Exagero na dose

MPF quer suspender distribuição de cartilha sobre álcool

Autor

15 de junho de 2005, 20h15

O Ministério Público Federal quer proibir que o governo distribua, reproduza ou produza nova cartilha com o teor da publicação Drogas: Cartilha álcool e jovens. Para o MPF, o texto editado pela Senad — Secretaria Nacional Antidrogas, órgão ligado à presidência da República, fere o Estatuto da Criança e do Adolescente e os princípios constitucionais de proteção aos jovens. As informações são da Procuradoria da República em São Paulo.

Segundo o procurador Luiz Fernando Gaspar Costa, “a cartilha, por seu conteúdo ora obscuro, ora omisso, ora confuso constitui opção desconforme à política pública de proteção á saúde da criança e do adolescente adotada pelo Brasil”, em especial o artigo 227 da Constituição Federal. O pedido foi distribuído à 15ª Vara Federal Cível.

A questão é discutida desde março deste ano, quando o Ministério Público enviou recomendação à Senad para que fosse interrompida a distribuição da cartilha e para que ela fosse reformulada. Em maio, o órgão encaminhou nova recomendação em que pediu, também, o ressarcimento ao erário dos valores gastos com o material sob alegação de ilegalidade na contratação da Fundação de Estudos e Pesquisas de Santa Caterina e na sub-contratação de Beatriz Carlini Marlatt.

Na nova ação, o Ministério Público alega que o secretário nacional Anti-drogas, Paulo Roberto Yog de Miranda Uchoa, desacatou a recomendação. Ele argumentou, afirma o MPF, que não considerava irregular a contratação da cartilha e defendeu o seu teor.

De acordo com Gaspar Costa, o conteúdo da cartilha é dúbio. Em vez de desestimular o consumo de álcool, diz, as informações nela publicadas podem induzir ao consumo irresponsável, o que é ilegal para menores de 18 anos. Diz o texto, entre outras afirmativas, que “o segredo para que o uso do álcool não tire energia é beber pouco e devagar, aumentando a fase estimulante da bebida e evitando passar para a fase depressora”.

A cartilha sugere, ainda, que “muitas das alterações vivenciadas sob o efeito do álcool são resultado mais de nossas mentes do que das propriedades farmacológicas das bebidas”. Ao informar dos sintomas do alcoolismo, ela postula que a doença é “um quadro de saúde que os médicos chamam de Síndrome de Dependência do Álcool e que atinge uma pequena proporção daqueles que bebem”.

Além do fim da distribuição da cartilha, o MPF pede à Justiça que seja estabelecida multa diária de R$ 10 mil em caso de descumprimento de uma eventual liminar e que a Senad tome imediatamente as medidas cabíveis para reaver a posse de exemplares que já tenham sido distribuídos. Na ação, o procurador quer, ainda, que os exemplares já impressos sejam depositados judicialmente pelo Senad. Em caso de descumprimento da recomendação, Gaspar Costa sugere que seja dada ordem de busca e apreensão das cartilhas.

No mérito, o MPF pede que a União seja obrigada a indenizar por danos morais coletivos a sociedade. O valor deve ser estipulado de acordo com a quantidade de cartilhas que a Senad já tiver distribuído ao público até a data de entrada da ação.

Leia a íntegra da ação

EXMO. DR. JUIZ FEDERAL DA ª VARA FEDERAL DA SEÇÃO JUDICIÁRIA DE SÃO PAULO

O MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL, pelo Procurador da República ao final assinado, no exercício de suas atribuições constitucionais e legais, com fulcro nos artigos 5º, §2º; 127; 129, II e III; 193; 196; 197, 227, caput e §3º, inciso VII; todos da Constituição Federal, nos artigos 3º, alíneas 1, 2 e 3; 17; 24, alíneas 1, 2 (e e f), 3 e 33, da Convenção sobre os Direitos da Criança; artigos 1º; 2º; 3º, “a”; 5º, I; 5º, III, “e”; 5º, V, “a”; 6º, VII, “c” e XIV, “c” e 7º, I, da Lei Complementar 75/93 – Estatuto do Ministério Público da União; artigos 1º a 5º da Lei 7.347/85 – Lei da Ação Civil Pública; artigos 81 a 83, da Lei 8.078/90 – Código de Defesa do Consumidor; e nos artigos 3º; 4º, caput e p. único, “c”; 7º; 16, VII; 70; 81, II; 201, V e VI da Lei 8.069/90 – Estatuto da Criança e do Adolescente, vem propor a presente

AÇÃO CIVIL PÚBLICA

em desfavor da UNIÃO FEDERAL, nesta Capital, a ser CITADA na pessoa do Procurador Regional da União, na Avenida Paulista, 1842 – 20º andar, Ed. Cetenco Plaza – Torre Norte; Cerqueira César, São Paulo-SP.

1) Breve resumo dos fatos

Em 14 de março de 2005 o Ministério Público Federal instaurou procedimento administrativo com o fim de apurar a existência de lesão a direitos humanos fundamentais da criança e do adolescente relativos à saúde, tendo em vista a edição, pela Secretaria Nacional Antidrogas – SENAD, de documento oficial denominado “Drogas: Cartilha álcool e jovens”, elaborado por aquele órgão com o propósito de expor “o que um jovem precisa saber para evitar problemas” relativos ao consumo de álcool (1).


Tendo em vista que a cartilha, por seu conteúdo ora obscuro, ora omisso, ora confuso constitui opção desconforme à política pública de proteção à saúde da criança e do adolescente adotada pelo Brasil, o Ministério Público Federal editou a Recomendação nº 12, de 16 de março de 2005 (2), por meio da qual foi recomendado à Secretaria Nacional Antidrogas – SENAD a interrupção imediata da impressão e distribuição da referida cartilha, bem como para que procedesse a ampla reformulação da referida cartilha em processo em que houvesse a participação de órgãos públicos federais e entidades da sociedade civil atuantes na área de defesa da criança e do adolescente.

Em 28 de março de 2005 compareceu espontaneamente à Procuradoria da República em São Paulo o Senhor Secretário Nacional Anti-Drogas, Paulo Roberto Yog de Miranda Uchoa, a fim de entregar pessoalmente a resposta à Recomendação formulada e prestar esclarecimentos a respeito do processo de elaboração da cartilha. Na reunião realizada naquela oportunidade foi discutida a possibilidade de a SENAD criar alguma via de encarte, carimbo ou outro meio técnico a fim de pontuar as observações feitas na Recomendação 12/05 (3).

Em 31 de março de 2005 a Sra. Paulina do Carmo Arruda Vieira Duarte, Diretora de Prevenção e Tratamento da SENAD, encaminhou mensagem eletrônica em que anexava a proposta de carimbo a ser aposto na contracapa da Cartilha, contendo dados relativos ao Estatuto da Criança e do Adolescente e estatísticas relativas ao alcoolismo entre crianças e adolescentes.

Feita a pesquisa de novas informações e a análise de documentação encaminhada pela SENAD, em 12 de maio de 2005 o Ministério Público Federal expediu nova Recomendação (5) a fim de que o Secretário Nacional Anti-Drogas determinasse a cessação definitiva da distribuição da cartilha em questão, bem como tomasse as medidas necessárias destinadas a promover o ressarcimento ao erário federal, em decorrência da contratação ilegal da Fundação de Estudos e Pesquisas Econômicas – FEPESE e da sub-contratação da Sra. Beatriz Carlini Marlatt para a elaboração da referida cartilha – e de outras sete cartilhas de orientação ao público.

Em 02 de junho de 2005 o Secretário Nacional Anti-Drogas encaminhou arrazoado ao Ministério Público Federal, por meio do qual expressou os motivos pelos quais não haveria, no seu entender, irregularidade na contratação que resultou na edição da cartilha, bem como tornou a defender o seu teor, encaminhando em anexo parecer da Advocacia-Geral da União. Não acatou, portanto, o recomendado pelo Ministério Público Federal.

2) Observações preliminares

2.1) Da competência da Justiça Federal

A Constituição Federal, em seu artigo 109, inciso I, é clara ao dispor que aos juízes federais compete julgar as causas em que a União, entidade autárquica ou empresa pública federal forem interessadas na condição de autoras, rés, assistentes ou oponentes, exceto as de falência, as de acidentes de trabalho e as sujeitas à Justiça Eleitoral e à Justiça do Trabalho.

Incontestável, portanto, a competência deste Juízo Federal para processar e julgar a presente demanda.

2.2) Da Legitimidade ativa do Ministério Público Federal

A Constituição Federal de 1988, ao definir o Ministério Público como Instituição permanente, essencial à função jurisdicional do Estado, incumbiu-lhe da defesa da ordem jurídica, do regime democrático e dos interesses sociais e individuais indisponíveis (artigo 127), e estabeleceu, em seu artigo 129, suas funções institucionais, destacando-se:

“Art. 129(…)

II – zelar pelo efetivo respeito dos poderes públicos e dos serviços de relevância pública aos direitos assegurados nesta Constituição, promovendo as medidas necessárias a sua garantia;

III – promover o inquérito civil e a ação civil pública, para a proteção do patrimônio público e social, do meio ambiente e de outros interesses difusos e coletivos;(…)”(g.n.).

No que diz de perto com o objeto desta ação, a atuação do Ministério Público ao impugnar judicialmente cartilha pública que reputa inadequada a preceitos constitucionais e legais de defesa da saúde da criança e adolescente é iniciativa amparada no mandamento constitucional que dispõe que a saúde é dever do Estado, que deve ser garantido mediantes políticas sociais e econômicas que visem à redução do risco de doença e de outros agravos, sendo de relevância pública as ações e serviços de saúde (artigos 196 e 197); no princípio constitucional segundo o qual é dever da família, da sociedade e do Estado assegurar à criança e ao adolescente, com absoluta prioridade, o direito à saúde (artigo 227, caput), bem como no princípio que prevê que a criança e o adolescente devem gozar de proteção especial do Estado, especialmente exercida por meio de programas públicos de prevenção, entre os quais está o relativo ao uso de entorpecentes e drogas afins (artigo 227, §3º, VII). Fundamenta-se, ainda, a presente demanda na Convenção sobre os Direitos da Criança (7) e no Estatuto da Criança e do Adolescente (8), em dispositivos adiante abordados.


2.3) Da Legitimidade Passiva da União

Da mesma forma não há dúvida quanto à legitimidade da União para figurar no pólo passivo desta ação civil pública.

Com efeito, extrai-se da Constituição Federal que a União detém competência material comum com Estados, Distrito Federal e Municípios para cuidar da saúde pública (artigo 23, II) e legislativa concorrente com os Estados e o Distrito Federal para legislar sobre proteção e defesa da saúde (artigo 24, inciso XII).

Fundado no exercício dessa competência o Presidente da República editou a Medida Provisória nº 2245-45, de 04 de setembro de 2001, que deu nova redação ao artigo 3º da Lei Federal 6.368, de 21 de outubro de 1976, instituindo o Sistema Nacional Antidrogas, constituído pelo conjunto de órgãos que exercem as atividades relacionadas com a prevenção do uso indevido, o tratamento, a recuperação e a reinserção social de dependentes de substâncias entorpecentes e drogas que causem dependência física ou psíquica e com a prevenção e a repressão do tráfico ilícito e da produção não autorizada de substâncias entorpecentes e drogas que causem dependência física ou psíquica.

No exercício de atribuição regulamentar do dispositivo, o Poder Executivo editou o Decreto nº 3.696, de 21 de dezembro de 2000 que, ao organizar o Sistema Nacional Antidrogas, atribuiu à Secretaria Nacional Antidrogas a qualidade de órgão executivo das atividades relacionadas à prevenção do uso indevido de substâncias entorpecentes . Trata-se de órgão federal que se encontra dentro da estrutura do Gabinete de Segurança Institucional da Presidência da República(10).

Indubitável, portanto, a legitimidade da União Federal para figurar no pólo passivo desta demanda, uma vez que o órgão executivo do Sistema Nacional Antidrogas editou cartilha destinada a orientar crianças e adolescentes sobre o consumo de álcool cujo teor é inadequado a preceitos de proteção à criança e ao adolescente internacionalmente reconhecidos, passa ao largo da principiologia estabelecida na Constituição Federal e caminha em sentido expressamente contrário ao disposto no Estatuto da Criança e do Adolescente.

Observa-se ainda que, conforme informado pelos representantes da Secretaria Nacional Antidrogas, a primeira tiragem da cartilha foi de 12.000 exemplares e que aquele órgão pretende fazer a distribuição do material em todo o território nacional por meio de serviço 0800 e dos Conselhos Estaduais e Municipais.

Tendo em vista o quanto apurado, o Ministério Público Federal propõe a presente Ação Civil Pública em face da União Federal para que esta seja compelida a cessar sua conduta violadora do princípio da proteção da criança e do adolescente, interrompendo imediatamente a distribuição dos exemplares já impressos do documento “Drogas: Cartilha álcool e jovens” e impondo a obrigação de não reproduzi-la.

