Gato por lebre

Empresa é condenada por enganar trabalhador analfabeto

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18 de junho de 2005, 13h03

É nula a demissão de analfabeto que imprime suas digitais em documento sem saber do que se trata e sem a presença de testemunhas. Se comprovada a fraude, a empresa deve arcar com indenização por dano moral.

O entendimento, da 4ª Turma do Tribunal Regional do Trabalho da 2ª Região (São Paulo), foi aplicado no julgamento do Recurso Ordinário de um ex-empregado da Limpool Serviços Auxiliares contra decisão da primeira instância. Cabe recurso.

O ex-empregado entrou com processo na 4ª Vara do Trabalho de Santos, litoral paulista, para anular sua demissão. Ele alegou que, por causa de acidente de trabalho, ainda gozava de estabilidade no emprego. A informação é do TRT paulista.

A Limpool juntou ao processo o pedido de demissão firmado com a impressão digital do trabalhador. O trabalhador contestou o documento sustentando que não compreendia o que estava escrito. A primeira instância entendeu que o ex-empregado não comprovou suas alegações e manteve a rescisão voluntária do contrato de trabalho.

O ex-empregado recorreu da decisão. Reiterou que não havia prova de seu pedido de demissão e, diante da fraude, pediu indenização por dano moral.

O relator, juiz Ricardo Artur Costa e Trigueiros, entendeu ser estranho que “em pleno quadro de desemprego, um trabalhador analfabeto e recém-acidentado, portando assim, características manifestamente excludentes perante o concorrido mercado de trabalho, viesse a pedir demissão da empresa num momento em que era titular de garantia provisória legal”.

De acordo com o juiz, a impressão digital do trabalhador no documento “não descarta a sua condição de analfabeto absoluto e nem confere validade ao ‘pedido de demissão’, claramente suspeito, sequer acompanhado de assinaturas de testemunhas, e no qual renunciou ao emprego e, conseqüentemente, à estabilidade provisória de que era titular”.

A decisão da 4ª Turma foi unânime. Os juízes condenaram a Limpool ao pagamento dos salários de todo o período correspondente à estabilidade provisória do funcionário, além de indenização por danos morais equivalente ao dobro dos salários devidos e ao depósito no FGTS, acrescido de multa de 40%.

Repercussão

Ouvido pela revista Consultor Jurídico, o advogado Luiz Salvador afirmou que a decisão do Tribunal Regional do Trabalho de São Paulo está bem fundamentada. “É claro que um funcionário nessas condições só iria pedir demissão se tivesse outro emprego”.

Segundo ele, a empresa teria de comprovar que o empregado já tinha outro emprego garantido e confirmar a demissão com assinatura de testemunhas, conforme justificou o juiz paulista.

Para o advogado Marcus Vinícius Mingrone, do escritório Leite,Tosto e Barros Advogados Associados, a entendimento do TRT foi correto. “Está claro o caráter discriminatório da empresa e qualquer discriminação é passível de indenização”.

RO 00859.2002.444.02.00-5

Leia a íntegra da decisão

4ª. TURMA

PROCESSO TRT/SP NO: 00859200244402005(20030596720)

RECURSO: RECURSO ORDINÁRIO

RECORRENTE: SILVIO BARBOSA DE LIMA

1°) RECORRIDO: LIMPOOL SERVIÇOS AUXILIARES LTDA.

2°) RECORRIDOEXECUTIVA TRANSPORTES URBANOS LTDA.

ORIGEM: 4ª VT DE SANTOS

EMENTA: TRABALHADOR ANALFABETO. ERRO SUBSTANCIAL. PEDIDO DE DEMISSÃO INVÁLIDO. Simples impressão digital aposta em documento suspeito, sem assinatura de testemunhas e sem qualquer prova de que o trabalhador tenha sido esclarecido quanto aos seus efeitos, não se presta a formar a convicção do Juízo quanto à renúncia ao emprego, mormente em face da crise do mercado de trabalho, e sendo o reclamante analfabeto, pobre, recém-acidentado e titular de estabilidade provisória prevista em lei.

