Propaganda enganosa

TJ-MG anula multa rescisória da Telemig Celular

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27 de junho de 2005, 19h24

Cláusula que estabelece multa rescisória por quebra de contrato, pode ser anulada se a empresa enganou o consumidor. A decisão é da 17ª Câmara Cível do Tribunal de Justiça de Minas Gerais. O TJ mineiro anulou a multa que a Telemig Celular pretendia cobrar da Vitorino Comércio, pela rescisão de um contrato. A empresa veiculou propaganda que prometia descontos nas ligações entre funcionários da Vitorino. A peça publicitária era, na verdade, enganosa. Cabe recurso.

Segundo os autos, em julho de 2001, a empresa contratou a Telemig optando pelo “pacote pleno”. O plano escolhido disponibilizava o serviço “intra-empresa plus”, que oferece desconto de 100% nas ligações entre os funcionários da empresa contratante. A Vitorino Comércio recebeu, então, 14 aparelhos telefônicos, para uso de seus funcionários.

No primeiro mês de contrato a Telemig Celular impôs à empresa uma franquia de 500 minutos para as ligações feitas entre seus funcionários, cobrando os minutos que excediam a esse limite. A Vitorino Comércio pediu a rescisão do contrato, mas foi informada que estava no período de carência, já que a empresa aderiu à cláusula de fidelidade de, no mínimo, 12 meses para rescisão. Dessa forma, seria cobrada uma multa de R$ 200 por cada aparelho celular, o que totalizaria R$2,8 mil.

A empresa ajuizou ação pedindo o ressarcimento das parcelas do contrato já pagas à Telemig Celular e a rescisão do contrato sem a cobrança de multa. Alegou que a propaganda não fazia menção à franquia. Pelo contrário, afirmava que as ligações entre os funcionários seriam gratuitas.

Os desembargadores Eduardo Mariné da Cunha (relator), Walter Pinto da Rocha e Irmar Ferreira Campos, integrantes da turma julgadora, entenderam que a empresa tem o direito de ser ressarcida das parcelas pagas à Telemig Celular, com exceção da primeira, pelos serviços que efetivamente utilizou.

Com relação à propaganda, o relator destacou que o Código de Defesa do Consumidor estabelece, no artigo 30, que “toda informação ou publicidade, suficientemente precisa, veiculada por qualquer forma ou meio de comunicação, com relação a produtos e serviços oferecidos ou apresentados, obriga o fornecedor que a fizer veicular ou dela se utilizar e integra o contrato que vier a ser celebrado”.

O relator ponderou que, pela leitura da propaganda, “entende-se que não há limitação temporal para as ligações entre os aparelhos celulares do grupo, restando comprovado nos autos que a empresa firmou o contrato acreditando em tal vantagem”. Dessa forma, mesmo tendo aderido à cláusula de fidelidade, o contrato deve ser rescindido, já que a Telemig Celular veiculou propaganda não condizente com o contrato.

AP.CV.507695-7

Leia a íntegra da decisão

AÇÃO ORDINÁRIA – VINCULAÇÃO DA PROPAGANDA COM O CONTRATO – ART. 30, CDC – OPÇÃO DE RESCISÃO CONTRATUAL SEM IMPOSIÇÃO DE MULTA.

Consoante art. 30, do CDC, a publicidade possui um componente contratual, vinculando o fornecedor caso seja celebrado o contrato.

Evidenciada a conduta da apelante de veicular propaganda não condizente com o contrato (art. 30, CDC), de molde a onerar seus clientes com encargos não previstos, possível à autora, nos termos do art. 35, III, do CDC, rescindir o contrato, sem a imposição de qualquer penalidade.

A C Ó R D Ã O

Vistos, relatados e discutidos estes autos de Apelação Cível Nº 507.695-7 da Comarca de BELO HORIZONTE, sendo Apelante (s): TELEMIG CELULAR S.A. e Apelado (a) (os) (as): VITORINO COMERCIAL LTDA.,

ACORDA, em Turma, a Décima Sétima Câmara Cível do Tribunal de Justiça do Estado de Minas Gerais DAR PROVIMENTO PARCIAL AO RECURSO.

Presidiu o julgamento o Desembargador MARINÉ DA CUNHA (Relator) e dele participaram os Desembargadores WALTER PINTO DA ROCHA (Revisor convocado) e IRMAR FERREIRA CAMPOS (Vogal).

O voto proferido pelo Desembargador Relator foi acompanhado, na íntegra, pelos demais componentes da Turma Julgadora.

