Defensoria parada

Juiz extingue ação e greve de defensores continua no Rio

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22 de junho de 2005, 19h31

Em decisão que surpreendeu até os próprios defensores públicos, o juiz Cláudio Brandão, da 7ª Vara da Fazenda Pública do Rio de Janeiro, determinou a extinção do processo que pedia a decretação de ilegalidade da greve da categoria. A decisão responde a uma Ação Civil Pública proposta pelo governo do estado, baseada no argumento de que a Defensoria Pública presta um serviço essencial à população.

Para decidir pela extinção do processo, o magistrado considerou que a Adperj — Associação dos Defensores Públicos do Estado do Rio de Janeiro, qualificada como ré na ação impetrada pelo procurador-geral do estado, Francesco Comte, não é parte legítima para responder pela volta dos defensores ao trabalho. Sendo assim, a greve, que completa 17 dias amanhã, continua.

Os defensores passaram o dia em assembléia permanente. Pela manhã, decidiram que mesmo que a decisão do juiz fosse contrária à pretensão da categoria, a greve continuaria. À tarde, o presidente da Adperj, Pedro Paulo Carriello, e diretores da entidade, se encontraram com o defensor público geral, Marcelo Bustamante.

Na véspera, o secretário de governo, Anthony Garotinho, havia dito que Bustamante apresentaria à categoria a proposta do governo para o fim da greve. Isso não aconteceu. Segundo relato dos participantes da reunião, o defensor público geral disse que ainda não tinha nenhuma proposta para apresentar.

A Defensoria fluminense é responsável por 80% das demandas do Judiciário do estado. São, em média, cerca de 8 mil atendimentos por dia útil, feitos por um total de 700 defensores. As principais reivindicações da categoria são: realização de concurso público, melhores condições de trabalho e reajuste salarial de 62,51% (equiparação com o Ministério Público e a Magistratura).

Leia a íntegra da sentença e da ação proposta pelo governo do estado

Sentença

O Estado do Rio de Janeiro propôs AÇÃO CIVIL PÚBLICA em face da ASSOCIAÇÃO DOS DEFENSORES PÚBLICOS DO ESTADO DO RIO DE JANEIRO. Na petição inicial, a parte autora sustenta ser parte legítima para propor ação civil pública na defesa de interesses difusos, e, no presente caso, na defesa do acesso à justiça para os mais necessitados e do princípio da comunidade do serviço público.

A parte autora alega que a entidade ré incentivou e implementou a greve dos defensores públicos do Estado do Rio de Janeiro. Sustenta, ainda, ser ilegal e inconstitucional o movimento grevista em razão da ausência de regulamentação do direito de greve assegurado aos servidores na Constituição.

Consta da petição inicial o pedido de liminar para que a parte ré adote as seguintes providências:

“Suspenda a referida greve, sustando os efeitos da ilegal deliberação de paralisação e que abstenha de promover ou de qualquer modo concorrer para a paralisação dos serviços, com o imediato retorno de seus associados às funções para as quais foram investidos, sob pena de imposição de multa diária equivalente a R$ 500.000,00 (quinhentos mil reais) até o efetivo e integral cumprimento da decisão, sem prejuízo das sanções administrativas cabíveis, inclusive descontos relativos aos dias não trabalhados.”

A associação que integra o pólo passivo foi intimada para se manifestar em 72 horas sobre o pedido de liminar.

A parte ré alega sua ilegitimidade passiva por não ser entidade sindical, afirmando, ainda, não ser cabível a liminar no presente caso.

Com o relatório passo a decidir.

O processo deve ser extinto sem apreciação de mérito.

Antes da abordagem do pedido de liminar impõe-se a análise de duas questões relevantes que impedem o desenvolvimento do processo.

A Constituição assegura o direito de greve para os servidores públicos na forma a ser regulamentada em lei específica. Não há lei regulamentando a matéria. O Supremo Tribunal Federal já se manifestou s obre a eficácia limitada no inciso VII do art. 37 da Constituição.

Como é notório, as normas constitucionais de eficácia limitada são aquelas que dependem de regulamentação ou de providência administrativa para a produção dos efeitos desejados pelo legislador. O pleno exercício do direito de greve por servidores públicos depende de regulamentação, mas é inegável que alguns seguimentos do serviço público são levados a deflagrar movimentos grevistas na defesa de seus interesses. Tal fato justificou, no âmbito federal, a edição do decreto nº 1.480/95 no qual foram regulamentados os efeitos internos da paralisação dos serviços públicos federais e no qual o chefe do Poder Executivo da União relaciona as providências administrativas que devem ser adotadas.

