Perna curta

Mentira para justificar demissão gera indenização por danos

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23 de junho de 2005, 9h05

Patrão que mente para justificar demissão por justa causa, tem de indenizar empregado por dano moral. O entendimento é da 8ª Turma do Tribunal Regional do Trabalho da 2ª Região (São Paulo) e foi firmado no julgamento do Recurso Ordinário de uma ex-professora da União Cultural Brasil Estados Unidos. A professora lecionava há 27 anos e foi demitida sob a acusação de agir “de modo incompatível com as normas internas” da escola de idiomas.

Por isso, o TRT-SP condenou a União Cultural a pagar todas as verbas e multas devidas pela demissão sem justa causa e indenização por danos morais de um salário (R$ 4.079,84), por cada ano de serviço (27 anos), totalizando R$ 110.155,68. Cabe recurso ao Tribunal Superior do Trabalho.

A ação foi ajuizada na 36ª Vara do Trabalho de São Paulo. A intenção da professora era reverter sua demissão por justa causa, receber as verbas trabalhistas e indenização pelos danos.

De acordo com os autos, a União Cultural afirmou que a professora instigou os demais funcionários a não comparecer na reunião com sindicato para discutir questões salariais. Além disso, ela teria “dado causa a medidas desestabilizadoras, provocando tumulto e apreensões” e enviado correspondência aos conselheiros da escola, utilizando envelopes com timbre, “como se os conteúdos das comunicações fossem da própria administração”.

A escola acrescentou que a professora agiu “de forma totalmente contrária ao exemplo que se deve dar à juventude em termos de bom comportamento”. A informação é do TRT paulista.

A professora contestou as afirmações da União Cultural. Sustentou que a diretoria, pressionada pela necessidade de apresentar resultados financeiros positivos, rompeu o diálogo com a associação de professores e funcionários — presidida pela ex-empregada — demitindo sete diretores da entidade.

Segundo a professora, o motivo de sua demissão foi a resistência da associação à retirada de benefícios de professores e funcionários, como a redução de bolsas de estudos para dependentes, alteração da data do pagamento do adiantamento e do salário e a diminuição da cobertura da assistência médica.

A primeira instância reverteu a demissão por justa causa, mas negou indenização por dano moral. Inconformadas, a escola de idiomas e a professora recorrem ao TRT paulista.

Segunda instância

O juiz Rovirso Aparecido Boldo, relator do recurso no tribunal, considerou que os documentos e as testemunhas no processo comprovaram que não existiu fato que justificasse a dispensa imotivada.

“Sobressai a opção da ré em dispensar toda a diretoria da associação dos professores que, legitimamente, estava a reivindicar direitos como era a praxe desse relacionamento”, observou o relator. “O motivo da quebra do contrato é falacioso”.

Para o juiz, “houve dano, não só patrimonial, em face das inúmeras omissões já constatadas, mas imaterial. A autora se viu descartada como se tratasse de um gasto, sem qualquer consideração pelos quase seis lustros de dedicação, e o bom nome auferido no decorrer da carreira. A dispensa serviu aos interesses da ré em reduzir a folha de pagamento. Para isso, não teve pudores em imputar uma justa causa inexistente”.

A decisão da 8ª Turma foi unânime.

RO 00344.2003.036.02.00-9

Leia a íntegra do voto

Recurso Ordinário

Recorrentes: Ruth Pires Abrão e União Cultural Brasil Estados Unidos

Recorridos: os mesmos

Origem: 36ª Vara do Trabalho de São Paulo

EMENTA: DANO MORAL. FALSA IMPUTAÇÃO DE JUSTA CAUSA. CONFIGURAÇÃO. Não é a hipótese de simples descaracterização do justo motivo para resilição contratual que importa dano imaterial, mas aquela marcada pela astúcia, pelos falsos argumentos, pela divergência entre os motivos e o ato realizado. A resilição unilateral do contrato de trabalho é providência possível; mas a partir do momento em que se atribui motivos à dispensa, a existência desses motivos passam a vincular a validade do ato, à moda da teoria dos motivos determinantes tão em voga no Direito Administrativo. A ré passava por grave crise financeira, e as atas das reuniões do conselho de administração dão conta da preocupação de todos os conselheiros da crescente dilapidação patrimonial. Premida pela necessidade de mostrar resultados positivos, a nova diretoria passou a implementar uma política de recusa ao diálogo, como era a praxe, com os funcionários, bem como a tentativa de dispensa dos mais antigos, a ponto de um de seus representantes declarar que esses empregados, com salários maiores, eram a causa da atual insubsistência financeira. A autora contava com 27 anos de trabalho dedicados à empresa, sem registro de qualquer ato desabonador. Era tida em alta consideração por todos os colegas, pela própria empresa que materializou elogios à sua conduta e, como representante dos funcionários, sempre teve franqueado o acesso às decisões relativas a benefícios ou alterações de políticas administrativas. A alegação da defesa de que não tinha outra alternativa, senão a de dispensar sete diretores da associação de funcionário serviu, apenas, para tentar justificar o corte de despesas. Nesse diapasão, a justa causa, em razão da manifesta vantagem financeira, foi a saída encontrada. Houve repercussão no âmbito profissional, com a ciência de todos os empregados da ré, dos falsos motivos imputados à autora, como justificadores da dispensa motivada. É hipótese de dano moral, que afetou o bom nome da empregada, com reverberação no ambiente de trabalho.

