Longe de casa

Mesmo sem pedir, empregado tem direito a vale-transporte

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28 de junho de 2005, 10h55

Mesmo sem pedir, empregado tem direito a vale-transporte. A decisão é da 4ª Turma do Tribunal Regional do Trabalho da 2ª Região (São Paulo). O entendimento foi firmado no julgamento do Recurso Ordinário apresentado por uma ex-funcionária do Instituto Nacional do Seguro Social — INSS.

A ex-funcionária foi contratada para exercer a função de analista júnior sob “contrato de locação de serviços”, de caráter excepcional e temporário, prorrogado por cinco anos e sete meses. A informação é do TRT paulista.

Ela ingressou com ação na 29ª Vara do Trabalho de São Paulo pedindo o reconhecimento do vínculo empregatício com o INSS, com o pagamento das verbas e direitos decorrentes do contrato de trabalho, como o vale-transporte.

A primeira instância, com base na jurisprudência do Tribunal Superior do Trabalho, concedeu à ex-empregada somente os salários e o depósito do FGTS. Inconformada com a sentença, ela recorreu ao TRT-SP. Insistiu que deveria ser indenizada pelo não fornecimento do vale-transporte.

O INSS contestou a alegação. Sustentou que a ex-empregada jamais pediu o benefício, conforme exigência da lei. O relator do Recurso Ordinário, juiz Ricardo Artur Costa e Trigueiros, considerou o fato de a funcionária morar longe do local onde trabalhava, “fazendo-se necessária e indispensável a utilização de meio de transporte para regular cumprimento de suas obrigações contratuais”.

“Entendendo este Juízo que é sempre presumido o interesse do trabalhador em desfrutar do benefício do vale-transporte quando reside em ponto distante do local de trabalho, incumbindo assim, ao empregador, o ônus de prova quanto ao exercício da renúncia de condição ou direito que é manifestamente favorável ao hipossuficiente”, observou o juiz.

A decisão da 4ª Turma do TRT-SP não foi unânime. Os juízes condenaram o INSS a pagar à ex-funcionária indenização relativa ao vale-transporte, aviso prévio, férias mais adicional, décimos terceiros salários e depósitos do FGTS acrescidos da multa de 40%, juros e correção monetária. Cabe recurso.

Leia a íntegra do voto

RO 01051.2001.029.02.00-9

4ª Turma PROCESSO TRT-SP Nº 01051.2001.029.02.00-9 (20031022965)

RECURSO: ORDINÁRIO

RECORRENTE: YARA CRISTINA ALVARES DE ALMEIDA

RECORRIDO: INSTITUTO NACIONAL DE SEGURO SOCIAL — INSS

ORIGEM: 26ª VT DE SÃO PAULO

EMENTA: VALE-TRANSPORTE. RESIDÊNCIA DISTANTE DO LOCAL DE TRABALHO. PRESUNÇÃO DE INTERESSE DO EMPREGADO QUANTO AO BENEFÍCIO. É sempre presumido o interesse do trabalhador em desfrutar do benefício do vale-transporte quando reside em ponto distante do local de trabalho, incumbindo assim, ao empregador, o ônus de prova quanto ao exercício da renúncia de condição ou direito que é manifestamente favorável ao hipossuficiente. Incontroverso nos autos que a reclamante laborava e residia em bairros distantes, na Capital do Estado de São Paulo, maior cidade da América do Sul, fazendo-se necessária e indispensável a utilização de meio de transporte para regular cumprimento de suas obrigações contratuais. Nesse contexto, por maioria de votos entende esta Turma pela não incidência do padrão interpretativo consubstanciado na Orientação Jurisprudencial nº 215, da SDI-1, do C. TST.

Adoto o relatório do voto da Ilustre Relatora originária, nos seguintes termos:

“Inconformada com a r. sentença de fls. 73/75, proferida pela MM. Vara do Trabalho de origem, cujo relatório adoto e que julgou IMPROCEDENTE a reclamatória, recorre a autora, consoante razões de fls. 80/88.

Sustenta a recorrente (reclamante) a presença dos pressupostos dos artigos 2º e 3º da CLT, bem como o conseqüente reconhecimento do vínculo empregatício com o reclamado. Argumenta que não pode a administração pública invocar a aplicação do artigo 37, inciso II, § 2º da Constituição Federal para eximir-se da responsabilidade pelos direitos trabalhistas, ante a comprovada prestação de serviços da recorrente. Espera a reforma do r. julgado.