A futura lei deverá definir as condições e os limites do exercício do direito de greve por parte dos servidores, além dos mecanismos de controle e responsabilização do respectivo sindicato.


É preciso reconhecer que o ônus da falta de regulamentação de tão importante matéria não pode ser imputado exclusivamente aos servidores, impedidos de exercer direito assegurado na Constituição.

Na petição inicial a parte autora informa que a entidade ré fomentou e promoveu a greve dos defensores públicos. A leitura dos documentos que instruem a petição inicial indicam que entidade ré disponibilizou para os defensores públicos os meios para que houvesse a deliberação quanto a deflagração do movimento. Por ser matéria de fato, pode-se afirmar que a entidade ré incentivou a greve, mas, por ser matéria de direito, não se pode afirmar que a associação ré implementou e mantém a greve. Não é jurídico atribuir uma associação, sem a forma de sindicato, o patrocínio ou a responsabilidade por uma greve.

Associações que congregam profissionais de uma determinada área não se confundem com sindicatos, entidades que têm disciplina própria definida em lei e na Constituição. Impera, para as associações, a liberdade quanto ao ingresso e a permanência dos associados.Por outro lado, as associações não exercem sobre seus associados qualquer poder de coerção ou hierárquico.

O Poder Judiciário não tem meios para impor a uma associação o fim de movimento grevista que foi fruto da vontade individual de parcela de seus associados. Por outro lado, as associações não exercem sobre seus associados qualquer poder de coerção ou hierárquico.

Deve ser lembrado que nem todos defensores públicos em greve são associados à entidade ré, e os que são, podem, de uma forma livre, desligar-se a qualquer momento, mantendo a greve.

Observa-se, portanto, que diante da falta de regulamentação do inciso VII do art. 37 da Constituição, somente será possível a eventual responsabilização pessoal do servidor que não comparecer ao trabalho. Não há, na lei, meios para se imputar a responsabilidade de movimento grevista a uma associação.

Neste sentido, se o Estado do Rio de Janeiro tem meios jurídicos para apurar a possível prática de infração disciplinar dos seus servidores, não há interesse na utilização dos serviços judiciários.

Insta, ressaltar que frequentemente nos processos que tramitam nas varas de Fazenda Pública, o Estado do Rio de Janeiro se insurge contra a cobrança de honorários de sucumbência nos processos promovidos contra a Fazenda Estadual por pessoas assistidas pela Defensoria Pública. Alega-se, com respaldo na jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça, que a Defensoria Pública é órgão do próprio Estado, sem personalidade jurídica própria e que não poderia ser credora do próprio ente a que está vinculada. Compete, portanto, ao Estado, com o uso da auto-executoriedade que é própria da atividade administrativa, promover a apuração da responsabilidade administrativa de servidores lotados em seus diversos órgãos de atuação.

Enquanto não for regulamentado o direito de greve dos servidores, o Estado, em relação às categorias não representadas por sindicatos, somente poderá promover a apuração individualizada das faltas ao serviço dos seus agentes. Inexiste, portanto, interesse processual, causa indeferimento da petição inicial.

Diante do exposto, indefiro a petição inicial. Julgo extinto o processo sem apreciação do mérito na forma do art. 267, I do Código de Processo Civil.

Intemem-se as partes e o Ministério Público.

P.R.I

Rio de Janeiro, 22 de junho de 2005.

Cláudio Brandão de OIiveira

Juiz de Direito

Leia a íntegra da Ação Civil Pública

EXCELENTÍSSIMO SENHOR DOUTOR JUIZ DE DIREITO DA __VARA DE FAZENDA PÚBLICA DA COMARCA DA CAPITAL

ESTADO DO RIO DE JANEIRO, por seu Procurador-Geral infra-assinado, vem, com fundamento no artigo 1o da Lei federal n.º 7.347/85, propor a presente

AÇÃO CIVIL PÚBLICA,

com requerimento de medida liminar

em face da ASSOCIAÇÃO DOS DEFENSORES PÚBLICOS DO ESTADO DO RIO DE JANEIRO, com sede na Rua do Carmo nº 7, 16º andar, Centro, Rio de Janeiro, pelas razões de fato e de direito que passa a expor.

