Gritar não ofende

Chefe pode gritar com funcionário, mas não humilhá-lo

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17 de junho de 2005, 9h29

Não ocorre dano moral se chefe grita com os funcionários para cobrança profissional, sem humilhá-los ou ofendê-los. O entendimento é da 2ª Turma do Tribunal Regional do Trabalho da 2ª Região (São Paulo), firmado no julgamento de Recurso Ordinário da livraria Siciliano contra sentença da 47ª Vara do Trabalho de São Paulo.

Um ex-analista de sistemas da livraria Siciliano, entrou com processo trabalhista pedindo verbas devidas. Solicitou também indenização por danos morais, por causa do tratamento que recebia do gerente. Segundo o ex-funcionário, o superior era excessivamente rigoroso e ofensivo quando cobrava os resultados do trabalho.

Testemunha ouvida em audiência — chamada pelo gerente de “cabeção” — chegou a presenciar o gerente gritando com o funcionário. Ressaltou, porém, que não presenciou ofensa e que o gerente cobrava os serviços da mesma forma com todos os empregados. A informação é do TRT-SP.

Outro depoimento confirmou que o gerente chegava a elevar o tom de voz, mas nunca ofendeu pessoalmente os funcionários. A primeira instância reconheceu o direito a indenização por danos morais. Inconformada, a Siciliano recorreu ao TRT-SP. Sustentou que não ficou demonstrado que o gerente tenha se comportado de forma imprópria e inconveniente, a ponto de ofender a dignidade profissional do analista.

Ouvida pela revista Consultor Jurídico, a juíza trabalhista Jane Granzoto Torres da Silva, da 9ª Turma do Tribunal Regional do Trabalho da 2ª Região, afirmou que o dano moral está relacionado à dignidade humana. Para que fique configurado é preciso que haja realmente uma mácula na dignidade. Segundo Jane, no caso, não ficou provado o dano à dignidade e à imagem do funcionário.

O advogado trabalhista Marcos Cintra Zarif, do escritório Pires de Oliveira Dias Advogados, concorda com a juíza. Ele afirma que o dano moral se configura pela maneira como se fala, o local onde isso acontece, o tipo de atitude. Nesse caso, segundo Zarif, apenas a elevação do tom de voz do chefe com o funcionário, não afetou a imagem do subordinado e por isso não configurou dano moral.

A decisão

O relator do Recurso Ordinário, juiz Sérgio Pinto Martins, considerou que “ficou demonstrado nos autos que o gerente cobrava de forma veemente os serviços”, às vezes, em tom de voz elevado.

“Isso não é motivo para dano moral”, explicou o relator, acrescentando que o analista também não comprovou que foi “ofendido pelo gerente ou teve sua imagem denegrida pela referida pessoa, na forma como o tratava”.

A decisão da 2ª Turma do TRT paulista foi unânime. Os juízes suspenderam o pagamento de indenização por dano moral ao ex-empregado da Siciliano.

RO 00868.2002.047.02.00-2

Leia a íntegra do voto

Proc. n.º 20030718443 (00868.2002.047.02.00-2)

47ª Vara do Trabalho de São Paulo

Recorrentes: Siciliano S/A e José Carlos de Souza Vieira

Recorridos: ambos

EMENTA

Dano moral. Caracterização.

Não se caracteriza o dano moral se o gerente da empresa é veemente, mas não humilha ou ofende outros funcionários, ainda que eleve seu tom de voz. A testemunha do reclamante declarou que foi chamado de “cabeção”, mas isso não ocorreu com o autor. Dano moral indevido.

I. RELATÓRIO

Interpõe recurso ordinário Siciliano S/A afirmando que a indenização por danos morais é indevida. Não ficou demonstrado que o gerente Marco Antonio Peres tenha se comportado de forma imprópria e inconveniente a ponto de ofender a dignidade profissional do recorrido. Deve ser dado provimento ao recurso para modificar a sentença.

Contra-razões de fls. 232/4.

Apresenta o reclamante recurso ordinário alegando que preliminarmente não poderia deixar de ser ouvida sua testemunha. Tem direito a equiparação salarial, diferença de horas extras, pagamento de horas extras relativas ao repouso legal de 10 minutos a cada 90 trabalhados. O valor da indenização por dano moral é muito ínfimo. São devidos honorários de advogado.