Tratando-se de trabalhador rude e analfabeto absoluto, a validade da manifestação de vontade está sempre sujeita à ciência a ser dada pelo empregador quanto aos efeitos daquele ato, vez que implica questionável renúncia a direito assegurado por norma de ordem pública (Lei 8.213/91). O silêncio do empregador, nas circunstâncias, constituiu omissão dolosa (art. 147, CC de 2002), induzindo o trabalhador a erro substancial, tornando anulável o ato jurídico, a teor do disposto no artigo 138 do Novo Código Civil, restando assim, afastada a “demissão voluntária”.

Contra a respeitável sentença de fls.148/151 recorre ordinariamente o reclamante, alegando ser analfabeto e, de outra parte, sustenta não haver prova material de seu pedido de demissão, propugnando, com respaldo no princípio da continuidade da relação de emprego aliado à estabilidade de que era titular, seja considerada nula a sua dispensa. Diante da forma fraudulenta de sua demissão, persegue indenização por dano moral.

Contra razões às fls. 162/164.


Considerações do Digno representante do Ministério Público do Trabalho, fls.165, quanto à inexistência de interesse público que justificasse sua intervenção.

É o relatório.

V O T O

Conheço porque presentes os pressupostos de admissibilidade.

Incontroverso nos autos que o reclamante sofreu acidente de trabalho e que ficou afastado pelo período informado na exordial.

Já o documento de fls.84 noticia que o reclamante teria pedido demissão, o que num primeiro momento afastaria qualquer possibilidade de sucesso da pretensão deduzida em juízo.

Bem verdade ainda, que a única testemunha ouvida (da reclamada) Sr. Antonio de Oliveira, no depoimento prestado às fls.56 esclareceu o seguinte: “que trabalha na primeira reclamada há cerca de dois anos; que o reclamante não trabalha mais porque pediu para sair da empresa, tendo falado com o depoente.”

Os elementos de prova acima destacados, a princípio poderiam levar ao referendo da tese defensiva, como de resto entendeu o D. Juízo de origem.

Todavia, a questão sub judice pede análise mais acurada, à luz dos princípios da livre persuasão racional e da convicção motivada, considerando aspectos notórios e bem assim, fatos e circunstâncias especiais constantes dos autos (art. 131, CPC), que não podem escapar ao cauteloso crivo deste Juízo.

Com efeito, (1) é sabido que no momento do alegado pedido de demissão (18/01/02) o país enfrentava crise de desemprego sem precedentes, com eliminação de milhões de postos de trabalho; (2) o reclamante, em decorrência do afastamento por acidente do trabalho (09/07/01), do qual obteve alta médica (21/11/01) com retorno às funções, era titular da garantia estabilitária de um ano conferida pelo artigo 118 da Lei 8.213/91; (3) o reclamante é analfabeto, como se verifica do citado pedido de demissão de fls. 84, em que foi aposta a impressão de seu polegar no local destinado a assinatura.

Assim, de plano, causa profunda estranheza, agredindo o princípio da razoabilidade unanimemente acolhido na doutrina do Direito do Trabalho, que em pleno quadro de desemprego, um trabalhador analfabeto e recém-acidentado, portando assim, características manifestamente excludentes perante o concorrido mercado de trabalho, viesse a pedir demissão da empresa num momento em que era titular de garantia provisória legal.

Esses dados diretos, colhidos na prova dos autos, sob o ponto de vista do que é lógico e razoável, militam contra a tese do desligamento voluntário.

Relevante o fato de que o reclamante é analfabeto absoluto, ou seja, pura e simplesmente não conhece o alfabeto (ana + alpha + beta = desconhece o A e o B).

Num país onde grassa a indigência cultural e intelectual, não se pode ignorar a existência de uma enorme massa de milhões de trabalhadores, no campo e na cidade, desprovidos do domínio da leitura e escrita, e que só conseguem, a muito esforço, soletrar algumas palavras ou garatujar o próprio nome em documento, quase sempre mediante decalque.

