Competência estadual

OAB é contra federalização de crime contra prerrogativas

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15 de junho de 2005, 18h27

Para a Ordem dos Advogados do Brasil, o projeto de lei do deputado federal Rubinelli (PT-SP), que prevê a federalização dos crimes contra as prerrogativas do advogado “não atende aos interesses dos advogados” e não proporciona maior eficiência na apuração dos crimes em questão.

O Conselho Nacional da OAB aprovou em plenário parecer contra o projeto do deputado. De acordo com o parecer, “a verdade é que se está depositando nos ombros da Justiça Federal uma esperança de que seja mais eficiente, isenta e rigorosa que, no entanto, não encontra amparo na realidade. É enganosa tal opção! Seja porque tal ramo do Judiciário é reconhecidamente lento, seja porque nada indica que não esteja acometido dos mesmos males que a justiça estadual”.

Segundo a OAB, a proposta de se definir a competência da Justiça Federal para a apuração dos crimes praticados em detrimento das prerrogativas profissionais dos advogados, “além de não traduzir nenhuma vantagem, esquece que não raro os maiores abusos são praticados no âmbito dessa mesma Justiça”.

Leia a íntegra do parecer do Conselho Federal da OAB

Sobre o projeto do deputado federal Rubinelli (PT-SP) de Federalização dos Crimes contra as Prerrogativas dos Advogados

Em razão do noticiário dando conta de que se estuda a “federalização” dos crimes praticados em detrimento das prerrogativas profissionais asseguradas aos advogados, o eminente Presidente do E. Conselho Federal da OAB houve por bem designar uma Comissão para avaliar a correção da proposta.

De saída é preciso desfazer um equívoco que a expressão federalização enreda. É que no Brasil todos os crimes são federais, isto é, representam uma atividade legislativa privativa da União nos termos do que dispõe o art. 22, inc. I, da Constituição Federal. Portanto, como é sabido, não há entre nós crimes estaduais. O que existe são crimes da competência da Justiça estadual ou federal, entre outras.

Dessa forma, quando na mídia se alude à federalização de determinado crime o que, em verdade, se está dizendo é que o ilícito é, ou passa a ser, da competência da Justiça Federal.

Estabelecida conceitualmente a abrangência da expressão federalização como atribuição de competência à Justiça Federal, resta saber se isto traduz uma vantagem em termos de isenção, celeridade e/ou severidade na apuração dos crimes que lhes são afetos e, por isso, estaria justificada a proposta de se “federalizar” os crimes contra as prerrogativas dos advogados.

A resposta, desde logo, há de ser negativa. E isso pese embora tenha o legislador, na recente reforma constitucional introduzida pela Emenda nº 45, instituído a possibilidade de “nas hipóteses de grave violação de direitos humanos, o Procurador-Geral da República, com a finalidade de assegurar o cumprimento de obrigações decorrentes de tratados internacionais de direitos humanos dos quais o Brasil seja parte, suscitar perante o Superior Tribunal de Justiça, …, incidente de deslocamento de competência para a Justiça Federal”.

De fato, uma primeira leitura do dispositivo constitucional passa a impressão de que a Justiça Federal estaria, pela magnitude do bem atingido — os direitos humanos —, mais bem aparelhada para desenvolver a atividade persecutória ou, por outra, trataria de assuntos mais relevantes. Sem querer entrar nessa espinhosa discussão, a essa altura inócua porque o legislador já concretizou sua opção, é imperioso ressaltar que, afora a captis diminutio que isso representa para a jurisdição estadual, nada está a indicar que as coisas se passam melhor na Justiça Federal do que nas Estaduais. Embora debruçado sobre antigo projeto do Executivo, como bem disse o preclaro Professor Inocêncio Mártires Coelho, com a autoridade de eminente constitucionalista e ex-Procurador-Geral da República, tornou-se público que, aos olhos da União, “tanto a polícia quanto a justiça estaduais, manipuladas por interesses locais, perderam as condições mínimas para reprimir lesões contra os direitos humanos e, por isso, deveriam ter confiscada essa relevante atribuição constitucional”(1).

A verdade é que se está depositando nos ombros da Justiça Federal uma esperança de que seja mais eficiente, isenta e rigorosa que, no entanto, não encontra amparo na realidade. É enganosa tal opção! Seja porque tal ramo do Judiciário é reconhecidamente lento, seja porque nada indica que não esteja acometido dos mesmos males que a justiça estadual. Os recentes fatos envolvendo Juízes Federais e até os autodenominados Desembargadores Federais denunciam isto.

Como realçou Inocêncio Mártires Coelho, quem imagina que a Justiça Federal ostente maior isenção para apurar os crimes em geral e, em particular, os que atingem os direitos humanos, está incidindo no equívoco de supor “a existência de um homem incondicionado, materializado na figura do juiz federal — um indivíduo impermeável e refratário às influências do meio; um personagem alheio ao que na vida é porosidade e comunicação; enfim, um magistrado acima de qualquer suspeita, a quem se deve atribuir, precisamente em razão de todos esses atributos celestes, a espinhosa missão de julgar os crimes contra os direitos humanos” (2).

O fato incontendível é que a proposta de se definir a competência da Justiça Federal para a apuração dos crimes praticados em detrimento das prerrogativas profissionais dos advogados, além de não traduzir nenhuma vantagem, esquece que não raro os maiores abusos são praticados no âmbito dessa mesma Justiça. Pesa dize-lo, mas é lá — e não na Justiça Estadual — que juízes de primeiro grau não recebem advogados. São juízes federais — e não os estaduais — que sistematicamente têm negado vista dos autos de inquérito policial aos advogados e criado outras tantas dificuldades.

Portanto, insista-se, o projeto do nobre Deputado Federal Rubinelli (PT-SP) não atende aos interesses dos advogados e nem da realização da própria justiça, pois nada está a indicar qualquer tipo de maior eficiência na apuração dos crimes ora em exame.

Por fim, não se diga que os crimes contra as prerrogativas profissionais possam encartar-se entre os que se qualificam como contra os direitos humanos. Embora a dignidade humana, que abarca a profissional, esteja envolvida, não se pode emprestar um conceito tão elástico ao que se quer proteger sob a rubrica de direitos humanos, pois tudo, em última análise, pode se reduzir a uma problemática dessa natureza.

Em resumo, não se pode acreditar que as infrações acometidas à Justiça Estadual sejam menos importantes e, por isso, pretender-se o julgamento pela Federal. O melhor mesmo, parafraseando Inocêncio Mártires Coelho, é ser julgado “por magistrados de carne e osso; por indivíduos situados e datados como todos os mortais; por juizes que sendo simplesmente pessoas estão sujeitos às vicissitudes inerentes à triste condição humana”. Esses, talvez, possam compreender melhor as vicissitudes porque passam os advogados.

Para encerrar, como escreveu Alberto Zacharias Toron em artigo sobre o tema, “A proposta de federalização faz lembrar a história do sujeito que ao flagrar a mulher em plena prática de adultério, resolveu a problema vendendo o sofá da sala… É um engodo!”(3).

Brasília, 12, de junho de 2005.

Alberto Zacharias Toron, relator

Conselheiro Federal

Ademar Rigueira Neto

Conselheiro Federal

Cezar Roberto Bittencourt

Conselheiro Federal

Notas de rodapé

(1) Revista da Fundação Escola Superior do Ministério Público do Distrito Federal e Territórios nº 11, janeiro/junho 1998, Brasília/DF, págs. 83/100.

(2) Idem.

(3) “O engodo da federalização”, publicado na Folha de S. Paulo de 1º/9/99, p. A3.

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