Contra-razões de fls. 227/31.

Parecer do Ministério Público de fls. 235. É o relatório.

II- CONHECIMENTO

O recurso é tempestivo. Houve pagamento das custas e do depósito recursal, na forma legal (fls. 213/4). Conheço do recurso por estarem presentes os requisitos legais.

III- FUNDAMENTAÇÃO

VOTO

A- Recurso da empresa

A testemunha do reclamante afirmou que Marco Antônio chegou a presenciar o reclamante gritando com o autor. Declarou que o gerente o chamou de “cabeção”, mas não presenciou o primeiro ofendendo o reclamante. O gerente cobrava os serviços da mesma forma de todos os empregados.

A testemunha Wenilson declarou que o gerente chegava a elevar o tom de voz, mas nunca chegou a ofender pessoalmente os funcionários. O gerente se dirige da mesma forma aos demais gerentes. Nas festas de final de ano o reclamante, o depoente e os demais funcionários do departamento saíam para almoçar com o gerente Marco Antonio.

A testemunha Deric afirmou que o sr. Marco Antonio é severo na cobrança dos serviços, porque também recebe cobranças, normalmente quando o serviço atrasa. O gerente não ofende nem tampouco agride os funcionários. Havia prejuízo caso os prazos não fossem atendidos.

Ficou demonstrado nos autos que o gerente cobrava de forma veemente os serviços, inclusive elevando o tom de voz. Entretanto, isso não é motivo para dano moral, nem ficou demonstrado nos autos que o reclamante foi ofendido pelo gerente ou teve sua imagem denegrida pela referida pessoa, na forma como o tratava.

Assim, resta indevida a indenização por dano moral.

B- Recurso do autor

1- Preliminar

A mera existência do fato de que a testemunha tinha ação proposta contra a empresa não induz troca de favores. Cada caso tem de ser analisado com parcimônia pelo juiz.

A Súmula 357 do TST esclarece que não há suspeição pelo fato de a testemunha ter ajuizado processo contra a empresa.

Entretanto, no recurso não há pedido de anulação da sentença. Logo, a sentença não pode ser anulada de ofício, pois depende de provocação expressa da parte.

2. Equiparação salarial

A prova do exercício da mesma função era do autor, nos termos do artigo 818 da CLT, por se tratar de fato constitutivo do seu direito (art. 333, I, do CPC). Não basta serem feitas meras alegações (allegatio et non probatio quasi non allegatio).

No Digesto já se verificava que “a prova é ônus de quem afirma e não de quem nega a existência de um fato” (XXII, 3, 2).

Como afirma Mascardus, “quem não pode provar é como quem nada tem; aquilo que não é provado é como se não existisse; não poder ser provado, ou não ser é a mesma coisa”(Apud Almeida Jr., João Mendes de. Direito judiciário brasileiro. São Paulo: Saraiva, 1960, p. 172).

O reclamante não conseguiu comprovar a identidade de funções.

A testemunha Fábio não declarou se o paradigma fazia algum serviço que era realizado pelo autor.

O próprio paradigma afirmou ser analista máster e o reclamante analista pleno. O paradigma trabalhava com lojas, num total de 60. Dava apoio ao suporte das lojas. Distribuía os serviços aos funcionários do suporte e resolvia os problemas que estes não conseguiam solucionar. Essas atribuições não eram desenvolvidas pelo reclamante.

Os depoimentos testemunhais devem ser interpretados no seu conjunto e não apenas na parte que interessa ao autor.

O fato de a rede de lojas utilizar-se do mesmo software padrão ou ter o mesmo banco de dados nada quer dizer, pois o paradigma não fazia os mesmos serviços do autor.

São indevidas as diferenças de equiparação salarial.

3. Horas extras

A prova da jornada de trabalho era do autor, nos termos do artigo 818 da CLT, por se tratar de fato constitutivo do seu direito (art. 333, I, do CPC).

O autor afirmou que trabalhava das 7 h 30 min. às 17 h 51 min., com uma hora de intervalo. Trabalhou em alguns feriados.

Esclareceu a testemunha do autor que nunca trabalhou em feriados. Quando trabalhou em domingos, anotou as horas prestadas nos controles de ponto.