Produziu sustentação oral, pelo apelado, o Dr. Paulo Renato Diniz Gomes.

Belo Horizonte, 02 de junho de 2005.

DESEMBARGADOR MARINÉ DA CUNHA

Relator

V O T O

O SR. DESEMBARGADOR MARINÉ DA CUNHA:

VITORINO COMERCIAL LTDA. propôs ação ordinária em desfavor de TELEMIG CELULAR S/A, objetivando a rescisão de contrato de prestação de serviços corporativos de telefonia móvel celular firmado entre as partes.

Relatou ter sido visitada por preposto da ré, que lhe ofereceu “pacote pleno corporativo” contendo, dentre outras vantagens, ligações gratuitas ilimitadas entre os aparelhos celulares adquiridos.

Todavia, após aderir ao plano, foi surpreendida com a descoberta de que as ligações gratuitas entre os “acessos celulares” eram limitadas a 500 minutos mensais.


Ato contínuo, procurou a ré e requereu a rescisão do pacto, sendo informada da exigência de pagamento de multa no valor de R$200,00 por acesso, totalizando a quantia de R$2.800,00, referentes a 14 acessos.

Dessa forma, não lhe restou outra alternativa senão a presente ação, uma vez que o contrato deve ser rescindido sem a cobrança de qualquer multa, pois somente o celebrou em razão da inexistência de limitação para ligações entre os aparelhos celulares adquiridos.

Em sua defesa, a ré alegou não ter praticado qualquer ilícito, estando a aludida multa prevista no contrato para o caso de denúncia anterior ao período de doze meses subsequentes à celebração da avença. Pugnou pela improcedência da ação.

A MM. Juíza de primeiro julgou procedente o pedido exordial (f. 290-295), declarando rescindido o pacto de prestação de serviços de telefonia móvel celular corporativo firmado entre as partes, ficando a autora autorizada a levantar os depósitos realizados, exceto o primeiro, que ficará a encargo da ré. Condenou a requerida ao pagamento das custas processuais e honorários advocatícios, arbitrados em R$1.500,00.

Irresignada, a ré aviou o presente recurso (f. 301-308), argüindo a inexistência de qualquer conduta ilícita de sua parte, eis que sempre cumpriu com o contrato firmado com a autora.

Asseverou que, pela avença celebrada, a apelada adquiriu vários acessos celulares, incidindo as cobranças em uma única fatura mensal emitida em nome da própria empresa.

Sustentou que a multa contratual, no valor de R$200,00 reais por acesso, encontra-se prevista na avença, sendo imposta a qualquer cliente que a rescindir antes do término de seu prazo de carência (12 meses).

Pleiteou o provimento do apelo, para julgar improcedente a ação. Sucessivamente, pugnou pela condenação da autora ao pagamento das faturas emitidas até a data da efetiva desativação e à devolução dos 10 aparelhos celulares cedidos em comodato, reduzindo-se, ainda, a verba honorária.

Foram apresentadas contra-razões às f. 311-319, com argumentos em prol do manutenção do decisum hostilizado.

Conheço do recurso, eis que presentes os pressupostos de sua admissibilidade.

Pretende a autora a rescisão do contrato de prestação de serviços de telefonia celular móvel firmado com a ré, ao argumento de ter celebrado o referido pacto acreditando na propaganda e na proposta apresentadas, pelas quais pagaria uma taxa fixa para ligações entre os telefones corporativos do plano, sem limitação temporal, restando surpreendida, após a celebração, com a descoberta de que as ligações gratuitas entre os “acessos celulares” eram limitadas a 500 minutos mensais.

Assim, requereu a rescisão do pacto, sem a cobrança de qualquer multa.

Por sua vez, a ré afirmou ser devida multa contratual pela respectiva rescisão, no valor de R$200,00 por acesso, totalizando a quantia de R$2.800,00, referentes a 14 acessos.

Inicialmente, cumpre verificar se o Código do Consumidor pode ser aplicado à hipótese em julgamento.

De acordo com o que indicam os elementos presentes nos autos, o serviço contratado pela autora foi aplicado em sua atividade lucrativa, pelo que não se subsume ela no conceito de consumidora, previsto no art. 2º, da Lei nº 8.078/90, de modo que a relação não pode ser classificada como de consumo.

Isso, porém, não significa que se deva afastar a aplicabilidade de todas as regras do CDC, devendo incidir o disposto no art. 29, desse diploma legal:

“art. 29. Para os fins deste Capítulo e do seguinte, equiparam-se aos consumidores todas as pessoas determináveis ou não, expostas às práticas nele previstas.”

