Tarifa telefônica

Suspensa cobrança de assinatura básica em Mato Grosso

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9 de junho de 2005, 19h31

Liminar da Justiça Federal de Mato Grosso suspendeu a cobrança de assinatura básica mensal na conta de telefone de todos os moradores do estado. A decisão é do desembargador Souza Prudente do Tribunal Regional Federal da 1ª Região.

O ministro Francisco Falcão, do Superior Tribunal de Justiça, determinou em março deste ano, que todos os pedidos urgentes relativos a assinatura básica deveriam ser encaminhados para o juiz da 2ª Vara Federal de Brasília. O pedido, nesse caso, também foi encaminhado para lá, mas foi rejeitado. Em seuiga, a Seção do Mato Grosso da Ordem dos Advogados do Brasil recorreu ao TRF-1 contra a Brasil Telecom, Global Village Telecom GVT e Anatel — Agência Nacional de Telecomunicações.

A OAB-MT alegou que a cobrança de assinatura mensal é abusiva, porque é feita independente da utilização do serviço e sem previsão em lei ou no contrato de concessão do serviço público.

O desembargador Souza Prudente, em sua decisão, entendeu ser ilegítima a cobrança da assinatura básica, uma vez que não há autorização legal para incluí-la na estrutura tarifária dos respectivos serviços telefônicos.

Segundo Prudente, a Anatel no exercício de sua competência para estabelecer a estrutura tarifária para cada modalidade de serviço, não poderia incluir a assinatura básica, por esta não apresentar a natureza jurídica de tarifa.

O desembargador explicou também que a cobrança da assinatura básica é compulsória e ausente de contraprestação. Já a tarifa é sinônimo de preço público cuja característica principal é a contraprestação por um serviço voluntariamente utilizado, que, em se tratando de serviço telefônico somente se dá em relação aos pulsos cobrados pelas ligações feitas.

Ainda de acordo com o desembargador, o serviço de telefonia, mesmo que prestado por empresas do setor privado, tem natureza pública, portanto, a atividade reguladora e fiscalizadora da Anatel está condicionada aos princípios a que estão sujeitos os serviços concedidos pelo Poder Público: os princípios da legalidade, celeridade, finalidade, razoabilidade, proporcionalidade, impessoalidade, igualdade, devido processo legal, publicidade e moralidade.

Para Prudente, a cobrança é contrária ao princípio fundamental da tutela do consumidor, presente na Constituição Federal, sendo passíveis de nulidade as cláusulas contratuais relativas ao fornecimento de produtos e serviços, que estabeleçam obrigações consideradas abusivas, que coloquem o consumidor em desvantagem exagerada, ou sejam incompatíveis com a boa-fé.

AG 2005.01.00.021915-2/DF

Leia a íntegra da decisão

AGRAVO DE INSTRUMENTO Nº 2005.01.00.021915-2/DF

Processo na Origem: 200534000048381

RELATOR(A): DESEMBARGADOR FEDERAL SOUZA PRUDENTE

AGRAVANTE: ORDEM DOS ADVOGADOS DO BRASIL – SEÇÃO DO ESTADO DE MATO GROSSO

ADVOGADO: FRANCISCO ANIS FAIAD

AGRAVADO: BRASIL TELECOM S/A

AGRAVADO: GLOBAL VILLAGE TELECOM LTDA

ADVOGADO: SILVIA REGINA MELCHIOR E OUTRO(A)

AGRAVADO: ANATEL

PROCURADOR: NADIA CALZOLARI BORGES

DECISÃO

Trata-se de Agravo de Instrumento, com pedido de efeito suspensivo, interposto pela Ordem dos Advogados do Brasil – Seção do Estado de Mato Grosso contra decisão proferida pelo douto juízo da 2ª Vara Federal da Seção Judiciária do Distrito Federal, que, nos autos de ação civil pública movida contra Brasil Telecom S.A., Global Village Telecom — GVT e Agência Nacional de Telecomunicações — ANATEL, indeferiu o pedido de antecipação da tutela, ali formulado, no sentido de que fosse suspensa a cobrança da denominada “assinatura mensal” na conta telefônica dos consumidores localizados naquela Unidade da Federação.