Contra a sentença que julgou procedente em parte o pedido, recorrem ambas as partes. A autora, alegando que exercia a função de professora, diz ser credora de diferenças salariais, aviso prévio e indenização por tempo de serviço previstos nas normas coletivas dessa categoria; que sofreu dano moral pela forma como foi dispensada; que a multa de 40% deve incidir sobre todos os depósitos do FGTS, pois a aposentadoria não é causa de extinção do contrato; que declinou a jornada empreendida, e que são devidas as multas normativas referentes à categoria dos professores. A ré argúi justa causa para a dispensa da autora, por ter agido de modo incompatível com as normas internas; que não há diferenças de FGTS; que pagou o saldo salarial; que a indenização por tempo de serviço não se aplica à autora; que não há fundamento para o abono semestral e que pagou tempestivamente as verbas rescisórias.

Contra-razões da autora às fls. 172/180 e da ré às fls. 181/192.

Manifestação do Ministério Público do Trabalho à fl. 194.

V O T O

Presentes os pressupostos de admissibilidade, conheço do recurso.

Considerando a prejudicialidade da matéria, passo a julgar o recurso da ré em primeiro lugar, à exceção dos pedidos deferidos com base na norma coletiva, pois o enquadramento sindical será tratado no recurso da autora.

RECURSO DA RÉ

Justa Causa

A ré sustenta a resilição motivada do contrato, em razão de a autora haver instigado os demais funcionários a não comparecerem a uma reunião com o sindicato acerca de questões salariais (fl. 65); dado causa a medidas desestabilizadoras, provocando tumulto e apreensões; enviado correspondência aos conselheiros, utilizando envelopes com o timbre da ré, como se o conteúdo dessas comunicações fossem da própria Administração; e, por fim, provocado a paralisação das aulas do período noturno no dia 29/05/2002 (fl. 66). Diante dessas "ocorrências", ainda segundo a ré, não restou outra alternativa, senão dispensar, por justa causa, sete funcionários, dentre os quais a autora, que compunham o quadro diretivo da APUCBEU (fl. 67).

O depoimento do preposto, contudo, reduziu e alterou os motivos que justificaram a dispensa motivada. Segundo o representante da ré, a autora foi dispensada por ter se utilizado de documentos confidenciais, especialmente, a lista com endereços dos Diretores e Conselheiros, além de ter afixado nos automóveis desses dirigentes cartas com reivindicações. Diz, ainda, que essas informações foram obtidas por meio de um funcionário do CPD que foi dispensado e responde a processo criminal. Por fim, confirma que a paralisação do dia 29/05 foi incentivada pela autora (fl. 116).


A suposta utilização, portanto, de envelopes com timbre da ré fica, de plano, afastada pelo conteúdo do depoimento pessoal. Já o acesso às informações confidenciais constitui inovação à tese da defesa que, repito, se limita a dizer que "os dirigentes da APUCBEU, além dessas atitudes, utilizaram-se indevidamente do ‘mailing’ da União Cultural" (grifos originais, fl. 66). Sequer há uma referibilidade direta, como seria de se esperar em uma justa causa, à autora.

Não bastasse isso, a ciência dos nomes e endereços não tem a confidencialidade sugerida pela ré, a ponto de estar registrado em cartório, por exemplo, os nomes e endereços de diretores (docs. 360/361 do vol. do 2º vol. de docs. da rte) e nomes de todos os conselheiros (doc. 363 do vol. do 2º vol. de docs. da rte).

