Vilão da história

Reforma tributária surge como anti-herói do contribuinte

Autor

  • Renato Vilela Faria

    é advogado mestre em Direito Tributário Econômico e Financeiro pela Universidade de São Paulo (USP) pós-graduado em Direito Tributário pelo Instituto Brasileiro de Estudos Tributários (Ibet) e professor de Direito Tributário.

15 de junho de 2005, 13h33

No esteio da alteração do regime de apuração da Contribuição ao Programa de Integração Social (PIS), no final do exercício de 2002, por meio da Lei 10.637/02, foi editada a Instrução Normativa SRF 365, em 29 de outubro de 2003 (já revogada), a qual, por sua vez, criou o Dapis (Demonstrativo de Apuração para a Contribuição para o PIS/Pasep não-cumulativo), obrigando as empresas a entregar para a Receita Federal mais esta declaração.

Desta feita, ao pretender dar seus primeiros passos em direção à afamada Reforma Tributária, por meio da referida Lei 10.637, de 30 de dezembro de 2002, o PIS passou a ser espécie de tributo não-cumulativo, isto é, não mais incidiria em cascata, nos mesmos moldes do que ocorre com o ICMS.

Como forma de operacionalizar esse sistema não-cumulativo, foi criada a possibilidade do contribuinte deduzir determinados créditos relacionados a sua própria atividade operacional, reduzindo, com isso, a carga tributária das operações subseqüentes.

Assim, dada a gama de situações geradoras de créditos a serem aproveitados (1) no regime não-cumulativo — e temendo um aumento na sonegação fiscal por parte das empresas quando da apuração desses créditos —, a Secretaria da Receita Federal (SRF) criou um demonstrativo eletrônico, disponibilizado no próprio site da Receita Federal, por meio do qual o contribuinte deveria, obrigatoriamente, disponibilizar exaustivamente, a cada três meses, todas as informações relacionadas à apuração do PIS.

Dessa maneira, além de discriminar pormenorizadamente os créditos apropriados no período, a empresa deveria, também, montar toda a sua base de cálculo, identificando os valores devidos a título de PIS.

Passado algum tempo, mais precisamente 364 dias, a sistemática do regime não-cumulativo foi estendida à Contribuição para o Financiamento da Seguridade Social (Cofins) através da Lei 10.833, de 29 de dezembro de 2003. Ou seja, antes mesmo que o Dapis produzisse seus efeitos, e em meio ao alvoroço trazido pelo 2º capítulo da já vilã Reforma Tributária (Lei 10.833/03), foi editada a IN SRF 387, de 20 de janeiro de 2004, que revogou a IN 365/03 e instituiu o Dacon — Demonstrativo de Apuração das Contribuições Sociais.

Mais uma vez, justamente em razão da sistemática de apuração do PIS e da Cofins pelo regime não-cumulativo, a Receita Federal lançou mão de ferramentas eletrônicas para o controle e fiscalização dessas contribuições sociais incidentes sobre o faturamento das empresas.

Assim, em curto período de tempo as empresas foram obrigadas a se aparelhar com vistas ao cumprimento das novas determinações legais sob pena de sofrerem pesadas autuações fiscais. Contadores, advogados e demais técnicos relacionados à área tributária precisaram se desdobrar para que rapidamente pudessem socorrer seus clientes, evitando, a qualquer custo, o descumprimento das novas obrigações impostas pela Receita Federal.

A título exemplificativo, até recentemente, essas multas variavam de R$ 100,00 (cem reais) até R$ 5 mil por informação incorreta consignada em cada demonstrativo, ou mesmo pelo simples atraso ou falta de entrega da declaração. Patente a natureza consficatória desse tipo de penalidade, uma vez que não guarda nenhuma proporção com a obrigação fiscal a que se relaciona. Convém ressaltar que a mudança em tal critério só veio com a recente (e também já revogada (2)) IN SRF 540, de 27 de abril de 2005, que determinou que a multa mínima seria de R$ 500,00 (quinhentos reais), podendo chegar até 2% (dois por cento), por mês, sobre o montante devido a título de Cofins ou, na sua falta, PIS.

Adicionalmente, essa mesma IN 540/05, revogada pela IN 543/05, numa medida inegavelmente arbitrária, permitiu que a Receita Federal estendesse ainda mais seu poder fiscalizatório sobre as empresas. Ou seja, a partir do exercício de 2005, a obrigatoriedade da entrega trimestral do Dacon foi estendida às empresas sujeitas ao regime cumulativo de apuração do PIS e da Cofins. Em outras palavras, como é sabido tais empresas estão sujeitas à tributação do IRPJ e da CSLL pelo lucro presumido e correspondem à maior fatia das empresas em atividade, englobando a esmagadora maioria das empresas prestadoras de serviços.