A decisão agravada foi proferida nestes termos:

“Trata-se de pedido de liminar em ação civil pública ajuizada, perante a Seção Judiciária do Estado do Mato Grosso, pela ORDEM DOS ADVOGADOS DO BRASIL — SEÇÃO DO ESTADO DE MATO GROSSO contra a BRASIL TELECOM S.A., GLOBAL VILLAGE TELECOM — GVT e AGÊNCIA NACIONAL DE TELECOMUNICAÇÕES — ANATEL, objetivando seja determinado às requeridas que se abstenham de efetuar a cobrança da denominada “assinatura mensal” na conta telefônica dos consumidores do Estado de Mato Grosso.

Alega que a cobrança de “assinatura mensal” — nos valores de R$ 36,00 (trinta e seis reais) para a linha residencial e R$ 51,86 (cinqüenta e um reais e oitenta e seis centavos) para a linha não residencial — é abusiva, porque efetuada independentemente da utilização do serviço e sem previsão em lei ou no contrato de concessão do serviço público.

Sustenta que às empresas concessionárias é vedada a cobrança de tributos ou taxas, sendo-lhes permitido remunerar-se tão-somente pela cobrança de tarifas dos usuários. Afirma ainda que a “assinatura básica” não tem natureza jurídica de taxa, pois não corresponde a nenhum serviço disponibilizado pelas requeridas aos usuários, que seriam os pulsos telefônicos e outros serviços eventualmente prestados, como identificador de chamadas em espera, secretária eletrônica, etc.

Fundamenta a pretensão nas disposições do Código de Defesa do Consumidor e no princípio da vedação ao enriquecimento sem causa.

A AGÊNCIA NACIONAL DE TELECOMUNICAÇÕES — ANATEL, em atendimento ao despacho de fl. 68, manifestou-se contrariamente ao provimento liminar requerido (fls. 73/123).

A empresa GLOBAL VILLAGE TELECOM LTDA — GVT apresentou contestação, pugnando pela improcedência do pedido deduzido na inicial.

O MM. Juiz Federal da 2ª Vara de Cuiabá, acatando decisão proferida pelo Superior Tribunal de Justiça — STJ nos autos de Conflito de Competência nº 47.731/DF, determinou a remessa dos autos a esta Vara para a apreciação do pedido liminar (fl. 202).

(…)

A concessão de liminar em ação civil pública exige a presença simultânea dos dois pressupostos que a autorizam – o fumus boni iuris e o periculum in mora.

Neste juízo de cognição sumária, verifico que há fruição de serviço a ensejar a regularidade da cobrança da assinatura básica. Ora, a ativação do sistema telefônico à disposição do consumidor de forma ininterrupta e apto a ser utilizado a qualquer tempo compreende a instalação das linhas, manutenção da rede e implemento/manutenção de toda infra-estrutura inerente ao seu funcionamento, assim como propicia o recebimento de chamadas.

Ademais, a ANATEL prevê a “assinatura básica” na fórmula da tarifação, a qual consta também do contrato de concessão firmado para a prestação do serviço telefônico fixo comutado na modalidade local (cláusula 2.2 e 2.2.1 do Anexo nº 3), importando a supressão da assinatura básica em alteração do mesmo, com considerável repercussão, inclusive na sua equação econômico-financeira.

Nesse prisma, a princípio, não vislumbro a relevância dos fundamentos aduzidos, assim como o perigo de dano irreparável, eis que a cobrança questionada é passível de devolução ou mesmo de compensação nas contas telefônicas vindouras.

Dessa forma, ante a ausência dos requisitos indispensáveis para a concessão da medida, indefiro a liminar.

Intime-se a ORDEM DOS ADVOGADOS DO BRASIL — SEÇÃO DO ESTADO DE MATO GROSSO para, no prazo de 10 (dez) dias, promover a regularização do valor atribuído à causa, o qual deve corresponder ao conteúdo econômico pretendido, uma vez que nesta ação pretende, além da declaração de nulidade da cobrança da “assinatura mensal” incidente sobre a disponibilização de linhas telefônicas aos consumidores do Estado do Mato Grosso, a devolução das quantias pagas desde o efetivo desembolso.

Publique-se.”


Em suas razões recursais, sustenta a agravante, em resumo, reiterando os fundamentos deduzidos perante o juízo monocrático, a ilegitimidade da cobrança da assinatura mensal em referência, à mingua de qualquer previsão legal para a sua exigência, caracterizando, assim, a sua manifesta abusividade.

