Prejuizo seguro

O custo das fraudes em seguros quem paga é o consumidor

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27 de junho de 2005, 20h57

A questão das provas é hoje o cerne do combate à fraude nos seguros sob o ponto de vista jurídico e os reguladores de sinistros desempenham (ou podem desempenhar) papel crucial na força-tarefa para combater a prática. Calcula-se que as fraudes comprovadas e não comprovadas no país alcancem de 10% a 15% de todos os contratos. Fora do Brasil o índice chega no máximo a 10% — nos EUA, a porcentagem é de 9%.

Os números, suas causas, e os meios para reduzi-los deram a tônica do seminário “Aspectos Jurídicos das Fraudes nos Seguros”, promovido pela revista Consultor Jurídico, na última sexta-feira (24/6), em São Paulo.

Traduzindo a porcentagem, estima-se que o prejuízo com as fraudes tenha girado entre R$ 2 bilhões e R$ 3 bilhões em 2003. Nos Estados Unidos, o montante é de 105 bilhões de dólares, sendo 67,7 bilhões somente no seguro saúde. Na França o cálculo é que este montante seja de 3,3 bilhões de dólares (com destaque para o setor automobilístico); no Reino Unido, de 2,4 bilhões de dólares; e na Espanha, de 1,16 bilhão de dólares. Os números são de levantamento da consultoria Conning & Co., feito em 2000.

Encarecimento

De acordo com os especialistas que participaram do encontro, as fraudes em seguros e os conseqüentes prejuízos funcionam como uma bola de neve e não atingem somente as seguradoras. Segundo eles, a perda maior fica a cargo dos próprios consumidores já que é repassado a eles os custos pelos riscos de eventuais artifícios para ludibriar as companhias — as taxas de prêmio (o valor cobrado pelo serviço) são extraídas da experiência com os sinistros registrados. Quanto mais freqüentes as fraudes, mais altos os valores.

Para o diretor do IBDS — Instituto Brasileiro do Direito de Seguros, Maurício Silveira, as fraudes podem acontecer antes da primeira manifestação do contrato (quando o seguro é feito com o objetivo de levantar o dinheiro da indenização), no momento do contrato (com o fornecimento de informações erradas), e durante a vigência do contrato (quando o segurado lança mão de manobras ilícitas para obter a indenização ou busca obter valores superiores aos que tem direito).

Legislação

O primeiro problema para as seguradoras é que quando o segurado entra com uma ação contra a companhia, como no caso de majoração da indenização, ele não tem nada a perder. Se ganha, ele tem o valor aumentado. Se perder a ação, fica no mínimo com o montante previsto em contrato. A saída, seria “penalizar o segurado com a perda da indenização se comprovada a fraude para majorar valores”, afirma Silveira. Disso, depende a aprovação de uma legislação própria para o assunto, como acontece em outros países.

Juridicamente, o segurado que comete fraude contra as seguradoras pode ser enquadrado no artigo 171, parágrafo 2, inciso V, do Código Penal, que trata de estelionato. De acordo com ele, basta que o consumidor pratique ato visando vantagem, fazendo que a outra parte incida em erro, para que o crime esteja caracterizado. Ou seja, o fraudador não precisa receber a indenização para que seja constituído o delito. A fraude também pode ser enquadrada em dispositivos como o artigo 250 do Código Penal, os artigos 171, 765 e 769 do Código Civil e em artigos do Código Comercial.

Em todos eles, defende-se que a coerção aos atos fraudulentos deve ser adequada, para que não se coloque no mesmo patamar a fraude cometida voluntariamente, com má-fé do segurado, e a feita involuntariamente. Para tanto, afirmam os especialistas, faz-se necessária a criação de uma legislação que trate especificamente dos contratos de seguros. Caberá ao legislador, assim, fixar padrões legais e garantias institucionais de qualidade, independência e autonomia desse tipo de serviço.

Segundo o procurador de Justiça do Ministério Público do Rio de Janeiro, José Maria Leoni Lopes de Oliveira, o artigo 766, do Código de Defesa do Consumidor, pune a má-fé nas informações prestadas de maneira indevida. De acordo com o artigo, se a inexatidão ou omissão das informações não resultar de má-fé do segurado, a companhia poderá cobrar a diferença no prêmio mesmo depois do sinistro. A comprovação de má-fé resulta na perda do direito à garantia dada pelo contrato.

Com o objetivo de sanar impasses e regular o setor de forma mais segura e eficiente, está em trâmite na Câmara o projeto de lei 3.555/04, do deputado José Eduardo Cardozo (PT-SP). O único problema é que ele, acreditam, está longe de ser aprovado.

Despreparo

Para o desembargador Irineu Jorge Fava, do Tribunal de Justiça de São Paulo, nem se pode ser paternalista no sentido de isentar o consumidor de culpas, nem conservador a ponto de não admitir que as seguradoras erram. Isso porque a fraude implica dolo e o devido processo legal exige que qualquer acusação seja respaldada nos princípios da ampla defesa e do contraditório.

Mas, segundo ele, “o que se tem observado, na etapa da regulação dos sinistros, é que esses levantamentos são feitos por pessoas despreparadas. Os relatórios são capengas, falhos. Aludem a pessoas que não se pode localizar (o jardineiro, o dono da banca) e a afirmações que não se pode comprovar. Se não há comprovação do ilícito indicado, a acusação será rejeitada. Acusar é fácil, mas é preciso provar. Já julguei muitas ações contra seguradoras, porque no processo não se configura satisfatoriamente a culpa. E tampouco há contraditório — a prova é produzida pela seguradora”.

O fato é que o consumidor brasileiro não tem bem desenvolvida a cultura do seguro. “Apenas 30% de nossa frota de veículos é segurada, por exemplo”, afirma o presidente do Sincor-SP — Sindicato dos Corretores de Seguros de São Paulo, Leoncio de Arruda. As fraudes — geralmente praticadas nos seguros de automóvel, transportes, saúde e vida — acabam funcionando como um inibidor do seguro já que contribuem para encarecer o serviço no país, um dos mais caros do mundo.

Meios de combate

Para o gerente do Departamento de Combate à Fraude da Fenaseg — Federação Nacional das Empresas de Seguros Privados e Capitalização Mário Viola de Azevedo Cunha, o aumento das fraudes se deve à impunidade, a ineficiência no sistema de controle do ato e às pressões econômicas. O combate a ela tem de ser feito, segundo ele, por meio da prevenção e da comunicação, da gestão da informação, da investigação e da repressão. “A Fenaseg quer criar desmanches legais. Pretendemos regular a atividade. No Rio já criamos o ‘Pátio legal’, anexo a uma delegacia de roubo e furtos de automóveis”, afirmou.

De acordo com uma pesquisa encomendada ao Ibope, as pessoas não têm conhecimento das punições que podem decorrer da fraude aos contratos de seguro. Do universo de dois mil entrevistados, 40% declararam-se propensos a fraudar o seguro, pela facilidade e pela impunidade. Ainda segundo o levantamento, a maioria dos pesquisados não sabe que todos pagam pelos gastos das companhias com as fraudes. E é esse quadro que, para os participantes do seminário, precisa ser mudado.

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