O conhecido jornalista Gilberto Dimenstein (“Folha de São Paulo”,C8, “Você, caro leitor, faz parte do Clube dos 20%”, 07/03/04), recentemente comentou:

“Um dos mais sérios estudos sobre o analfabetismo funcional – condição em que se encontra quem não entende o que lê – é o realizado pelo Instituto Paulo Montenegro em parceria com a Ação Educativa. (…) apenas 25% dos brasileiros com mais de 15 anos dominam plenamente a leitura e a escrita. (…)

De acordo com a pesquisa do Instituto Paulo Montenegro, 8% dos brasileiros não sabem ler, são os analfabetos totais; 30%, os tais analfabetos funcionais, lêem, mas não entendem o conteúdo dos textos, incapazes que são de interpretar algo um pouco mais complexo do que um bilhete; 37% conseguem identificar informação numa notícia curta, mas não vão muito além disso”. (grifamos).

Números semelhantes haviam sido identificados em pesquisa do IBOPE, objeto de reportagem na “Folha de São Paulo” (“Analfabetismo funcional atinge 38% em pesquisa”, 09/09/03):

“Apenas 25% dos brasileiros acima dos 15 anos têm domínio pleno das habilidades de leitura e de escrita, segundo pesquisa feita pelo IBOPE. Isso significa que só um em cada quatro brasileiros consegue entender totalmente as informações de textos mais longos e relaciona-los com outros dados.

De acordo com o levantamento, 38% dos brasileiros podem ser considerados analfabetos funcionais – não conseguem utilizar a leitura e a escrita na vida cotidiana. Desses, 8% são absolutamente analfabetos, e 30% têm um nível de habilidade muito baixo – conseguem apenas identificar uma informação simples em um só enunciado, como um anúncio.

Outros 37% têm um patamar básico – são capazes de localizar uma informação em textos curtos, como uma carta ou notícia”


A situação do autor, como se vê, é ainda mais grave que a do analfabeto funcional, vez que se trata de trabalhador absolutamente analfabeto, e portanto, mergulhado na obscuridade cultural. A mera existência de impressão digital aposta no documento de fls. 84 não descarta a sua condição de analfabeto absoluto e nem confere validade ao “pedido de demissão”, claramente suspeito, sequer acompanhado de assinaturas de testemunhas, e no qual renunciou ao emprego e, conseqüentemente, à estabilidade provisória de que era titular.

Não há nos autos, qualquer prova de que o reclamante tenha sido suficientemente esclarecido quanto ao teor do documento e cientificado de que com a demissão perderia o direito às verbas rescisórias, ao FGTS e sobretudo, à estabilidade legal prevista no artigo 118 da Lei 8.213/91.

Tampouco o depoimento da testemunha da reclamada, Sr. Antonio de Oliveira, ouvido às fls.56, se presta a conferir credibilidade ao pedido de demissão, tanto mais quando se constata tratar-se de afirmação lacônica de que o reclamante não trabalha mais porque pediu para sair da empresa, não esclarecendo, todavia, a testemunha, se presenciou o propalado pedido ou se apenas soube da intenção através do autor. Logo, da forma como foi feita a declaração, não pode servir de arrimo para se aferir se realmente existiu pedido dessa natureza ou se a manifestação resultou de livre e consciente disposição de vontade do trabalhador.

É possível que o reclamante, em face do seu ínfimo grau de cultura, não tivesse ciência dos eventuais efeitos da aposição do polegar direito sobre um pedido de demissão. Mas certamente a reclamada, no momento em que ofereceu o texto impresso do pedido de demissão ao reclamante e deixou de informá-lo dos seus efeitos sobre os direitos trabalhistas, bem sabia dos benefícios que a renúncia do empregado lhe traria, ficando cristalino o caráter doloso da omissão, no momento em que se desfazia o negócio jurídico havido entre as partes.