3) Dos fundamentos de direito

3.1) Do conteúdo de “Drogas: Cartilha álcool e jovens”

Incumbe, num primeiro momento, fazer breve leitura do teor integral da cartilha impugnada por meio desta ação civil pública.

A cartilha inicia afirmando pretender “discutir o uso de bebidas alcoólicas para informar os jovens, ajudando a desfazer mitos, oferecendo dicas e fazendo algumas sugestões sobre maneiras de como diminuir os riscos associados ao consumo de álcool”. Afirma, ainda, que a bebida traz momentos de alegria mas que seu consumo abusivo pode trazer problemas como acidentes de carro, atropelamentos, quedas, violência e problemas de saúde (12).

Na página 7 traz estatísticas que relacionam homicídios, mortes decorrentes de acidente de trânsito e afogamento e consumo excessivo de álcool.

Na página 9 apresenta dados relativos ao consumo de álcool entre crianças, adolescentes e adultos. A apresentação da informação feita neste tópico é artificiosa e contrária ao próprio Plano Nacional Antidrogas, como adiante se destacará.

Na página 10 dá explicação sucinta para as fases estimulante e depressora por que passa a pessoa que consome bebida alcoólica para ao final afirmar que

“O segredo para que o uso de álcool não tire energia é beber pouco e devagar, aumentando a fase estimulante da bebida e evitando passar para a fase depressora”,

e ainda, na página 11

“Neste caso, portanto, agir com moderação é não só menos arriscado mas também mais divertido”

Na página 11 traz informações relativas ao teor alcoólico de algumas bebidas.

Na página 13 trata de “Miopia alcoólica” (sic) para colocar sob tal denominação

“os efeitos do álcool no raciocínio ou no processo de aprendizagem de quem bebe”, como a violência e a prática de sexo sem proteção.

Nas páginas 15 a 17 a cartilha expõe sinteticamente estudos realizados com público universitário nos Estados Unidos para ao final sugerir que:


“Estudos conduzidos com jovens, na Universidade de Rutgers e na Universidade de Washington, ambas nos Estados Unidos, sugerem que muitas das alterações vivenciadas sob o efeito do álcool são resultado mais de nossas mentes do que das propriedades farmacológicas das bebidas”;

Na página 17 constam informações sobre a influência do marketing no aumento do consumo de bebidas alcoólicas.

Na página 19 dá dicas do “chuveiro gelado” e do “café amargo” para “curar” a embriaguez.

Nas páginas 20 e 21 traz exemplos de equivalência de quantidade de álcool em diferentes quantidades de bebidas.

Nas páginas 22 e 23 traz informações relativas à maior suscetibilidade de intoxicação no consumo de álcool pelas mulheres e valores calóricos de doses de bebidas alcoólicas.

Nas páginas 24 e 25, depois de afirmar que não há modo de transformar o uso de bebida alcoólica em um comportamento sem risco e dizer que o mais saudável seria reduzir o consumo a poucas e controladas situações ou mesmo não tomar bebidas alcoólicas, explica:

“Mas caso sua decisão seja beber, mesmo que só por um período da sua vida, aqui vão algumas dicas de como diminuir os riscos e possibilidades de que você prejudique a si próprio e aos outros:

Beba devagar, saboreando a bebida, sem pressa.

Beba pouco, moderadamente.

Alterne bebidas alcoólicas com bebidas não alcoólicas como sucos ou água.

Coma uma refeição antes e durante os momentos em que você está bebendo para diminuir a velocidade de absorção do álcool.

Antes de ir para uma festa ou barzinho, decida de antemão o quanto vai querer beber, escolhendo uma dose moderada para você. Embora possa parecer tolice alguns estudos têm mostrado que esse planejamento vale à pena. Pode poupá-lo de passar o resto do fim de semana com ressaca ou evitar que você se envolva numa situação que não queria e da qual não conseguiu se livrar porque bebeu demais e não sabia bem o que estava fazendo (sic)”.

Na página 27 informa quais são os sintomas do alcoolismo, dizendo que

“Um quadro de saúde que os médicos chamam de Síndrome de Dependência do Álcool e que atinge uma pequena proporção daqueles que bebem”

Na página 29 define alcoolemia como teor de álcool no sangue expõe que o Código de Trânsito Brasileiro não permite que as pessoas possam dirigir veículos automotores com a presença de 0,6 gramas ou mais de álcool etílico por litro de sangue. Afirma ainda que a maneira mais precisa de conhecer-se a alcoolemia é por meio de exames laboratoriais ou bafômetros (sic).

Nas palavras finais da página 29:

“Esperamos que, de posse dessas informações, seja possível entender melhor as conseqüências de suas decisões e, sobretudo, assumir a responsabilidade plena pelas ações relacionadas ao consumo de álcool”

3.2) Direito da Criança e do Adolescente – princípios e regras aplicáveis à hipótese

3.2.1) Da proteção integral à criança e ao adolescente. Princípio consagrado na Constituição Federal, em documentos internacionais e em tratados ratificados pelo Brasil

a) No que diz respeito ao princípio da proteção integral da criança e do adolescente encontramo-lo consagrada já no texto da Constituição Federal, que, no capítulo VII do Título VIII – Da Ordem Social – estabelece verdadeiro microssistema ao tratar da Família, Criança, Adolescente e Idoso.

Expressivo desse sentido é o artigo 227 da Carta Magna, que dispõe ser dever da família, da sociedade e do Estado assegurar à criança e ao adolescente, com absoluta prioridade, o direito à vida, à saúde, à alimentação, à educação, ao lazer, à profissionalização, à cultura, à dignidade, ao respeito, à liberdade e à convivência familiar e comunitária, além de colocá-los a salvo de toda forma de negligência, discriminação, exploração, violência, crueldade e opressão.

Em razão mesmo da peculiar condição de pessoa humana em desenvolvimento, a Constituição Federal atribuiu à criança e ao adolescente a titularidade de direitos diferenciados. Salvaguarda-os, portanto, porque sua especial condição de fragilidade em face dos seres humanos adultos assim o exige. Nas palavras de Paulo Afonso Garrido de Paula (13)

“Assim, proteção integral constitui-se em expressão designativa de um sistema onde crianças e adolescentes figuram como titulares de interesses subordinantes frente à família, à sociedade e ao Estado

(…)

Partiu-se, na construção da idéia de proteção integral, de obviedade manifesta: crianças e adolescentes reclamam proteção jurídica frente à família, à sociedade e ao Estado, entidades que não raras vezes, a pretexto de protegê-los, negam seus interesses, entre os quais os mais básicos. Integral, portanto, no sentido da totalidade de suas relações interpessoais, sem qualquer tipo de exclusão.”


Desenvolvendo as linhas-mestras da orientação da proteção integral a Constituição prossegue estabelecendo que ao Estado incumbe promover programas de assistência integral à saúde da criança e do adolescente,seguindo os preceitos de aplicação de percentual dos recursos públicos destinados à saúde na assistência materno-infantil e da criação de programas de prevenção, atendimento especializado e integração social do adolescente portador de deficiência (CF, artigo 227, §1º).

Em seguida, estabelece desde logo, desdobramentos do princípio da proteção integral nos âmbitos trabalhista, previdenciário, processual e tutelar. É o que se constata nas disposições relativas à idade mínima para admissão ao trabalho (CF, artigo 227, §3º, I), vedado o exercício de trabalho noturno, perigoso ou insalubre a menores de dezoito e de qualquer trabalho a menores de dezesseis anos, salvo na condição de aprendiz, a partir de quatorze anos (CF, artigo 7, XXXIII); no assegurar direitos previdenciários e trabalhistas e no garantir o acesso do trabalhador adolescente à escola (CF, artigo 227, §3º, II e III); na garantia de pleno e formal conhecimento da atribuição de ato infracional, igualdade na relação processual e defesa técnica por profissional habilitado, segundo dispuser a legislação tutelar específica (CF, artigo 227, §3º, IV); na obediência aos princípios de brevidade, excepcionalidade e respeito à condição peculiar de pessoa em desenvolvimento, quando da aplicação de qualquer medida privativa da liberdade (CF, artigo 227, §3º, V); no estímulo do Poder Público, através de assistência jurídica, incentivos fiscais e subsídios, nos termos da lei, ao acolhimento, sob a forma de guarda, de criança ou adolescente órfão ou abandonado (CF, artigo 227, §3º, VI).

No que diz com o objeto da presente ação, é sem dúvida necessário chamar a atenção para a imposição constitucional de estabelecimento de programas de prevenção e atendimento especializado à criança e ao adolescente dependente de entorpecentes e drogas afins (CF, artigo 227, §3º, VII).

Não bastasse apenas o bom-senso para constatar que não se pode dispensar tratamento igual a seres humanos em graus diferentes de desenvolvimento físico e mental (crianças e adolescentes de um lado e adultos do outro), a própria Constituição Federal, de antemão, fez discriminação afirmativa no intuito de proteger as crianças e adolescentes.

Sem o propósito de aprofundamento em discussões de cunho filosófico-jurídico, incumbe aqui simplesmente pontuar que a estruturação dada pela Constituição pressupõe a concepção jurídica da igualdade material. A toda evidência, está-se a falar de um entendimento que encontra fundamento remoto na incansavelmente repetida máxima aristotélica segundo a qual a igualdade se efetiva com o tratamento igual aos iguais e desigual aos desiguais, na medida de sua desigualdade.

Partindo do paradigma segundo o qual é possível estabelecer diferença de tratamento jurídico para aquelas situações em que há diferenças materiais, a questão que se põe a seguir é indagar de que maneira tal tratamento diferenciado estará lógica e juridicamente justificado.

Das lições que Celso Antônio Bandeira de Mello dá a respeito das diferenciações que não podem ser feitas sem quebra da isonomia extrai-se que são três os pontos a serem analisados:o primeiro diz com a identificação do fator adotado como critério discriminatório; o segundo implica argüir se há fundamento racional (correlação lógica) entre o fator escolhido como critério de discrímen e a disparidade de tratamento estabelecida e, por fim, investigar se a correlação existente em abstrato é ou não conforme aos valores prestigiados na Constituição (14). Sob o aspecto jurídico, portanto, o tratamento diferenciado estará justificado desde que haja, simultaneamente, fundamento lógico e conformidade ao sistema normativo constitucional.

Em sentido conforme vêm as palavras de José Afonso da Silva, para quem é o legislador que originalmente definirá que aspectos serão levados em conta nas diferenciações legais, i.e., é o legislador que julgará como “essenciais” ou “relevantes” determinados fatores (15).

No que diz precisamente com a causa de pedir da presente ação, incumbe destacar que a própria Constituição Federal escolheu, – originariamente – como essencial ou relevante, o fator idade, para o fim de dar proteção especial à criança e ao adolescente em face dos adultos.

Daí decorrer a necessária conclusão de que a atividade estatal em sentido amplo – o que abrange necessariamente a desenvolvida pela Administração – deve se pautar por uma interpretação conforme a esse parâmetro constitucional. É dizer: não poderá o administrador, para além dos preceitos constitucionais e da lei, tratar crianças e adolescentes como se adultos fossem(16).


b) No mesmo passo vêm a disciplina dos tratados internacionais ratificados pelo Brasil e o conteúdo de outros documentos internacionais. A subscrição de tais pactos por diversos países, dentre eles o Brasil, implica um compromisso internacional com a efetivação dos direitos, e não apenas seu reconhecimento formal.

A Declaração sobre os Direitos da Criança, adotada pela Assembléia Geral em 20 de novembro de 1959, após invocar, em seu preâmbulo, o compromisso internacional com a necessidade de prover proteção e cuidados especiais, em razão da peculiar situação de pessoa em desenvolvimento, prevê, dentre seus princípios, a necessidade de proteção especial e a facilitação de condições para seu desenvolvimento físico, mental, moral espiritual e social (17); o direito a criar-se com saúde (18) e o direito à obter orientação para promoção de sua cultura geral e capacitação(19).

Também o Pacto Internacional de Direitos Civis e Políticos – tratado internacional assinado em 16 de dezembro de 1966 e ratificado pelo Brasil em 24 de janeiro de 1992(20) – dispõe de maneira similar. Referido tratado pressupõe que a criança e o adolescente são seres humanos em desenvolvimento e que em razão disso, demandam medidas especiais de proteção; é a inteligência do artigo 24 do Tratado (21).

Da mesma forma o Pacto Internacional de Direitos Econômicos, Sociais e Culturais – tratado internacional assinado em 16 de dezembro de 1966 e ratificado pelo Brasil em 24 de janeiro de 1992 – estabelece em seu artigo 10, 3, a necessidade de os Estados partes tomarem medidas especiais de proteção e assistência em prol de todas as crianças e adolescentes(22).

