Milhões em ações

Banco garante direito à compra de ações da Ambev

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13 de junho de 2005, 19h42

A Justiça paulista reconheceu ao Credit Suisse First Boston o direito de adquirir, pelo melhor preço, 547 milhões de ações preferenciais e ordinárias da Ambev — Companhia de Bebidas das Américas. A Justiça estabeleceu o pagamento de honorários advocatícios do valor de R$ 300 mil. As duas partes já recorreram ao Tribunal de Justiça de São Paulo.

Na ação, o banco e dois de seus fundos de investimento se apresentam como titulares de bônus de subscrição emitidos pela Cervejaria Brahma, em 1996, que foram ratificados pela Ambev em 2000. Os bônus conferiam aos bancos o direito de subscrever, até 30 de abril de 2004, ações preferenciais e ordinárias da companhia de bebidas.

A decisão é do juiz Caio Marcelo Mendes de Oliveira, da 23ª Vara Cível da capital paulista, que julgou procedente a ação ordinária proposta pelo Credit Suisse. De acordo com a sentença, em troca, a Ambev receberá o valor correspondente em dinheiro.

A companhia foi condenada, ainda, a pagar ao banco bonificações e dividendos decorrentes das ações, após o término do prazo do exercício de opção. Os valores serão apurados na fase de execução da sentença.

O juiz reconheceu que as instituições financeiras têm direito de subscrever ações de capital da Ambev pelo menor preço de emissão, entre fevereiro de 1996 e abril de 2003.

A Justiça, no entanto, julgou improcedente o pedido de indenização por perdas e danos. O juiz entendeu que, além dos títulos já concedidos, “não se configurou prejuízo de outra ordem”.

A controvérsia

A queda-de-braço começou na CVM — Comissão de Valores Mobiliários, que deu ganho de causa à Ambev. Agora, a batalha terá continuidade no Tribunal de Justiça, a quem caberá dirimir a controvérsia.

Bônus de subscrição é um título mobiliário negociável que confere a seus detentores o direito de, num período determinado, subscrever ações de uma empresa, por preço previamente determinado.

A Ambev, no entanto, exige que o preço seja aquele originalmente previsto no ato de emissão, sem qualquer ajuste. As entidades de crédito alegam que os valores da subscrição seriam atualizados monetariamente e acrescidos de juros, e que eventuais aumentos de capital por subscrição privada ou pública beneficiariam os seus subscritores.

Embora tenha havido pelo menos dois aumentos de capital, realizados por subscrição privada, a Ambev divulgou que eles não seriam usados para a fixação do preço dos bônus.

Por causa dessa posição da Ambev, as instituições de crédito ajuizaram ação ordinária, conquistando o direito de subscrever as ações pelo menor preço de emissão.

A Ambev, no entanto, nega-se a admitir o uso dos aumentos de capital como parâmetro para fixação dos bônus. Argumenta que os aportes não constituíram aumentos de capital por subscrição pública ou privada.

A criação da Ambev

Há pouco mais de seis anos, em 1º de julho de 1999, o mercado foi surpreendido pelo anúncio da fusão das duas maiores empresas de cervejas e refrigerantes do Brasil, a Antarctica e a Brahma, que formaram, na época, a terceira maior cervejaria do mundo: a Ambev — Companhia de Bebidas das Américas (American Beverage Company).

A união passaria a concentrar 73% do mercado de cerveja, fato que desagradou a muitos no setor e levou o Cade — Conselho Administrativo de Defesa Econômica a suspender a fusão até que fosse avaliado o impacto do acontecimento no mercado interno.

A “guerra” foi mais visível e direta entre as marcas de cerveja, um segmento aquecido no Brasil, que é o quarto maior mercado do mundo. Porém, perto de outros países, o consumo per capita de cerveja no Brasil ainda é baixo, ficando em torno de 44 litros, frente aos 100 litros consumidos na Alemanha e aos 80 litros consumidos nos Estados Unidos.

Apesar de toda a controvérsia, a fusão foi aprovada, o que mudou totalmente o panorama competitivo nesse setor, no Brasil.

Leia a íntegra da sentença

Sent. Compl.: Pedido Julgado Procedente

23ª Vara Cível Central

Processo n° 000 03 046 926 – 0

Vistos.

