Conflito de classes

Juízes federais defendem invasão a escritórios de advocacia

Autor

16 de junho de 2005, 17h03

A inviolabilidade prevista na lei para o advogado não se estende ao seu escritório. “Todos os cidadãos e empresas estão sujeitos às mesmas regras e os escritórios de advocacia não estão delas excluídos”.

A afirmação é da Ajufe — Associação dos Juízes Federais do Brasil, que criticou nesta quinta-feira (16/6) a postura da OAB de São Paulo de repudiar os mandados judiciais expedidos na Operação Cevada. Para a associação, os advogados não podem ter privilégios em buscas e apreensões.

Deflagrada nesta quarta pela Polícia Federal e pela Receita Federal, a operação, de combate à sonegação fiscal, deu cumprimento a mais de 130 mandados de busca e apreensão e a 79 de prisão. Na ação, foram presos os empresários que controlam a Schincariol — segunda maior fabricante de cerveja do Brasil — e cumpridas buscas em escritórios de advocacia.

Para o juiz Jorge Maurique, presidente da Ajufe, “o mandado de busca e apreensão é um instrumento de investigação e necessariamente não se destina a produzir prova contra quem está detendo os documentos”.

Segundo Maurique “não há até hoje no país nenhuma decisão de Tribunal reformando mandados judiciais de busca e apreensão, o que sinaliza a seriedade e responsabilidade dos magistrados federais em sua avaliação”.

A Ajufesp — Associação dos Juízes Federais de São Paulo e Mato Grosso do Sul também rebateu as críticas da OAB sobre mandados judiciais. A associação defende que “os magistrados são invioláveis por suas decisões tipicamente jurisdicionais. Elas não devem e não podem ser reexaminadas, quanto aos seus fundamentos ou sua conveniência, a não ser pelo sistema de recursos já existente. Que proporciona, por sinal, oportunidades de sobra para questioná-las”.

Na nota, a entidade afirmou que repudia “com firmeza, a infeliz idéia de representar-se contra magistrados que deferiram mandados de busca, no combate ao crime e cumprindo devidamente suas obrigações”.

Leia a íntegra das notas das associações

Nota da Ajufe

A Associação dos Juízes Federais do Brasil (AJUFE) contesta nota divulgada ontem pela OAB-SP, que criticou os mandados judiciais expedidos na operação Cevada, realizada pela Polícia Federal e Receita Federal. Segundo a OAB, tais mandados seriam “genéricos contra advogados, que nenhuma imputação criminal registram contra si, ensejando que as diligências visavam — tão somente — alcançar dados e documentos de clientes”.

É importante ressaltar que o mandado de busca e apreensão é um instrumento de investigação e necessariamente não se destina a produzir prova contra quem está detendo os documentos. Todos os cidadãos e empresas estão sujeitos às mesmas regras e os escritórios de advocacia não estão delas excluídos. Além disso, a inviolabilidade prevista na lei é para o advogado, o profissional, e não para o escritório. Mais: o advogado só se torna inviolável depois de instaurado o processo, justamente para garantir o sigilo dos dados de seu cliente.

A OAB quer ser avisada antecipadamente das operações de busca e apreensão nos escritórios de advocacia, mas tal medida prejudicaria o sigilo necessário à segurança e efetividade dessas operações, pois levaria ao risco de destruição das provas. Eventuais abusos devem ser apurados caso a caso e devidamente punidos. O que não podemos aceitar, com todo o respeito à OAB-SP e aos advogados, é que eles adquiram uma posição genericamente privilegiada em relação aos demais cidadãos. Os escritórios de advocacia não podem se tornar mausoléus imunes à ação estatal.

Não há até hoje no país nenhuma decisão de Tribunal reformando mandados judiciais de busca e apreensão, o que sinaliza a seriedade e responsabilidade dos magistrados federais em sua avaliação. Na luta contra a corrupção, sonegação e crimes do colarinho branco em tempos de internet e alta tecnologia, se as buscas de prova não forem imediatas, os crimes correm grande risco de ficarem impunes.