Mais recente, a Convenção sobre os Direitos da Criança, – adotada pela Resolução n.º L. 44 (XLIV) da Assembléia Geral das Nações Unidas, em 20 de novembro de 1989 e ratificada pelo Brasil em 20 de setembro e 1990 – também pressupondo que a criança e adolescente(23), por sua peculiar condição, demandam proteção e cuidados especiais, estabeleceu uma série de obrigações para os Estados partes. Impõe que, em todas as medidas relativas às crianças, tomadas por instituições de bem estar social públicas ou privadas, tribunais, autoridades administrativas ou órgãos legislativos, os interesses superiores da criança é que terão consideração primordial(24). O artigo 24, nesse aspecto, é contundente na necessidade de que à criança e ao adolescente seja assegurado o melhor padrão de saúde possível(25).

Dentre as obrigações a que se comprometeram os Estados- partes merece destaque especial a prevista no artigo 24,3, da Convenção sobre os Direitos da Criança, que prevê que

“Os Estados-partes adotarão todas as medidas eficazes e adequadas para abolir práticas tradicionais que sejam prejudiciais à saúde da criança”.

A vigência de tal dispositivo é fundamental para a análise da presente demanda. Isso porque a cartilha da SENAD usa uma linguagem que, para além de pressupor o fato de que crianças e adolescentes cada vez mais cedo e em maior número experimentarão e algumas delas terão problemas em decorrência do consumo de bebida alcoólica – o que é fato – caminha por uma diretriz que simplesmente toma isso como fato consumado, assumindo que o melhor a fazer é ensiná-los a beber.

A tolerância social ao consumo precoce de álcool pode sim ser qualificada como prática tradicional prejudicial à saúde da criança. Ela começa dentro de casa, com o consumo “supervisionado” pelos pais e responsáveis e passa da porta para fora, na lassidão do controle público de venda de bebidas alcoólicas para crianças e adolescentes, na estratégia ostensiva e abusiva de marketing que estimula o consumo e no estímulo social ao consumo de álcool.

Não se pretende defender aqui argumento ultra-conservador ou “terrorista” de pregação cega da abstinência – não se pode ignorar a realidade. A questão que se põe é como o Poder Público se posicionou em face do problema posto. Ora, ao oferecer informações que minimizam o problema do alcoolismo, ao oferecer dicas para beber, sugerindo que a criança escolha “uma dose moderada” para que seu consumo de álcool seja mais “divertido”, certamente o Estado não só se afasta não do bom-senso mas também torna-se um agente reprodutor de práticas que, apesar de socialmente aceitas, são prejudiciais à saúde da criança e do adolescente.

O mesmo destaque merecem os artigos 17 e 33 da Convenção. O primeiro por assegurar às crianças acesso à informações que promovam seu bem-estar social, espiritual e moral e saúde física e mental (26), coisa que certamente não ocorre quando a linguagem é truncada, confusa e omissa. O segundo por expressar uma opção clara dos Estados partes em proteger as crianças do uso ilícito de drogas(27).

3.2.2) Estatuto da Criança e do Adolescente – princípios regentes e dispositivos relativos ao consumo do álcool por crianças e adolescentes


Não bastasse a normatização constitucional e internacional da proteção da criança e adolescente, o ordenamento jurídico brasileiro ainda conta com o Estatuto da Criança e do Adolescente –Lei Federal n° 8.069, de 13 de julho de 1990.

Fácil perceber que o ECA está contextualizado num plano público internacional de proteção à criança e adolescente. É um dos instrumentos legais que viabilizam que essa proteção especial seja proporcionada, conforme prevê seu artigo 3°(28).

O dever de zelar por sua saúde incumbe à família, à sociedade e ao poder público(29), sendo que o enunciado geral do direito à saúde assegurado por políticas públicas vem disposto no artigo 7° do ECA:

“Art. 7º A criança e o adolescente têm direito a proteção à vida e à saúde, mediante a efetivação de políticas sociais públicas que permitam o nascimento e o desenvolvimento sadio e harmonioso, em condições dignas de existência”.

Impõe-se destaque, da mesma forma, aos direitos de busca por orientação (30) e à obtenção de informação que respeite a sua peculiar condição de pessoa em desenvolvimento(31).

No que diz com o fornecimento de bebidas alcoólicas a menores de 18 anos é imprescindível, ainda, ressaltar a redação dos artigos 81, II e 243 do ECA:

“Art. 81. É proibida a venda à criança ou ao adolescente de:

(…)

II – bebidas alcoólicas”

“Art. 243. Vender, fornecer ainda que gratuitamente, ministrar ou entregar, de qualquer forma, a criança ou adolescente, sem justa causa, produtos cujos componentes possam causar dependência física ou psíquica, ainda que por utilização indevida:

Pena – detenção de 2 (dois) a 4 (quatro) anos, e multa, se o fato não constitui crime mais grave. (Redação dada pela Lei nº 10.764, de 12.11.2003)”

3.2.3) Da Política Nacional Antidrogas – PNAD

No Brasil, as linhas-mestras da política nacional antidrogas vêm estabelecidas no Decreto nº 4.345 de 26.08.2002 (32). O referido plano nacional, depois de apresentar os pressupostos e objetivos da política pública, estrutura-se em quatro pontos básicos: prevenção; redução dos danos sociais e à saúde; tratamento, recuperação, e reinserção social e repressão.

No que diz com o objeto da presente ação, merece destaque o item 3.1 dos objetivos do PNAD, que aponta para a necessidade de conscientizar a sociedade brasileira da ameaça representada pelo uso indevido de drogas e suas conseqüências.

No campo da prevenção – diretriz que a SENAD afirma ser a reitora do conteúdo da cartilha (33) – consta orientação geral para que as ações preventivas devam ser direcionadas para a valorização do ser humano e da vida; o incentivo à educação para a vida saudável e o desenvolvimento pleno abstraído do consumo de drogas; a disseminação das informações; e o fomento da participação da sociedade na multiplicação dessas ações preventivas. Destaque-se que

“4.1.5. As mensagens utilizadas em campanhas e programas educacionais e preventivos devem ser claras, fundamentadas cientificamente, confiáveis, positivas, atuais e válidas em termos culturais” (g.n.).

Merece igual destaque a diretriz apontada no item 4.2.1, segundo a qual incumbe ao Estado

“Dirigir a prevenção para os diferentes aspectos do processo do uso indevido de drogas lícitas ou ilícitas, buscando desencorajar o uso inicial, promover a interrupção do consumo dos usuários ocasionais e reduzir as perniciosas conseqüências sociais e de saúde” (g.n.).

3.3) A cartilha em face do Direito da Criança e do Adolescente

Vistas as linhas gerais que o ordenamento jurídico brasileiro disciplina a matéria em discussão, incumbe agora confrontar o conteúdo da cartilha com a disciplina constitucional e legal.

Algumas perplexidades evidenciam-se desde logo:

3.3.1) A cartilha simplesmente ignora o conteúdo do ECA uma vez que não há, em parte alguma, nem sequer menção ao fato de que no país a venda de bebidas alcoólicas é proibida para menores de 18 anos por lei.

Tal omissão é incompatível com o dever de prestar informação completa à criança e ao adolescente, conforme previsto nos tratados internacionais acima referidos e no ECA.

3.3.2) Da mesma forma não há esclarecimento de que a venda de bebidas alcoólicas para menores de 18 anos é crime (Estatuto da Criança e do Adolescente, artigo 243).

Ora, apesar de crianças e adolescentes serem inimputáveis, isso não torna menos importante levar a eles a informação de que quem lhes fornecer bebida alcoólica estará praticando crime.

Isso é fato. Ou podemos simplesmente ignorar que inúmeros proprietários de estabelecimentos são processados criminalmente por vender bebidas alcoólicas a crianças? A SENAD também vai encaminhar uma cópia da cartilha para os processados?


Poderemos, da mesma forma, ignorar todas as regulamentações que os juízes da Infância e Juventude cautelosamente expedem no país a fim de evitar que as crianças tenham acesso a bebidas alcoólicas?

O fato é que a SENAD, ao mesmo tempo que pressupõe na criança e no adolescente discernimento suficiente para optar por um “consumo de álcool responsável” não põe à disposição destas mesmas crianças e adolescentes informações completas e precisas. Há evidente restrição de acesso à informação.

3.3.3) Também merecem destaque os trechos abaixo, extraídos da cartilha:

“O segredo para que o uso de álcool não tire energia é beber pouco e devagar, aumentando a fase estimulante da bebida e evitando passar para a fase depressora” (g.n.)

“O álcool age como um estimulante, e deixa a pessoa mais eufórica e desinibida, mas a medida que as doses vão aumentando e o tempo vai correndo, passa-se à segunda fase, na qual começam a surgir os efeitos depressores do álcool levando à diminuição da coordenação motora, dos reflexos e deixando a pessoa sonolenta”

Na literatura médica, os especialistas ensinam que o álcool é a droga depressora do sistema nervoso central mais utilizada de forma recreacional e abusiva, alterando a estrutura molecular de membranas celulares e interferindo com diferentes sistemas de neurotransmissão. É o que nos ensinam Tadeu Lemos e Marcos Zaleski (34):.

“O etanol apresenta um mecanismo complexo de ação. Além de alterar a estrutura molecular das membranas celulares, tornando-as mais fluidas, interfere com diferentes sistemas de neurotransmissão. Por exemplo: (1) potencializa a ação do GABA, principal neurotransmissor inibitório; (2) bloqueia a ação do glutamato (principal neurotransmissor excitatório) em seu receptor NMDA; (3) estimula o sistema dopaminérgico (aquele da via de reforço da recompensa); (4) estimula o sistema opióide (relacionado com analgesia), entre outros.

A intoxicação por etanol geralmente aparece com a ingestão de duas ou mais doses e caracteriza-se por: (a) alteração do humor (pode variar da euforia até o desânimo e apatia, passando por comportamento inconveniente com irritabilidade e/ou agressividade); (b) aumento da sensação de autoconfiança; (c) alteração da percepção do que está acontecendo ao seu redor, prejudicando a capacidade de julgamento; (d) diminuição da atenção, dos reflexos e da capacidade motora; (e) visão dupla; (f) tontura e sonolência; (g) náuseas e vômitos; (h) coma, parada cardiorrespiratória e morte”.

A questão que necessariamente se põe é argüir se a “dica” que a cartilha dá para que a criança e adolescente “bebam devagar” porque assim conseguirão evitar a fase depressora” tem algum fundamento científico.

Em parecer (35) elaborado sobre o teor da cartilha da SENAD, o Professor Doutor Marcos Zaleski, Professor de Psiquiatria do Departamento de Clínica Médica da Universidade Federal de Santa Catarina observa que:

“Do ponto-de-vista científico, chama a atenção no texto elaborado pela SENAD as diversas incorreções farmacológicas sobre os mecanismos de ação do álcool no Sistema Nervoso Central. Também causa estranheza a interpretação feita sobre uma pesquisa realizada em duas Universidade Norte-americanas, e ainda o fato de que a Cartilha minimiza dados epidemiológicos sobre o alcoolismo no País.

Assim, na página 10, segundo a Cartilha, “o álcool age como um estimulante, e deixa a pessoa mais eufórica e desinibida, mas à medida que as doses vão aumentando e o tempo vai correndo, passa-se à segunda fase, na qual começam a surgir os efeitos depressores”.

A frase demonstra um desconhecimento de que o álcool é uma substância depressora com efeitos bifásicos característicos, havendo estimulação inicial seguido de depressão da atividade no Sistema Nervoso Central DESDE O PRIMEIRO GOLE, ou seja, seu efeito depressor APENAS AUMENTA, JÁ ESTANDO PRESENTE DESDE O INÍCIO, NÃO HAVENDO A SUPOSTA AÇÃO EUFORIZANTE NAS PRIMEIRAS DOSES referida pela Cartilha. (g.n.)”

O simples fato de a afirmação feita na cartilha – “beba devagar para evitar a fase depressora” – ser questionável no aspecto científico já seria o bastante para evitar que tal tipo de informação chegasse ao público, jovem ou adulto. No entender do Professor Marcos Zaleski, mais que questionável, a afirmação é incorreta.

A gravidade de prestar uma informação que, no mínimo, é duvidosa, mostra-se mais acentuada quando se vê que ela é direcionada unicamente à criança e adolescente. Um breve olhar na Constituição Federal e na legislação federal é o suficiente para constatar que a proteção especial que é dada às crianças tem também uma razão biológica: são seres humanos em desenvolvimento, são seres humanos que ainda estão desenvolvendo suas estruturas cerebrais. Ao levar esse tipo de informação a eles a SENAD o faz de maneira irresponsável, ignorando sua peculiar condição de pessoas em desenvolvimento.


Nesse passo vale destacar o ensinamento dos professores Vilma Aparecida da Silva e Hélcio Fernandes Mattos(36)a propósito do desenvolvimento cerebral na infância e adolescência:

“Para entender o desenvolvimento comportamental precisamos conhecer antes, toda a cronologia do desenvolvimento cerebral. Ao contrário dos demais órgãos, que ao final do terceiro mês de gestação já estão formados o cérebro continua a se desenvolver por toda a gestação. Durante os primeiros anos de vida e até a adolescência, as estruturas cerebrais ainda estão se formando e amadurecendo, tornando-se, portanto, mais sensíveis aos agentes agressores

(…)

Segundo a literatura médica sobre o assunto, os sistemas de reforço se revelam super-ativos na adolescência, ocorrendo nessa fase exatamente o oposto com os sistemas inibitórios que controlam o comportamento. Isso significa que as drogas de abuso, aos estimular sistemas de recompensa no cérebro, são provavelmente sentidas pelo adolescente de modo muito mais intenso do que pelos adultos.