DO CABIMENTO E DA LEGITIMIDADE

1 – De acordo com o artigo 1o da Lei federal n.º 7.347/85, a ação civil pública é cabível para defesa de interesses difusos e coletivos em geral, sendo certo que a referida lei, em seu art. 5o, outorga legitimidade ao Estado-membro para propositura daquele instrumento processual da cidadania.

2 – Inicialmente, um esclarecimento de fundamental importância merece ser registrado: a propositura da presente ação civil pública não questiona, em absoluto, a legitimidade das pretensões remuneratórias reinvidicadas pela categoria dos Defensores Públicos do Estado do Rio de Janeiro. Ao contrário, há firme convencimento no sentido da necessidade de manter-se um equilíbrio institucional entre as carreiras titulares de funções essenciais à Justiça, nos termos dos artigos 127 a 135 da Constituição da República.


3 – Na espécie, pretende-se, com a presente medida, defender dois interesses difusos necessariamente conexos: o acesso à Justiça pelos hiposuficientes e a continuidade do serviço público.

4 – Com efeito, dispõe o caput do art. 134 da Constituição da República, verbis:

“Art. 134 – A Defensoria Pública é instituição essencial à função jurisdicional do Estado, incumbindo-lhe a orientação jurídica e a defesa, em todos os graus, dos necessitados, na forma do art. 5º, LXXIV”.

5 – De outro lado, entende-se, modernamente, que a prestação de serviços públicos adequados constitui interesse difuso da cidadania, de modo que ao Estado compete, observando a disponibilidade de recursos, garantir a prestação desses serviços com os caracteres que a sociedade legalmente lhe impôs.

6 – Cabe observar, por necessário, que se a Constituição e as Leis atribuem ao Estado um dever correspondente à realização e preservação de um interesse difuso, junto com este dever concedem ao Estado um legítimo interesse de afastar, pelos meios autorizados em lei, todo e qualquer obstáculo ao cumprimento daquele dever.

7 – É possível antecipar, desde já, a atitude ilegítima, ilegal e inconstitucional incentivada e implementada pela Associação Ré, a saber: o estabelecimento de estado de greve dos Defensores Públicos do Estado do Rio de Janeiro.

8 – Não bastasse a ilegitimidade, ilegalidade e inconstitucionalidade do movimento grevista, por razões amplamente conhecidas, mas que serão repisadas adiante, a greve em questão compromete seriamente a prestação de serviço público essencial, qual seja, a orientação jurídica e a defesa, em todos os graus, dos necessitados, constitucionalmente considerado FUNÇÃO ESSENCIAL À JUSTIÇA.

9 – Assim, caracterizado está o cabimento desta ação civil pública, bem como a legitimidade do Estado-membro para seu ajuizamento.

10 – A Associação em tela deve figurar no pólo passivo em razão de ser a entidade responsável pelo incentivo, implementação e manutenção do estado de greve e, portanto, a responsável direta pela violação aos interesses difusos defendidos nesta ação civil pública. A esse propósito, merece registro o fato de que o próprio site da Associação na internet apresenta atualmente um link intitulado “GREVE GERAL POR TEMPO INDETERMINADO”, em que afirma que a paralisação das atividades dos Defensores Públicos é resultado de deliberação adotada em Assembléia Geral Extraordinária realizada em 03 de junho próximo passado (Doc. 01).

DOS FUNDAMENTOS

11 – Em robusto estudo sobre o direito de greve na Constituição de 1988, DIOGO DE FIGUEIREDO MOREIRA NETO ofereceu preciosa lição, ora reproduzida:

“O que encontramos constitucionalmente estabelecido como um direito de greve do trabalhador, não é uma potestade irrestrita, irrefreada, irresponsável, estimulante da anarquia e do grevismo selvagem, mas um instituto jurídico limitado, na linha da tradição milenar do direito, que submete o seu exercício a um complexo de novas, graves e amplas responsabilidades para seus exercentes.

….

Inexiste, em absoluto, como a alguns pareceu, uma porta aberta ao grevismo, na Constituição de 1988, mas uma inversão da responsabilidade de submeter o exercício do direito a um crivo de conveniência e oportunidade. Cabe, agora, aos trabalhadores, uma definição volitiva com conteúdo jurídico, submetida às regras gerais que presidem ao uso da discricionariedade: realidade, proporcionalidade, razoabilidade e motivação. Por isso, foram-lhe atribuídas as correlatas responsabilidades (art. 9o, §2º)” (1)

12 – A observação do ilustre administrativista aplica-se perfeitamente ao caso em tela e, com certeza, com cores mais vivas. Se o serviço público é indisponível, porque o interesse público permanece sempre sob o signo da indisponibilidade, o exercício do direito de greve, por servidores públicos, não pode se dar de maneira absoluta, “irrestrita, irrefreada, irresponsável”.