O artigo 147 do Código Civil de 2002 dispõe sobre o caráter doloso da omissão, na relação contratual, in verbis:

“Art. 147 – Nos negócios jurídicos bilaterais, o silêncio intencional de uma das partes a respeito de fato ou qualidade que a outra parte haja ignorado, constitui omissão dolosa, provando-se que sem ela o negócio não se teria celebrado”.

Ainda que se considere que a rescisão do contrato de trabalho tenha feição unilateral, isto é apenas parcialmente verdadeiro, já que a solicitação de dispensa de cumprimento do aviso prévio ainda depende de anuência do empregador.

Outrossim, tratando-se de trabalhador rude e analfabeto, a validade da manifestação de vontade estaria sempre sujeita à ciência a ser dada pelo empregador quanto aos efeitos daquele ato, vez que implicaria questionável renúncia a direito assegurado por norma de ordem pública (Lei 8.213/91). O silêncio do empregador, nas circunstâncias, induziu o trabalhador a erro substancial, tornando anulável o ato jurídico, a teor do disposto no artigo 138 do Novo Código Civil, verbatim:

“São anuláveis os negócios jurídicos, quando as declarações de vontade emanarem de erro substancial que poderia ser percebido por pessoa de diligência normal, em face das circunstâncias do negócio”.

Por óbvio o reclamante, dadas as suas limitações culturais, com muito mais razão não poderia ser considerado pessoa de diligência normal, em face das circunstâncias da demissão, que implicava renúncia ao emprego garantido por um ano, justamente quando retornava de acidente. Anulável pois, a manifestação de vontade veiculada no documento de fls.84, imprestável para configurar a demissão voluntária do emprego.

Resta aludir por fim, aos princípios fundamentais que informam o Direito do Trabalho, e que são sempre um importante referencial interpretativo quando os elementos de prova se apresentam controvertidos.

Primeiramente temos o princípio da continuidade dos contratos, fixando-se como premissa lógica de que as relações de trabalho são convoladas para durar no tempo, seja no interesse dos trabalhadores ou no interesse do equilíbrio social e da estabilidade da própria economia. A permanência dos trabalhadores nas empresas favorece a formação de uma cultura profissional e técnica, maior grau de disciplina e comprometimento com os fins do empreendimento econômico.

Incide também, o princípio da razoabilidade, definido por Pinho Pedreira como aquele “segundo o qual, nas relações de trabalho, as partes, os administradores e juízes devem conduzir-se de uma maneira razoável na solução dos problemas ou conflitos delas decorrentes”.

Com mais precisão, Chaim Perelman (apud Américo Plá Rodriguez, in “Princípios de Direito do Trabalho”, LTr, 3ª Edição, pág. 392 ) afirma: “Todo direito, todo poder legalmente protegido e concedido tem em vista certa finalidade;o titular desse direito tem poder de avaliação quanto à maneira de ser exercido. Mas nenhum direito pode ser exercido de modo não razoável, pois o que não é razoável não é direito”.


Assim, à luz dos princípios da continuidade e da razoabilidade, e em face das circunstâncias que emanam do conjunto probatório, resta desacreditado o pedido de demissão, nulo e juridicamente imprestável como fundamento à negativa dos direitos perseguidos pelo reclamante.

Simples impressão digital aposta em documento suspeito, sem assinatura de testemunhas e sem qualquer prova de que o trabalhador tenha sido esclarecido quanto aos seus efeitos, não se presta a formar a convicção do Juízo quanto à renúncia ao emprego, mormente sendo o reclamante analfabeto, pobre, recém-acidentado, e titular de estabilidade provisória prevista em lei.

Desse modo, impõe-se a reforma da r.sentença de origem para condenar a reclamada em indenização equivalente aos salários de todo o período correspondente a estabilidade provisória.

Reformo.