(…)

Sumarizando: evitar contato com as drogas durante o período de maior vulnerabilidade dá tempo ao cérebro de completar seu amadurecimento e de serem implementadas medidas de fortalecimento para o enfrentamento de situações ambientais, possibilitando que a pessoa encontre formas alternativas de satisfação na vida, não restritas às drogas”. (g.n.)

Destaque-se, ainda, trecho de parecer (37) oferecido pelo Doutor Marco Antônio Bessa, a respeito da cartilha em questão:

Não me parece correto que uma cartilha para jovens afirme que “o segredo para o uso de álcool é beber pouco e devagar, aumentando a fase estimulante da bebida e evitando passar para fase depressora (pág. 10)”. Pode-se dizer para um adolescente de 14 anos que “agir com moderação é não só menos arriscado mas também mais divertido (pág. 11)”?

Talvez para alguém de mais de 18 anos faça sentido, mas essa afirmação para um adolescente é incorreta, por que não se trata de beber moderadamente, qualquer quantidade que isso signifique, mas de não beber, porque pode trazer danos e é contra a lei.

Ou será que em uma cartilha sobre como dirigir, endereçada aos jovens, podemos prescindir da informação que é ilegal dirigir antes dos 18 anos, e sem especificar idades, corrermos o risco de afirmar para um jovem (de menos de 18) que: o segredo é dirigir pouco e devagar não ultrapassando o limite de velocidade da via pública?

Portanto, na minha avaliação, essa cartilha é inadequada como instrumento de prevenção ao uso de álcool por jovens, sendo desaconselhável sua distribuição em ambientes freqüentados por crianças e adolescentes (escolas, clubes, grupos de jovens).”

Novamente aqui, em razão de ausência de prestação de informação precisa à criança e ao adolescente, resta caracterizada conduta não conforme ao previsto nos tratados internacionais e no Estatuto da Criança e do Adolescente.

3.3.4) Da menção a estudos feitos em Universidades americanas

Nas páginas 15 a 17 consta descrição de estudos feitos com população universitária nos Estados Unidos (38). Desde o início do relato, há uma evidente tendência em minimizar os efeitos nocivos do consumo do álcool:

“Estudos conduzidos com jovens, na Universidade de Rutgers e na Universidade de Washington, ambas nos Estados Unidos, sugerem que muitas das alterações vivenciadas sob o efeito do álcool são resultado mais de nossas mentes do que das propriedades farmacológicas das bebidas” (g.n.)

Pede-se vênia para transcrever a descrição dos estudos, até para que se possa ter uma idéia da confusão na transmissão da mensagem:

“VEJA COMO SÃO FEITOS OS ESTUDOS (essa é uma descrição simulada, para ajudar o entendimento):

Estudantes universitários são convidados para participar de uma festa, onde tudo que eles tem que fazer é conversar, tomar cerveja, refrigerante e ouvir música.

Explica-se claramente a esses jovens que o propósito da festa é estudar o comportamento das pessoas sob efeito do álcool, e que eles devem se comportar da maneira mais natural possível. Todos assinam um documento dizendo que estão conscientes de que fazem parte de uma pesquisa e de que irão ser servidos com bebidas alcoólicas e não alcoólicas.

A festa começa.

Depois de cerca de duas horas regadas a muita cerveja, muitos já estão falando bem mais alto do que o normal, rindo à toa, um mais “saidinho” está dançando em cima da mesa, muita paquera rolando.

Depois de duas horas e meia, os cientistas interrompem a festa e fazem uma discussão em grupo com os estudantes. Antes disso revelam aquilo que ninguém esperava: metade dos participantes bebeu cerveja sem álcool, embora todos achassem que estivessem bebendo cerveja com álcool.

Os cientistas convidam os participantes a tentar adivinhar quem tomou álcool de verdade e aqueles que não tomaram. Invariavelmente, os resultados têm se repetido: ninguém consegue identificar os que beberam e os que não beberam álcool: estavam todos se comportando da mesma maneira pelo simples motivo de que acreditavam ter tomado álcool” (grifo no original).


Mesmo aos olhos de um leigo, a conclusão a que chega a cartilha é absolutamente divorciada das premissas do estudo. Parte da premissa que pessoas que não beberam (efeito placebo) tiveram comportamento similar ao de pessoas que beberam para concluir que as pessoas que beberam não estavam sob efeito farmacológico do álcool!

O Professor Marcos Zaleski (39) põe à evidência o sofisma articulado na cartilha:

“Já nas páginas 15 e 16 é relatada uma pesquisa em que supostamente muitos dos efeitos do álcool são, segundo o texto, “resultado mais de nossas mentes do que das propriedades farmacológicas das bebidas”.

Assim, a Cartilha, ao descrever um estudo sério publicado por duas Universidades Norte-americanas, revela novamente pouco entendimento dos resultados apresentados. O estudo compara efeitos comportamentais de pessoas que ingeriram cerveja com e sem álcool em uma festa, por “duas horas e meia”.

Segundo o relato, o comportamento é similar entre os usuários, que não distinguem que tomou e quem não tomou cerveja com álcool.

A análise correta revela que, em oposição ao que afirma a Cartilha, não são os indivíduos que beberam álcool que se comportaram igual aos que não beberam. Em outras palavras, os que ingeriram álcool estão agindo SOB O EFEITO FARMACOLÓGICO, E NÃO PSICOLÓGICO, DO ÁLCOOL. Os que ingeriram cerveja sem álcool sim é que estão mimetizando os efeitos do álcool, por ACREDITAREM QUE ESTÃO BEBENDO CERVEJA COM ÁLCOOL, fenômeno muito conhecido na Medicina como EFEITO PLACEBO.

Reafirmando, são os indivíduos que pensaram estar ingerindo álcool que se comportaram como se tivessem bebido, imitando o comportamento aprendido quando sob o efeito do álcool em ocasiões anteriores. Em nenhum momento há possibilidade de que os indivíduos que realmente ingeriram cerveja normal estejam sob efeito “psicológico”, não farmacológico da bebida” (grifos no original).

Mais uma vez, informação confusa e imprecisa prestada ao público alvo, em desrespeito à legislação vigente.

3.3.5) Da menção feita ao alcoolismo

O alcoolismo, diz a cartilha, é

“Um quadro de saúde que os médicos chamam de Síndrome da Dependência do Álcool e que atinge uma pequena proporção daqueles que bebem”

Pequena proporção daqueles que bebem?

O alcoolismo no país e no mundo é problema gravíssimo e está longe de atingir poucas pessoas. Há estimativas no Brasil de que os problemas com dependência ao álcool atingem cerca de 18% da população (40). Os dados mundiais disponíveis falam em porcentagens que variam de 10 a 12% da população (40).

Fazendo uma conta bem grosseira, pressupondo que no Brasil essa porcentagem fosse de 10% – quando na verdade é bem maior, como visto acima – chegaríamos a uma cifra que ultrapassa 18 milhões de brasileiros (42). Não é um número desprezível.

Trata-se, à toda evidência, de mais um trecho da cartilha que trata de forma banal um sério problema de saúde pública.

Destaque-se, a propósito, trecho de parecer (43) elaborado sobre a cartilha oferecido pelo Doutor Paulo César Pinho Ribeiro, Presidente do Departamento de Adolescência da Sociedade Brasileira de Pediatria:

“Sabemos que 18 em cada 100 brasileiros é dependente de bebida alcoólica e que as pesquisas recentes mostram que o hábito de beber entre crianças e adolescentes não pára de crescer. O uso precoce do álcool, como vem acontecendo, pelos adolescentes (média aos 13 anos de idade como encontrei em minha tese de mestrado), antecipa os riscos graves à saúde: hepatite alcoólica, gastrite, síndrome de má absorção, hipertensão arterial, acidentes vasculares, cardiopatia (aumento do ventrículo esquerdo com cardiomiopatias), alguns tipos de cânceres (esôfago, boca, garganta, cordas vocais, câncer de mama nas mulheres e o risco de câncer no intestino), pancreatite e polineurite alcóolica (dor, formigamento e cãimbras nos membros

inferiores. É importante destacar que no caso das mulheres essas manifestações são mais precoces.

O uso de álcool pelas crianças e adolescentes, além dos prejuízos à saúde física, expõe crianças e adolescentes às mais variadas situações de risco, já que a substância tem como efeito diminuição do “limiar de censura” que, somados á onipotência pubertária e sentimento de indestrutibilidade e invulnerabilidade nesta fase, faz com que muitas vezes, suas vidas sejam interrompidas ou prejudicadas pelo uso desta substância” (g.n.).

No mesmo sentido as palavras do Doutor Marcos Zaleski no parecer (44) encartado nos autos:

“Mais um dado que vale a pena comentar é a afirmativa de que a dependência de álcool – o alcoolismo – atinge, conforme o texto, “uma pequena proporção daqueles que bebem” (página 27, primeiro parágrafo, como transcrito: “Um quadro de saúde que os médicos chamam de Síndrome de Dependência do Álcool e que atinge uma pequena proporção daqueles que bebem”).


Esta frase contrapõe-se a qualquer dado epidemiológico, não só no Brasil, como também em nível mundial.

Para esclarecer melhor, transcrevo o parágrafo abaixo, retirado da introdução de minha Dissertação de Mestrado sobre a ação do álcool no Sistema Nervoso Central:

Estima-se que 10-12% da população mundial seja dependente do álcool. No Brasil, o álcool é responsável por cerca de 60% dos acidentes de trânsito e aparece em 70% dos laudos cadavéricos das mortes violentas. De acordo com a última pesquisa realizada pelo Centro Brasileiro de Informações sobre Drogas Psicotrópicas (CEBRID) entre estudantes do 1 e 2 graus de 10 capitais brasileiras, as bebidas alcoólicas são consumidas por mais de 65% dos entrevistados, estando bem à frente do tabaco como a droga mais consumida. Destes estudantes, 50% iniciaram o uso entre os 10 e 12 anos de idade (Galduróz Noto e Carlini, 1997)”. (g.n.)

Não bastasse ser evidente a falta de clareza própria do texto da cartilha, seu enfoque é absolutamente diverso do que dispõe a própria Política Nacional Antidrogas (45). Nesse passo, é interessante comparar o texto da cartilha com trecho do Decreto que institui a Política Nacional Antidrogas:

Política Nacional Antidrogas

Um fator agravante é a tendência mundial sinalizadora de que a iniciação do indivíduo no uso indevido de drogas tem sido cada vez mais precoce e com utilização de drogas mais pesadas. Estudos realizados no Brasil a partir de 1987, pelo Centro Brasileiro de Informações sobre Drogas Psicotrópicas – CEBRID, confirmam o aumento do consumo de substâncias psicoativas entre crianças e adolescentes no País. Segundo levantamento realizado pelo CEBRID em 1997, o percentual de adolescentes do País que já consumiram drogas entre 10 e 12 anos de idade é extremamente significativo – 51,2% já consumiram bebida alcóolica; 11% usaram tabaco; 7,8% solventes; 2% ansiolíticos e 1,8% anfetamínicos.

Cartilha álcool e jovens

Se levarmos em conta o que as novelas, propagandas de bebidas e filmes nos dizem, todo mundo, jovem e adulto, costuma beber.

Mas quando pesquisadores indagam diretamente à população, e fazem estatísticas de consumo, a realidade revelada é diferente.

Um estudo conduzido em 2001, envolvendo as 107 maiores cidades do Brasil (CEBRID, 2002) aponta que, entre 12 e 17 anos 48% dos meninos e 55% das meninas nunca experimentaram bebidas alcoólicas. O uso regular de álcool (beber pelo menos 3 vezes por semana) é raro: só 0,1% dos entrevistados nessa idade disseram ingerir bebida alcoólica nessa freqüência.

No caso de jovens mais velhos, entre 18 e 24 anos, os dados indicam que 22% dos homens e 32% das mulheres nunca beberam e que somente 3,5% bebem três ou mais vezes por semana

Interessante notar como dados semelhantes são tratados de uma forma totalmente diversa. Enquanto no texto do PNAD a linguagem está clara o suficiente ao dizer que há uma tendência de aumento no consumo precoce de drogas e em expor quais as porcentagens relativas a quem já consumiu, na cartilha da SENAD a informação é posta de uma maneira que ressalta os números relativos a quem nunca consumiu. Se a conta para se saber qual o reverso do dado é bem simples, é também bem evidente que a linguagem maquia a informação num primeiro momento (afinal, se 55% nunca experimentaram, conclui-se que 45% já o fizeram).