Acrescenta, ainda, que a referida cobrança, além de desprovida de qualquer substrato jurídico, a sua exigibilidade não poderia ser imposta aos usuários do serviço de telefonia, na medida em que, se classificada como tributo, não teria observado os requisitos legais para a sua instituição, não se enquadrando, também, na definição legal de preço público, eis que este possui como característica inerente à sua natureza jurídica a contra-prestação por serviço voluntariamente utilizado, hipótese na configurada, na espécie, eis que a cobrança é indistintamente a todos imposta, destacando que os custos de manutenção e conservação do aludido sistema possuem fonte de recursos própria, qual seja, o Fundo de Universalização dos Serviços de Telecomunicação – FUST, criado pela Lei nº 9.998/2000.

Alegando, pois, que a referida cobrança implica em enormes prejuízos para os consumidores, com inegável diminuição patrimonial, a justificar a suspensão da cobrança da exação questionada, requer a concessão da antecipação da tutela recursal, para que lhe seja concedida a tutela liminarmente indeferida pelo juízo monocrático, até o pronunciamento definitivo da Turma julgadora (fls. 02/19).

Como visto, a controvérsia instaurada nos autos de origem gira em torno da suposta ilegitimidade da cobrança da denominada “assinatura básica” pela utilização dos serviços de telefonia.

Segundo alega a agravante, a ausência de qualquer previsão legal, estaria a caracterizar essa ilegitimidade. Para a ANATEL, a referida “assinatura básica” integraria a estrutura tarifária estabelecida para cada modalidade de serviço telefônico prestado, sendo, por isso, legítima a sua cobrança, eis que, por expressa autorização legal (Lei nº 9.472/97, art. 103, caput), está investida de competência para fixar as respectivas estruturas tarifárias, sobrevindo daí a edição das Resoluções nºs 85/98 e 316/2002, regulamentando a utilização do Serviço Telefônico Fixo Comutado e do Serviço Móvel Pessoal — SMP, respectivamente, onde está incluída a previsão da “assinatura básica” em referência, acrescentando que a sua cobrança se justificaria como fonte de custeio para as despesas decorrentes da colocação do serviço de telefonia à disposição do usuário, tais como, ativação de terminal telefônico apto a efetuar e receber ligações, observado o padrão de qualidade que lhe é assegurado por disposição legal, bem assim, relativas à manutenção e modernização da rede de transmissão utilizada.

Com a devida vênia dos fundamentos deduzidos pela Agência reguladora e acolhidos pela decisão agravada, vejo presentes, na espécie, os pressupostos do art. 558 do CPC, a autorizar a concessão da antecipação da tutela recursal, sob a rubrica de efeito suspensivo, com eficácia cautelar, na medida em que a exação questionada nos autos de origem afigura-se-me manifestamente ilegítima, uma vez que é imposta ao usuário dos serviços telefônicos, de forma fixa e indiscriminada, sem qualquer autorização legal, nesse sentido.

Senão, vejamos:

O art. 19, da Lei nº 9.472/97, assim dispõe:

“Art. 19. À Agência compete adotar as medidas necessárias para o atendimento do interesse público e para o desenvolvimento das telecomunicações brasileiras, atuando com independência, imparcialidade, legalidade, impessoalidade e publicidade, e especialmente:

………….

VII – controlar, acompanhar e proceder à revisão de tarifas dos serviços prestados no regime público, podendo fixá-las nas condições previstas nesta Lei, bem como homologar reajustes”.

Por sua vez, estabelece o art. 103 daquela mesma lei que “compete à Agência estabelecer a estrutura tarifária para cada modalidade de serviço”.

A pergunta que se faz é se a ANATEL, no exercício dessa competência legal, poderia incluir, como assim o fez, a denominada “assinatura básica” na estrutura tarifária dos respectivos serviços telefônicos. A resposta, evidentemente, somente poderia ser negativa, na medida em que a referida assinatura não possui a natureza jurídica de tarifa, que é sinônimo de preço público, cuja característica principal é a contraprestação por um serviço voluntariamente utilizado, que, em se tratando de serviço telefônico, somente se faz presente em relação aos pulsos cobrados pelas ligações realizadas. No que se refere à “assinatura básica”, ante a sua cobrança compulsória e ausência de qualquer contraprestação, impossível classificá-la como tarifa ou preço público.


