, trazidos à competência material da Justiça do Trabalho pela Emenda Constitucional 45/04, que reclamarão também espaço em novas edições sumulares.

Para os operadores do Direito, ainda que a maioria desses antigos entendimentos pretorianos tenha sido mantida na essência, mesmo a realocação numérica das súmulas não deve ser tratada como algo sem conseqüências processuais. Deverão ser observadas as novas sedes sumulares, principalmente nos recursos especiais trabalhistas, quais sejam os de revista e de embargos à SDI motivados por divergência jurisprudencial (alíneas “a” do art. 896 e “b” do art. 894 da CLT, respectivamente).

Com efeito, a julgar pelo extremado formalismo com que às vezes são julgados tais recursos no TST, indicar o número de antigo Enunciado em lugar da nova Súmula, ainda que ambos tenham a mesma redação, representa risco de não conhecimento do recurso especial trabalhista. Isto porque, segundo a orientação jurisprudencial 219 da SDI-1, “é válida, para efeito de conhecimento do recurso de revista ou de embargos, a invocação de Orientação Jurisprudencial do Tribunal Superior do Trabalho, desde que, das razões recursais, conste o número ou seu conteúdo“. Como se vê, não se exige a transcrição do conteúdo da OJ, podendo a parte apenas indicar o seu número, o que poderá se tornar armadilha para desatentos. Num passado recente, quem milita na Justiça do Trabalho certamente ainda não esqueceu, por exemplo, o desconhecimento de agravos de instrumento pelo TST por não considerar suficientes certidões de autenticidade (do traslado) procedidas por alguns Tribunais Regionais. Portanto, toda cautela é pouca neste período de transição.

Pois bem. Como se dizia, o que mais se fez na Resolução 129/2005 foi agrupar antigos Enunciados e orientações jurisprudenciais que versavam sobre diferentes enfoques do mesmo tema. Um bom exemplo disto é a nova Súmula número 06, gerada a partir da aglutinação dos antigos Enunciados 22, 68, 111, 120, 135 e 274 e das orientações jurisprudenciais 252, 298 e 328 da SDI-1, cuja atração foi provocada pelo fato de todas versarem sobre aspectos da equiparação salarial. Outros exemplos de aglutinação são a nova Súmula 102, que congrega vários Enunciados (166, 204 e 232) e orientações jurisprudenciais (15, 222 e 288 da SDI-1) sobre cargo de confiança bancário, e a Súmula 90 congregando todas as Súmulas (324 e 325) e OJ’s (50 e 236) sobre horas “in itinere”. Forçoso reconhecer que essa reunião de verbetes tendo por critério a coincidência temática tornará a pesquisa jurisprudencial mais econômica e eficiente.

É bem verdade que será necessário recuperar a intimidade jurisprudencial diante da nova formatação sumular do TST — porque é disto que trata grosso modo a Resolução 129/2005 —, o que depende mais de tempo do que reflexão. Já assimilar os verbetes alterados e compreender os seus motivos, mesmo que representem a minoria do universo tomado pela Resolução 129/2005, cobrará maior fôlego dos intérpretes, desaconselhando desbravamento imediato. Vejamos, pois, à cata, algumas dessas alterações, as que, numa primeira abordagem, chamou-nos a atenção.

A Súmula 14 inovou em relação ao antigo Enunciado do mesmo número, passando-se a entender que a rescisão contratual por culpa recíproca rende ao trabalhador o direito a 50% do aviso prévio, do 13o. salário e das férias proporcionais. Na redação anterior, recusava-se tais direitos ao empregado.

A Súmula 16 passou a dispor no sentido de que se presume recebida a notificação 48 (quarenta e oito) horas depois de sua “postagem“. A redação original do Enunciado do mesmo número contava as 48 horas da “regular expedição“. Alteração meramente semântica, para suprimir redundância (se é presumível o recebimento da notificação, salvo prova em contrário, para a presunção basta a mera postagem, exigindo-se prova de irregular expedição quando a parte alegar que não recebeu a notificação).

A Súmula 17 trouxe importante novidade em relação à base de cálculo do adicional de insalubridade. Como se sabe, o Supremo Tribunal Federal já havia decidido não ser possível fixar o valor do adicional de insalubridade com apoio no salário mínimo, por vedação constitucional. Mas a Suprema Corte deixou para as instâncias Trabalhistas definir, à luz da legislação infraconstitucional, qual a base de cálculo da insalubridade que tomaria o seu lugar. O TST agora elegeu o salário profissional, porém apenas quando o empregado o percebe por força de lei, convenção coletiva ou sentença normativa. Permanece lacunosa a questão nos casos em que o empregado não perceber salário profissional, embora esta seja uma situação difícil de se verificar na prática.