A situação mostra-se ainda mais preocupante quando se vê que a cartilha em questão será também distribuída por meio de um sistema 0800. Imagine-se, portanto, um adulto que procure tal serviço com o fim de obter informações de como orientar uma criança que esteja sob seus cuidados – eventualmente alguém que já apresente problemas com o consumo de álcool – sobre o assunto… Receberá uma cartilha que orientará esta criança ou adolescente com informações obscuras e que ensina a beber de um modo divertido.

3.3.6) Comunicação e seu conteúdo

Não fossem apenas as informações ora incorretas, ora omissas, ora oblíquas com relação a dados objetivos, também no aspecto da comunicação em si a cartilha apresenta falhas que vão desde a definição do público alvo e a escolha da mídia até a construção do discurso e a falta de organização da mensagem a ser transmitida.

Nilton Hernandes, jornalista e consultor de comunicação, bem explica tais aspectos em parecer (46) formulado sobre a Cartilha:

“E como fica a forma de conteúdo, grosso modo, a parte “inteligível” do texto? No texto analisado, não há organização da mensagem, ou o que se pode esperar de mais básico: começo, meio e fim (apresentação, desenvolvimento dos argumentos, conclusão). Os dados e informações amarram-se apenas em função do tema comum. Buscar uma narrativa, por exemplo, é a mais simples forma de prender a atenção. E nem isso não se percebe na cartilha do governo federal. A cartilha não tem foco. Isso cria problemas argumentativos graves. Por exemplo. Na página 25, lê-se: “NUNCA dirija sob efeito de bebidas alcoólicas, mesmo que você ache que está bem!” Na página 29, ao falar de “alcoolemia”, há uma afirmação que contradiz a anterior: “Os mesmos dois copos de cerveja podem significar alto risco de acidente e multa para uma pessoa e não muito problema para outra”. O implícito aí é claro: essa “outra” pessoa pode até dirigir.


(…)

É possível citar mais exemplos para os problemas apontados. No entanto, há outros tão ou mais sérios para analisar. Parece que se cometeu um erro muito comum. Especialistas em determinados assuntos, ao pensar uma estratégia de comunicação, tendem a reproduzir suas formas de expressão e de conteúdo – notadamente o uso abusivo do discurso verbal e uma certa racionalidade comum no mundo acadêmico. Acreditam que uma construção discursiva que somente retira os jargões de suas respectivas disciplinas pode contribuir para divulgar suas descobertas, observações e valores para um público mais amplo. Essa é uma visão problemática do fenômeno da comunicação. Inicialmente, é preciso saber onde se quer chegar, ou seja, ter foco. A construção do discurso e a escolha de uma mídia apropriada devem levar em consideração que mudar comportamento também inclui estratégias afetivas – de criação de paixões, emoções, sentimentos – e sensoriais. Outra questão complicada envolve a reflexão de que existem “juventudes” no país. Há grupos que, apesar de partilharem a mesma faixa etária, têm vidas, projetos, visões de mundo e culturas completamente diferentes.

Uma política governamental contra o abuso do álcool – e também a de grupos que trabalham com o assunto – não deixa de ser, no fundo, uma “contra-publicidade”. Isso significa encarar com seriedade todos os interessados no aumento contínuo de consumo e suas sofisticadas estratégias de comunicação. Essas empresas e setores contratam os melhores profissionais do mercado, as maiores agências, os artistas mais famosos para a criação de peças de grande eficácia. Não se pode ter a ingenuidade de que é possível se contrapor a esse discurso extremamente bem-sucedido distribuindo uma cartilha cheia de problemas já apontados ou por meio de outras ações ideologicamente vacilantes, descontínuas e sem impacto” (g.n.).

As observações feitas ao final do trecho destacado falam por si. O papel que o Poder Público há de exercer com vista à prevenção do consumo de álcool prejudicial à saúde mostra-se ainda mais importante quando se percebe que todos estamos, crianças, adolescentes ou adultos, expostos incessantemente a uma publicidade ostensiva da indústria de bebidas alcoólicas (47).

Não há dúvida que não só o discurso da publicidade da indústria de bebidas alcoólicas é muito bem articulado como também o é o uso que ela faz do poder econômico para atingir o lucro.

A propósito do tema, Paula Inez Cunha Gomide e Iliana Pinsky (48) expõem:

“A preocupação mundial com o impacto da propaganda da indústria do álcool no consumo dos jovens deu origem a um encontro nacional, organizado pela OMS,que contou com a presença de especialistas de mais de trinta países em Valência, na Espanha, em maio de 2002, Nesse encontro, foi apresentada uma análise inicial sobre a situação das indústrias de álcool e de bebidas alcoólicas no Brasil, principalmente no que se refere à influência que exercem sobre os jovens bebedores (Pinsky e Araújo, 1999).

Entre outros achados, a pesquisa observou que, embora alguns avanços tenham sido feitos em relação ao desenvolvimento de leis mais rígidas sobre a publicidade no país, milhões continuaram sendo gastos em 2001 com comerciais de bebidas alcoólicas, sem contar os investimentos em marketing.O fato é que a grande maioria das indústrias de bebidas, nacionais ou multinacionais, demonstra pouca preocupação quanto aos problemas de saúde pública relacionados ao álcool. No que se refere aos jovens, a indústria de bebidas alcoólicas alcoólicas chega a assumir abertamente que eles são um público-alvo essencial para os seus negócios – o que aliás pode ser facilmente verificado assistindo-se às próprias propagandas veiculadas, boa parte delas protagonizadas por atores e modelos juvenis.

Além disso, novos produtos voltados especificamente para essa faixa etária têm sido desenvolvidos nos últimos anos pela indústria de bebidas. Um exemplo disso é o lançamento das alcopops, as chamadas bebidas ice. Com teor alcoólico entre 5 ou 7 GL (ou seja, um pouco superior ao das cervejas), compostas de uma mistura de refrigerantes ou sucos de fruta com vodca, uísque, cachaça ou rum, essas bebidas são identificadas com o público jovem por meio de uma agressiva estratégia de marketing e se tornaram fenômeno de vendas em todo o mundo”.

3.3.7) Como se vê os problemas da cartilha não são poucos. Quer pelas inúmeras informações duvidosas e incorretas que ela põe à disposição da criança e do adolescente, quer pela própria concepção de linguagem escolhida, o material mostra-se evidentemente inadequado à distribuição, conforme os pareceres oferecidos, a cujos argumentos remetemo-nos.

A cartilha, por seu conteúdo, é contrária a dispositivos constitucionais e legais e aos compromissos internacionais assumidos pela República Federativa do Brasil, cujo conteúdo foi desenvolvido no item 3.2.


A inadequação é também constatada do ponto-de-vista científico, conforme explicado por especialistas no assunto. Provavelmente também por isso a SENAD, em nenhum momento da instrução do procedimento, trouxe aos autos material similar que seja distribuído ao mesmo público-alvo em outros países.

A propósito, interessante observar os parâmetros recentemente adotados pela Organização Mundial de Saúde – Escritório Regional para a Europa na Declaração sobre Jovens e Álcool, de 2001 (49). Merece destaque a afirmação segundo a qual da perspectiva da saúde pública, não existe evidência científica para um limite seguro de consumo de álcool, especialmente quanto a crianças e adolescentes, os grupos mais vulneráveis:

“(…)

All people have the right to valid impartial information and education, starting early in life, on the consequences of alcohol consumption on health, the family and society.

All children and adolescents have the right to grow up in an environment protected from the negative consequences of alcohol consumption and, to the extent possible, from the promotion of alcoholic beverages.

All people with hazardous or harmful alcohol consumption and members of their families have the right to accessible treatment and care.

All people who do not wish to consume alcohol, or who cannot do so for health or other reasons, have the right to be safeguarded from pressures to drink and be supported in their non-drinking behaviour.

(…)

The cost of youth drinking

Young people are more vulnerable to suffering physical, emotional and social harm from their own or other peoples’ drinking. There are strong links between high-risk drinking, violence, unsafe sexual behaviour, traffic and other accidents, permanent disabilities and death. The health, social and economic costs of alcohol-related problems among young people impose a substantial burden on society.

Public health

The health and wellbeing of many young people today are being seriously threatened by the use of alcohol and other psychoactive substances. From a public health perspective, the message is clear: there is no scientific evidence for a safe limit of alcohol consumption, and particularly not for children and young adolescents, the most vulnerable groups. Many children are also victims of the consequences of drinking by others, especially family members, resulting in family breakdown, economic and emotional poverty, neglect, abuse, violence and lost opportunities. Public health policies concerning alcohol need to be formulated by public health interests, without interference from commercial interests. One source of major concern is the efforts made by the alcohol beverage industry and hospitality sector to commercialize sport and youth culture by extensive promotion and sponsorship”(g.n.).

e quanto as metas para o ano de 2006 a Declaração estabelece:

“(…)

reduce substantially the number of young people who start consuming alcohol;

delay the age of onset of drinking by young people;

reduce substantially the occurrence and frequency of high-risk drinking among young people, especially adolescents and young adults;

provide and/or expand meaningful alternatives to alcohol and drug use and increase education and training for those who work with young people;

increase young people’s involvement in youth health-related policies, especially alcohol-related issues;

increase education for young people on alcohol;

minimize the pressures on young people to drink, especially in relation to alcohol promotions, free distributions, advertising, sponsorship and availability, with particular emphasis on special events;

support actions against the illegal sale of alcohol(…)”(g.n.)

No mesmo sentido vem a Declaração de 2004, da mesma Organização, à qual remetemos a leitura (50).

3.4) Breves observações sobre o processo de dispensa de licitação que antecedeu a edição da Cartilha

No curso das investigações promovidas no procedimento administrativo anexo, foi apurada condução do processo de dispensa de licitação que antecedeu a elaboração da cartilha. As informações que seguem são resumo do que foi constatado e compilado no despacho de fls. 349/354.

Observe-se que as informações referidas neste item aqui constam para melhor colaborar no convencimento deste i. Juízo na apreciação da demanda. Observe-se ainda que, tendo sido constatados fortes indícios de prática de ato de improbidade administrativa, foi determinada a extração de cópia das principais peças dos autos e remessa à Procuradoria da República do Distrito Federal, para que o representante do Ministério Público Federal naquela unidade da Federação possa tomar as providências que entender cabíveis.

Não deixa de ser importante registrar ser no mínimo preocupante o fato de que todos os convênios da SENAD em 2004 – segundo informações por ela mesmo prestadas (51) – foram celebrados com dispensa de licitação. De levantamento feito com base no Diário Oficial da União (52) observa-se que a cifra de verba pública repassada a particulares por meio de convênios é próxima de R$ 4.000.000,00 (quatro milhões de reais).


Esclarece-se, portanto, que a presente ação não pretende discutir os aspectos patrimoniais que dizem respeito ao processo indevido de dispensa de licitação e suas conseqüências. Justamente por entender existirem fortes indícios da prática de improbidade administrativa na hipótese é que foi determinada a remessa de cópia dos autos ao Ministério Público Federal no Distrito Federal. Isso porque a competência para conhecer de eventual ação de improbidade será de uma das Varas Federais Cíveis na Subseção Judiciária do Distrito Federal, a teor do disposto no artigo 2º da Lei 7.347/85, que dispõe que as ações previstas naquela lei – cuja aplicação à Lei 8.429/92 decorre da leitura do artigo 1º, inciso IV – serão propostas no foro do local onde ocorrer o dano, cujo juízo terá competência funcional para processar e julgar a causa.

Logo, o que se discute aqui unicamente é a ilegalidade do conteúdo da cartilha e busca-se a tutela do interesse coletivo da criança e do adolescente. A competência deste Juízo é evidente na medida em que planeja-se distribuir a cartilha em todo o território nacional, o que, por óbvio, abrange a Seção Judiciária de São Paulo.

De todo o modo, segue breve relato do que foi apurado pelo Ministério Público Federal no decorrer das investigações, com relação ao aspecto patrimonial.

Da documentação apresentada pela SENAD em 28 de março de 2005 (53) e esclarecimentos posteriores depreende-se que:

para a elaboração da referida cartilha – e outras sete cartilhas de orientação relacionadas ao álcool e drogas – a Secretaria Nacional Antidrogas celebrou, EM 09 de dezembro de 2003, o Termo de Convênio nº 016/2003 com a FUNDAÇÃO DE ESTUDOS E PESQUISAS SÓCIO-ECONÔMICAS – FEPESE, pessoa jurídica de direito privado instituída pela Universidade Federal de Santa Catarina – UFSC, no valor de R$ 87.927,85 (Oitenta e sete mil, novecentos e vinte e sete reais e oitenta e cinco centavos), subscrito pelo Sr. Secretário Nacional Antidrogas, PAULO ROBERTO DE MIRANDA UCHÔA e pelo Presidente da FEPESE, ERMES TADEU ZAPELINI;

a formalização de tal convênio foi precedida de processo administrativo de dispensa de licitação. A justificativa para dispensa da licitação foi elaborada pela Sra. PAULINA DO CARMO ARRUDA DUARTE (54), da qual se destaca:

“Solicitamos os bons préstimos de Vossa Senhoria no sentido de que sejam tomadas as providências com vistas à celebração de convênio com a Fundação de Estudos e Pesquisas Sócio-Econômicas – FEPESE para que providenciem a execução deste projeto.