13 – Exatamente por tal motivo, a própria Constituição da República, em seu art. 37, VII, admitiu o direito de greve aos servidores públicos, mas o fez com importante ressalva:

“Art. 37, VII – O direito de greve será exercido nos termos e nos limites definidos em lei específica” (redação dada pela Emenda Constitucional n.º 19/98). – grifamos

14 – Em vista das características que incidem sobre o serviço público, especialmente sua essencialidade, e ainda, em razão da indisponibilidade do interesse público, entendeu por bem o constituinte de 1988 limitar o exercício do direito de greve, condicionando-o à edição de lei específica.

15 – Trata-se, bem se vê, de norma de eficácia limitada e aplicabilidade diferida, o que o próprio Supremo Tribunal Federal assinalou no Mandado de Injunção n.º 20, autêntico leading case, encimado da seguinte ementa:


“MANDADO DE INJUNÇÃO COLETIVO – DIREITO DE GREVE DO SERVIDOR PÚBLICO CIVIL – EVOLUÇÃO DESSE DIREITO NO CONSTITUCIONALISMO BRASILEIRO – MODELOS NORMATIVOS NO DIREITO COMPARADO – PRERROGATIVA JURÍDICA ASSEGURADA PELA CONSTITUIÇÃO (ART. 37, VII) – IMPOSSIBILIDADE DE SEU EXERCÍCIO ANTES DA EDIÇÃO DE LEI COMPLEMENTAR – OMISSÃO LEGISLATIVA – HIPÓTESE DE SUA CONFIGURAÇÃO – RECONHECIMENTO DO ESTADO DE MORA DO CONGRESSO NACIONAL – IMPETRAÇÃO POR ENTIDADE DE CLASSE – ADMISSIBILIDADE – WRIT CONCEDIDO. DIREITO DE GREVE NO SERVIÇO PÚBLICO: O preceito constitucional que reconheceu o direito de greve ao servidor público civil constitui norma de eficácia meramente limitada, desprovida, em conseqüência, de auto-aplicabilidade, razão pela qual, para atuar plenamente, depende da edição da lei complementar exigida pelo próprio texto da Constituição. A mera outorga constitucional do direito de greve ao servidor público civil não basta – ante a ausência de auto- aplicabilidade da norma constante do art. 37, VII, da Constituição – para justificar o seu imediato exercício. O exercício do direito público subjetivo de greve outorgado aos servidores civis só se revelará possível depois da edição da lei complementar reclamada pela Carta Política”.

(…)

(MI 20, Pleno, j. 19.5.94, DJ 22.11.96, p. 45690) – os grifos são nossos..

16 – No percunciente magistério de Luis Roberto Barroso, normas de eficácia limitada são

“as que não receberam do constituinte normatividade suficiente para sua aplicação, o qual deixou ao legislador ordinário a tarefa de completar a regulamentação das matérias nelas tratadas em princípio ou esquema” (2).

17 – É de Rui Barbosa a seguinte lição (“Ação Civil Originária n. 7”, Rio, 1915, apud Celso Ribeiro Bastos, “Curso de Direito Constitucional”, 4a edição, ed. Saraiva, SP, p. 88):

“Mas nem todas as disposições constitucionais são auto-aplicáveis. As mais delas, pelo contrário, não o são. A constituição não se executa a si mesma. Antes, requera ação legislativa para lhe tornar efetivos os preceitos”.

“Ora, o que essa fórmula nos ensina, de acordo com o bom senso, é que as determinações constitucionais, que apenas estabelecem princípios, não se podem executar, enquanto uma lei não as tornar executáveis, organizando-lhes esse mecanismo de que a Constituição, no seu texto, as deixou destituídas”

18 – José Afonso da Silva, em classificação que entre nós se tornou clássica, identificou as ditas “normas constitucionais de princípio programático”. Segundo Celso Ribeiro Bastos (ob. cit., p. 94), a regra constitucional programática é “dependente de normação futura, mediante lei ordinária, que vem integrar-lhe a eficácia, a qual lhes dará capacidade de execução, em termos de regulamentação dos interesses por ela visados”.

19 – A jurisprudência do STF permaneceu inalterada ao longo dos anos e, na grande maioria dos julgados que examinaram a questão, um aspecto sempre foi considerado para reforço da conclusão quanto ao caráter limitado da norma constitucional: “O serviço público tem atribuições próprias e prestações inadiáveis e está comprometido com as necessidades da coletividade, a qual o Estado tem o dever de prestar assistência”(3).