DA INDENIZAÇÃO POR DANOS MORAIS

As relações de trabalho devem pautar-se pela respeitabilidade mútua, face ao caráter sinalagmático da contratação, impondo aos contratantes reciprocidade de direitos e obrigações. Assim, ao empregador, além da obrigação de dar trabalho e de possibilitar ao empregado a execução normal da prestação de serviços, incumbe, ainda, respeitar a honra, a reputação, a liberdade, a dignidade, e integridade física e moral de seu empregado, porquanto tratam-se de valores que compõem o patrimônio ideal da pessoa, assim conceituado o conjunto de tudo aquilo que não seja suscetível de valor econômico, na lição de Wilson de Melo da Silva, integrando os chamados direitos da personalidade, tratando-se, pois, de um bem jurídico.

Tais valores foram objeto de preocupação do legislador constituinte de 1.988 que lhes deu status de princípio constitucional assegurando o direito à indenização pelo dano material e moral decorrente de sua violação (CF,art.5º,V e X).

Portanto, sempre que o trabalhador, em razão do contrato de trabalho, sofrer lesão à sua honra, ofensa que lhe cause um mal ou dor (sentimento ou física) propiciando-lhe abalo na personalidade, terá o direito de exigir do empregador a reparação por dano moral.

In casu, o reclamante imputa à reclamada, na inicial, a desumana dispensa com intuito de fraudar os preceitos inseridos na legislação trabalhista e previdenciária no momento de maior necessidade do obreiro, haja vista que necessitava de cuidados médicos em seu processo de recuperação do grave acidente que sofrera (doc. 14; fls. 25).

A princípio seria impossível converter-se toda e qualquer dispensa imotivada em dano moral, visto que o legislador constituinte já estabeleceu a multa de 40% pela rescisão arbitrária e o direito não acolhe dupla punição pelo mesmo fato.

Todavia, na situação em exame não existe dupla punição, pois a dispensa foi declarada ilegal e nessa circunstância o dano moral fica configurado não pela dispensa em si, mas sim pelo modo com que foi promovido o desligamento do empregado, induzindo-o a erro com vistas a livrar-se de incômoda estabilidade quando o obreiro mais necessitava do salário como fonte de subsistência, já que sofrera de grave acidente.

Concluo assim, que impõe-se a reforma também desta parcela da sentença para condenar a reclamada em indenização por danos morais no importe equivalente ao dobro do valor correspondente à somatória das verbas rescisórias e FGTS, multa de 40%, e do período estabilitário, a apurar-se em regular liquidação.

DOS JUROS DE MORA

Juros de mora a partir da data do ajuizamento da reclamatória (artigo 883 da CLT) na taxa de 1% (um por cento) ao mês conforme previsto no artigo 39 da Lei 8.177/91, observada a Súmula nº 200 do Colendo Tribunal Superior do Trabalho.

DA CORREÇÃO MONETÁRIA.

A incidência da correção monetária observará os termos do artigo 39, da Lei 8.177/91 c/c o disposto no artigo 459 da Consolidação das Leis do Trabalho, considerando-se época própria a data do efetivo vencimento da obrigação, porque o marco inicial para a exigibilidade do direito, consoante entendimento já sedimentado cristalizado na Súmula nº 381, do Colendo Tribunal Superior do Trabalho (ex-Orientação Jurisprudencial nº 124 da SDI-I do C. TST).

DOS DESCONTOS PREVIDENCIÁRIOS E FISCAIS

1-) Descontos previdenciários

No que diz respeito aos recolhimentos fiscais e previdenciários, adoto o entendimento firmado no TST, conforme Súmula nº 368, incisos II e III.

As contribuições previdenciárias (Lei nº 8.212/91) devem ser atribuídas às partes, em proporção, cabendo ao empregado responder pela sua quota de participação, sendo nesse sentido o Provimento nº 2/93 do C. TST.

Acerca desse tema, já se pronunciou aquela Excelsa Corte, nos seguintes termos:

“As contribuições previdenciárias a incidir sobre créditos reconhecidos judicialmente ao obreiro em ação trabalhista devem ser descontados por determinação do próprio julgador, na forma da Lei 7.787/89, art. 12; do Provimento 3/84, da Corregedoria Geral da Justiça do Trabalho e da Lei 8.212/91, arts. 43 e 44 (TST, RR 79.995/93.0, Vantuil Abdala, ac. 2a. T. 3.291/93).

