Para que vale o advogado?

Sigilo profissional é proteção ao cidadão, não ao advogado

Autor

  • José Carlos Dias

    é advogado criminal ex-secretario de Justiça do governo Franco Montoro em São Paulo ex-ministro da Justiça do governo Fernando Henrique Cardoso e ex-presidente da Comissão de Justiça e Paz.

17 de junho de 2005, 13h01

Acostuma-se com a violência, aceita-se a truculência. A conivência se instala pela postura da indiferença e da leniencia.

Mais escritórios de advocacia são invadidos e o que é mais grave, com autorização judicial, os policiais portando mandados que tem o cheiro e o jeito de promissórias ou cheques em branco, tão genérica e vasta é a autorização para apreensão de papéis, computadores, celulares, palms etc.

É compreensível, à primeira vista, que os próprios advogados não queiram o alarde sobre o ato de invasão de seus escritórios, para proteger seus clientes.

É um erro. É preciso por um basta na progressão da violência, é fundamental que se diga ser absolutamente intolerável que as invasões ocorram. É o sigilo profissional que tem que ser preservado, garantido. Não se está protegendo o advogado, por privilégio corporativo, mas o cidadão que confia no advogado como confia no médico que registra suas moléstias e fraquezas, no confessor que acolhe o confidente. Não se está protegendo o criminoso, o falsário, o sonegador, com a proteção ao escritório encarregado da defesa de tais criaturas às quais se atribuem delitos e outras ilicitudes.

Claro está que há advogados que usam seus escritórios para acobertar crimes próprios ou de terceiros. Isto, no entanto, não legitima a invasão aos escritórios. Os advogados têm que reagir e dizer um “não permitimos, prendam-nos então, mas aqui não entram, afinal somos tutores e tuteladores dos nossos clientes e de seus segredos, não importa que revelem crimes ou faltas menores, por isso confiam em nós, somos defensores de culpados e inocentes, não podemos fazer triagem e arquivar os bons e segregar para o incinerador os que merecem o inferno”.

É bom que todos saibam que por isso merecem, os advogados a confiança dos que lhes outorgam procuração.

A OAB deve promover uma sessão pública de desagravo aos advogados ultrajados pela invasão da sua intimidade de trabalho, pela violência praticada contra seus clientes e contra suas pessoas.

Dou meu testemunho de advogado que defendeu muitas centenas de perseguidos políticos. Já fui preso em meu escritório em razão da minha atuação profissional, em pleno período Médici e conduzido para o DOI/CODI. Levaram a mim, mas não levaram meus papéis, meus guardados, os rascunhos dos meus clientes. Temi que me extorquissem os segredos pela tortura e pela devassa no escritório. Fui poupado da dor e meus arquivos também permaneceram intactos.

Os tempos mudaram. Hoje temos na presidência um ex-preso político, com quem estive preso, por algumas horas, no DOPS, em abril de 1980. Não dá para acreditar que se esteja fazendo agora o que não se ousava fazer em plena ditadura. E com a complacência de muitos, com ordem escrita de agentes públicos encarregados de fazer prevalecer o direito.

É hora do basta e de se responsabilizar civil e criminalmente todos os que participam do abuso contra o direito de defesa. Se não reagirmos já e com grandeza, amanhã com muita razão estarão nos perguntando: para que serve o advogado?

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    é advogado criminal, ex-secretario de Justiça do governo Franco Montoro, em São Paulo, ex-ministro da Justiça do governo Fernando Henrique Cardoso e ex-presidente da Comissão de Justiça e Paz.

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