Assédio sexual

Mulheres vítimas de assédio recorrem pouco à Justiça

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9 de junho de 2005, 13h56

O assédio sexual, com essa denominação, passou a constar da legislação penal a partir da Lei 10.224/01, que acrescentou ao Código Penal o artigo 216-A, com a seguinte redação: “constranger alguém com o intuito de obter vantagem ou favorecimento sexual, prevalecendo-se o agente de sua condição de superior hierárquico ou ascendência inerentes ao exercício de emprego, cargo ou função”. A pena é de detenção, de um a dois anos.

A lei entrou em vigor em 16 de maio de 2001 e foi comemorada como importante conquista feminina, embora a figura penal admita tanto mulheres quanto homens na situação de vítimas.

Mesmo antes da tipificação penal, a conduta de assediar alguém já vinha sendo objeto de ações civis e trabalhistas, mas o fato de torná-la delituosa teve relevante papel intimidador e educativo.

Completados, neste mês de maio, quatro anos da nova lei, é apropriado fazermos um balanço das decisões judiciais a respeito da matéria, embora muitos julgamentos possam levar mais tempo para ter uma solução definitiva. No entanto, pesquisas realizadas nas Delegacias de Defesa da Mulher e nos Juizados Especiais Criminais demonstram que as vítimas de assédio sexual têm recorrido pouco às Instituições para fazer valer seus direitos. Talvez porque as chances de sucesso não sejam muito animadoras e as razões para isso continuam sendo o preconceito contra a mulher, que é a ofendida na esmagadora maioria dos casos, e as dificuldades na produção de provas.

Em recente sentença proferida em primeira instância na Justiça trabalhista, uma juíza chegou a afirmar que ser chamada de “gostosa” pelo superior hierárquico no ambiente de trabalho não configurava constrangimento, mas elogio. Segundo a magistrada, o termo em questão é pronunciado costumeiramente, inclusive no horário livre de televisão, e significaria apenas “mulher bonita”. Em conseqüência, o assediador foi absolvido e a indenização negada.

Importa verificar que, no caso mencionado, a funcionária vítima das investidas sexuais foi demitida justamente por negar-se a ceder às pretensões abusivas de seu chefe. Do estudo dos autos, ficou claro que ocorreu assédio, não apenas passível de indenização pecuniária, mas de punição pelo Código Penal.

É interessante observarmos, também, que a expressão “gostosa” não tem o mesmo significado de “bonita”, por apresentar conotação indiscutivelmente sexual. A mulher “gostosa” é aquela que, independentemente de ter boa aparência, provoca forte atração física.

Além disso, no caso mencionado, a abordagem desrespeitosa não se limitou ao uso de adjetivos, foi muito além. Houve convites e outras insinuações comprovadas por e-mails, vindas de um superior hierárquico com poder de demissão sobre a vítima. Repelidas as investidas, ela perdeu o emprego no qual estava há oito anos. Infelizmente, para coroar o episódio de equívocos, a sentença foi proferida por uma mulher. Houve recurso da decisão e aguarda-se o posicionamento da instância superior.

A jurisprudência da Justiça do Trabalho foi a primeira a se fixar favoravelmente à vítima de assédio sexual, havendo Acórdãos que muito bem demonstram o sentimento da maioria da população com relação ao tema: “o assédio sexual grosseiro, rude e desrespeitoso, concretizado em palavras ou gestos agressivos, já fere a civilidade mínima que o homem deve à mulher, principalmente em ambientes sociais de dinâmica rotineira e obrigatória, como no trabalho” (TRT, Desembargador Maurício José Godinho Delgado).

É possível esperar que as dificuldades atuais sejam transpostas. A situação tende a evoluir favoravelmente às vítimas de assédio sexual, pois a compreensão mais acurada do que significa tal conduta e as graves conseqüências que acarreta deverão conduzir a Justiça a posicionamentos que tendam a combater o desrespeito e a imposição sexual.

Como regra geral, nos crimes contra os costumes — dentre os quais passou a figurar o assédio sexual — a palavra da vítima se reveste de especial importância, pois, em geral, esses delitos são praticados sem a presença de testemunhas. Assim, é comum que, em casos de estupro e de atentado violento ao pudor, a versão da vítima acabe prevalecendo sobre a negativa do réu, desde que haja outros indícios probatórios reforçando, de alguma forma, a narrativa da pessoa ofendida. O mesmo raciocínio deve ser aplicado ao assédio sexual.

É importante que as vítimas desse lamentável constrangimento possam denunciar seus agressores e ser bem sucedidas nas demandas judiciais. Trata-se de uma providência que depende não apenas de lei que a ampare, mas do reconhecimento social e jurídico da importância de se coibir tal prática.

*Artigo publicado no jornal Folha de S.Paulo.

Autores

  • é procuradora de Justiça do Ministério Público de São Paulo, autora de vários livros, dentre os quais “A paixão no banco dos réus” e “Matar ou morrer — o caso Euclides da Cunha”, ambos da editora Saraiva. Foi Secretária Nacional dos Direitos da Cidadania do Ministério da Justiça no governo FHC.

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