Pirata certificado

Desconhecimento da lei justifica pirataria, diz juiz

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27 de junho de 2005, 12h30

Acusado não pode ser condenado se não sabe que tipo de crime está praticando. O entendimento é do juiz da 3ª Vara Criminal de Betim, Minas Gerais, Magid Nauef Láuar. Para o juiz, “se uma das funções da pena é dissuadir a população a praticar as condutas que sabem estar definidas na lei como crime, como condenar alguém que não sabe ao certo se pratica ou não crime?”.

Nauef Láuar rejeitou denúncia do Ministério Público contra acusado de crime contra a propriedade intelectual. Conforme a denúncia, foram apreendidos em poder do acusado, em 25 de maio de 2005, 68 fitas de video e 10 DVDs falsificados. Cabe recurso.

Segundo o juiz, não basta que um texto legal exista. É necessário tornar possível a qualquer pessoa, independentemente de sua cultura juridical, a compreensão de seu significado e a identificação no dia-a-dia do que é lícito e ilícito. A informação é do Tribunal de Justiça de Minas Gerais.

Para o juiz, à primeira vista, a conduta descrita na denúncia constituiria crime, já que ele foi pego reproduzindo filmes sem autorização do autor. No entanto, diante do princípio constitucional da legalidade, é necessária a análise da adequação da conduta ao fato típico, já que o agente só comete crime quando há lei prévia que permita a ele saber que a conduta é ílicita no ordenamento jurídico.

Magid Nauef Láuar acrescentou que, no caso, é preciso reconhecer a dificuldade que uma pessoa comum tem em determinar e absorver a conduta ílicita descrita. Primeiro, porque isto é difícil para os poucos que possuem conhecimento técnico da matéria jurídico; segundo, porque em cada esquina é possível comprar produtos piratas. “É bem verdade que tanto quem vende como quem compra o CD ‘pirata’ tem consciência da ilicitude de seus atos, mas a questão que se coloca aqui não é essa, mas sim se crêem estar praticando crime”, ressaltou.

Lembrou ainda que, em certos casos, o próprio Poder Público destina o espaço físico para a comercialização de tais produtos como, por exemplo, no centro de Betim, o local denominado e conhecido popularmente como camelódromo e, em Belo Horizonte, o shopping popular Oiapoque.

O juiz considerou também o fato de os objetos apreendidos apresentarem deficiências que levam a crer terem sido reproduzidos sem qualquer técnica, afastando qualquer noção de reprodução ou cópia do original.

Outra questão levantada por Magid Nauef Láuar se refere ao porquê de as apreensões ocorrerem de forma isolada, recaindo sobre o cidadão comum, enquanto os “camelódromos” continuam existindo.

Decisão infeliz

Um absurdo. Para o advogado Nehemias Gueiros, especialista em Propriedade Intelectual, a decisão do juiz mineiro presta um desserviço à luta contra a pirataria.

Gueiros diz que existem hoje no Brasil quase 500 mil leis. Desta forma é praticamente impossível para qualquer pessoa conhecê-las, mesmo quando se fala de juizes, advogados, procuradores, desembargadores e ministros. Muito menos quando nos referimos ao cidadão leigo.

“Mas isso não é desculpa para a pratica de atos ilícitos”. Afirma Gueiros. “Qualquer produto posto à venda no comércio, principalmente os suportes materiais físicos da industria do entretenimento — livros, CDs, DVDs, videos etc. — traz claramente a advertência relativa à reprodução desautorizada, à copiagem ilegal e ainda informa as sanções a que estarão sujeitos os infratores”.

Gueiros lamenta a decisão, espera que seja reformada e que os infratores sejam condenados na forma da lei que alegam desconhecer. “Caso contrário esta decisão acabará se transformando em verdadeira bandeira política dos piratas nacionais”, diz Gueiros.

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