A Súmula 18 foi inexplicavelmente mantida, restringindo a compensação, na Justiça do trabalho, a dívidas de natureza trabalhista. Considerando que a competência material da Justiça do Trabalho foi ampliada, a redação dessa Súmula deveria ter sido revista, afinal o artigo 767 da CLT, que deu margem a esse entendimento jurisprudencial, aplica-se apenas à relações de emprego. Quanto às demais lides acometidas à Justiça do Trabalho pela Emenda Constitucional 45/04, a aplicação do artigo 767 da CLT não tem sentido, devendo-se socorrer ao regramento pertinente do direito comum.

A redação da Súmula 28 foi discretamente alterada em relação ao antigo Enunciado 28. A indenização dobrada, resultante da conversão da reintegração ao valor dos salários, é assegurada até a data da “primeira decisão que determinou essa conversão“. Na redação original, falava-se na data da “sentença constitutiva que põe fim ao contrato“. A depuração técnica é evidente. Considerando que há três graus de jurisdição trabalhista (Varas, TRT e TST), pode acontecer de a procedência decretada na origem, ser reformada em recurso ordinário e restabelecida em recurso de revista, por exemplo. Ficou claro que a data que prevalece é a da primeira decisão que determinou a conversão.

A alteração contida na Súmula 32 não é meramente semântica. O abandono de emprego apenas se presume se o trabalhador se ausentar do serviço por trinta dias após a cessação do benefício previdenciário sem justificativa. Na redação original do Enunciado 32, o abandono se “configurava” com o trintídio de absenteísmo. Trata-se de alteração que favorece o trabalhador, que poderá provar em juízo que a ausência se deu motivadamente, ainda que não se tenha justificado perante o empregador na ocasião da rescisão contratual. A nosso ver, trata-se de uma opção juridicamente equivocada do TST. A possibilidade de justificação posterior da ausência prolongada deveria se restringir às hipóteses de força maior que comprovadamente tenha impedido o trabalhador de justificar a ausência antes da rescisão contratual, em homenagem aos princípios da boa fé, lealdade e colaboração que regem também os contratos individuais de trabalho, e principalmente para prestigiar o instituto do ato jurídico perfeito, uma vez que tal entendimento jurisprudencial desafia a segurança jurídica das rescisões por abandono de emprego.

A redação do antigo Enunciado 69, na nova Súmula com o mesmo número, foi atualizada à luz da Lei 10.272/2001, que alterou o artigo 467 da CLT. A chamada multa moralizadora foi reduzida ao percentual de 50%, porém ampliando-se a sua base de incidência, do saldo salarial para todas as verbas rescisórias.

O teor do Enunciado 73 foi depurado, preferindo-se, na Súmula também 73, apontar que a falta grave do empregado cometida no período de aviso prévio retira-lhe direito apenas às verbas rescisórias de natureza indenizatória. Na redação original falava-se genericamente em “qualquer direito à indenização“.

A Súmula 82 ampliou a possibilidade de intervenção assistencial, simples ou adesiva, na Justiça do Trabalho. Na redação original restringia-se a intervenção de terceiros quando o interesse jurídico se desse “perante a Justiça onde é postulada”. Com a supressão desse óbice, implicitamente restou reconhecido que o interesse jurídico do terceiro interveniente pode transbordar a lide trabalhista.

A Súmula 85, que aglutina as OJs 182, 220 com o Enunciado 85, traz uma inovação no seu item III: “O mero não-atendimento das exigências legais para a compensação da jornada, inclusive quando encetada mediante acordo tácito, não implica repetição do pagamento das horas excedentes à jornada normal diária, se não dilatada a jornada máxima semanal, sendo devido apenas o respectivo adicional”. Na versão original do Enunciado 85 não havia essa exceção. Assim, se ultrapassada a jornada semanal ordinária, serão devidos não apenas o adicional de horas extras, como também o pagamento do valor da hora básica. Aliás, convém registrar que a jurisprudência do TST tem sido rigorosa em relação ao limite semanal de jornada, havendo alguns julgados recentes negando a possibilidade de se estabelecer jornada em turnos ininterruptos de revezamento superiores a 36 horas semanais, mesmo por norma coletiva (v., a propósito, nossos estudos “O Justo e o Caro nas Decisões Judiciais” e, mais recentemente, “A Súmula Vinculante e a Blindagem da Jurisprudência“, ambos disponíveis na internet). Nada obstante, a orientação jurisprudencial 169 da SDI-1 não foi alterada pela Resolução 129/2005, porque o TST ainda não chegou a um consenso sobre essa questão.