20 – No mesmo sentido pronuncia-se a doutrina amplamente dominante. Vale citar, por todos, a opinião de Almir Pazzianoto Pinto, Ministro do TST:

“(…) Até que lei complementar entre em vigor, as paralisações coletivas de servidores públicos estarão se chocando com a Constituição recentemente promulgada”(4)

21 – Consequentemente, tendo a Corte Suprema fixado o entendimento de que a mencionada lacuna técnica (“lei específica”, na redação da Emenda Constitucional n.º 19/98) inviabiliza o exercício do direito de greve dos servidores públicos, pois este não pode importar no sacrifício dos direitos subjetivos dos administrados, necessária se revela esta medida judicial.

22- Na mesma linha, a jurisprudência do Tribunal de Justiça do Estado do Rio de Janeiro não destoa do entendimento firmado pela Corte Suprema, conforme se pode verificar da recente decisão proferida pela Segunda Câmara Cível, no julgamento do Agravo de Instrumento n.º 2004.002.10603, relatado pelo Eminente Desembargador Antonio Saldanha Palheiro, que, confirmando decisão de primeiro grau, decidiu pela ilegitimidade da greve iniciada por agentes penitenciários. Confira-se sua ementa (DOC. 02):

“Ação Civil Pública. Greve de Agentes Penitenciários. Liminar, requisitos.

1. A concessão da medida liminar subordina-se à presença de perigo de danos irreparável, ou de difícil reparação, a um provável direito da parte.

2. Neste aspecto, correta a decisão que determinou a suspensão da greve realizada por agentes penitenciários, por se tratar de atividade essencial que não pode ser paralisada, sob pena de perigo de dano para toda a coletividade.

3. O Tribunal de Justiça fixou entendimento no sentido de que ‘ somente s ereforma a concessão ou indeferimento de liminar, se teratológica, contrária à lei ou à evidente prova dos autos’. (Súmula 58).

4. Nega-se provimento ao recurso.”


23 – Resulta então que a falta dos associados da Ré ao trabalho autoriza a Administração Pública a adotar as medidas disciplinares cabíveis e, especialmente, o manejo desta ação, que tem por objetivo resguardar o bem maior constitucionalmente tutelado: O INTERESSE PÚBLICO.

24 – Constata-se, a partir do consolidado entendimento jurisprudencial e doutrinário sobre o tema, que a greve de servidores públicos representa atitude desprovida de fundamento legítimo e legal, tendo em vista a insuficiência normativa do preceito constitucional que a prevê e a ausência de lei específica que dela trate.

DA MEDIDA CAUTELAR IMPRESCINDÍVEL

25 – Nesta ordem de raciocínio, resta evidente que o ato de greve é carente de legalidade e legitimidade, pois deflagra paralisação de serviços públicos essenciais e prioritários, comprometedores da prestação jurisdicional aos hipossuficientes, podendo-se afirmar que mais de 40.000 (quarenta mil) atendimentos deixaram de ser realizados.

26 – O fato narrado nestes autos é notório, tendo sido amplamente destacado por toda a imprensa nacional, não havendo dúvidas quanto à gravidade da situação. EIS A PROVA INEQUÍVOCA.

27- É igualmente notório o perigo do efeito multiplicador que o movimento grevista pode gerar em relação a outras categorias de servidores públicos estaduais, o que se comprova com a iniciativa no mesmo sentido já alardeada, v.g., pela categoria dos Delegados de Polícia do Estado do Rio de Janeiro, conforme noticiado pela imprensa (DOC. 03).

28 – É intuitiva a urgência reclamada pela situação de greve deflagrada pela Ré, fazendo-se necessário o acolhimento liminar da tutela jurisdicional.

29 – Por tais razões, sendo relevante o fundamento invocado, pede o Estado, em caráter liminar e urgente, que Vossa Excelência determine ao Réu, inaudita altera pars, que:

Suspenda a referida greve, sustando os efeitos da ilegal deliberação de paralisação e que se abstenha de promover ou de qualquer modo concorrer para a paralisação dos serviços, com o imediato retorno de seus associados às funções para as quais foram investidos, sob pena de imposição de multa diária equivalente a R$ 500.000,00 (quinhentos mil reais) até o efetivo e integral cumprimento da decisão judicial, sem prejuízo das sanções administrativas cabíveis, inclusive descontos relativos aos dias não trabalhados.