“Descontos previdenciários. A Consolidação das Leis do Trabalho no seu art. 462, veda ao empregador efetuar qualquer desconto nos salários do empregado, salvo quando este resultar de adiantamento, de dispositivo legal ou de contrato coletivo. Os descontos previdenciários resultam de lei e são dedutíveis das parcelas salariais, no percentual atribuível ao empregado. Não tem pertinência o fundamento de que a contribuição não incidiria porque não houve desconto e recolhimento no momento oportuno, posto que as parcelas que deram origem à incidência questionada só foram reconhecidas ao empregado por decisão judicial e a partir deste momento passa a ser oportuno o seu recolhimento”. (RR 27058/91.3, Rel. Indalécio Gomes Neto, DJU 11.09.92, pág. 14818).”


Ressalto que para apuração correta do crédito da previdência social, deve ser observada a Ordem de Serviço nº 66 de 10.10.97.

Portanto, deverão ser deduzidos mês a mês os valores já recolhidos à Previdência Social, observando-se mensalmente as alíquotas previstas no artigo 20 da Lei 8.212/1991, e o respectivo teto de contribuição. Assim sendo, as diferenças dos descontos previdenciários serão apuradas discriminadamente, atentando-se que a dedução previdenciária deverá ser calculada mensalmente, com base no teto mensal estabelecido no artigo 20 da Lei 8.212/1991, na Orientação Normativa nº 02 de 15.08.94 do Secretário da Previdência Social, combinados com Ordem de Serviço nº 66 de 10/07/97 e o Decreto nº 3.048, de 06 de maio de 1999 (“Art. 198 (..) e artigo 276 – §4º – A contribuição do empregado no caso de ações trabalhistas será calculada, mês a mês, aplicando-se as alíquotas previstas no art. 198, observado o limite máximo do salário-de-contribuição”), incidente sobre os valores devidos mês a mês, e atentará para as alíquotas e tabelas pertinentes, de acordo com suas vigências, deduzindo-se mensalmente os valores já recolhidos.

As deduções só serão perpetradas sobre o crédito quando o efetivo recolhimento estiver comprovado nos autos. Portanto, quanto aos recolhimentos previdenciários, cada parte arcará com sua cota, a ser comprovada, sob pena de execução nos próprios autos.

2-) Descontos fiscais

A retenção do imposto de renda na fonte decorre do disposto no artigo 46 da Lei nº 8.541, de 23.11.92 e do Provimento nº 1/96 da Corregedoria do TST.

O artigo 45 do CTN estabelece que a lei pode atribuir à fonte pagadora da renda a condição de responsável pela retenção e pagamento do imposto, que é o que faz a Lei nº 8.541/92.

Com a edição da Lei nº 7.713/88, desde 01.01.89 restou consagrado o regime de caixa, ou seja, a renda é considerada recebida quando paga, não se observando o regime de competência (mês a que se refere). O cálculo não mais será feito em separado de cada mês, mas sim toma-se todo o rendimento recebido e aplica-se a tabela do mês do pagamento, com a respectiva alíquota desse mês. A lei a ser observada corresponde à da época em que for realizado o pagamento, verificando-se os dependentes e as isenções.

Neste aspecto, observando os princípios da legalidade e da reserva legal, fica ressalvado que, segundo a lei vigente, não incide tributação sobre verbas de caráter indenizatório, nas hipóteses previstas no artigo 46, § 1º., inciso I, da Lei 8.541/92.

Estabelece o citado art. 46, § 1º., inciso I, da Lei nº. 8.541/92:

“Art. 46. O imposto sobre a renda incidente sobre os rendimentos pagos em cumprimento de decisão judicial será retido na fonte pela pessoa física ou jurídica obrigada ao pagamento, no momento em que, por qualquer forma, o recebimento se torne disponível para o beneficiário.