O incentivo à paralisação do dia 29 de maio de 2002, e ao não comparecimento à reunião promovida pelo SENALBA (Sindicato dos Empregados em Entidades Culturais, Recreativas, de Assistência Social, de Orientação e Formação Profissional no Estado de São Paulo) (doc. 136 do vol. de docs da rda), também atribuída à autora, soa como boato nos autos.

A testemunha da ré afirma ter conhecimento do movimento para o não comparecimento à reunião, mas ignora se houve participação da autora, até porque o fato ocorreu após a dispensa (Neuza de Almeida, fls. 116/117).

A certeza de que não havia causa eficiente a justificar a dispensa motivada é dada pelos próprios termos da defesa que admite ter demitido 7 (sete) diretores da associação de professores da ré (fl. 67). Não há pessoalidade na punição, mas suposição de certas irregularidades, tanto que a decisão de paralisação do dia 29/05/2002 é tomada em assembléia sem a participação da autora (docs. 331/332 do 2º vol. de docs. da rte).

Por tudo, concluo inexistir fato hábil a justificar a dispensa motivada; sobressai a opção da ré em dispensar toda a diretoria da associação dos professores que, legitimamente, estava a reivindicar direitos como era a praxe desse relacionamento.

Diferenças de FGTS

O último depósito no FGTS registrado foi em março de 2002 (doc. 211 do 2º vol. de docs. da rte), tendo a dispensa ocorrido em 29/05/2002 (doc. 33 do vol. de doc. da ré). Remanescem diferenças a favor da autora, sendo indiferente que em alguns meses tenha havido depósitos em valores superiores aos devidos, pois a obrigação tributária da empresa junto ao FGTS constitui-se mês a mês (art. 15 da Lei n. 8.036/90), e não sob regime de caixa.

Saldo Salarial

A autora não negou a percepção de verbas rescisórias, mas o atraso no pagamento(fl. 34). O termo de rescisão registra o pagamento dessa rubrica (doc. 34 do vol. de docs. da ré), a qual excluo da condenação. O fato de a ré não ter oposto embargos de declaração, como sustenta a autora, não importa preclusão, pois não era o meio processual adequado para que fosse emitido novo juízo de valor sobre a questão.

A cominação prevista no artigo 940 do Código Civil está inserida no título da responsabilidade civil (título IX), capítulo sobre a obrigação de indenizar (capítulo I), só podendo ser aplicada após regular contraditório no curso da pretensão deduzida pelo demandado. O mero indeferimento do pedido não autoriza a condenação da autora.

Abono Semestral

Quanto à alegação de que não há fundamento ao pedido de abono semestral, a verificação superficial dos holerites é o que basta para constatar a habitualidade no pagamento. Veja-se o registro da rubrica, sob o código 151, por exemplo, em julho (doc. 38) e dezembro de 1997 (doc. 43), junho (doc. 54) e dezembro de 1998 (doc. 65), e junho (doc. 71) e dezembro de 1999 (doc. 82 do 1º vol. de doc. da rte).

Multa do artigo 477 da CLT

O prazo estipulado no art. 477, § 6º, da CLT, é específico para a atividade de "pagamento das parcelas", ainda que não compreenda o total das verbas devidas. O reconhecimento de que a reclamante é credora de diferenças salariais não configura a hipótese de pagamento intempestivo, senão pagamento insuficiente e que não autoriza a incidência da multa. O fundamento do pedido é o pagamento insuficiente (fl. 34) e não o descumprimento de prazo. Excluo a multa.

RECURSO DA AUTORA

Enquadramento Sindical

O questionamento sobre o enquadramento sindical da autora beira à má-fé. A autora foi contratada para exercer especificamente a função de docente, tanto que o contrato de trabalho dispõe: "o empregado exercerá a função de DOCENTE DO IDIOMA INGLÊS" (ênfase do original, cláusula segunda, doc. 30 do vol. de docs. da ré). E dentre as tarefas atribuídas à autora estavam: preparar e ministrar aulas teóricas e práticas; preparar, aplicar e corrigir provas e ministrar aulas e reforço de conversação e cursos intensivos de férias, além de assessorar no treinamento de docentes e técnicos do ensino (cláusula terceira, doc. 30 do vol. de docs. da ré).

