Agressão no metrô

Passageiro agredido no metrô do Rio ganha indenização

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24 de junho de 2005, 17h44

O aposentado Eugênio Braga de Sá, de 52 anos, será indenizado em R$ 6 mil, por danos morais, pela empresa Opportrans, concessionária do metrô carioca. A decisão é da juíza Simone Gastesi Chevrand, titular da 25ª Vara Cível do Rio de Janeiro.

O homem foi arremessado ao chão por um segurança do metrô, que o acusou de estar fazendo pregações religiosas dentro do trem, o que pelo regulamento interno, é proibido. O aposentado sofreu escoriações e luxações nos braços e ombro. Por isso, ficou imobilizado por 15 dias.

Segundo Sidnei Máximo João, advogado do autor, seu cliente estava indo de metrô para uma consulta médica em Copacabana, na zona sul da cidade. Dentro do trem, teria se sentado ao lado de uma senhora que fazia palavras cruzadas. Em um determinado momento, ela perguntou para Eugênio Sá se ele sabia quem tinha nascido numa manjedoura. Evangélico, o aposentado deu a resposta e iniciou uma conversa com a mulher.

Nesse momento, relata o advogado, um agente do metrô interrompeu o diálogo e disse ao homem que ele não poderia fazer pregações na composição e ameaçou retirá-lo do local. Eugênio Sá teria tentado fugir do funcionário mudando de assento. Mas ao chegar à Estação Cardeal Arco Verde, o agente lhe aplicou golpes de judô.

“Meu cliente nunca mais foi o mesmo. Ficou traumatizado e hoje mal tem coragem de sair de casa”, alega Máximo João, que pretende recorrer do valor da indenização fixado pela juíza da 25ª Vara. O justo, segundo ele, seria o pagamento do equivalente a 60 salários mínimos, ou seja, R$ 18 mil. A empresa já entrou com um recurso para suspender a decisão em primeira instância. “A juíza dispensou a produção de provas”, afirma Eduardo de Abreu e Lima, advogado da Opportrans.

“Restou demonstrado o excesso na conduta do preposto da ré. Por outro lado, não parece verossímil que o autor pudesse sofrer as agressões apenas por ter respondido uma senhora que Jesus havia nascido numa manjedoura. Assim, não obstante a liberdade de crença ser garantia constitucional, essa garantia não pode ser compreendida em termos absolutos, devendo a liberdade, qualquer que seja seu fundamento, respeitar a paz e harmonia social, compreendendo neste sentido o sossego e a comodidade dos passageiros ou empregados do metrô”, afirmou a juíza Simone Gastesi Chevrand.

Para ela, no entanto, retirar violentamente o passageiro da composição e ainda provocar lesões graves é excessivo. “O abalo à saúde física e transtorno psicológico impostos ao autor configuram o dano moral”, completou.

Processo: 2004.001.034953-0

Leia a íntegra da sentença

S E N T E N Ç A

Trata-se de ação de conhecimento, pelo rito comum ordinário, objetivando a condenação do réu ao pagamento de valor equivalente a 100 Salários Mínimos por dano moral experimentado em razão de ter o mesmo sofrido lesões praticadas por preposto da ré. Aduz que no dia 11/02/2004 utilizava o metrô para se deslocar até Copacabana, quando tomou assento na composição, sendo que em dado momento no transcurso da viagem uma senhora lhe perguntou quem havia nascido na manjedoura, ao que autor respondeu Jesus Cristo.

Ocorre, que nesse exato momento o agente do metrô Wagner Fernandes Cabral, interrompeu a conversa lhe dizendo para não apregoar dentro do trem, ao que o autor respondeu que não estava apregoando, mas apenas respondendo a pergunta da senhora. Todavia, o agente não satisfeito, continuou a interpelar o autor, que ameaçado de ser retirado do trem, mudou de assento, sendo que ao chegar a estação Cardeal Arco Verde, o agente lhe aplicou golpe de judô, retirando o autor do trem, que arremessado ao chão, sofreu escoriações e luxações nos braços e ombro, tendo em decorrência, que ficar imobilizado pelo prazo de 15 dias, sob o tratamento fisioterápico. Tal fato foi registrado na 12 D.P. e enquadrado na figura típica lesão corporal de natureza grave. Documentos de fls. 06/18.

Indeferida a gratuidade de justiça ao autor à fl. 19. Ofertada a Contestação de fls. 26/30 por OPPORTRANS CONCESSÃO METROVIÁRIA S/A, instruída com o documento de fl. 31/44. Na peça, alega que cabe ao autor provar a existência de contrato de transporte, bem como os fatos que relata na petição inicial. Aduz que ação de seu agente se baseou no pleno exercício regular de seu direito, vez que o evento se deu por culpa exclusiva da vítima que não se portou adequadamente em contrariedade com o Decreto Estadual n. 2.522/79 que regulamenta a Lei 6.149/74, precisamente o artigo 67, inciso III. Afirma ainda que não se pode concluir que os danos morais afirmados se configuraram, já que a hipótese refere-se a mero aborrecimento. Réplica de fls. 47/48. Audiência de conciliação a fl. 59.

