Obra exemplar

Livro mostra a dureza de combater a corrupção judiciária

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28 de junho de 2005, 18h13

As notícias, assim como os fatos, espalhadas ao longo do tempo, às vezes parecem pertencer a contextos diferentes, mesmo sendo atos da mesma peça ou episódios da mesma novela. Só mesmo em um livro ou texto mais alentado é que se pode sintetizar a história estabelecendo aquilo que os advogados chamam de “nexo causal” entre os fatos que se sucedem.

O jornalista Elio Gaspari conseguiu isso com a série “As Ilusões Armadas”, coleção que lhe consumiu quase duas décadas, mas que hoje é obra obrigatória para quem quiser entender o que foi o Brasil sob o regime militar instalado em 1964.

O também jornalista, Frederico Vasconcelos dirigiu seu foco para uma tarefa mais recente e específica: os terremotos que sacudiram o Judiciário brasileiro, a partir de 1999. É a esse livro que se dedica esta resenha: “Juízes no Banco dos Réus”, da editora Publifolha.

Frederico escolheu para o lide de seu texto de 367 páginas uma cena especial e expressiva. Nela, o comando do Tribunal de Justiça paulista, depois de mostrar a um desembargador a prova de que ele fora flagrado negociando uma sentença, negocia a destruição das provas em troca da aposentadoria do colega. O fato se dá em 1999.

Esse jeitinho de fazer “injustiça com as próprias mãos”, como definiu o jornalista-escritor, até pouco tempo atrás era a fórmula padrão de resolver esse tipo de questão, quando a corrupção tornava-se pública e não era possível abafar o caso.

O ano de 1999 parece ser um marco importante nesse contexto. É a partir daí que as acusações de corrupção contra juízes se intensificam, com regularidade até. Frederico não toca no assunto: mas é a partir daí que as condenações contra jornais e jornalistas também se intensificam. Com regularidade inédita.

Os casos que o livro leva ao banco dos réus: o estrepitoso episódio do Fórum Trabalhista de São Paulo; o afastamento dos desembargadores federais Roberto Haddad e Theotônio Costa do TRF paulista; a Operação Anaconda, que também recaiu sobre a justiça federal paulista; e, um caso aparentemente menos espetacular, mas muitíssimo paradigmático: o caso do perito falsário que superestimava avaliações imobiliárias, Antônio Carlos Suplicy.

Pelo tecido e pela agulha usada na costura por Frederico, fica patente que os esquemas criminosos se entrelaçam. Por dossiês que circularam à época é possível determinar também que as organizações eram compostas por um leque bem mais amplo de personagens. Ou seja: além de juízes federais, perito, advogados e delegados da polícia federal, percebe-se que dos esquemas participavam também servidores da Receita Federal, policiais civis e militares, entre outros.

Algo como uma sociedade organizada paralela. Com a diferença de ser voltada para o crime.

O autor exibe modéstia, discrição e cautela raras no jornalismo. Vê-se que ele tinha muito mais informações do que usou. Poderia ter ido mais longe do que foi. Mas fez uma opção preferencial pelo resultado em detrimento do estardalhaço. Preferiu ficar no terreno seguro das afirmações que se pode provar.

Frederico não sentou diante da TV para torcer pelo bandido. Festejou os gols e as vitórias da polícia e dos procuradores e só deu espaço para queixumes dos acusados por pura generosidade. Ele não perdeu tempo com as firulas de que tanto gostam os criminalistas nem se perdeu em aspectos como as falhas de investigação. Tampouco cedeu à tentação de malhar derrapadas do Ministério Público. Pode-se discordar da omissão, mas não da opção de mostrar que as vitórias foram mais importantes e expressivas que os reveses e que a dobradinha PF-MP foi mais longe do que de hábito em um terreno inédito.

O livro homenageia o Ministério Público, vaia as bobeadas da imprensa, mas faz jus a um veterano do jornal concorrente, contemplado com inúmeras citações: o repórter Fausto Macedo, do Estadão. Indiretamente, a obra homenageia o próprio Frederico. Ele, assim como Fausto Macedo, antecipou com suas notícias e reportagens boa parte dos importantes acontecimentos narrados.

Fácil de perceber que o autor se inteirou de tudo antes de escrever. Ele fala dos trâmites judiciais com a desenvoltura de quem mostra a casa a um hóspede. Não será dessa vez que os doutores em Direito poderão dizer que os jornalistas confundiram conceitos ou não entenderam nada. Se Frederico não entendeu tudo é porque nem tudo é possível compreender, nos subterrâneos desse universo em que a justiça está a serviço do crime.

O livro relata casos concretos sem tergiversar. Mostra o quanto é difícil compatibilizar o princípio da ampla defesa com o da eficiência judicial. O leitor pode angustiar-se ao ver como os comparsas do juiz aposentado Nicolau dos Santos Neto escapuliram no caso do Fórum Trabalhista, ou refletir sobre o quebra-cabeça da Anaconda, onde se pode desconfiar que muitas peças ficaram faltando.

As críticas, acusações, mazelas e maracutaias mostradas pelo autor não desmerecem a justiça, como instituição. Ao expor a banda podre desse universo, ele reverencia a ala digna do sistema que teve a coragem de enfrentar a sua escumalha. De forma transversa, expõem-se de maneira cruel juízes, policiais e jornalistas. Mas absolve-se a Justiça, a Polícia e a Imprensa — já que, ao final, o bem triunfou. Perdão, não foi bem isso que ocorreu: na verdade, os bandidos apenas não escaparam.

Em 2005, estima-se que a chamada ‘comunidade jurídica’ será destinatária de dois mil novos títulos, cujas tiragens somadas deve chegar a 9 milhões de livros. Dificilmente haverá obra tão importante quanto “Juízes no Banco dos Réus”, do jornalista Frederico Vasconcelos.

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