30 – Neste passo, é oportuna a lição de ORLANDO GOMES e ELSON GOTTSCHALK a respeito do exercício do direito de greve em geral(5):

“A evolução histórica do fenômeno mostrou que o sujeito ativo do direito em questão não é o indivíduo, mas sim o sindicato ou entidade de grau superior, pelo menos entre nós. Não se pode falar em direito subjetivo de greve senão onde está em jogo o interesse coletivo do grupo profissional”.

(…)

“O titular do direito de greve é, portanto, quem se investe, por força de lei, na representação desses interesses coletivos”.

31 – Em outros termos, é a Associação dos Defensores Públicos do Estado do Rio de Janeiro a titular do direito de greve, que, in casu, como visto, não possui eficácia enquanto não editada lei especifica que o regule.

32 – Ainda segundo os referidos autores:

“A declaração ou deliberação da greve pelo sujeito ativo – a entidade sindical – funciona como uma condição para o exercício individual do direito”.

33 – Daí porque pretende-se a cessação dos efeitos da deliberação da ilegal greve orquestrada e conduzida pela Ré, que, notoriamente, atinge os interesses difusos defendidos por esta ação civil pública.

34 – Convém registrar importante precedente enfrentado pela Justiça do Estado de Minas Gerais, que, em ação civil pública proposta por aquele ente federado, concedeu medida liminar para suspender o movimento grevista de policiais militares, destacando-se o seguinte fragmento da decisão:

“Relevante o fundamento desta lide, pois pretende-se, em última análise, a salvaguarda da Lei Maior, em prol da segurança e da ordem públicas, impedindo o descumprimento de deveres e obrigações constitucionais essencais ao Estado Democrático de Direito”.

35 – Estas são as mesmas diretrizes e objetivos do Estado do Rio de Janeiro e que justificam plenamente a concessão da medida liminar.

CONCLUSÃO

36 – Tem cabimento a citação do art. 11 da Lei n.º 7.347/85, que assevera:

“Art. 11 – Na ação que tenha por objeto o cumprimento de obrigação de fazer ou não fazer, o juiz determinará o cumprimento da prestação da atividade devida ou a cessação da atividade nociva, sob pena de execução específica, ou de cominação de multa diária, se esta for suficiente ou compatível, independentemente de requerimento do autor”.

37 – Ante o exposto, o Estado do Rio de Janeiro reitera seu pedido de medida cautelar inaudita altera pars e, no mérito, requer:

I – A citação da Ré, na pessoa de seu representante legal, para, querendo, responder aos termos da presente ação;

II – A intimação do Ministério Público, para conhecer da medida judicial e oferecer seu ofício como fiscal da lei;

III – A procedência do pedido, consistente:

a) na declaração de ilegitimidade e ilegalidade da greve em questão, determinando-se sua imediata suspensão; e

b) na condenação da Ré na obrigação de sustar os efeitos da ilegal deliberação de paralisação e, ainda, que se abstenha de promover ou de qualquer modo concorrer para a paralisação dos serviços, com o imediato retorno de seus associados às funções para as quais foram investidos, sob pena de multa diária de R$ 500.000,00 (quinhentos mil reais) até o efetivo e integral cumprimento da decisão judicial, sem prejuízo das sanções administrativas cabíveis, inclusive descontos relativos aos dias não trabalhados.

IV – A imposição, à Ré, dos consequentes ônus sucumbenciais.

38 – Outrossim, requer a produção de todos os meios de prova admitidos em direito e informa, para os fins do art. 39, inciso I, do Código de Processo Civil, o endereço onde receberá intimações: Rua Dom Manuel, n.º 25, Centro, Rio de Janeiro.

39 – Dá-se à causa o valor de R$ 1.000,00.

Nesses termos, pede deferimento.

Rio de Janeiro, 16 de junho de 2005.

Francesco Conte

Procurador-Geral do Estado

Notas

(1) Pág. 12 do Ofício n.º 22/89-DFMN, de 19 de junho de 1989.

(2) O direito constitucional e a efetividade de suas normas. Ed. Renovar, 1990, p. 83.

(3) Vide, por exemplo, MI n.º 485-MT, relatado pelo Min. Mauríco Corrêa. Julgamento em 25.04.2002.

(4) O servidor público; Sindicalização; Direito de Greve. LTr, 1990, pág. 158.

(5) Curso de direito do trabalho. Ed. Forense, pág. 601/602, 16a edição.

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