Com efeito, o Código de Defesa do Consumidor estabelece no art. 30 que:

“toda informação ou publicidade, suficientemente precisa, veiculada por qualquer forma ou meio de comunicação, com relação a produtos e serviços oferecidos ou apresentados, obriga o fornecedor que a fizer veicular ou dela se utilizar e integra o contrato que vier a ser celebrado.”

Assim, verifica-se que a publicidade possui um componente contratual, vinculando o fornecedor caso seja celebrado o contrato. Afinal, o princípio da transferência, instituído pelo art. 4º, caput, do CDC, é norteador da formação de contratos.

Como salientado por Cláudia Lima Marques, Antônio Herman V. Benijamin e Bruno Miragem (in Comentários ao Código de Defesa do Consumidor, Revista dos Tribunais, São Paulo, 2003, p. 407-408):

“a idéia central de tal princípio é possibilitar uma aproximação e uma relação contratual mais sincera e menos danosa entre consumidor e fornecedor. Transparência significa informação clara e correta sobre o produto a ser vendido, sobre o contrato a ser firmado, significa lealdade e respeito nas relações entre fornecedores e consumidor, mesmo na fase pré-contratual, isto é, na fase negocial dos contratos de consumo.”


Comentando o citado art. 30, vem a pêlo as lições de Luiz Antônio Rizzatto Nunes, in Comentários ao Código de Defesa do Consumidor, Saraiva, São Paulo, 2000, p. 366-367:

“É o fenômeno da vinculação. Oferecida a mensagem , fica o fornecedor a ela vinculado, podendo o consumidor exigir seu cumprimento forçado nos termos do art. 35. Se o fornecedor quiser voltar atrás na oferta não poderá fazê-lo, até porque, como de resto decorre da estrutura do CDC, a oferta tem caráter objetivo. Feita, a própria mensagem que veicula é o elemento comprobatório de sua existência e veiculação.”

Assim, visando efetivar o princípio da vinculação, determina o art. 35 do CDC, a possibilidade do consumidor, caso o fornecedor se recuse ao cumprimento da oferta, escolher entre (I) exigir o cumprimento forçado da obrigação, nos termos da publicidade; (II) aceitar outro produto ou prestação equivalente; ou (III) rescindir o contrato, com direito à restituição de quantia eventualmente antecipada.

A caracterização de qualquer dessas hipóteses independe de culpa ou dolo do fornecedor, bastando a ocorrência de resultado lesivo, de modo a induzir o consumidor a erro ao formar uma falsa noção da realidade, nos termos do art. 37 do aludido CDC.

No caso dos autos, verifica-se que a empresa ré veiculou a publicidade anexada com a inicial (f. 13-20), objetivando a prestação de serviços de telefonia móvel celular, tendo a autora aderido ao plano corporativo “Intra Empresa Plus” com “100% de desconto nas ligações entre seus funcionários” (f.16).

Todavia, após a celebração do pacto, a requerente foi surpreendida com a cobrança dos minutos que excediam a limitação de 500 por mês, o que a levou a requerer a aludida rescisão.

Com efeito, da leitura da aludida propaganda, entende-se que não há limitação temporal para as ligações entre os aparelhos celulares do grupo, restando comprovado nos autos que a autora firmou o contrato acreditando em tal vantagem.

Nesse sentido, o depoimento da testemunha Maria da Conceição Resende Ribeiro de Oliveira, às f. 267-268, preposta da ré, que vendeu o serviço em questão à autora:

