Choque de culturas

Paisanos desarmam tentativa de controle do CNJ por juizes

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29 de junho de 2005, 18h02

Os paisanos do Conselho Nacional de Justiça, denominação que o seu presidente, ministro Nelson Jobim, atribui aos seis conselheiros “não fardados” do órgão de controle externo do Judiciário, conseguiram desarmar algumas tentativas de domínio do Conselho pela magistratura. Os embates ocorreram na sessão iniciada na tarde de ontem e encerrada na manhã desta quarta-feira (29/6), com a aprovação do regimento interno do novo organismo.

O princípio republicano da igualdade entre os cidadãos, foi o mais invocado, durante as quase oito horas de duração dos trabalhos, pelos conselheiros paisanos: os quatro advogados, representantes da advocacia e da cidadania, e os dois procuradores indicados pelo Ministério Público. Frente a frente com oito magistrados, eles discutiram o regimento de 177 artigos, além de parágrafos e incisos, aos quais foram apresentadas 266 emendas.

Só houve empate numa única votação, que foi decidida pelo “voto de Minerva” de Jobim em favor da tese da magistratura. Tratava-se da exigência de quorum para que o Conselho revise, de ofício, ou seja, por sua iniciativa, processos disciplinares contra magistrados julgados há menos de um ano.

Para os paisanos, que ganharam o apoio do juiz Cláudio Godoy, da Justiça Estadual de São Paulo, bastaria a manifestação de um único conselheiro para que os processos fossem revistos. Com o desempate de Jobim, no entanto, prevaleceu a regra de que a iniciativa deverá contar com o apoio de pelo menos cinco conselheiros, isto é, com o quorum de um terço dos membros do Conselho.

Rei Arthur

No final dos trabalhos, os paisanos se davam por satisfeitos, embora ainda cautelosos em relação ao comportamento dos magistrados quando os processos começarem a ser votados. Até a manhã desta quarta-feira, 42 representações haviam sido protocolizadas, 35 delas referentes à questões disciplinares. E foi justamente nas regras de votação que os paisanos identificaram uma das tentativas de controle da magistratura – desarmada por uma articulação prévia entre eles realizada antes de se dirigirem à sessão.

Os magistrados queriam que as votações sempre começassem pelos paisanos ou “externos”, o que, segundo um deles disse à revista Consultor Jurídico, poderia viciar os processos de decisões. Predominou a regra segundo a qual a ordem de votações será cruzada nas duas fileiras de bancadas a partir da manifestação do relator.

Aliás, a disposição dos conselheiros nas bancadas foi outro ponto de discórdia. Neste caso, os paisanos levaram a pior. Eles queriam que houvesse sorteio, mas predominou a hierarquia: os conselheiros ficarão dispostos, a partir da mesa, primeiro os ministros-conselheiros, depois os desembargadores, juízes, procuradores e nas pontas os advogados.

“Se é assim, em vez de bancadas perpendiculares deveria ter colocado aqui uma mesa redonda”, desabafou Jobim, ao rebater a proposta dos paisanos. “O rei Arthur já fez isso”, rebateu o advogado Alexandre de Moraes, indicado pela Câmara dos Deputados – referindo-se ao lendário líder bretão que na sua época surpreendeu por se sentar com asseclas em volta de uma mesa redonda como iguais.

“Já que nós paisanos e vossas excelências aqui somos iguais e não representamos instituições hierarquizadas deveríamos fazer o sorteio”, argumentou inutilmente o advogado Joaquim Falcão, indicado pelo Senado Federal. Falcão tentou ainda a idéia de retirar do sorteio os ministros-conselheiros do Superior Tribunal de Justiça, que é o corregedor natural, e do Tribunal Superior do Trabalho. Mas a sua proposta foi derrotada por sete votos contra seis.

Outra tese que indicava tentativa de controle, também derrotada, propunha a criação de uma vice-presidência, que seria destinada ao presidente do Tribunal Superior do Trabalho, também membro natural do Conselho. “Os cargos de presidente e vice-presidente são da natureza dos órgãos colegiados”, argumentou o conselheiro-desembargador Marcus Faver, do Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro. No entanto, predominou a solução negociada do rodízio. Ou seja, tanto o presidente como o corregedor, nas suas ausências, indicarão um conselheiro para substitui-los, proibida a repetição.

Também coube a Marcus Faver fazer a defesa mais enfática do uso de vestes talares, a beca, pelos conselheiros durante as sessões. “Ela traz maior rigor no comportamento. Não me parece adequado dispensar a veste porque o magistrado está jungido nas suas prerrogativas quase divinas de julgar seu semelhante”, ele afirmou. A regra, introduzida no relatório de Paulo Schmidt, passou apesar da proposta de supressão da procuradora Ruth Carvalho, representante do Ministério Público Estadual.

Outras regras aprovadas

– O CNJ poderá quebrar sigilos para analisar processos sob sua apreciação. A regra será aplicada após a análise de cada caso.

– Os conselheiros que se desligarem por qualquer motivo do órgão que motivou sua indicação perderão automaticamente os seus mandatos.

– Os presidentes das entidades nacionais da magistratura terão direito a palavra na votação de temas de interesse dos segmentos que representam.

– Será obrigatória a presença de, no mínimo, 10 conselheiros para a realização das sessões que serão quinzenais.

– Nenhum conselheiro poderá se abster de votar, salvo caso de impedimento ou suspeição.

– A remuneração dos conselheiros será equiparada à de ministro do Superior Tribunal de Justiça acrescida da gratificação de 35% referente ao tempo de serviço.

– O Conselho poderá requisitar magistrados para lhes delegar atribuições.

– As sessões serão públicas, salvo quando os sigilos constitucionais e o direito à intimidade determinarem o contrário.

– A inspeção e a correição serão realizadas em caráter supletivo sem prejuízo da atuação correicional dos tribunais.

– O processo disciplinar abrange magistrados, servidores, serviços auxiliares, serventias e órgãos prestadores de serviços notariais e de registro.

– Os processos em cursos serão avocados a pedido de membro do Conselho, do Procurador-geral da República, do presidente do Conselho Federal da OAB ou de entidade nacional da magistratura.

– Os procedimentos contra atos administrativos baixados nos últimos cinco anos poderão ser abertos por pedido de pelo menos cinco conselheiros, do procurador geral da república ou do presidente do conselho federal da OAB.

– A reclamação contra magistrados e servidores poderá ser formulada por qualquer interessado.

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