BANCO DE INVESTIMENTOS CREDIT SUISSE FIRST BOSTON S/A, CREDIT SUISSE FIRST BOSTON GARANTIA “PRÓPRIO” FUNDO DE INVESTIMENTOS EM AÇÕES, CREDIT SUISSE FIRST BOSTON EQUITY INVESTMENTS (NETHERLANDS) B.V. promovem ação ordinária contra COMPANHIA DE BEBIDAS DAS AMÉRICAS – AMBEV, afirmando que aderiram à emissão de bônus de subscrição, pela Cia. Cervejaria Brahma, em 14.2.1996, nas proporções que mencionam, tendo sido fixado o mês de abril de 2.003 como o de exercício do direito de subscrição de ações relativas a eles.

Os valores estabelecidos para a subscrição seriam atualizados monetariamente e acrescidos de juros, tendo deliberado a RCA/CF que eventuais aumentos de capital por subscrição privada ou pública, até o término do exercício do direito a subscrição, por preço inferior ao ajustado, para os bônus, beneficiaria os seus subscritores.


No entanto, prossegue a inicial, embora houvesse subscrição por preço menor, em 20.6.1997, em razão de aumento de capital ocorrido naquela data, a Ré veio a público para divulgar o que afirmou ser “fato relevante”, no sentido de que os aumentos de capital decorrentes do plano de opção de compra de ações da Cia. não influenciaria o preço.

Após batalha administrativa junto a CVM, com pareceres favoráveis ora a uma das partes, ora a outra, deliberou aquele órgão, por maioria de votos, pelo acolhimento da tese da Ré, razão pela qual vieram os Autores a Juízo para pedir, quer a título de antecipação de tutela, quer por provimento jurisdicional final, a determinação de emissão das ações correspondentes aos bônus subscritos, mediante depósito da quantia para tanto necessária, com o reconhecimento do direito de subscrição, com base inclusive em aumento de capital decorrente do exercício do plano de opções ou dos antigos bônus de subscrição de 1993, tudo pelo menor preço, condenada ainda a Ré nos acréscimos decorrentes de dividendos, bonificações, juros e correção monetária.

Pediram ainda, se caso não fosse apurado preço inferior àquele do aumento de capital homologado pela RCA em 20.6.1997, ele deveria prevalecer e, subsidiariamente, haveria de prevalecer o preço homologado na RCA de 10.10.1996.

Finalmente, pedem a condenação da Ré em perdas e danos, consistentes na impossibilidade do exercício pleno dos bônus a se apurar em liquidação de sentença.

Para os Autores, o direito deveria ser reconhecido,em face da expressa deliberação em assembléia, observada a literalidade dos bônus emitidos, uma vez que de outra maneira a questão não poderia ser interpretada, não podendo prevalecer entendimento limitador de direitos, ao que acrescentaram que a ré somente às vésperas do direito de subscrição veio a público manifestar sua intenção.

O despacho inicial concedeu medida liminar de antecipação de tutela aos Autores, deliberação que foi revogada pela instância superior.

A Ré apresentou contestação e reconvenção, tendo sido esta última peça liminarmente indeferida (fls. 670 e 1012/1015). Na contestação apresentada, com preliminar sobre necessidade de complementação de caução, a Ré afirma que não houve nenhum aumento de capital por subscrição pública ou privada desde a emissão dos bônus, com o que inexistiria motivo para ajuste de preço.

Para tanto, argumenta que os aumentos de capital decorrentes do exercício de opções de compra de ações e do exercício de bônus de subscrição não se confundem com aumentos de capital por subscrição pública ou privada. Tais aumentos tinham natureza diferente e decorriam de obrigações prévias da Cia., antes mesmo de 1.996, relativas às opções de compra de ações, outorgadas a seus empregados e a bônus de subscrição de 1.993.

Assim, foi favorecida administrativamente, por decisão final do colegiado da CVM, órgão máximo da autarquia, do que decorreu da divulgação do fato relevante, constando o preço correto necessário à subscrição.

Para a contestante, a legislação albergaria diversas espécies de aumento de capital, quer por subscrição pública ou privada, quer pelo exercício de compra de ações ou dos direitos contidos em bônus de subscrição, tudo de acordo com os artigos 166 a 172 da Lei das S/A.

Além disso, a interpretação da cláusula de ajuste deveria ser feita de forma que os bônus não sofreriam influência do plano de opções, sob pena de prejuízo aos acionistas, com diluição injustificada de sua participação acionária.

A cláusula de ajuste de preço tinha de ser interpretada restritivamente para evitar este prejuízo. Daí o pleito para improcedência da ação.

Segue-se a réplica (fls. 672 e seguintes). Os Autores pediram o julgamento antecipado da lide (fls.1044/1045). Finalmente vieram aos autos informes da CVM, nos termos da Lei 6385/76 (fls.1124/1125), cientificadas as partes.