As outras testemunhas mencionadas às fls. 221 não disseram que era proibido marcar o cartão de ponto nos domingos e feriados.

Nos recibos há pagamentos de horas extras.

O reclamante fez afirmações genéricas no sentido de que não recebeu as horas extras com base nos documentos de fls. 28/34 e 35/7, que são semelhantes aos juntados pela empresa no volume de documentos.

Às fls. 94/5 não foram apontadas diferenças de horas extras. Logo, não podem ser apontadas diferenças de horas extras às fls. 220/2, não indicando o autor em qual mês deixou de haver pagamento de horas extras corretamente ou com o adicional de 100%.

Ressalte-se que não há pagamento de adicional de 100% em domingos e feriados, mas em dobro, pois não se trata de hora extra, mas de penalidade, que deve ser interpretada restritivamente.

Não é o caso, portanto, de se falar na aplicação dos artigos 300 e 302 do CPC, mas em apontamento de diferenças, que não estão demonstradas.

4. Digitador

Da inicial consta que o reclamante era analista de sistemas e não digitador. Fazia “análise, projeto, desenvolvimento programação e testes de softwares”, conforme consta da inicial de fls. 5. Logo, o reclamante não era digitador.

O reclamante usava o computador para trabalhar, mas não era digitador. Fazia desenvolvimento de sistemas.

Não estava o autor adstrito à regra do artigo 72 da CLT.

5. Indenização por dano moral

Previa o artigo 1.553 do Código Civil de 1916 que a forma de fixação da indenização por dano moral era por arbitramento.

O juiz irá fixar a indenização por arbitramento. Ao fixar a indenização, o juiz deve-se ater à questão, às influências que isso proporcionou ao lesado, arbitrando-a de maneira eqüitativa, prudente, razoável e não abusiva, atentando-se para a capacidade de pagar do que causou a situação, de modo a compensar a dor sofrida pelo lesionado e inibir a prática de outras situações semelhantes.

O magistrado deve levar em conta os seguintes elementos para fixar a indenização: a- situação dos litigantes; b- discernimento do ofensor sobre a gravidade do fato; c- grau de cultura do ofensor; d- estabelecer punição pedagógica, visando evitar a reincidência no ato.

Na fixação da indenização por dano moral deve atentar o juiz para o antigo artigo 400 do Código Civil de 1916, que indica o binômio necessidade/possibilidade na fixação de alimentos: “os alimentos devem ser fixados na proporção das necessidades do reclamante e dos recursos da pessoa obrigada”.

Assim, deve-se usar da razoabilidade na fixação da indenização, da lógica do razoável de que nos fala Recasen Siches e também da proporcionalidade.

A indenização foi fixada de forma razoável.

Não tem fundamento pedir indenização com fundamento no que a empresa fatura ou com base no número de lojas da ré. O empregado não tem participação no faturamento da empresa.

Não há contradição na sentença, pois não foi afirmado algo e ao mesmo tempo negado.

Foi estabelecida corretamente a indenização. Entretanto, ainda foi dado provimento ao recurso da empresa para excluir a indenização por dano moral.

6. Honorários de advogado

O artigo 133 da Constituição não trata de honorários de advogado, mas apenas que o advogado é indispensável à administração da Justiça. A Lei n.º 8.906/94 não modificou a questão, segundo o entendimento do STF, pois não revogou o artigo 791 da CLT. A jurisprudência do TST é pacífica no sentido de entender indevidos os honorários de advogado se não forem atendidos os requisitos do artigo 14 da Lei n.º 5.584/70 (Ens. 219 e 329). O reclamante, contudo, não está assistido do sindicato da sua categoria, nem se lhe aplica o artigo 20 do CPC, por inexistir omissão na CLT. Indevidos os honorários de advogado, até porque nada foi deferido ao autor.

IV- DISPOSITIVO

Pelo exposto, conheço dos recursos, por atendidos os pressupostos legais, e, no mérito, dou provimento ao recurso da empresa para excluir da condenação a indenização por dano moral, julgando totalmente improcedente a pretensão do autor; nego provimento ao recurso do autor. Custas pelo reclamante sobre o valor arbitrado de R$ 120.000,00, no importe de R$ 2.400,00. O reclamante deverá reembolsar as custas pagas pela empresa. É o meu voto.

Sergio Pinto Martins

Juiz relator

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