Invasões de escritórios

Procurador abre inquérito contra advogados que criticam invasões

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24 de junho de 2005, 12h58

O procurador da República em Taubaté (SP), João Gilberto Gonçalves Filho, instaurou Inquérito Civil Público para apurar se houve dano moral à Justiça, à Polícia Federal e ao Ministério Público nas declarações de representantes da OAB contra operações policiais nos escritórios de advocacia que prestavam serviço à Schincariol.

Os advogados partiram para o ataque contra as invasões. Eles afirmam que as invasões a escritórios violam suas prerrogativas profissionais, que os mandados de busca e apreensão não atendem as especificações previstas em lei e que mandados expedidos em um estado são cumpridos em outro sem carta precatória.

Segundo o procurador Gonçalves Filho, “os escritórios de advocacia não podem servir de masmorra de proteção ao crime organizado, tornando intocáveis todas e quaisquer provas relacionadas à prática dos mais escabrosos delitos”. Ele sustenta também “que as prerrogativas profissionais dos advogados não podem servir de escudo para acobertar as mais aberrantes práticas delituosas, sendo que a inviolabilidade do advogado não se confunde com imunidade penal”.

O procurador também sustenta que as críticas do presidente da OAB, Roberto Busato, publicadas na revista Consultor Jurídico, de que o “ministro da Justiça não tem demonstrado nenhuma preocupação com a atitude arbitrária da Polícia Federal” e a declaração de que a “Polícia Federal continua tripudiando em cima do cidadão brasileiro”, denegriram o trabalho das “instituições republicanas, atingindo injustamente o sistema estatal de persecução penal” e “podem ensejar” os danos morais, tanto contra a OAB, como contra o próprio Roberto Busato.

Leia a íntegra do pedido de instauração do inquérito

PORTARIA DE INSTAURAÇÃO DE INQUÉRITO CIVIL

CONSIDERANDO que a OAB – Ordem dos Advogados do Brasil vem insistentemente se manifestando, na imprensa nacional, contra a expedição e o cumprimento de ordens judiciais de busca e apreensão em escritórios de advocacia;

CONSIDERANDO que não é possível prever de antemão, minuciosamente, todos os documentos incriminadores que possam surgir numa diligência de busca e apreensão, sendo que a diligência serve justamente para que esses documentos venham à tona, daí decorrendo, logicamente, a impossibilidade de discriminá-los especificamente, bem como a absoluta licitude de um mandado de busca e apreensão vazado em termos genéricos, como, por exemplo, a apreensão de “eventuais notas-fiscais, duplicatas, faturas, pedidos, contratos, correspondências abertas ou fechadas, agendas, agendas eletrônicas, computadores (inclusive laptops, notebooks, palmtops, etc), celulares, disquetes, assim como todo e qualquer documento ou objeto que possa de qualquer maneira, estar relacionado aos supostos delitos investigados(1)”; tudo sem prejuízo de que, verificando que há documentos apreendidos que não interessam à investigação, sejam incontinente devolvidos aos seus titulares, assim como, com relação aos demais documentos, sejam extraídas cópias autenticadas aos interessados no seu uso;

CONSIDERANDO que, se um magistrado for competente para um determinado inquérito policial, devido ao suposto crime investigado, pode e deve determinar as diligências investigatórias necessárias em todo o território nacional, sem necessidade de expedição de carta precatória, que serve apenas como um mecanismo de colaboração dos serviços judiciários no processo penal, não tendo cabimento nas simples investigações pré-processuais, sob pena de perda da agilidade que lhes é inerente(2), cabendo à autoridade policial tomar as providências internas com seu órgão para dar cumprimento à ordem;

CONSIDERANDO que a prática de crimes de lavagem de dinheiro, envolvendo organizações criminosas, vem refinada e desenvolvida, com menor probabilidade de detecção pelas autoridades, se recebe o amparo jurídico de um profissional da advocacia;

CONSIDERANDO que os escritórios de advocacia não podem servir de masmorra de proteção ao crime organizado, tornando intocáveis todas e quaisquer provas relacionadas à prática dos mais escabrosos delitos;

CONSIDERANDO que as prerrogativas profissionais dos advogados não podem servir de escudo para acobertar as mais aberrantes práticas delituosas, sendo que a inviolabilidade do advogado não se confunde com imunidade penal;

CONSIDERANDO que é direito indeterminado de todo e qualquer brasileiro, portanto um autêntico direito difuso, que as investigações penais contra organizações criminosas sejam eficazes, podendo e devendo ser dirigidas contra quem quer que seja, inclusive contra advogados, delegados de polícia, membros do Ministério Público, juízes, sendo que mesmo o gabinete do Exmo. Sr. Presidente da República pode ser alvo de uma operação de busca e apreensão, desde que decretada pela autoridade judiciária competente(3);

CONSIDERANDO que a inviolabilidade dos advogados, prevista no artigo 133 da Constituição, só existe “nos termos da lei”, como se observa do teor desse dispositivo constitucional;

CONSIDERANDO que o próprio Estatuto da Advocacia, Lei Federal n° 8.906/1994, no seu artigo 7°, inciso II, permite expressamente a busca e apreensão em escritório de advocacia, desde que “determinada por magistrado e acompanhada de representante da OAB”, sendo que a última parte desse dispositivo, qual seja, “e acompanhada de representante da OAB”, está com a sua eficácia suspensa por decisão proferida pelo Supremo Tribunal Federal no julgamento da ADIN n° 1.127-8 (DJU 29.06.2001);

CONSIDERANDO, assim, que a própria lei autoriza as diligências de busca e apreensão em escritórios de advocacia, condicionando-as a apenas dois requisitos: o primeiro, que seja determinada por autoridade judiciária; o segundo, com sua eficácia suspensa pela inconstitucionalidade, que a diligência seja acompanhada por representante da OAB;