Sem contra-razões pelo reclamado.

Parecer da D. Procuradoria Regional do Trabalho, pelo prosseguimento do apelo (fls. 128).”

V O T O

Acompanho o entendimento da ilustre Relatora originária, quanto ao cabimento do apelo e nos tópicos abaixo transcritos, que passam a integrar o presente:

Conheço o apelo. Atendidos os pressupostos de admissibilidade.

A reclamante alega que laborou para o reclamado, no período 18.04.1994 a 26.11.1999, na função de analista júnior. Ajuizou a reclamatória em 09.05.2001.

RECURSO DA RECLAMANTE

Servidor Público Celetista. Admissão sem concurso público. Nulidade da contratação. Efeitos

A reclamante foi contratada sob a égide de “contrato de locação de serviços”, de caráter excepcional e temporário e ante sucessivas prorrogações seguiu um curso de cinco anos e sete meses.


A r. sentença ora hostilizada julgou improcedente a ação, com fundamento na jurisprudência sumulada do C. TST, consoante termos do Enunciado nº 363.

Da análise do processado e em que pesem os fundamentos esposados pela r. decisão de primeiro grau, entendo que contratando o Poder Público (União, Estado, Município e suas autarquias) por intermédio das normas contidas na CLT, equipara-se ao empregador privado, sujeitando-se, portanto, às mesmas obrigações. A bem elaborada sentença de origem, no sentido de que a contratação do reclamante seria nula, por ofensa ao preceituado no artigo 37, II, da Constituição da República, merece ser apreciada com o devido enfoque.

E isso porque tal contratação foi efetuada pela administração pública que deixou de observar as normas constitucionais a tal respeito e embora nula, não excluiu o direito do empregado de receber os seus salários, bem como os títulos rescisórios. Tal conclusão se impõe, pois incumbe à administração arcar com o ônus decorrente dos atos ilícitos por ela praticados, não lhe sendo justo tirar proveito de seu ilícito para eximir-se de pagamento das verbas trabalhistas devidas.

Por outro lado, a determinação contida no inciso II, do artigo 37 do atual texto constitucional, não impede tal conclusão, até porque diz respeito ao administrador, que deve ser pessoalmente responsabilizado quando não o observa, não podendo e nem sendo jurídico que as conseqüências dessa não observância venham a recair sobre o trabalhador, vítima da ilegalidade.

Ademais, a alegação de nulidade enfatizada pelo recorrente merece agasalho, tendo em conta a norma contida no artigo 158 do Código Civil Brasileiro e no sentido de que: “anulado o ato, restituir-se-ão as partes ao estado, em que antes dele se achavam, e não sendo possível restituí-las, serão indenizadas com o equivalente”. No caso vertente, a observância de tal dispositivo legal não é possível, pois o esforço despendido pelos empregados na realização de seus trabalhos em favor do reclamado, não lhe pode ser devolvido, restando a aplicabilidade da parte final do mesmo dispositivo legal, ou seja, o pagamento dos salários e indenização, até porque caso contrário estaríamos incentivando e premiando o enriquecimento ilícito.

Entendo que a decretação da nulidade de contratação em ofensa ao artigo 37, II, da Constituição Federal, sem o pagamento das verbas rescisórias, fere dispositivo da mesma hierarquia: Os Direitos Sociais elencados na Carta Magna – artigo 7º e seus incisos, não restringidos ao simples salário. É relativa a nulidade prevista no § 2º do artigo 37 da Constituição Federal, isto é, acarreta a rescisão do contrato, mas não elimina o direito ao empregado de haver as verbas decorrentes da prestação de serviço, sob a égide da CLT. O ato nulo não surtirá os efeitos pecuniários A própria Lei Civil prevê a exceção (artigo 217, CC) e também não elimina a responsabilidade (artigo 159, CPC e § 6º do artigo 37 da Constituição Federal).

Peço vênia para discordar, em parte, dos termos do Enunciado nº 363 do C. TST, quanto ao direito do empregado público, quando demitido, aos rescisórios legais.

In casu, a recorrente buscou o reconhecimento do vínculo empregatício, anotação da sua CTPS, o pagamento das férias e respectivo adicional, décimos terceiros salários, vale-transporte, diferenças oriundas da M.P. nº 1.794/98, verbas rescisórias, multa do artigo 477, § 8º da CLT, FGTS não depositado mais 40%, integração das diárias e ajuda de custo, além de honorários advocatícios, juros e correção monetária, conforme verbas descritas às fls. 11/12.