Com isso, notadamente nas sociedades de menor porte e menor contingente de mão-de-obra, o aumento dos custos e das despesas foi elevado substancialmente. Ademais, a necessidade de entrega das informações pleiteadas no próprio Dacon imposta às empresas que tributam o PIS e a Cofins pelo regime cumulativo (às alíquotas de 1,65% e 3%, respectivamente) merece sérias críticas.

Afinal, o Dacon visa, primordialmente, identificar aquelas operações do PIS e da Cofins albergadas sob o manto do regime não-cumulativo, nas quais há a dedução de créditos com vistas à redução da carga fiscal.

Por conseguinte, o próprio artigo 6º, da IN 543/05, a par da exigência para quais operações e/ou informações deverão ter controle rígido por parte das empresas, dirige quase a sua total atenção para as pessoas jurídicas tributadas pelo regime não-cumulativo das contribuições sociais. Dentre outras, o Fisco impõe uma série obrigações ao contribuinte, in verbis:

“Art. 6º As pessoas jurídicas referidas nos arts. 2º e 3º deverão manter controle de todas operações que influenciem a apuração do valor devido das contribuições, bem assim dos respectivos créditos a serem descontados, deduzidos, compensados ou ressarcidos, especialmente quanto:

I – às receitas sujeitas à apuração das contribuições;

II – às aquisições e aos pagamentos efetuados a pessoas jurídicas e pessoas físicas, geradores de créditos a serem aproveitados no regime não-cumulativo;

III – aos custos, despesas e encargos vinculados às receitas referidas no inciso I, no caso de sujeitarem-se ao regime não-cumulativo;

IV – às receitas, custos, despesas e encargos vinculados às receitas de exportação e de vendas a empresas comerciais exportadoras com fim específico de exportação, que estariam sujeitas à apuração das contribuições no regime não-cumulativo, caso as vendas fossem destinadas ao mercado interno; e

V – ao estoque de abertura, nas hipóteses previstas no art. 11 da Lei nº 10.637, 30 de dezembro de 2002, e no art. 12 da Lei nº 10.833, de 29 de dezembro de 2003.

Parágrafo único. O controle a que se refere este artigo deverá abranger as informações necessárias para a segregação de receitas mencionadas no § 8º do art. 3º da Lei nº 10.637, de 2002, e alterações posteriores, e no § 8º do art. 3º, no § 3º do art. 6º e no inciso III do art. 15 da Lei nº 10.833, de 2003, e alterações posteriores, observado o disposto no art. 100 da Instrução Normativa SRF nº 247, de 21 de novembro de 2002, e nos arts. 20 e 21 da Instrução Normativa SRF nº 404, de 12 de março de 2004.” (grifamos)

Nota-se, por diversas razões, conforme destacado no artigo supra transcrito, a patente desnecessidade prática da entrega do Dacon em se tratando de empresas que não apurem créditos para fins de dedução do PIS e da Cofins devidos (empresas prestadoras de serviços), tendo em vista que TODAS as informações exigidas e consignadas trimestralmente no Dacon serão, necessária e obrigatoriamente, compiladas na DIPJ (Declaração de Informações Econômico-Fiscais da Pessoa Jurídica).

Portanto, todas as informações que já foram objeto de quatro declarações no ano anterior deverão ser repetidas, todas de uma só vez, quando da entrega da DIPJ no exercício seguinte ao ano-base dos respectivos Dacons trimestrais.

Como se vê, a Reforma Tributária vislumbra-se como o anti-herói do contribuinte pátrio. A frágil idéia de que a alteração da sistemática de apuração dessas contribuições sociais para o regime não-cumulativo viria reduzir a carga fiscal das empresas foi prontamente desmistificada pela exorbitante majoração das alíquotas do PIS e da Cofins para, respectivamente, 3% e, pasmem, 7,6%. Prova disso é a contínua elevação da arrecadação por parte do Governo Federal, bem como recentes pesquisas realizadas por renomados institutos e centros de pesquisas tributárias, como o IBPT (Instituto Brasileiro de Planejamento Tributário) e o IBDT (Instituto Brasileiro de Direito Tributário).

Por fim, a instituição do regime não-cumulativo para as contribuições sociais ao PIS e à Cofins implicaram na criação de mais uma declaração eletrônica a ser entregue à Receita Federal, inclusive para aquelas empresas que não se submeteram a esse novo regime e continuaram apurando pelo regime cumulativo, cuja carga fiscal é menor.

Notas de rodapé

(1) Vide artigo 3º, da Lei nº 10.637/02, e artigo 3º, da Lei nº 10.833/03.

(2) A IN SRF nº 540, de 27 de abril de 2005, foi revogada pela IN SRF nº 543, de 20 de maio de 2005 (menos de mês!). Ambas tratam, dentre outras alterações, da extensão da obrigatoriedade da entrega do DACON às pessoas jurídicas que apuram o PIS e a COFINS pelo regime cumulativo.

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