CONSIDERANDO que todas as operações policiais contam com a participação ativa do Ministério Público, seja como requerente das medidas judiciais, seja oficiando como “custos legis”;

CONSIDERANDO que é dever jurídico da polícia judiciária federal dar cumprimento a ordens judiciais, sob pena de a omissão acarretar responsabilidade civil, administrativa, penal e por improbidade;

CONSIDERANDO o teor de nota pública proferida pela AJUFESP – Associação dos Juízes Federais vinculados ao Tribunal Regional Federal da Terceira Região, publicada na revista Consultor Jurídico de 16 de junho de 2005, na qual se expôs, com muita propriedade, com os seguintes trechos que merecem destaque: “Denunciamos, portanto, que, ao pressionar indevidamente os magistrados, os que pretendem fazê-lo, ou não têm intenções muito claras, ou não perceberam o perigo que estão criando para a Democracia e o Estado de Direito (embora afirmem fazer justamente o contrário).” “Repudiamos, com firmeza, a infeliz idéia de representar-se contra magistrados que deferiram mandados de busca, no combate ao crime e cumprindo devidamente suas obrigações. NO BRASIL, ATÉ QUANDO A JUSTIÇA FUNCIONA, É CRITICADA.”;

CONSIDERANDO que magistrados e policiais, desde que imbuídos de boa fé, não devem se sentir intimidados no exercício de suas funções;

CONSIDERANDO que é absurdo e preocupante, mesmo sem ter conhecimento dos autos, achincalhar o trabalho de juízes federais e da Polícia Federal de todo o Brasil, não sabendo sequer as razões que levaram a se decretar a busca e apreensão judicial;

CONSIDERANDO que a verberação dirigida a policiais federais para que deixem de cumprir ordens judiciais de busca e apreensão configura, em tese, o crime previsto no artigo 286 do Código Penal: “Incitar, publicamente, a prática de crime: Pena – detenção, de 3 (três) a 6 (seis) meses, ou multa.”, já que, havendo recusa de um policial a cumprir ordem judicial, estará praticando crime de prevaricação;

CONSIDERANDO o teor manifestamente agressivo à autoridade do Ministro da Justiça, bem como à “Polícia Federal” como instituição, constante das declarações prestadas à imprensa pelo Presidente Nacional da OAB, Dr. Roberto Busato, publicadas na Revista Consultor Jurídico em 03 de junho de 2005, quais sejam: “A impressão é que o ministro da Justiça, Márcio Thomaz Bastos, não comanda a Polícia Federal, apesar de o órgão ser ligado diretamente ao seu ministério”; “Lamentavelmente o ministro da Justiça não tem demonstrado nenhuma preocupação com a atitude arbitrária da Polícia Federal”; “Vamos procurar a Justiça porque com o ministro Márcio Thomas Bastos não adianta. A Polícia Federal não respeita o seu cargo”; “a Polícia Federal continua tripudiando em cima do cidadão brasileiro(4).”

CONSIDERANDO que tais declarações, procurando denegrir o trabalho sério, dedicado e lícito das instituições republicanas, atingindo injustamente o sistema estatal de persecução penal, podem ensejar, em tese, a propositura de ação civil pública por danos morais difusos, tanto contra a OAB (como pessoa jurídica) como contra o próprio declarante, sendo lesada a sociedade brasileira;

DETERMINO a instauração de inquérito civil, adotando-se as seguintes providências:

1. Autue-se;

2. Dê-se conhecimento da presente à 1ª e à 2ª Câmaras de Coordenação e Revisão do Ministério Público Federal;

3. Oficie-se à AJUFE (Associação dos Juízes Federais), à AJUFESP (Associação dos Juízes Federais de São Paulo e Mato Grosso do Sul), à ADPF (Associação Nacional dos Delegados de Polícia Federal), à FENAPEF (Federação Nacional dos Policiais Federais), com cópia desta portaria e dos documentos que a instruem, facultando-as manifestarem sobre o presente apuratório civil em 10 (dez) dias, principalmente quanto a eventual sentimento de depreciação do Poder Judiciário e da Polícia Federal como instituições republicanas;

4. Para o mesmo fim, oficie-se ao Exmo. Sr. Ministro de Estado da Justiça, Dr. Márcio Thomaz Bastos, por intermédio da Procuradoria Geral da República;

5. Oficie-se ao Ilustríssimo Senhor Presidente Nacional da Ordem dos Advogados do Brasil, Dr. Roberto Busato, dando-lhe conhecimento deste inquérito civil e facultando-lhe oferecer resposta escrita em 20 (vinte) dias;

6. Após, com ou sem as manifestações, voltem os autos conclusos.

Taubaté, 24 de junho de 2005.

JOAO GILBERTO GONÇALVES FILHO

PROCURADOR DA REPÚBLICA

Notas de rodapé

1- Teor de mandado de busca e apreensão expedido pelo MM JUIZ FEDERAL VLAMIR COSTA MAGALHÃES, DA VARA FEDERAL DE ITABORAÍ, divulgado em 23.06.2005 pela revista Consultor Jurídico.

2- Este “considerando” faz referência à crítica despropositada de que haveria necessidade de cartas precatórias para cumprir diligências judiciais determinadas no bojo de um inquérito policial. É absolutamente pacífico, por exemplo, que uma pessoa com mandado de prisão expedido contra si, estando fora da comarca do juízo, pode ser presa onde quer que se encontre, raciocínio que vale em si para as diligências de busca e apreensão.

3- A autoridade judiciária competente é o Supremo Tribunal Federal, ex vi do disposto no artigo 02, I, letra “b”, da Constituição Federal.

4- Grifos nossos.

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