Entendo que se o Estado beneficiou-se dos serviços da reclamante, cumpre efetuar o pagamento. Não se reconhece, no caso, a condição de funcionário público ou a relação de emprego, mas sim a remuneração devida, pela legislação trabalhista, em face da prestação de serviços de caráter subordinado.

Provejo, pois, em parte este tópico do apelo.

2. Do aviso prévio.

Diz a recorrida que a recorrente foi contratada em caráter excepcional, para consecução de serviços previstos nas Leis 8.620/93 e 9.032/95, fls. 41/47, por prazo determinado.

Todavia, o artigo 5º e seu § 1º, da Lei 9.032/95 e os artigos 17 a 20 da Lei nº 8.620/93, estabelecem a não prorrogação dos referidos contratos, bem como o prazo máximo da duração em 18 (dezoito) meses.

A reclamante prestou serviços ao reclamado no período 18.04.94 a 26.11.99, cujos instrumentos de contrato foram sucessivamente prorrogados, extrapolando os limites do artigo 445 c/c o artigo 451, ambos da CLT, entendo que o contrato se convolou a prazo indeterminado.

Procede, portanto, o pedido de aviso prévio e projeções, a teor do artigo 487 da CLT.

3. Férias e adicional legal


Constata-se que a reclamada não comprovou a fruição e o pagamento das férias (artigos 129 e seguintes da CLT), na forma da legislação vigente.

Admitida aos 18.04.94, desligada em 26.11.99 e aforada a reclamatória em 09.05.01, observada a prescrição qüinqüenal, faz jus a recorrente às férias não fruídas a partir de 95/96, 96/97, 97/98, 98/99 e 99/2000, lembrando que as férias adquiridas devem ser fruídas, obrigatoriamente, até os onze meses subsequentes.

Procede o pleito de férias vencidas em dobro, acrescidas do respectivo 1/3 legal, quanto aos períodos 04/95 a 04/96, 04/96 a 04/97, 04/97 a 04/98, 04/98 a 04/99 e proporcionais 04/99 a 26.11.99.

4. Décimos terceiros salários.

Não há provas de pagamento dos salários trezenos. Prescritos os anteriores a 09.05.96, vez que a reclamatória foi ajuizada aos 09.05.01.

5. Vale-transporte.

Entende a recorrente deva ser indenizada pelo não fornecimento do vale-transporte.

Neste tópico divirjo da ilustre Relatora originária

Razão assiste à reclamante.

Incontroverso nos autos que a reclamante laborava e residia em bairros distantes, na Capital do Estado de São Paulo, maior cidade da América do Sul, fazendo-se necessária e indispensável a utilização de meio de transporte para regular cumprimento de suas obrigações contratuais.

Nesse contexto, não incide o padrão interpretativo consubstanciado na Orientação Jurisprudencial nº 215, da SDI-1, do C. TST, entendendo este Juízo que é sempre presumido o interesse do trabalhador em desfrutar do benefício do vale-transporte quando reside em ponto distante do local de trabalho, incumbindo assim, ao empregador, o ônus de prova quanto ao exercício da renúncia de condição ou direito que é manifestamente favorável ao hipossuficiente.

Portanto, fere a razoabilidade, o indeferimento da pretensão do vale-transporte, in casu manifestamente necessário à reclamante.

Assim, reformo.

6. Depósitos do FGTS.

Ainda que a reclamante não tenha direito à declaração do vínculo empregatício, porquanto a contratação é nula, faz jus, contudo, aos títulos próprios do contrato de trabalho, dentre eles os depósitos fundiários, acrescidos da multa de 40%.

Do exposto, conheço o apelo da reclamante. Nos termos da fundamentação, DOU-LHE PROVIMENTO PARCIAL para julgar a ação procedente em parte e condenar o reclamado – Instituto Nacional do Seguro Social – a pagar à reclamante: aviso prévio, férias mais adicional, décimos terceiros salários, depósitos do FGTS acrescidos da multa de 40% e indenização relativa ao vale-transporte. Juros e correção monetária conforme fundamentação. No mais, mantenho a r. sentença de origem. Custas pelo reclamado sob o valor da causa que ora mantenho.

RICARDO ARTUR COSTA E TRIGUEIROS

Relator Designado

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