A indicação da FEPESE para a execução deste Projeto deu-se pelo fato de que aquela entidade conta com, dentre outras atribuições, o apoio a divulgação de produção técnica, sócio-econômica, científica e social nos mais diversos campos e também, a efetiva presença da Fundação na realização de atividades de pesquisa, extensão e/ou prestação de consultoria, atividades estas inerentes ao desenvolvimento e produção do objeto em pauta”;

houve ainda parecer favorável do Sr. JOÃO BATISTA FAGUNDES, assessor jurídico (55) que justificou:

“O caráter eminentemente técnico que envolve a produção de tal tipo de material didático, permite situá-lo dentro dos parâmetros estabelecidos na Lei nº 8.666 que possibilita a dispensa de licitação, uma vez que a FEPESE mantém estreita colaboração com a Universidade Federal de Santa Catarina”;

por fim, o Senhor ADÃO AIRTON DA ROSA SILVA, assessor na área de execução orçamentária reconheceu a dispensa de licitação para realização do convênio, ato ratificado pelo Sr. Secretário Nacional Antidrogas, PAULO ROBERTO DE MIRANDA UCHÔA (56);

dos autos consta ainda que o Sr. ALTAIR ACELON DE MELO seria o coordenador do projeto elaborado por força do convênio, cuja descrição sumária é

“produzir material didático com informações adequadas relacionadas ao Álcool e às Drogas demandadas a partir das necessidades apresentadas por diversos segmentos da sociedade”;

na versão final da cartilha sobre o álcool (57) aparece como autora intelectual a Sra. BEATRIZ CARLINI MARLATT, pessoa que, conforme curriculum vitae constante da base de dados do CNPq (58) não tem nenhum vínculo profissional com a FEPESE ou com a UFSC – Universidade Federal de Santa Catarina;

em esclarecimentos prestados em 20 de abril de 2005 o Sr. Secretário Nacional Antidrogas informou (59) que

“Na formulação do convênio, cuja cópia já encaminhamos a Vossa Excelência, em anexo à comunicação anterior, esta Secretaria enquadrou o processo com sendo de dispensa de licitação, com fundamento no inciso XIII do Art. 24 da Lei 8.666/93, procedimento este que vinha sendo adotado para todos os processos de formalização de convênios”

Do exposto pela SENAD depreende-se que o convênio foi celebrado em decorrência de licitação dispensada por força do artigo 24, inciso XIII, da Lei 8.666/93, que dispõe:


“Art. 24. É dispensável a licitação:

(…)

XIII – na contratação de instituição brasileira incumbida regimental ou estatutariamente da pesquisa, do ensino ou do desenvolvimento institucional, ou de instituição dedicada à recuperação social do preso, desde que a contratada detenha inquestionável reputação ético-profissional e não tenha fins lucrativos.”

Pese a justificativa apresentada para a dispensa de licitação, constata-se que:

a inteligência do artigo 24, XIII, implica que haja pertinência temática entre o objeto do contrato e uma das finalidades previstas no referido inciso, quais sejam: pesquisa, ensino ou desenvolvimento institucional (conforme, inclusive, entendimento do TCU (60)); no caso em questão, evidentemente excluídas às duas últimas hipóteses, a pertinência haveria de dar-se com a atividade de pesquisa. Ainda que assim o fosse, não há indicativo de que isso tenha ocorrido, notadamente porque a elaboração de cartilhas destinadas à orientação de crianças e adolescentes ao consumo de álcool não envolve propriamente pesquisa exploratória, em busca do novo (61), bem como porque pelo teor das cartilhas – pelo menos das cinco já referidas – em nenhum momento há menção a eventuais pesquisas de campo feitas no Brasil (62) – conforme previa o projeto – em data posterior à celebração do convênio;

não há da mesma forma especial correlação entre o objeto do contrato e a missão institucional da FEPESE; a própria amplitude demasiada do objeto social de referida Fundação põe à evidência não existir nenhuma especial reputação daquela entidade com relação à temática que diz com a elaboração das cartilhas;

a contratação, pela FEPESE, de profissional que não tem nenhum vínculo profissional consigo ou com UFSC evidencia que a convenente não tem estrutura própria bastante para a prestação do serviço a que se comprometeu, coisa necessária, conforme entendimento doutrinário e da jurisprudência do TCU (63);

não há registro de que a FEPESE tenha procedido a processo licitatório para subcontratação da Sra. BEATRIZ CARLINI MARLATT, autora intelectual das apostilas em questão, sendo certo que tal Fundação também está sujeita ao disposto no artigo 3º, inciso I, da Lei 8.958/94; a gravidade de tal circunstância é acentuada diante de notícia de que a Sra. BEATRIZ CARLINI MARLATT foi orientadora de mestrado da Sra. PAULINA DO CARMO ARRUDA VIEIRA DUARTE (64) e esta, na qualidade de Diretora de Prevenção e Tratamento desta Secretaria, foi quem propôs a contratação da FEPESE independentemente de licitação (65), em evidente situação de suspeição não declarada.

Em razão disso o Ministério Público Federal recomendou ao Secretário Nacional Antidrogas, que determinasse a cessação definitiva da distribuição do documento intitulado “Drogas: Cartilha álcool e jovens”, bem como, tomasse as medidas necessárias ao ressarcimento do erário federal, decorrentes do dano causado pela contratação ilegal da FEPESE e da subcontratação da Sra. Beatriz Carlini Marlatt para a elaboração das oito cartilhas de orientação ao público, conforme pactuado no Termo de Convênio nº 16/03.

A Secretaria Nacional Antidrogas, amparada em parecer da Advocacia-Geral da União, optou por não acatar a Recomendação expedida pelo Ministério Público Federal (66), o que justifica a propositura da presente ação.

4) Das alegações oferecidas pela Secretaria Nacional Antidrogas e pela Advocacia-Geral da União

Tendo em vista que a SENAD, não tendo acatado a Recomendação do Ministério Público Federal, ofereceu razões no procedimento administrativo, anexando inclusive parecer da Advocacia-Geral da União (67), cabe aqui tecer breves comentários a propósito do que foi alegado.

Em primeiro lugar, o fato de haver sido discutida a possibilidade de a SENAD viabilizar algum meio técnico a fim de atender a Recomendação feita pelo Ministério Público Federal (68) não quer dizer que este seja obrigado a aceitar proposta de composição que não atenda ao interesse público. Qualquer pessoa com um mínimo de discernimento sabe que iniciar tratativas de ajuste de conduta não significa que uma parte deva submeter-se incondicionalmente ao que a outra pretende impor.

Além disso, a proposta de “carimbo” (69) feita pela SENAD é evidentemente insuficiente para atender aos interesses da criança e do adolescente. Afinal, não há como desconsiderar todas as impropriedades técnicas constantes do corpo da cartilha, conforme visto nos itens acima. Além disso, enquanto pessoalmente os representantes da SENAD afirmaram ter disposição em revisar e reformular o conteúdo da cartilha para a próxima edição (70), no e-mail encaminhado limitaram-se a propor a mera incorporação do texto constante do carimbo nas posteriores edições da cartilha (71).


Interessante notar que dentre os pontos apontados na Recomendação nº 12/05 e repisados na reunião ocorrida, constava a preocupação do Ministério Público Federal com a necessidade de participação plural de profissionais ligados à área da saúde e da defesa da criança e adolescente, no âmbito público e privado, na formulação da cartilha. Em apenas 3 dias depois da reunião ocorrida em São Paulo a SENAD, apresentou a proposta do carimbinho, dizendo-se amparada em amplo debate com os profissionais da área…

Quanto à alegação de que a elaboração do conteúdo da cartilha se enquadra dentro do âmbito do poder discricionário da Administração (72), não há como discordar da afirmação da SENAD.

A única observação que se impõe, não raro ignorada pelo administrador público, é que ato discricionário também deve observar a Constituição Federal e a legislação vigente. A possibilidade de controle judicial do ato discricionário é indiscutível.

Para a hipótese aqui tratada, não custa lembrar que: a) a elaboração de políticas públicas está adstrita à rígida observância dos princípios constitucionais; b) o princípio da soberania popular, que tem como um de seus desdobramentos o exercício da democracia representativa (artigo 1º, parágrafo único, da Constituição Federal), harmonizado com o princípio da legalidade (artigo 5º, II e 37, caput, da Constituição Federal) faz concluir que o Poder Legislativo seja, por excelência, o legitimado a definir, sempre em conformidade com os ditames da Constituição, qual o rumo que tais políticas públicas deverão tomar, inovando a ordem jurídica; c) o Poder Executivo deverá dar efeito a tais políticas em fiel observância aos ditames da lei (artigo 84, IV, da Constituição Federal); d) ao Poder Judiciário está reservado, quando provocado, o controle jurisdicional das políticas públicas em face das leis e da Constituição, como decorrência inequívoca do princípio da inafastabilidade da jurisdição (artigo 5º, XXXV, da Constituição Federal); e) por serem impostos ao Ministério Público os misteres de promover a defesa da ordem jurídica, do regime democrático e dos interesses sociais e indisponíveis (127, caput, da Constituição Federal), de zelar pelo efetivo respeito dos poderes públicos e dos serviços de relevância pública aos direitos assegurados na Constituição (129, II, da Constituição Federal) e de promover a proteção do patrimônio público e social, do meio ambiente e outros interesses difusos e coletivos (129, III, da Constituição Federal) a ele se impõe o dever de manejar os instrumentos que a Constituição Federal e a legislação lhe faculta, dentre os quais merecem destaque o inquérito civil e a ação civil pública.

O parecer da Advocacia-Geral da União trata essencialmente dos aspectos relativos à contratação por dispensa de licitação (73). Interessante notar que a Consultoria-Geral da União, além de se valer de argumentos que passam por ataques pessoais (74), ainda sugeriu que o assunto fosse levado ao conhecimento do Procurador-Geral da República, a pretexto da relevância do interesse público em questão (75) (?). Mesmo sem saber qual a verdadeira intenção da AGU ao tomar tal iniciativa, o fato é que Sua Excelência, o Procurador-Geral da República, encaminhou todo o expediente ao Ministério Público Federal em São Paulo, em razão da atribuição para oficiar no feito (76).

5) Da necessidade de condenação cumulativa por danos morais

Tendo em vista que a União Federal expressamente se recusou a atender o quanto determinado nas duas Recomendações expedidas pelo Ministério Público Federal, presume-se já haver distribuído algumas das cartilhas à população – o que se apurará no transcorrer da ação – cabe fazer breve abordagem sobre a necessidade de indenização por danos morais causados aos interesses da criança e do adolescente, pedido que se articulará em caráter cumulativo.

Isso porque, tendo isso de fato se verificado, a conduta da União Federal certamente provocou danos morais à coletividade, notadamente em razão da prestação de informação inadequada às crianças e adolescentes. Não há, ainda, que se olvidar os danos reflexos que uma política de tal orientação traz à saúde pública. Afinal, deixar de prevenir o consumo precoce de álcool representa aumentar o empenho de recursos na saúde para recuperar os gravames mais diversos causados pelo consumo do álcool.

Conforme salienta Carlos Alberto Bittar Filho (77),

“o dano moral … é o resultado de golpe desfechado contra a esfera psíquica ou a moral, em se tratando de pessoa física. A agressão fere a pessoa no mundo interior do psiquismo, traduzindo-se por reações desagradáveis, desconfortáveis ou constrangedoras, bem como trazendo à tona o fato de que o homem é dividido em corpo e espírito, consoantes as brilhantes lições do eminente Luiz da Cunha Gonçalves”.


Esse prejuízo – sofrido difusamente por todos, há de ser ressarcido, conforme previsto no inciso V do artigo 1º da Lei n° 7.347/85:

“Art. 1º. Regem-se pelas disposições desta lei, sem prejuízo da ação popular, as ações de responsabilidade por danos morais e patrimoniais causados:” (grifamos).

O Código de Defesa do Consumidor, por seu turno, também contempla a indenização por dano moral, nos incisos VI e VII do artigo 6º, escudado pela previsão da nossa Carta de 1988, na dicção do inciso V do artigo 5º. Diz o citado artigo do Código de Defesa do Consumidor, aplicável também às relações de prestação de serviços públicos, que:

“Art. 6º. São direitos básicos do consumidor:

(………….)

VI – a efetiva prevenção e reparação de danos patrimoniais, morais, individuais, coletivos e difusos;

VII – o acesso aos órgãos judiciários e administrativos, com vistas à prevenção ou reparação de danos patrimoniais e morais, individuais, coletivos ou difusos, assegurada a proteção jurídica, administrativa e técnica aos necessitados.” (g.n.).

Oportuno notar, ainda, que os danos morais atentam não só contra a esfera individual dos lesados, mas também contra a moral coletiva. De fato, a repercussão que esses fatos geram no cenário nacional frutifica a crença – extremamente danosa – de que o sistema único e público de saúde não é capaz de assegurar tratamento digno e gratuito à população.

