Anulabilidade no Direito

O ato nulo é eficaz enquanto não se proclama a nulidade

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29 de junho de 2005, 21h09

É certo que a teoria geral do Direito entronizou o conceito da imprescritibilidade do ato nulo. É o que se lê na doutrina e se infere da lei.

A respeito, lembra Orlando Gomes ao dissertar sobre a teoria clássica das nulidades, segundo a qual a nulidade tem caráter absoluto e efeito imediato; pode ser invocada por qualquer pessoa e, portanto, é de caráter absoluto; não é suscetível de confirmação, sendo incurável; não convalesce pela prescrição, sendo perpétua (Introdução ao Direito Civil – 2ª Ed. Forense). O autor, embora aceitando as críticas, que louva, relacionadas à rigidez dessa teoria, adverte que elas nada constroem nem oferecem substitutivo de conteúdo lógico apreciável (páginas. 405 e 413).

Igual colocação é a que faz Washington de Barros Monteiro, mitigando, embora, o conceito clássico de que o nulo jamais produz efeito, com o asseverar que a teoria das nulidades já começou a se complicar desde o nascedouro, no mesmo Direito Romano que a perfilhou, onde foi suavizada pela atividade pretoriana.

Todavia, se o Código Civil de 1916, por omisso a respeito, não era infenso à possível suavização da severidade no trato do ato nulo, já o atual, por expresso, mantém os conceitos clássicos da perpetuidade e imprescritibilidade da nulidade, no que concerne aos negócios jurídicos (artigo 169).

A teoria geral do direito sobre as nulidades foi absorvida no Direito Administrativo, entre nós, pela acessibilidade fácil da divulgada obra de Hely Lopes Meirelles, que faz excluir de seu âmbito a existência de “ato anulável”:

“Embora muitos autores se refiram ao ato administrativo anulável, não admitimos essa categoria em direito público, pela impossibilidade de preponderar, na atividade da administração, o interesse privado sobre o interesse público, e não ser admissível a manutenção de atos ilegais, ainda que o desejem as partes, porque a isto se opõe o princípio da legalidade administrativa”. (Direito Administrativo Brasileiro, 2ª Ed. pág. 181)

Ainda que proclamando a exeqüibilidade e eficácia do ato nulo enquanto não proclamada a sua nulidade, em estrita observância ao princípio da boa-fé que informa o ato administrativo, aquele Autor insiste na inoperância de seus efeitos fazendo retroagir a decisão nulificadora à origem do ato – efeito “ex tunc” (ob. loc. cit. e 214).

Marcelo Caetano, contemporâneo de Hely Lopes Meirelles, embora dando suporte à ditadura Salazar em Portugal, foi mais complacente no considerar as nulidades no plano administrativo ao contemplar hipóteses de anulabilidade. E, com relação a estas, apregoa que a anulação há de ser contenciosa para ser legítima (Princípios Fundamentais de Direito Administrativo – Forense, 1ª Ed., pág. 159). Por contencioso aí entenda-se tanto o administrativo como o judicial.

Disserta o ilustre jurista português:

“A regra em quase todos os países é a de que o ato administrativo, quando viciado, apenas se torna suscetível de ser anulado nos termos e prazos e perante os órgãos indicados em lei:

a isto se chama anulabilidade”.

“Nesse caso a lei fixa prazos para a alegação do vício perante as autoridades ou tribunais competentes; indica as pessoas ou entidades com legitimidade para o fazer; e o ato só será anulado mediante decisão do órgão perante o qual haja sido impugnado”.

“Enquanto a anulação não tiver sido declarada, o ato produz os seus efeitos (salvo nos casos em que a lei permita a suspensão), é um ato eficaz, obrigatório não apenas para a administração como para os particulares a que seja aplicável”. (ob. cit. pág. 186).

E prossegue o mestre:

“Se dentro dos prazos legais, porém, a validade do ato não for impugnada, o vício não poderá mais ser invocado, pois que a caducidade do direito origina a conversão do ato viciado em um ato são: isto é o que se poderá chamar a tendência do ato anulável para a convalescença”. (ob. loc. cit.)

Entre nós, a lei especial que regulamenta o processo administrativo no âmbito geral da Administração Pública – Lei 9.784/99, às expressas contempla, como faz o direito administrativo português, prazo de caducidade para a administração promover a anulação dos atos administrativos de que defluam “efeitos favoráveis para os destinatários”. É o que se lê no art. 54 da Lei em comento:

“O direito da Administração de anular os atos administrativos de que decorram efeitos favoráveis para os destinatários DECAI em cinco anos, contados da data em que foram praticados, salvo comprovada má- fé”.

Assimilou assim o nosso direito, em boa hora, a advertência do consagrado mestre lusitano, que se afina com o escopo da paz social em função da qual se erigem os prazos prescricionais, decadenciais e seu corolário, a anistia:

“Na vida social importa que se não eternize o estado de incerteza e de luta quanto aos direitos das pessoas e por isso se consolida a situação criada pelo ato nascido embora com pecado original, desde que este não tenha causado abalo sensível”.

(ob. cit. pág. 187).

A norma civilística trazida no bojo da Lei 10.406, de 10.01.2002, esgota-se no âmbito próprio dos negócios jurídicos que está a contemplar, não podendo o seu art. 169 sobrepor-se à matéria especial tratada no direito administrativo de forma própria.

No que concerne especificamente ao Direito Previdenciário, cumpre esclarecer que a recente Lei 10.839/04, originária de Medida Provisória, acrescentou o art. 103-A ao texto da Lei 8.213/91, dilatando para 10 (dez) anos o prazo decadencial para a administração do INSS anular os seus atos de que decorram efeitos favoráveis aos seus beneficiários, ressalvando os que resultem de má-fé, interpretada esta como concílio fraudulento entre o agente da administração e o beneficiário.

De considerar-se, ainda, que provida seja a ação anulatória inexistirá a “restitutio in integrum” a benefício da Fazenda, limitada a repetição do que indevidamente tenha pago nos últimos cinco anos retroativos a contar do momento da citação do beneficiário, respeitado sempre o direito deste às verbas que tenha recebido até então, se em boa-fé (Súmula 106, do TCU).

Quanto a decisões dos Tribunais de Contas tomadas com inobservância do prazo decadencial inserido na Lei 9.784/99, através do acima transcrito art. 54, indiscutível descaber providência judicial, porquanto elas não são dotadas de eficácia própria, constituindo-se antes em recomendações aos órgãos da administração, embora formulando pretensão coatora contra seus agentes no caso de inobservância.

Todavia, em relação ao ato administrativo que acolha determinação desses Tribunais, no sentido de cancelar nomeação ou aposentadoria ocorridas há cinco ou mais anos, cabe Mandado de Segurança com pedido de liminar. É que a autoridade administrativa não pode dar acolhida a decisões manifestamente ilegais, mesmo quando emanadas dos Tribunais de Contas, que devem exemplarmente dar cumprimento às leis.

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