É o relatório.

Passo a decidir.

O feito admite julgamento no estado em que se encontra, pois toda a matéria em debate, produzida a prova documental e estabelecidos os contornos do contraditório, é de direito.

Completamente desnecessário o pleito da Ré, que se mostra protelatório, para a produção de provas.. Nenhuma pertinência em expedição de ofício a bolsa de valores sobre informações realizadas com os referidos bônus de subscrição em 1996. O mesmo se diga da prova pericial-econômica, sobre informações disponíveis naquele ano, para se verificar variações de preço e “para elucidar aspectos da demanda em relação ao pagamento do preço correto do exercício dos direitos…” (fls.1048/1049).

Como dito, a questão é de direito e se circunscreve à análise da documentação decorrente da emissão dos bônus e da legislação vigente. Os Autores chegaram, em determinado momento, a pretender produzir prova para a apuração de valor menor de subscrição pública ou privada, do qual não tiveram conhecimento, mas esta questão, como por eles mesmo admitida, pode ser relegada para a fase executória.


Antes que se passe a analise do mérito há outras questões ainda pendentes, por provocação das partes. Todas são afastadas. Não há recurso com efeito suspensivo pendente, nada justificando o acolhimento de suspensão processual formulado a fls. 1189/1190. Como bem argumentado a fls. 37/38, o valor da caução prestada pela Autora estrangeira é mais do que suficiente para a garantia de eventual insucesso da demanda, estando atualmente representado por certificados de depósito bancário, que satisfaz aos requisitos do artigo 835 do C.P.C. (fl. 1058/1062).

De outra parte, a reconvenção foi indeferida liminarmente. Ao contrário do que afirmam as autoras, em nenhum momento este Juízo determinou vista dos autos a eles para contestar a reconvenção. Interposto agravo a respeito, foi-lhe dado efeito suspensivo (fls. 820), sem determinação expressa para o processamento da reconvenção. Apenas suspendia-se a eficácia da decisão de indeferimento. A contestação veio aos autos por vontade própria dos Autores, notando-se que o despacho de fls. 265 determinou que se aguardasse a decisão sobre o recurso. Nada mais.

Repita-se , a contestação de fls. 866 veio aos autos sem determinação alguma deste Juízo e a questão restou superada com a decisão do Egrégio Tribunal de Justiça, confirmando o indeferimento da petição inicial da reconvenção (fls. 1012/1015). Destarte, em função do indeferimento da petição inicial da reconvenção, não instaurada lide a respeito, não cabia mesmo imposição de honorários de advogado e, a rigor, operou-se preclusão sobre este tema, sobre o qual não pende recurso algum.

Passa-se, portanto, a análise de mérito. Dispõe o artigo 75 da Lei da Sociedades por ações que: “A companhia poderá emitir, dentro do limite de aumento de capital autorizado pelo estatuto, títulos negociáveis, denominados bônus de subscrição” Parágrafo único. “Os bônus de subscrição conferirão a seus titulares nas condições constantes de seus certificados, direitos de subscrever ações de capital social, que será exercido mediante apresentação do título à Companhia e pagamento do preço de emissão das ações”.

Pois bem. Em 14.2.1996, conforme ata de reunião conjunta do conselho de administração da sucedida pela Ré, foram emitidos bônus de subscrição, negociados no mercado, através dos quais a Cia. arrecadou substancial valor. Na ocasião, como se vê do extrato da ata, ficou deliberado que: “…caso sejam efetuados aumentos de capital por subscrição privada ou pública até o término do prazo para o exercício da subscrição, aumentos esses nos quais o preço de subscrição venha a ser inferior ao valor ajustado para o exercício de subscrição com base nos bônus calculados, no período de subscrição dessas ações será ajustado para igualar o preço de subscrição e todas as correções e ajustes subseqüentes partirão desse novo patamar”.

Até aqui a situação dos Autores era a seguinte: eram titulares de bônus de subscrição que lhes conferiam direito a subscrever ações da Cia. (art.° 75 da lei especial) e havia uma estipulação que lhes favorecia, quanto ao valor desta subscrição, equiparando-o ao de outras que viessem a ser efetuadas, “por subscrição privada ou pública”. Esta a controversa, que dispensa a produção de quaisquer outras provas, como já dito.