Resulta daí que a própria imagem do Estado fica desprestigiada, e a conseqüência quase que automática é a descrença na Constituição.

O esvaziamento da Constituição, por sua vez, atinge o próprio Estado, seus agentes e a coletividade. Vale lembrar, com J. J. Gomes Canotilho (78), que:

“Hoje, no plano político-constitucional, a nação terá valor como elemento simbólico de unidade, não no sentido de uma entidade mística, transpessoal e integrativa de todos os membros do corpo social, mas no sentido de República como ‘operador de solidariedades concreta’ entre os homens. (…)

Por sua vez, o Estado deixa de ser considerado como ‘encarnação de qualquer espírito objectivo’ ou como sujeito superior, transcendente ou pré-existente aos cidadãos, para se assumir como um princípio de ordenação e de organização da colectividade nacional. A operação de simbolização através do Estado consiste, assim, na transformação do Estado em significante ou projecção da Nação…”.

Logo, as condutas descritas ao violar a imagem do Estado atingem os homens, os cidadãos e enfim a própria sociedade, difusamente. E, conforme ressalta André de Carvalho Ramos “qualquer abalo no patrimônio moral de uma coletividade merece reparação”. E complementa (79):

“Devemos ainda considerar que o tratamento transindividual aos chamados interesses difusos e coletivos origina-se justamente da importância destes interesses e da necessidade de uma efetiva tutela jurídica. Ora, tal importância somente reforça a necessidade de aceitação do dano moral coletivo, já que a dor psíquica que alicerçou a teoria do dano moral individual acaba cedendo lugar, no caso do dano moral coletivo, a um sentimento de desapreço e de perda de valores essenciais que afetam negativamente toda uma coletividade.

Imagine-se o dano moral gerado por propaganda enganosa ou abusiva. O consumidor em potencial sente-se lesionado e vê aumentar seu sentimento de desconfiança na proteção legal do consumidor, bem como no seu sentimento de cidadania.”

No mesmo sentido, registra Carlos Alberto Bittar Filho (80):

“ …chega-se a conclusão de que o dano moral coletivo é a injusta lesão da esfera moral de uma dada comunidade, ou seja, é a violação antijurídica de um determinado círculo de valores coletivos. Quando se fala em dano moral coletivo, está-se fazendo menção ao fato de que o patrimônio valorativo de uma certa comunidade (maior ou menor), idealmente considerado, foi agredido de maneira absolutamente injustificável do ponto de vista jurídico: quer isso dizer, em última instância, que se feriu a própria cultura, em seu aspecto imaterial.” (g.n.).

Em suma, em caráter cumulativo o autor promove esta ação como instrumento de defesa coletiva, que implicará na reparação dos morais difusos e coletivos, suportados por toda a sociedade e pelas crianças e adolescentes.

6) Dos pedidos

A ação civil pública pleiteia, assim, a condenação da União Federal à obrigação de não fazer consistente em não distribuir todas as cartilhas “Drogas: Cartilha álcool e jovens” já impressas, não reproduzir novas impressões da mesma cartilha e não produzir nova cartilha cujo conteúdo seja idêntico ou similar às impropriedades constatadas naquele documento. O artigo 16 da Lei da Ação Civil Pública, ao confundir critério para fixação da competência (território) com os efeitos da decisão, não possui nenhuma aplicação neste feito.


A pessoa jurídica que figura no pólo passivo desta ação é de âmbito nacional, assim como estão espalhados pelo território nacional os prejudicados por seus atos. A natureza do objeto da presente ação não admite o fracionamento da decisão, ou ensejaria novas injustiças que aqui se busca evitar. Não é crível que em alguns Estados da Federação a União possa distribuir cartilha que fere os direitos da criança e do adolescente e em outro não. De rigor, portanto, o reconhecimento de seu âmbito nacional.

6.1) Tutela antecipada

É certo que o Código de Processo Civil, no artigo 273, possibilita à parte a feitura de requerimento de antecipação, total ou parcial, dos efeitos da tutela pretendida no pedido inicial, desde que exista prova inequívoca de verossimilhança da alegação e haja fundado receio de dano irreparável ou de difícil reparação, ou fique caracterizado o abuso de direito de defesa ou o manifesto propósito protelatório do réu.

As considerações feitas na fundamentação bem evidenciam a existência do requisito da “inequívoca verossimilhança”. É fato incontroverso que a cartilha, por seu conteúdo ignora solenemente os preceitos de proteção à criança e ao adolescente internacionalmente reconhecidos, passa ao largo da principiologia estabelecida na Constituição Federal e caminha em sentido expressamente contrário ao disposto no Estatuto da Criança e do Adolescente. A simples leitura de um de seus exemplares é prova inequívoca disso.

O periculum in mora qualificado do artigo 273 do CPC é igualmente evidente na medida em que milhares de crianças e adolescentes receberão da União – que distribuirá as cartilhas por meio de serviço 0800 e dos Conselhoe Estaduais e Municipais – material completamente inadequado à sua orientação. Observe-se que a própria SENAD, em mais de uma oportunidade (81) manifestou sua “preocupação com relação ao tempo” porque pretendia rapidamente distribuir a cartilha por meio do serviço 0800, criado no mês de maio. Aguardar-se o término da ação judicial, além implicará a compactuação com a violação de direitos fundamentais da criança e do adolescente.

6.2) Diante do exposto vem o Ministério Público requerer:

6.2.1) em sede liminar, a concessão de tutela antecipada para o fim de determinar à União Federal que:

a) imediatamente deixe de distribuir os exemplares da cartilha “Drogas: Cartilha álcool e jovens” já impressos – quer por meio dos Conselhos de Saúde, quer diretamente por meio do sistema 0800 ou por qualquer outro meio-, não reproduza novas impressões da mesma cartilha e não produza nova cartilha cujo conteúdo seja idêntico ou similar às impropriedades constatadas naquele documento;

requer-se, para assegurar o cumprimento do requerido, seja fixada, nos termo do artigo 287 do Código de Processo Civil, multa cominatória no valor de R$ 10.000,00 por dia no caso de descumprimento.

b) na hipótese de já terem sido encaminhados alguns dos exemplares aos Conselhos Estaduais e Municipais de Saúde, tome imediatamente as medidas cabíveis para reaver a sua posse, evitando-se a distribuição ao público;

6.2.2) ainda em sede liminar, determine à União que, no prazo de 48 horas, deposite em juízo todos os exemplares já impressos na cartilha, quer para o fim de evitar sejam lesados interesses da criança e do adolescente quer para o fim de eventualmente arbitrar condenação da União em indenização por dano moral aos interesses coletivos da criança e do adolescente em pedido adiante formulado; na hipótese de não cumprimento no prazo estipulado por Vossa Excelência requer desde já seja deferida, com fundamento no artigo 839 e seguintes do Código de Processo Civil, medida cautelar de busca e apreensão do material referido;

Requer-se que os pedidos feitos em sede liminar sejam deferidos independentemente de oitiva da União Federal, quer porque a urgência assim o requer, quer porque a SENAD e a AGU já se manifestaram de maneira ampla no procedimento em questão, no qual foi plenamente assegurado o contraditório.

6.2.3) a citação da União Federal, na pessoa de seu Procurador Regional, para, querendo, contestar a presente ação e acompanhá-la em todos os seus termos, até final procedência, sob pena de revelia e confissão;

6.2.4) seja julgada procedente a pretensão ora deduzida para o fim de, em caráter definitivo,

a) condenar a União Federal ao cumprimento da obrigação de não fazer consistente em não distribuir nenhum dos exemplares da cartilha “Drogas: Cartilha álcool e jovens” já impressos – quer por meio dos Conselhos de Saúde, quer diretamente por meio do sistema 0800 ou por qualquer outro meio-, não reproduzir novas impressões da mesma cartilha e não produzir nova cartilha cujo conteúdo seja idêntico ou similar às impropriedades constatadas naquele documento, confirmando, portanto, os pedidos feitos em sede liminar, tendo em vista a evidente afronta aos artigos 5º, §2º; 227, caput e §3º, inciso VII da Constituição Federal, nos artigos 3º, alíneas 1, 2 e 3; 17; 24, alíneas 1, 2 (e e f), 3 e 33, da Convenção sobre os Direitos da Criança e aos artigos 7º; 16, VII; 70; 81, II; 201, V e VI da Lei 8.069/90 – Estatuto da Criança e do Adolescente, em relação aos quais requer digne-se Vossa Excelência pronunciar-se expressamente para fins de prequestionamento;


b) em caráter cumulativo (artigo 292 do Código de Processo Civil) a condenação da União a indenizar os danos morais difusos em montante a ser fixado por Vossa Excelência, de acordo com a quantidade de cartilhas que a SENAD já tiver distribuído ao público até a data da propositura desta ação. A quantia há de ser revertida ao fundo federal a que se refere o art. 13 da Lei nº 7.347/85, que se sugere de, no mínimo, R$ 1.000.000,00 (Um milhão de reais), corrigidos monetariamente desde a data de propositura da ação (art. 13 da Lei n. 7.347/85).

Protesta, ainda, pela produção de todos os meios de prova admitidos em Direito,

Dá-se a causa o valor de R$ 1.000.000,00 (Um milhão de reais).

Termos em que pede deferimento.

São Paulo, 13 de junho de 2005.

LUIZ FERNANDO GASPAR COSTA

Procurador da República

Notas de rodapé

(1) PAULA, Paulo Afonso Garrido de. Direito da Criança e do Adolescente e Tutela Jurisdicional Diferenciada. São Paulo, Revista dos Tribunais, 2002, pp. 23/24.

(2) MELLO, Celso Antônio Bandeira de in Conteúdo jurídico do princípio da igualdade. São Paulo, Malheiros, 1993, pp. 23-4.

(3) “(…) os iguais podem diferir totalmente sob outros aspectos ignorados ou considerados como irrelevantes pelo legislador, este julga, assim, como “essenciais” ou “relevantes”, certos aspectos ou características das pessoas, circunstâncias ou das situações nas quais essas pessoas se encontram, e funda sobre esses aspectos ou elementos as categorias estabelecidas pelas normas jurídicas (…)” (SILVA, José Afonso da. Curso de Direito Constitucional Positivo. São Paulo: Malheiros, 1998. p. 219)

(4) Nesse sentido, valorosas as lições de Paulo Afonso Garrido de Paula: “O respeito à condição peculiar de pessoa em processo de desenvolvimento indica um estado que necessariamente deve ser levado em conta, sob pena de conceber, aquilo que é, por aquilo que pode ser, ou seja, um adulto. A criança ou adolescente não é um projeto, um empreendimento esquemático; é uma realidade caracterizada por atributos da idade, em constante modificação” in Direito da Criança e do Adolescente e Tutela Jurisdicional Diferenciada. São Paulo, Revista dos Tribunais, 2002, p. 38.

(5) “PRINCÍPIO 2º. A criança gozará proteção essencial e ser-lhe-ão proporcionadas oportunidade e facilidades, por lei e por outros meios, a fim de lhe facultar o desenvolvimento físico, mental, moral, espiritual e social, de forma sadia e normal e em condições de liberdade e dignidade. Na instituição das leis visando este objetivo levar-se-ão em conta sobretudo, os melhores interesses da criança”.

(6) “PRINCÍPIO 4º. A criança gozará os benefícios da previdência social. Terá direito a crescer e criar-se com saúde; para isto, tanto à criança como à mãe, serão proporcionados cuidados e proteção especiais, inclusive adequados cuidados pré e pós-natais. A criança terá direito a alimentação, recreação e assistência médica adequadas”.

(7) “PRINCÍPIO 7º. A criança terá direito a receber educação, que será gratuita e compulsória pelo menos no grau primário.

Ser-lhe-á propiciada uma educação capaz de promover a sua cultura geral e capacitá-la a, em condições de iguais oportunidades, desenvolver as suas aptidões, sua capacidade de emitir juízo e seu senso de responsabilidade moral e social, e a tornar-se um membro útil da sociedade.

Os melhores interesses da criança serão a diretriz a nortear os responsáveis pela sua educação e orientação; esta responsabilidade cabe, em primeiro lugar, aos pais.

A criança terá ampla oportunidade para brincar e divertir-se, visando os propósitos mesmos da sua educação; a sociedade e as autoridades públicas empenhar-se-ão em promover o gozo deste direito”.

(8) Sem ingressar nas discussões doutrinária e jurisprudencial a respeito da natureza jurídica do status adquirido pelos Tratados Internacionais quando ratificados pela República Federativa do Brasil, o fato é que implicam obrigatoriedade de cumprimento uma vez incorporados ao ordenamento jurídico brasileiro. Com a promulgação da Emenda Constitucional nº 45/04 foi acrescido o parágrafo terceiro ao artigo 5º, que prevê: “Os tratados e convenções internacionais sobre direitos humanos que forem aprovados, em cada Casa do Congresso Nacional, em dois turnos, por três quintos dos votos dos respectivos membros, serão equivalentes às emendas constitucionais”.