A Súmula 86 esclarece que a inexigibilidade de custas e depósito recursal em recursos da massa falida não se estende às empresas em liquidação extrajudicial.


À Súmula 191 foi inserida exceção relativa ao adicional de periculosidade dos eletricitários, que deve ser pago sobre “a totalidade das parcelas de natureza salarial”. Distanciando-se dos trabalhadores em geral, os eletricitários conquistaram esse diferencial graças à interpretação da expressão “salário que perceber” contida no artigo 1o. da Lei 7369/85, pois o TST a partir de 2001 passou a decidir que tal base de cálculo é mais ampla do que a geral prevista no parágrafo 1o. do artigo 193 da CLT.

Curioso notar que, se comparados dois empregados que percebam ambos adicionais (de horas extras e de periculosidade), um deles eletricitários, o cálculo dos adicionais será diferente: o trabalhador eletricitário tem o adicional de periculosidade calculado sobre o adicional de horas extras (e demais verbas de natureza salarial), já o trabalhador não-eletricitário tem o adicional de horas extras calculado sobre o adicional de periculosidade (e este apenas sobre o salário-básico). Essa posição do TST é equivocada em nosso ver. Consideramos a jurisprudência anterior – que concluía pela aplicação da redação original do Enunciado 191 também para os eletricitários — mais acertada. Mas a questão a não desafia reexame do STF, porque se trata de matéria regulamentada em leis infraconstitucionais. Somente se a maioria dos Ministros do TST mudasse de opinião é que a nova Súmula 191 seria novamente alterada.

O segundo item inserido na nova Súmula 192, sobre competência originária de ações rescisórias trabalhistas também merece atenção. Segundo a nova Súmula, em seu item II, mesmo quando o TST, no exame dos pressupostos de admissibilidade de recursos de revista ou de embargos à SDI, decide não conhecer tais apelos, se a fundamentação do não-conhecimento esbarrar no mérito da causa, a “última decisão de mérito” a que alude a Súmula 100 será a do TST, hipótese em que a ação rescisória passa a ser de competência originária deste.

Não há como esconder o paradoxo de se ter por rescindível uma decisão que, em sua parte dispositiva, limita-se a declarar que o recurso excepcional trabalhista não preenche os requisitos específicos de admissibilidade. Trata-se de decisão, qualquer que seja a sua fundamentação, meramente processual. Isto porque é a parte dispositiva das decisões judiciais que tem força de coisa julgada (material ou formal, se, respectivamente, resolve a lide ou não). A motivação sentencial objetiva contextualizá-la, torná-la lógica, compreensível (art. 93, IX, da CF/88). De qualquer sorte, a redação da nova Súmula 192 é aberta, genérica, impedindo que se tenha certeza, diante de uma decisão de não-conhecimento, se esta é potencialmente rescindível ou se o ataque excepcional deve se voltar contra a decisão anterior, do Tribunal Regional. Esse tema é de suma importância processual porque o biênio para a propositura de ações rescisórias (artigo 495 do CPC) é decadencial, não se interrompendo, suspendendo ou prorrogando, de modo que a percepção incorreta sobre qual venha a ser a “última decisão de mérito” pode sepultar definitivamente a rescisão de decisões viciadas, com evidentes prejuízos para o direito de ação (rescisória).

A nova Súmula 392, que retrata a competência material da Justiça do Trabalho para decidir pedidos de danos morais decorrentes de “relação de trabalho” não excepciona os danos morais decorrentes de acidentes de trabalho, que o Supremo Tribunal Federal vem excluindo da competência trabalhista mesmo depois da Emenda Constitucional 45/04, por considerar que essas lides se enquadram na regra de competência do artigo 109, I, da Constituição. Apesar da posição já firmada pelo STF, a divergência sobre competência em indenizações morais derivadas de acidentes de trabalho ainda persiste em nível de Turmas do TST.

Enfim, a extensão da Resolução 129/2005 recomenda aos profissionais que militam na Justiça do Trabalho releitura atenta de todos os novos verbetes jurisprudenciais, observando não apenas os conteúdos como também as novas alocações numéricas.

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