A AJUFE considera a OAB um valoroso aliado nessa luta contra a criminalidade, não podendo a entidade, dessa forma, opor a essa missão interesses meramente corporativos de um ou outro advogado de seus respeitáveis quadros.

Jorge Antonio Maurique

Presidente da AJUFE

Nota da Ajufesp

A OAB tem divulgado, em tom estridente, que pretende reclamar junto ao Conselho Nacional de Justiça, por conta de mandados expedidos por juízes federais, por ocasião de operações da Polícia Federal. Isso pede uma reflexão. Em todas as discussões sobre o controle externo do Judiciário, sempre foi consensual a idéia de que ele não deveria servir de forma de pressão ilegítima sobre as decisões judiciais. Suas tarefas básicas seriam duas: melhorar a Administração do Judiciário e fiscalizar a conduta pessoal dos juízes.

O problema está justamente com a última missão referida: a vigilância sobre a conduta ética dos magistrados pode facilmente confundir-se com a revisão indireta de suas decisões; e assim a independência da magistratura seria cancelada.

Quanto a esse aspecto, afirmamos que os magistrados são invioláveis por suas decisões tipicamente jurisdicionais. Elas não devem e não podem ser reexaminadas, quanto aos seus fundamentos ou sua conveniência, a não ser pelo sistema de recursos já existente. Que proporciona, por sinal, oportunidades de sobra para questioná-las.

Quanto a esse aspecto, o Conselho Nacional da Magistratura, guardado o devido respeito, não tem competência para reexaminar decisões jurisdicionais, nem mesmo as que permitiram a expedição de mandados de busca nas operações “Curupira” e “Gabiru”, da Polícia Federal. Esse assunto não se encaixa em suas atribuições.

Em outras palavras, isso é tema para recursos e habeas corpus, mas não para representações disciplinares. Se estas tomarem o lugar daqueles, então nenhum Juiz poderá mais decidir coisa alguma, porque ele sempre desagradará, pelo menos, uma das partes envolvidas no processo.

Se o CNJ der ouvidos a esse tipo de “lobby”, estará sendo anulada a independência de julgamento dos magistrados e o Poder Judiciário se tornaria inútil. Seria melhor deixar o julgamento de todos os processos do País para o Conselho Nacional da Magistratura.

Lembramos, a essa altura, que uma das promessas do Presidente da República, durante as discussões sobre o controle externo, foi justamente a de que “ninguém quer por a mão nas decisões dos juízes”. Manifestamos nossa preocupação quanto a esse ponto, que é vital para o funcionamento das instituições democráticas. Não vamos assistir em silêncio entidades de classe comprometendo seu poder de persuasão e influência para intimidar juízes – e indiretamente (mesmo que não seja essa a intenção) proteger o crime organizado.

O precedente criado, ainda que sob o pretexto de defesa de prerrogativas de classe, seria muito perigoso. Se o poderoso tiver um canal institucional para intimidar juízes, a Justiça teria de deixar de ser cega. Ao despachar e decidir, o Juiz teria de levar em conta se quem está diante dele tem ou não poder de influência sobre o CNJ; se tem voz ou não em alguma Corporação influente.

Denunciamos, portanto, que, ao pressionar indevidamente os magistrados, os que pretendem fazê-lo, ou não têm intenções muito claras, ou não perceberam o perigo que estão criando para a Democracia e o Estado de Direito (embora afirmem fazer justamente o contrário).

Repudiamos, com firmeza, a infeliz idéia de representar-se contra magistrados que deferiram mandados de busca, no combate ao crime e cumprindo devidamente suas obrigações. No Brasil, até quando a Justiça funciona, é criticada.

Tags:

Encontrou um erro? Avise nossa equipe!