Registre-se, ainda, que não me convence o argumento deduzido pela ANATEL, no sentido de que a cobrança da “assinatura básica” representaria o custeio pelas despesas decorrentes da ativação, manutenção e conservação do serviço. Com efeito, a delegação da exploração do serviço público de telefonia, mediante concessão, sujeita as concessionárias aos riscos empresariais, dentre os quais, evidentemente se incluem as despesas decorrentes da sua instalação e disponibilidade para o usuário, remunerando-se pela cobrança de tarifas (Lei nº 9.472/97, art. 83, parágrafo único). Portanto, cabe às empresas concessionárias colocar o serviço, sob sua conta e risco, à disposição do usuário, que remunerará o serviço prestado e colocado à sua disposição mediante o pagamento da correspondente tarifa, que, repita-se, não engloba a malsinada “assinatura básica”.

Há de ver-se que, se aceita a cobrança em referência pelo simples fato do serviço se encontrar à disposição do usuário, a natureza jurídica da exação assumiria os contornos de taxa, cuja exigibilidade depende de lei, observados os requisitos legais para a sua instituição, nos termos do art. 97 do Código Tributário Nacional, o que também não se vislumbra na espécie dos autos.

Desenganadamente, a figura da questionada cobrança da “assinatura básica”, no serviço de telefonia, não se enquadra na hipótese de incidência de taxa, como espécie do gênero tributo e assim definida nos arts. 145, II, da Constituição Federal, e 77 do CTN, à míngua de previsão legal, com as especificações constitutivas da hipótese de incidência do aludido tributo.

De igual forma, também não me convencem os argumentos no sentido de que a relação contratual estabelecida entre a concessionária e o usuário teria natureza eminentemente privada e, por isso, a instituição da cobrança da “assinatura básica” não estaria sujeita à expressa previsão legal. Na espécie, o serviço de telefonia, embora prestado por empresas particulares, não se desgarra da sua natureza pública, sujeitando-se, pois, às regras a ela inerentes, dentre as quais se inclui o princípio da reserva legal, para a modalidade do serviço concedido pelo Poder Público, como no caso em exame (CF, art. 175, parágrafo único, incisos I a IV, c/c art. 38 da Lei nº 9.472, de 16/07/1997).

Por isso, é que o Poder Público tem o dever de garantir, a toda a população, o acesso às telecomunicações, a tarifas e preços razoáveis, em condições adequadas, e a atividade reguladora e fiscalizatória da ANATEL está juridicamente condicionada pelos princípios da legalidade, celeridade, finalidade, razoabilidade, proporcionalidade, impessoalidade, igualdade, devido processo legal, publicidade e moralidade (Arts. 2º, I, e 38 da Lei nº 9.472, de 16/7/1997).

Em sendo assim, afigurando-se manifestamente ilegal e abusiva a cobrança questionada nos autos de origem, a sua suspensão é medida cautelar que se impõe, na espécie dos autos, sob pena de sacrificar-se o consumidor dos serviços de telefonia, em visível prejuízo de difícil reparação.

A ordem econômica e financeira, neste país, que visa a construção de um Estado Democrático de Direito, através da ação de governo voltada para a realização de uma sociedade solidária, justa e livre, não deve desgarrar-se do princípio fundamental da tutela do consumidor (CF, arts. 3º, I, e 5º, XXXII, e 170, V, c/c o art. 2º, I, da Lei nº 9.472, de 16/07/1997), afigurando-se nulas de pleno direito as cláusulas contratuais relativas ao fornecimento de produtos e serviços que estabeleçam obrigações consideradas iníquas, abusivas, que coloquem o consumidor em desvantagem exagerada, ou sejam incompatíveis com a boa-fé ou a eqüidade (Lei nº 8.078, de 11/09/1990, art. 51, inciso IV).

Com estas considerações e tendo em vista que a pretensão recursal deduzida na inicial enquadra-se nas comportas revisoras do art. 558 do CPC, defiro, liminarmente, a antecipação da tutela recursal, com eficácia cautelar, postulada nestes autos, para determinar a suspensão, no Estado de Mato Grosso, da cobrança da chamada “assinatura básica e mensal”, prevista em Resoluções e demais atos normativos editados pela ANATEL, para os usuários do serviço de telefonia prestado na referida Unidade da Federação, até ulterior deliberação judicial.

Intimem-se as promovidas, para fins de imediato cumprimento desta decisão, sob pena de multa pecuniária no valor de R$ 10.000,00 (dez mil reais) por dia de atraso.

Manifestem-se as agravadas, nos termos art. 527, V, do CPC, abrindo-se vistas, após, à douta Procuradoria Regional da República.

Publique-se.

Brasília-DF, em 09 de junho de 2005.

Desembargador Federal SOUZA PRUDENTE

Relator

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