(9) “Artigo 24 – 1. Toda criança terá direito, sem discriminação alguma por motivo de cor, sexo, língua, religião, origem nacional ou social, situação econômica ou nascimento, às medidas de proteção que a sua condição de menor requer por parte de sua família, da sociedade e do Estado.

2. Toda criança deverá ser registrada imediatamente após seu nascimento e deverá receber um nome.


3. Toda criança terá o direito de adquirir uma nacionalidade.”

(10) “Artigo 10 – Os Estados-partes no presente Pacto reconhecem que: (…)

3. Deve-se adotar medidas especiais de proteção e assistência em prol de todas as crianças e adolescentes, sem distinção alguma por motivo de filiação ou qualquer outra condição. Deve-se proteger as crianças e adolescentes contra a exploração econômica e social. O emprego de crianças e adolescentes, em trabalho que lhes seja nocivo à moral e à saúde, ou que lhes faça correr perigo de vida, ou ainda que lhes venha prejudicar o desenvolvimento normal, será punido por lei. Os Estados devem também estabelecer limites de idade, sob os quais fique proibido e punido por lei o emprego assalariado da mão-de-obra infantil”.

(11) Observe-se que a Convenção não faz a distinção terminológica adotada pelo Estatuto da Criança e Adolescente. De acordo com seu artigo 1° considera-se criança todo ser humano menor de 18 anos de idade.

(12) Artigo 3, 1.

(13) “Artigo 24

1. Os Estados-partes reconhecem o direito da criança de gozar do melhor padrão possível de saúde e dos serviços destinados ao tratamento das doenças e à recuperação da saúde. Os Estados-partes envidarão esforços no sentido de assegurar que nenhuma criança se veja privada de seu direito de usufruir desses serviços sanitários.

2. Os Estados-partes garantirão a plena aplicação desse direito e, em especial, adotarão as medidas apropriadas com vista a:

• reduzir a mortalidade infantil;

• assegurar a prestação de assistência médica e cuidados sanitários necessários a todas as crianças, dando ênfase aos cuidados básicos de saúde;

• combater as doenças e a desnutrição, dentro do contexto dos cuidados básicos de saúde mediante, inter alia, a aplicação de tecnologia disponível e o fornecimento de alimentos nutritivos e de água potável, tendo em vista os perigos e riscos da poluição ambiental;

• assegurar às mães adequada assistência pré-natal e pós-natal;

• assegurar que todos os setores da sociedade e em especial os pais e as crianças, conheçam os princípios básicos de saúde e nutrição das crianças, as vantagens da amamentação, da higiene e do saneamento ambiental e das medidas de prevenção de acidentes, e tenham acesso à educação pertinente e recebam apoio para aplicação desses conhecimentos;

• desenvolver a assistência médica preventiva, a orientação aos pais e a educação e serviços de planejamento familiar.

3. Os Estados-partes adotarão todas as medidas eficazes e adequadas para abolir práticas tradicionais que sejam prejudiciais à saúde da criança”.

(14) “Artigo 17. Os Estados-partes reconhecem a importante função exercida pelos meios de comunicação de massa e assegurarão que a criança tenha acesso às informações e dados de diversas fontes nacionais e internacionais, especialmente os voltados à promoção de seu bem-estar social, espiritual e moral e saúde física e mental. Para este fim., os Estados-partes :

encorajarão os meios de comunicação a difundir informações e dados de benefício social e cultural à criança e em conformidade com o espírito do artigo 29;

promoverão a cooperação internacional na produção, intercâmbio e na difusão de tais informações e dados de diversas fontes culturais, nacionais e internacionais;

encorajarão a produção e difusão de livros para criança;

2incentivarão os órgãos de comunicação a ter particularmente em conta as necessidades lingüísticas da criança que pertencer a uma minoria ou que for indígena;

promoverão o desenvolvimento de diretrizes apropriadas à proteção da criança contra informações e dados prejudiciais ao seu bem-estar, levando em conta as disposições dos artigos 13 e 18”.

(15) “Os Estados-partes adotarão todas as medidas apropriadas inclusive medidas legislativas, administrativas, sociais e educacionais para proteger a criança contra o uso ilícito de drogas e substâncias psicotrópicas descritas nos tratados internacionais pertinentes e para impedir que crianças sejam utilizadas na produção e no tráfico ilícito dessas substâncias”.

(16) “Art. 3º A criança e o adolescente gozam de todos os direitos fundamentais inerentes à pessoa humana, sem prejuízo da proteção integral de que trata esta Lei, assegurando-se-lhes, por lei ou por outros meios, todas as oportunidades e facilidades, a fim de lhes facultar o desenvolvimento físico, mental, moral, espiritual e social, em condições de liberdade e de dignidade”.

(17) Artigo 4° do ECA.

(18) Artigo 16 do ECA.

(19) Artigo 71 do ECA.

(20) http://www.senad.gov.br/, 10.06.05; 13h35’. Fls. 37/47 do procedimento.

(21) Fls. 92/96 do procedimento.


(22) “As principais drogas: Como elas agem e quais os seus efeitos” in Adolescência e Drogas. Iliana Pinsky e Marco Antônio Bessa (orgs.). São Paulo: Contexto, 2004, p.18.

(23) Fls. 181/186 do procedimento. O Professor Marcos Zaleski é mestre em Farmacologia do Sistema Nervoso Central – Universidade Federal de Santa Catarina – UFSC; Pós-Graduado Em Dependência Química – Escola Paulista de Medicina/ Universidade Federal de São Paulo – Epm/Unifesp; Doutorando em Ciências Médicas pela Epm/Unifesp e Professor de Psiquiatria do Departamento de Clínica Médica da UFSC.

(24) “Os jovens são mais vulneráveis às drogas?” in Adolescência e Drogas. Iliana Pinsky e Marco Antônio Bessa (orgs.). São Paulo: Contexto, 2004, pp. 33, 38 e 44.

(25) Fls. 437/439 do procedimento. O Doutor Marco Antonio Bessa é, Psiquiatra, mestre em Filosofia pela UFSCar – Universidade Federal de São Carlos; Doutorando pela UNIFESP; Professor colaborador de psiquiatria e psicologia médica da Faculdade Evangélica de Medicina do Paraná, coordenador da Aldeia – Ala de Desintoxicação da Infância e da Adolescência, e supervisor da Residência em Psiquiatria da Clínica Heidelberg, em Curitiba.

(26) A cartilha usa o paradigma americano sem fazer as necessárias observações. É que naquele país a venda de bebidas alcoólicas é proibida para menores de 21 anos e uma pesquisa feita entre o público universitário não pode ser simplesmente transplantada para para tratar de crianças e adolescentes.

(27) Fls. 181/186 do procedimento.

(28) Conforme parecer do Departamento de Adolescência da Sociedade Brasileira de Pediatria (fls. 220/221 do procedimento).

(29) Conforme parecer do Professor Marcos Zaleski (fls. 181/186 do procedimento)

(30) A estimativa da população brasileira é de 183.863.074 de habitantes, cf. informações obtidas no site do IBGE. http://www.ibge.gov.br/, 10.06.05; 18h20’.

(31) Fls. 220/221 do procedimento. O Doutor Paulo César Pinho Ribeiro é médico pediatra; Mestre; Presidente do Departamento de Adolescência da Sociedade Brasileira de Pediatria e Coordenador do Programa Saúde na Escola da Secretaria da Saúde do Estado de Minas Gerais.

(32) Fls. 181/186 do procedimento.

(33) Decreto nº 4.345 de 26.08.2002 in http://www.senad.gov.br/; 08.06.05, 13h55’ (fl. 39 do procedimento.

(34) Fls. 204/206 do procedimento.

(35) Por falar em indústria de bebidas alcoólicas, “O Estado de São Paulo” publicou interessante matéria na edição do dia 19 de março de 2005, p. A26:

“Nomeação de ex-colaborador da AmBev provoca críticas

Brasília

A Secretaria Nacional Antidrogas (Senad) está no centro de outra polêmica. Especialistas ligados à prevenção do abuso de bebidas alcoólicas voltaram suas críticas contra a nomeação de Vladimir de Andrade Stempliuk para o Observatório Brasileiro de Informações sobre Drogas, braço da Senad que tem como função reunir dados sobre consumo de drogas, usados para nortear programas de prevenção. Stempliuk até há poucos meses era colaborador sênior do Centro de Informações sobre Saúde e Álcool, ONG financiada pela AmBev – a segunda maior fabricante de bebidas alcoólicas do mundo.

‘Acreditamos que um especialista que trabalha em colaboração com a indústria, seja do tabaco, seja do fumo, tem de passar por um período de quarentena. Isso é o mínimo para garantir a isenção”, afirma a presidente da Associação Brasileira de Estudo de Álcool e Drogas (Abead), Ana Cecília Marques. Em fevereiro, a Abead pediu que a Senad divulgasse seu posicionamento. Ouviu que qualquer pessoa poderia ser contratada, desde que não fosse condenada criminalmente.

O secretário nacional Antodrogas, general Paulo Uchoa, defende a indicação. “Ele têm uma formação acadêmica irrepreensível, não podemos dar ouvidos a uma patrulha”, afirmou. “E não houve reação contrária à sua indicação. Foi apenas uma ou duas pessoas”.

Ana Cecília dsicorda. “Numa assembléia feita pela Abead, decidimos pela não-parceria com a indústria. Somente assim poderíamos evitar conflitos de interesse”

O Estado tentou contactar Stempliuk, por meio da Senad, mas não obteve resposta”.

(36) “A influência da mídia e o uso das drogas na adolescência” in Adolescência e Drogas. Iliana Pinsky e Marco Antônio Bessa (orgs.). São Paulo: Contexto, 2004, pp. 61/62.

(37) http://www.euro.who.int/AboutWHO/Policy/20030204_1; 08/06/05, 12h17’ (fls. 70/73 do procedimento)

(38) Fls. 443/446 do procedimento.

(39) Fl. 223 do procedimento.

(40) Fls. 447/ do procedimento.

(41) Fls. 92/169 do procedimento.

(42) Fls. 141/142 do procedimento.

(43) Fl. 144 do procedimento.

(44) Fl. 145 do procedimento.

(45) Além de outras quatro cartilhas a que o MPF teve acesso, quais sejam “Drogas: Cartilha para pais de adolescentes” (fls. 261/280); ”Drogas: Cartilha para educadores” (fls. 282/304); “Drogas: Cartilha para pais de crianças” (fls. 306/326) e “Drogas: Cartilha sobre tabaco” (fls. 328/345).

(46) Fls. 253/259 do procedimento.

(47) Fl. 223 do procedimento.

(48) Decisão 1.616/2003, Plenário, Relator Ministro Augusto Sherman Cavalcanti

(49) Requisito para caracterização da atividade, como já o reconheceu o Tribunal de Contas da União.

(50) A observação ganha em relevância quando se constata que o endereço profissional da autora das cartilhas situa-se nos Estados Unidos da América.

(51) Decisão n.º 346/99, Relator Ministro Lincoln Magalhães da Rocha

(52) Conforme informações extraídas de sistema de informações da Universidade de São Paulo; fl. 347.

(53) conforme despacho de 26 de novembro de 2003, cf fls. 141/142.

(54) Fls. 388/427 do procedimento.

(55) Idem.

(56) Fl. 389 do procedimento (ofício Senad).

(57) Fl. 180 do procedimento.

(58) Fl. 90 do procedimento.

(59) Fl. 180 do procedimento.

(60) Fl. 389 do procedimento.

(61) Fls. 396/414.

(62) Fls. 401/402.

(63) Fl. 414.

(64) O expediente encontra-se apensado ao procedimento administrativo.

(65) in Do dano moral coletivo no atual contexto jurídico brasileiro, Revista Direito do Consumidor 12/44, RT.

(66) Direito Constitucional, 6ª ed., 1993, Livraria Almedina, Coimbra, p. 104.

(67) in “A ação civil pública e o dano moral coletivo”. Revista de Direito do Consumidor 25:82.

(68) Do dano moral coletivo no atual contexto jurídico brasileiro, Direito do Consumidor, vol. 12- Ed. RT.

(69) Fls. 179/224.

(70) Fl. 90 do procedimento.

(71) Fl. 180 do procedimento.

(72) Fl. 389 do procedimento.

(73) Fls. 396/414.

(74) Fls. 401/402.

(75) Fl. 414.

(76) O expediente encontra-se apensado ao procedimento administrativo.

(77) in Do dano moral coletivo no atual contexto jurídico brasileiro, Revista Direito do Consumidor 12/44, RT.

(78) Direito Constitucional, 6ª ed., 1993, Livraria Almedina, Coimbra, p. 104.

(79) in “A ação civil pública e o dano moral coletivo”. Revista de Direito do Consumidor 25:82.

(80) Do dano moral coletivo no atual contexto jurídico brasileiro, Direito do Consumidor, vol. 12- Ed. RT.

(81) Fls. 179/224.

Tags:

Encontrou um erro? Avise nossa equipe!