A ficha de registro confirma a função de professora e o recolhimento da contribuição sindical ao sindicato dos professores (SINPRO), desde 1975 (doc. 22 verso do vol. de docs. da ré). Isso já bastaria para confirmar o enquadramento sindical da autora como professora. Mas, há mais. Os holerites registram como função "docente do idioma inglês" (documentos 37/45 do vol. de docs. da ré). O sistema de mérito adotado pela ré faz expressa referência a professores e disponibilidade de meios para progressão profissional (doc. 217 do vol. de docs. da rte). O contrato considerava, ainda, o mês de quatro semanas e meia (cláusula terceira, doc. 31 do vol. de docs), tal qual prevê o artigo 320 da CLT, específico para os professores, com acréscimo de 1/6 a título de DSR, conforme entendimento jurisprudencial consagrado pela Súmula 351 do C. TST, também aplicável especificamente aos professores.

A autora, como se vê, foi contratada e exercia efetivamente a função de professora; e sempre recolheu contribuições sindicais ao sindicato dos professores, o que torna insubsistente a tentativa de enquadramento diverso. A única referência a sindicato diverso aconteceu em circunstâncias duvidosas, que serão tratadas adiante, em agosto de 2002 (docs. 136/142 do vol. de docs da rda), não fazendo estatística ante os 27 anos de contribuição ao sindicato dos professores.

Defiro, pois, as diferenças salariais decorrentes da aplicação dos índices de reajustes previstos nas normas coletivas do sindicato dos professores (SINPRO); indenização por tempo de serviço (cláusula 37, doc. 426 do 2º vol. de docs da rte), ficando excluída a indenização deferida com base na norma coletiva empreendida pela SENALBA, e aviso prévio de 45 dias (cláusula 38, doc. 426 do vol. de docs da rte).

Diferenças da Multa de 40% do FGTS

O interessado, ao requerer aposentadoria de forma espontânea, busca a inatividade, utilizando-se, para tanto, o tempo de serviço com vistas à obtenção do benefício. Destarte, consideradas as disposições contidas no artigo 453 da CLT, à época da aposentação da autora (13/08/97, data anterior à edição da Lei n. 9.528/97 de 10/12/1997), o pacto laboral da trabalhadora com a empresa foi automaticamente extinto: "no tempo de serviço do empregado, quando readmitido, serão computados os períodos, ainda que não contínuos, em que tiver trabalhado anteriormente na empresa, salvo se houver sido despedido por falta grave, recebido indenização legal ou se aposentado espontaneamente".

A dicção desse artigo põe em evidência que a aposentadoria é causa de extinção do contrato de trabalho, tanto que traz expresso o vocábulo "readmissão", que pressupõe a extinção de contrato anteriormente existente.

Esse entendimento mais se justifica com a constatação de que, após o pedido de jubilação, a autora continuou a prestar serviços à reclamada, o que ensejou nova relação jurídica, e, portanto, novo contrato de trabalho, sob a forma de readmissão.

Ademais, a Lei nº 8.036, de 11/05/1990 (DOU 14.05.1990, ret. DOU 15.05.1990) que dispõe sobre o Fundo de Garantia do Tempo de Serviço, quando trata do percentual de 40% no artigo 18, parágrafo 1º, aponta, como requisito de sua incidência, que a ruptura do vínculo laboral tenha como fato gerador ato do empregador ("§ 1º. Na hipótese de despedida pelo empregador sem justa causa, depositará este, na conta vinculada do trabalhador no FGTS, importância igual a quarenta por cento do montante de todos os depósitos realizados na conta vinculada durante a vigência do contrato de trabalho, atualizados monetariamente e acrescidos dos respectivos juros. (Redação dada ao parágrafo pela Lei nº 9.491, de 09.09.1997)" (grifo nosso). Como se vê, esta não é a situação dos autos, eis que a aposentadoria da autora é facultativa, pedida em decorrência de serviços prestados por certo número de anos e segundo as regras estatuídas em lei, o que não é suficiente para a produção dos efeitos irradiados da supramencionada Lei 8.036/1990.


Nesse sentido a Orientação Jurisprudencial nº 177, da SDI-1, nos seguintes termos: "Aposentadoria espontânea. Efeitos. A aposentadoria espontânea extingue o contrato de trabalho, mesmo quando o empregado continua a trabalhar na empresa após a concessão do benefício previdenciário. Assim sendo, indevida a multa de 40% do FGTS em relação ao período anterior à aposentadoria".

Diferenças de Horas Extras

A alegação de que é credora de diferenças de horas extras impôs à autora o ônus da prova, do qual não se desvencilhou. Diante dos registros de ponto e dos holerites, a confrontação entre ambos, de modo a indicar precisamente, ainda que por amostragem, diferenças, era de rigor. Não há demonstração da lesão.