§ 1º Fica dispensada a soma dos rendimentos pagos no mês, para aplicação da alíquota correspondente, nos casos de:

I – juros e indenizações por lucros cessantes;

II – honorários advocatícios;

III – remuneração pela prestação de serviços de engenheiro, médico, contador, leiloeiro, perito, assistente técnico, avaliador, síndico, testamenteiro e liquidante.” (grifamos).

Os juros de que trata o inciso I do artigo 46 da Lei nº. 8.541/92 consistem em juros de mora, pois são devidos em virtude da expropriação temporária de valores devidos ao empregado. Assim, em virtude de sua natureza jurídica indenizatória, não estão sujeitos à incidência do imposto de renda. É que os créditos no processo trabalhista não representam investimento do trabalhador, e assim, os juros sobre eles incidentes objetivam indenizar a mora, não se confundindo com os juros de natureza compensatória ou remuneratória de capital aplicado.

O debate a respeito da exação tributária já foi travado no Tribunal Pleno do C. TST, que recentemente concluiu pela não incidência do imposto de renda sobre os juros de mora.

Neste sentido cabe destacar a seguinte ementa de julgado:

“DESCONTOS FISCAIS – NÃO-INCIDÊNCIA SOBRE JUROS DE MORA.

A Lei nº. 8.541/92, que alterou a legislação do imposto de renda e deu outras providências, estabeleceu, no artigo 46, § 1º, I, a exclusão dos juros de mora da base de cálculo do imposto de renda, devido em virtude de percepção de valores decorrentes de decisão judicial, pois têm natureza indenizatória, legitimados em face da expropriação temporária de valores devidos ao Reclamante. Logo, os descontos fiscais devem ser efetuados sobre o total dos valores pagos ao Reclamante, advindos dos créditos trabalhistas sujeitos à incidência tributária, excluídos os juros de mora.”

Processo nº TST-RR-797.031/2001.8 Publicado no DJ 29/11/2002 3ª Turma Ministra Relatora Maria Cristina Irigoyen Peduzzi.

(grifamos).

Importante ressaltar que o C. TST já firmou entendimento, por meio da Orientação Jurisprudencial nº. 207, da SDI-I, de que o imposto de renda não incide sobre verba de natureza indenizatória: “Indenização. Imposto de renda. Não-incidência.”, incidindo tal interpretação, à espécie, por analogia.

Portanto, ficam excluídos da incidência do imposto de renda os juros de mora.

Destarte, o imposto de renda também não incidirá sobre as férias indenizadas (Súmula 125 do STJ), FGTS e multas normativas, além daquelas hipóteses de doenças incuráveis previstas em lei (artigo 39 inciso XX do Decreto 3.000/99), e também, sobre os juros que possam vir a ser aplicados sobre tais títulos.

Se o valor do imposto de renda for recolhido em importe superior ao devido, o autor poderá buscar eventual restituição ao apresentar sua declaração anual de ajuste, como faculta a legislação.

Todas as deduções, sejam fiscais ou previdenciárias, só incidirão sobre o crédito quando o efetivo recolhimento estiver comprovado nos autos.

Do exposto, conheço do apelo e, no mérito, DOU PROVIMENTO PARCIAL, ao apelo para condenar a reclamada em indenização equivalente ao período correspondente a estabilidade provisória, bem como indenização por danos morais no importe equivalente somatória das verbas rescisórias e FGTS e multa de 40%, e do período estabilitário, ambos em dobro, tudo a ser apurado em regular liquidação liqüidação de sentença. Juros e correção monetária na forma do artigo 39, § 1º, da Lei 8.177/91 e Súmula nº 200 do C.TST. Descontos fiscais e previdenciários na forma do Provimento 01/96 da Corregedoria do TST, por força da Lei nº 8541 de 23.11.92, tudo a apurar em liquidação, na forma da fundamentação que integra e complementa este dispositivo. Arbitro o valor da condenação em R$10.000,00. Custas a cargo da reclamada.

RICARDO ARTUR COSTA E TRIGUEIROS

Juiz Relator

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