“(…) que trabalhou para ré no Canal Indireto no período de fevereiro a novembro de 2001;. (…) que foi a depoente quem fez o contato inicial com a autora; que foi até a empresa autora por conta própria porque como representante comercial já possuía uma carteira de clientes; que a depoente explicou para a autora as especificações do produto; que deixou com a cliente, autora, um material explicativo sobre o produto. Foi um folder (…); que reconhece como sendo o material utilizado para venda do produto que constitui fls. 16 a 20, por cópia; que utilizou o mesmo material no contato com todas as empresas suas clientes; que vendeu para a autora o pacote pleno e intraempresa plus; que se recorda de ter vendido 10 acessos correspondentes a dez linhas para empresa autora para possibilitar a comunicação entre os funcionários, sem ônus, com cadastramento de algumas linhas; que não passou para a cliente autora nenhuma restrição de tempo no plano intraempresa porque não tinha esta informação e no material que usava também não havia nenhuma informação a respeito; que nas vendas feitas para outras empresas também não informou sobre restrição de tempo nas comunicações intra empresa; (…) que foi chamada pela empresa autora após a habilitação das linhas, para resolver a questão não esclarecida quando da venda, ou seja, que no contrato assinado com a ré havia uma limitação de 500 minutos mensais para a comunicação entre os funcionários; que como o contrato já estava assinado levou ao conhecimento da empresa onde trabalhava, terceirizada pela ré, e aí descobriram que estavam fazendo vendas sem enfatizar a existência do tempo limite que, de fato, existia; que a empresa autora quis então rescindir o contrato porque havia comprado um produto sem limite de tempo; que o fato provocou reunião entre a empresa onde trabalhava e a Telemig Celular; que a remessa de contrato pela empresa ficava por conta Telemig mas a depoente não tem notícia de que algum cliente tenha recebido tal cópia; que após o levantamento do problema da pela empresa autora a depoente e os colegas receberam instruções para falar a respeito do tempo limite quando do atendimento a clientes mas não se recorda de modificações no material explicativo como o folder por exemplo. (…) que foi a depoente quem levou o contrato em discussão para ser assinado pela autora; que para entrega dos aparelhos habilitados o contrato tinha que estar assinado (…)”

Assim, patente que a autora firmou o pacto nos termos da propaganda vinculada (folder de f. 13-20), na qual não havia limite temporal para as ligações entre os celulares do grupo.

Tanto é verdade que a avença restou pactuada em 09.07.2001, tendo a autora, menos de dois meses depois (agosto de 2001), ajuizado a apresente ação visando a respectiva rescisão.


Logo, evidenciada a conduta da apelante de veicular propaganda não condizente com o contrato (art. 30, CDC), de molde a onerar seus clientes com encargos não previstos, possível à autora, nos termos do art. 35, III, do CDC, rescindir o contrato, com direito à restituição de quantia eventualmente antecipada.

Dessa forma, mesmo tendo a requerente aderido à cláusula de fidelidade de, no mínimo, 12 meses para rescisão do contrato, sob pena de multa, deve ser o mesmo rescindido sem essa cominação, pois quem deu causa à denúncia foi a própria requerida.

Nesse diapasão, registre-se que a referida cláusula, que impõe prazo mínimo de 12 meses de vinculação ao contrato de telefonia pelo consumidor, revela-se válida, pois expressamente autorizada pela ANATEL, não sendo a mesma exigível, in casu, em razão da veiculação, pela ré, de propaganda não condizente com o contrato, fato que possibilita a alternativa de rescisão pelo cliente, sem qualquer ônus.

Ante todo o exposto, andou bem a douta magistrada a qua ao declarar rescindido o contrato firmado entre a partes, sem a imposição da multa pretendida pela ré.

De outra face, também não merece prosperar o pedido alternativo de condenação da autora ao pagamento das faturas emitidas até a data da efetiva desativação, pois, como salientado na sentença, “durante os doze meses subsequentes à assinatura do contrato (período de carência contratualmente previsto para a incidência de multa em caso de denúncia), foram feitos depósitos. Após este período, foi deferida a antecipação da tutela para o fim de determinar à ré que se abstivesse de emitir novas faturas e, por conseqüência, não procedesse a nenhum meio coercitivo de cobrança , o que não foi cumprido. Por conseguinte, são indevidas não apenas as faturas emitidas posteriormente aos primeiros doze meses, mas também aquelas correspondentes ao período anterior em que o contrato, a rigor, já não mais existia, desde o mês de setembro de 2001, inclusive”.

No tocante ao pedido de redução dos honorários advocatícios, novamente não merecer reforma a sentença, pois, à excelência do trabalho desenvolvido pelo digno patrono do autora, apresenta-se-me razoável a condenação revelada na instância de origem, à guisa de verba honorária, levando-se em conta o grau de complexidade e o trabalho desenvolvido pelo causídico.

Dessa forma, mantenho a verba honorária arbitrada na decisão monocrática, no importe de R$1.500,00, valor que, a meu ver, encontra-se em consonância com os critérios contidos no §3 o do artigo 20 do CPC.

Por fim, entendo que, uma vez rescindido o pacto, deve a autora devolver à ré os 10 aparelhos celulares por esta cedidos em comodato, pois tal empréstimo gratuito visava ao fornecimento dos serviços de telefonia então contratados.

Com tais razões de decidir, dou parcial provimento à apelação, tão-somente para determinar à autora que devolva à ré os 10 aparelhos celulares por esta cedidos em comodato, mantida, no mais, a r. sentença.

Custas recursais, pela apelante.

DESEMBARGADOR MARINÉ DA CUNHA

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