Multas normativas

Ficam deferidas as multas normativas pela não aplicação dos índices de reajustes salariais, no importe de uma multa por instrumento coletivo; e mais duas multas normativas pelo não pagamento da indenização por tempo de serviço, e aviso prévio de 45 dias (cláusula 56ª, doc. 426).

Dano Moral

A análise das atas das reuniões ordinárias do conselho deliberativo da ré é essencial para se entender os fatos que deram origem à lide. Na eleição da presidência referente ao biênio 2002/2004, o superintendente responsável para discorrer sobre a situação patrimonial da ré assim se pronunciou: "Entretanto, as principais receitas da União sempre teriam sido as oriundas da área acadêmica e ainda o deverão ser por mais alguns anos. Entrementes, percalços orçamentários fizeram-se sentir, tais como superestimação de receitas no planejamento da área cultural, anteriormente elaborado, e a impossibilidade da demissão de cerca de 35 antigos professores, cujos salários, regalias e benefícios especiais vêm onerando siginificativamente a folha de pagamentos. A demissão em apreço estaria prevista, conforme já enunciado em plenário do Conselho, com suporte em recursos a serem obtidos com a liberação de ativos financeiros da entidade retidos pelo Banco Central, (…). Não se verificando a aludida liberação, frustrou-se a dispensa pretendida, que deveria ter-se dado em agosto…" (pus os grifos, doc. 377 do vol. de docs da rte).

Disso já se é possível depreender que a ré passa por grave crise financeira, e, na tentativa de reduzir "custos", optou por dispensar funcionários antigos "cujos salários, regalias e benefícios especiais" estavam onerando demais a folha de pagamentos.

Não considerou, o superintendente, que em fevereiro de 1998, a ré contava com a liquidez expressiva de US$ 18.000.000,00 (dezoito milhões de dólares) equivalentes, à época, a R$ 20.700.000,00 (vinte milhões e setecentos mil reais). Patrimônio cuja formação, decisivamente, concorreu a autora que se dedicou por 27 anos (17/04/75 a 29/05/2002) ao ensino da língua inglesa.

Na verdade, o déficit sugerido pelo superintendente já sob a presidência eleita para o biênio 2002/2004, decorreu da malversação do patrimônio da ré por administrações anteriores; e isso se constata pela leitura de vários pronunciamentos dos conselheiros, servindo como exemplo:

"Senhores Conselheiros fiquei desde aquele momento até hoje perplexo e revoltado como o que vi. Um déficit de R$ 3.864 milhões, ou seja, 44,52% da receita quando aprovamos um orçamento com um superávit de R$ 85,6 mil. As reservas aprovadas no orçamento eram para estar em mais de R$ 7 milhões e estavam em menos de R$ 800 mil. É o maior absurdo que já vi na minha carreira profissional. É no mínimo irresponsabilidade e omissão. Mais chocado ainda fiquei quando li o orçamento de 2002, onde a proposta era para que aprovássemos mais um déficit de R$ 3,4 milhões e nos endividássemos até a alma" (27/02/2002, conselheiro Emmanuel Nóbrega Sobral, doc. 398)

"Por último, a Diretoria (dia 20/02) foi instada a apresentar hoje (27/02) um orçamento revisado e com a eliminação do déficit. Orçamento semestral, até 30 de junho de 2002. O Sr. Superintendente aparentemente cumpriu a tarefa. Apresentou orçamento semestral equilibrado. Durante o exame de discussão desse novo orçamento, o Cons. Fernando Rudge Leite constatou uma pequena fraude. A conta referente à redução de pessoal (programa de demissão voluntária) de cerca de R$ 1,7 milhão, embora apresentada como semestral, era anual. Portanto, o orçamento efetivo, referente ao 1º semestre (1º Jan. a 30 Jun 2002), apresentava um déficit de R$ 850 mil. Em outras palavras, o desaparecimento do deficit orçamentário fora fabricado" (27/02/2002, conselheiro Luiz Baptista Pereira de Almeida Filho, doc. 407).

Essas declarações tornam verossímeis as alegações da petição inicial de que a atual diretoria da ré, premida pela necessidade de apresentar resultados financeiros positivos, rompeu uma longa tradição de diálogo com a associação de professores e funcionários presidida pela autora (APUCBEU), como se vê nas respostas a reivindicações (doc. 240 do 2º vol. de docs da rte); fixação do plano de cargo e salários (doc. 245); discussão sobre implantação do PLR (doc. 253/254); considerações da ré sobre o aumento do número de vagas do estacionamento (doc. 255) e o compromisso da ré em preservar os direitos sociais já conquistados pelos professores e funcionários, e aceitar as propostas enviadas pela entidade presidida pela autora (docs. 263/264).