É o Relatório.

DECIDO:

Encontra-se o processo em ordem nada havendo a sanear. Desnecessária a produção de outras provas além daquelas existentes nos autos, já que irrelevantes para a solução do feito, como será demonstrado a seguir. Na verdade, a ré não nega o ocorrido o que, de toda sorte, encontra-se amplamente demonstrado nos autos, inclusive a condição de passageiro afirmada pelo autor. Assim, não merece acolhida a negativa condição, vez que é fato incontroverso que o dano foi causado por preposto da ré no interior da Estação Cardeal Arco Verde.

Resta examinar, apenas, se agiu a ré no exercício de um direito e se tais fatos ocasionaram os alegados danos morais passíveis de compensação pecuniária. Da leitura mais atenta do art. 67 do Decreto Estadual n. 2.522/79, tem-se que o fato em questão não se subsume ao referido dispositivo, vez que a palavra apregoar ali empregada está a se dirigir a expressão “qualquer espécie de mercadoria”. É assim o entendimento porque o artigo em tela não poderia prever vedação a liberdade de culto garantida na Constituição República.

Assim, ainda que o autor estivesse apregoando mister religioso, o dispositivo aplicável à hipótese seria o artigo 67, VI, que diz: “proceder inconvenientemente ou de modo a molestar ou prejudicar o sossego e a comodidade de passageiros ou empregados do metrô”.

Todavia, o caput do referido dispositivo, muito embora permita a retirada das dependências do Metrô do usuário que se porte daquela maneira, não autoriza que o agente do Metrô produza as lesões demonstradas nos documentos acostados à petição inicial.

A prova de que o autor prejudicava o sossego dos demais passageiros, a fim de autorizar a sua retirada do trem ou estação é prescindível, pois em nada alteraria a solução da lide, vez que restou demonstrado o excesso na conduta do preposto da ré.

Por outro lado, não parece verossímil que o autor pudesse sofrer as agressões por parte do preposto da ré apenas por ter respondido a uma senhora que Jesus havia nascido na manjedoura. Assim, não obstante a liberdade de crença ser garantia constitucional, essa garantia não pode ser compreendida em termos absolutos, devendo a liberdade, qualquer que seja seu fundamento respeitar a paz e harmonia social, compreendendo neste sentido o sossego e a comodidade dos passageiros ou empregados do Metrô nos exatos termos do art. 67, inciso III do Decreto Estadual n. 2.522/70.

Nesta linha de raciocínio, creio que ser retirado violentamente da composição do metrô e, ainda, vir a sofrer lesões graves, supera em muito o mero aborrecimento do cotidiano. Na verdade, o abalo a saúde física e o transtorno psicológico impostos ao autor configuram o dano moral. Sendo assim e tendo em conta que o dano moral não pode constituir fonte de enriquecimento sem causa, mas deve reprimir a inadequada conduta da ré, tenho como adequado para compensar o dano experimentado pelo autor o valor equivalente a vinte salários mínimos.

Este valor, contudo, deve ser traduzido em moeda corrente, na esteira do entendimento jurisprudencial das mais elevadas Cortes de nosso país que inadmitem semelhante indexação, senão vejamos: “Indenização: quantum fixado em múltiplo de salários mínimos: impossibilidade. É firma o entendimento do STF no sentido de que a fixação de indenização em múltiplo de salários mínimos ofende o disposto no art. 7º, IV, da Constituição”. (STF, 1ª Turma, RE 205455/MG, Rel. Min. Sepúlveda Pertence, DJ 06.4.01)

“A fixação da indenização por meio de salários mínimos, diante de recente precedente do Supremo Tribunal Federal, não é mais possível”. (STJ, 3ª Turma, REsp 252760/RS, Rel. Min. Menezes Direito, DJ 20.11.2000) Fica, assim, fixada a condenação em R$6.000,00.

Isto posto, JULGO PROCEDENTE o pedido compensatório para CONDENAR a ré ao pagamento, em favor do autor, de R$ 6.000,00 (seis mil reais) em razão dos danos morais causados, valor este que deve ser corrigido monetariamente a partir desta data pelos índices oficiais fixados pela egrégia Corregedoria de Justiça estadual e acrescido de juros moratórios legais à taxa de 12% (doze porcento) ao ano, na forma do artigo 406 do Código Civil e artigo 161, § 1º, do Código Tributário Nacional contados desde o evento danoso, ou seja, a 30.03.2004.

Publique-se. Registre-se. Intimem-se.

Rio, 08 de junho de 2005.

Simone Gastesi Chevrand

JUÍZA DE DIREITO

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