Para a contestante as subscrições das quais pretendem os Autores se prevalecer não se enquadram nas hipóteses de subscrição privada ou pública, invocando distinção que estaria inserta na Lei 6404/76. No entanto, dispõe o art.°. 166 da mencionada lei, no seu inciso III, que o capital social pode ser aumentado por conversão em ações e pelo exercício de direito conferido por bônus de subscrição. A distinção pretendida na contestação não se justifica, portanto, na medida em que os aumentos questionados ocorreram dentro das modalidades de subscrição pública ou privada.

Na própria ata de fls. 78/80, ficou consignado que a administração da Ré entendia ser relevante dar aos acionistas a garantia que, na hipótese de aumentos de capital por subscrição em um futuro imediato, teriam a faculdade de manter o capital social, para o que estariam sendo emitidos os bônus de subscrição de acordo com a Lei 6404/75.

E ficou demonstrado que houve aumento do capital social, posteriormente à emissão dos bônus de subscrição, por subscrição pública ou privada. Exemplo disso é a reunião do conselho de administração de 20.6.1997, que aprovou o aumento de capital social mediante “subscrição privada de ações preferenciais” (fls.93), por preço menor. Nenhuma razão para se entender excluído aumento de capital decorrente de exercício de plano de opção. Esta hipótese estava compreendida na emissão privada. Outra espécie seria a pública (art.°. 19 da Lei 6385/76).


Assim, a exceção à regra – de que aumentos decorrentes de subscrição pública ou privada beneficiariam os bônus de subscrição -, teria que ser expressa de maneira clara na própria reunião, cuja ata está copiada a fls. 78/80. Evidentemente, a decisão final da CVM não tem relevância, em face do princípio estatuído do art. 5º, inciso XXXV, da Constituição Federal, quando a questão é submetida ao Judiciário. Também não é importante a eventual expectativa do mercado existente no momento dos acontecimentos narrados nos autos.

Não bastasse isso, houve ao menos um outro aumento de capital não decorrente do plano de opções. Trata-se da deliberação da RCA de 10.10.1996, para efetivação do exercício de outros bônus de subscrição aos anteriores aos que são objetivados nesta ação. Isto está demonstrado a fls. 252/254. Trata-se de reunião posterior àquela de emissão dos bônus a favor dos Autores. Houve aumento de capital, como se constata da ata. Vale aqui a citação do brocardo latino: “in claris cessat interpretatio”

Houve, efetivamente, no período entre a adesão dos Autores e o exercício do direito, aumentos de capital por subscrição pública ou particular. Se vai ou não haver prejuízo aos demais acionistas, com o exercício dos direitos dos Autores, a responsabilidade do fato cabe à própria antecessora da Ré, que editou as deliberações questionadas.

Além da determinação de conversão dos bônus em ações e pagamento das bonificações e dividendos daí derivados, não se evidenciou nenhum outro prejuízo para os Autores. As perdas e danos se limitam, portanto, a estes títulos. Outros teriam que ser demonstrados, ainda na fase de conhecimento e não foram, requerendo os Autores o julgamento antecipado da lide, como visto alhures.

Em face do exposto, julgo a ação procedente, para o fim de considerar que os Autores exerceram o direito de subscrever as ações do capital da Ré, por força dos seus bônus de subscrição, pelo menor preço de emissão entre fevereiro de 1.996 e abril de 2.003, incluindo-se aqueles aumentos de capital decorrentes de exercício do plano de opções ou antigo bônus de subscrição de 1993.

Como conseqüência, a Ré deverá emitir as ações daí decorrentes, a favor dos Autores, recebendo em troca o valor por eles oferecido, em dinheiro, na forma deliberada em assembléia de 14.2.1996.

Fica condenada também a Ré a pagar aos Autores os dividendos e lhes dar eventuais bonificações e outros direitos decorrentes das ações, após o término do prazo do exercício de opção, tudo como for apurado em execução de sentença.

Fica ainda facultado aos Autores, em execução de sentença, comprovar fato novo, qual seja o de valor inferior, para o preço do exercício do direito de subscrição, ao ora determinado.

Julgo improcedente o pleito de perdas e danos, uma vez que, além dos títulos já concedidos, não se comprovou prejuízo de outra ordem.

Por força de sucumbência, responderá a Ré pelas custas processuais e honorários de advogado arbitrados, na forma do artigo 20, §4º, do C.P.C. em R$.300.000,00 (trezentos mil reais), valor a ser atualizado monetariamente, a partir desta data.

P.R.I.

São Paulo, 28 de janeiro de 2005.

Caio Marcelo Mendes de Oliveira

Juiz de Direito

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