A verificação das dificuldades financeiras da ré coincide com o recrudescimento da sua relação com a associação de funcionários, bem como, com a redução de benefícios, coerente com o discurso à época da posse em que o déficit financeiro foi atribuído aos encargos sociais, e não à má administração anterior. Assim é que se deu início a uma crescente redução de direitos, como redução de bolsas de estudo para dependentes de funcionários e professores (doc. 284/285); alteração da data do pagamento do adiantamento e do salário (doc. 286), além da diminuição da cobertura da assistência médica (doc. 287).

As reivindicações subscritas pela autora decorreram da tradição de diálogo entre a ré e a associação de funcionários (docs. 288 e 290); mas resultaram em punições (doc. 291) e retaliações, como a de retirar o local cedido à associação (doc. 294), justamente como forma de por cobro a qualquer hipótese de aumento, o que segundo a ré é chamado de despesa, e esvaziar o legítimo movimento reivindicatório.

Veja-se que a autora, como já disse, dispensou 27anos de sua vida produtiva em benefício da ré; gozava de grande distinção entre os colegas (doc. 226) e a própria ré (doc. 228). Todavia, mesmo diante dessa realidade, a ré não teve peias em dispensar a autora, por justa causa, a pretexto de ela ter agido "de forma totalmente contrária ao exemplo que se deve dar à juventude em termos de bom comportamento" (fl. 65).

Isso introduz argumento de ocasião, pois nenhuma conduta desabonadora foi comprovada; apenas o exercício legítimo e tradicionalmente aceito de reivindicar melhores condições. A atitude arbitrária da ré mais se ressalta quando, na peça responsorial, sustenta a dispensa, por justa causa, dos "sete funcionários que integravam o quadro diretivo da APUCBEU" (fl. 67), providência que vem a calhar com a declaração do conselheiro de que "frustrou-se a dispensa pretendida, que deveria ter-se dado em agosto.." (doc. 377) daqueles funcionários tidos por mais onerosos.

O motivo da quebra do contrato é falacioso; foi anotado na ficha de registro da autora (doc. 22 do vol. de docs. da ré), e consta da comunicação enviada à autora (doc. 33 do vol. de docs. da ré). Esses fatos ganharam grande repercussão no meio profissional da autora, a ponto de os demais funcionários terem ciência e optarem por deflagrar greve (doc. 335 do vol. do 2º vol. de docs da rte).

Houve dano, não só patrimonial, em face das inúmeras omissões já constatadas, mas imaterial. A autora se viu descartada como se tratasse de um gasto, sem qualquer consideração pelos quase seis lustros de dedicação, e o bom nome auferido no decorrer da carreira. A dispensa serviu aos interesses da ré em reduzir a folha de pagamento. Para isso, não teve pudores em imputar uma justa causa inexistente.

Reconheço a existência de dano moral e defiro à autora indenização compatível com o tempo dispendido de trabalho (27 anos), considerada a forma leviana como se procedeu à dispensa. Fixo a indenização no importe de um salário por ano de serviço, tendo por referência a última remuneração auferida (R$ 4.079,84 – doc. 34 do vol. de doc. da ré), totalizando R$ 110.155,68.

Ante o exposto, dou provimento parcial a ambos os recursos. Ao da ré, para excluir da condenação a indenização por tempo de serviço prevista na convenção coletiva do SENALBA, saldo salarial e a multa do artigo 477 da CLT. Ao da autora, para acrescer à condenação, com juros e correção monetária, diferenças salariais decorrentes da aplicação dos índices de reajustes previstos nas normas coletivas do sindicato dos professores; indenização por tempo de serviço e aviso prévio de 45 dias; multas normativas pela não aplicação dos índices de reajustes salariais, sendo uma multa por instrumento coletivo e mais duas multas normativas pelo não pagamento da indenização por tempo de serviço e aviso prévio de 45 dias (cláusula 56ª, doc. 426); e dano moral no valor de um salário (R$ 4. 079,84), por ano de serviço (27 anos), totalizando R$ 110.155,68.

Custas pela ré sobre o acréscimo condenatório de R$ 111.000,00, no importe de R$ 2.220,00.

ROVIRSO A. BOLDO

Juiz Relator

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