Reserva de mercado

STF julga ação que contesta monopólio dos Correios

Autor

8 de junho de 2005, 21h01

O monopólio da ECT — Empresa de Correios e Telégrafos no setor postal está ameaçado. No próximo dia 15, o Supremo Tribunal Federal julga uma ADPF — Ação de Descumprimento de Preceito Fundamental em que a Abraed — Associação Brasileira das Empresas de Distribuição questiona a recepção da Lei Postal (Lei 6.538/78) pela Constituição Federal . O relator da ação é o ministro Marco Aurélio de Mello.

O advogado Marco Aurélio Souza, autor da ação em nome da associação, esclareceu que “as empresas associadas à Abraed buscam, basicamente, o respeito aos preceitos fundamentais insertos na Carta Política, especialmente os da livre iniciativa, livre concorrência e livre exercício de qualquer trabalho ou profissão”.

Para o advogado a questão é juridicamente muito simples. “A lei 6.538/78 instituiu o monopólio postal no Brasil, devido à permissão existente no texto constitucional de 1969. A Constituição atual, porém, não classifica o serviço postal como monopólio. Vale lembrar que monopólio é exceção e as exceções à livre iniciativa constam do rol fechado do artigo 177”

Segundo Souza, “a Constituição atual simplesmente menciona a necessidade da manutenção do serviço postal (artigo 21, inciso X). Assim como cabe à União manter o ensino, o sistema financeiro nacional etc. Isto, porém, não afasta a possibilidade de exploração dos serviços pela iniciativa privada, como efetivamente acontece”.

Por outro lado, o serviço postal é claramente uma atividade econômica. Tanto é assim que existem milhares de franqueados dos Correios explorando a atividade postal. Logo, a iniciativa privada já explora o serviço postal e com o crivo da ECT.

Na ação, a Abraed expõe também as razões sociais, econômicas, e empresariais e tributárias que justificam, a seu ver, a quebra do monopólio estatal na área postal. “Com a decisão de inexistência do monopólio, a ECT deverá adequar-se ao mercado, modernizar-se, varrer a corrupção e competir com as empresas do setor privado. Todos ganharão principalmente o consumidor”, diz Souza.

Leia a íntegra do pedido da Abraed

EXCELENTÍSSIMO SENHOR DOUTOR MINISTRO PRESIDENTE DO EGRÉGIO SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL

ABRAED – ASSOCIAÇÃO BRASILEIRA DAS EMPRESAS DE DISTRIBUIÇÃO associação civil de âmbito nacional, representante das empresas de distribuição, inscrita no Cadastro de Pessoas Jurídicas do Ministério da Fazenda sob o nº 05.524.738/0001-71, sediada na Capital do Estado de São Paulo, na Rua Funchal, 203 — 12º andar, conjunto 121, CEP: 04551-904, vem, respeitosamente, à presença de Vossa Excelência, lastreada no § 1º, do artigo 102 da Constituição Federal e na Lei nº 9.882, de 03.12.1999, sem prejuízo de outros dispositivos legais, ajuizar

ARGÜIÇÃO DE DESCUMPRIMENTO DE PRECEITO FUNDAMENTAL COM PEDIDO DE LIMINAR

com o objetivo de reparar lesão a diversos preceitos fundamentais contidos na Carta Política, perpetrados pela EMPRESA BRASILEIRA DE CORREIOS E TELÉGRAFOS — CORREIOS, pessoa jurídica de direito público federal, vinculada ao MINISTÉRIO DAS COMUNICAÇÕES, sediada na Capital Federal, na SCLN 201 Bloco D, 2º andar, CEP: 70832-540, conforme adiante definidos.

I – DA LEGITIMIDADE DA ARGÜENTE

1. A ABRAED é uma entidade de abrangência nacional, que representa e defende os interesses das empresas de distribuição, conforme previsto nos artigos 2º, do Capítulo I e 5º, do Capítulo II, de seus Estatutos sociais, contendo associados nos Estados de São Paulo, Rio de Janeiro, Minas Gerais, Maranhão, Paraná, Ceará, Bahia, Rio Grande do Sul, Pernambuco, Piauí, Amazonas, Distrito Federal etc., conforme se depreende de seus estatutos que encartam essa inicial.

2. De acordo com o que dispõe o inciso I, do artigo 2º, da Lei Federal 9.882/99, os legitimados para propor argüição de descumprimento de preceito fundamental são os mesmos que podem ajuizar a ação direta de inconstitucionalidade.

3. Destarte, temos que sob a égide do inciso IX, do artigo 2º, da Lei Federal 9.868/99, a argüente é uma entidade de classe de âmbito nacional, não híbrida, composta por empresas que se dedicam exclusivamente à distribuição e logística, e que congrega associados em mais de nove Estados brasileiros.

4. Assim, diante das disposições legais e da jurisprudência constante neste Egrégio Supremo Sodalício, forçoso concluir que a entidade de classe legitimada para propor argüição de descumprimento de preceito fundamental deve ser constituída unicamente por pessoas integrantes da mesma área profissional e econômica, formando um órgão representativo da categoria específica, exatamente como ocorre no caso em tela, onde a argüente é uma entidade absolutamente homogênea de abrangência nacional

5.Está, pois, legitimada, a propor a presente argüição de descumprimento de preceito fundamental, restando apenas demonstrar no tópico seguinte a total pertinência temática entre as atividades desenvolvidas pelas empresas que congregam a autora e os preceitos fundamentais violados.


I.1 – Da Pertinência Temática

6. Conforme será exposto na Parte II desta petição, na qual se identificará cada um dos preceitos fundamentais violados, é importante que se demonstre, nesse tópico (I.1) que a medida judicial ora proposta mostra-se totalmente adequada.

7. A jurisprudência desta Augusta Corte erigiu a pertinência, enquanto adequação entre finalidades estatutárias e o conteúdo material da norma, como critério objetivo para o conhecimento de ação promovida pelas entidades de classe, assim temos que a relação de pertinência entre a atividade da organização e o objeto da ação proposta é imprescindível para a legitimação ad causam.

8. Por tal exigência, temos que a entidade de classe deve em seus estatutos propor-se a defender sua categoria de uma determinada situação, a qual é afrontada pela norma atacada via controle de constitucionalidade.

9. Assim, ainda dentro do contexto das decisões do Egrégio Supremo Tribunal Federal, entendeu que a homogeneidade das pessoas que compõe determinada associação é condição para a sua caracterização como entidade de classe, o que verificamos pelas decisões na ADIn 57, 108 entre outras:

“não configura entidade de classe de âmbito nacional, para os efeitos do artigo 103, IX, organização formada por associados pertencentes a categorias diversas.” (ADIn 57)

“não se configuram como entidades de classe aquelas instituições que são integradas por membros vinculados a extratos sociais, profissionais ou econômicos diversificados, cujos objetivos, individualmente considerados, revelam-se contrastantes.” (ADIn 108)

“não se classifica como entidade de classe pessoa jurídica que, congregando outras, não forma classe alguma” (STF: RDA 203/249)

10.Analisando em conjunto os requisitos da pertinência temática e uniformidade e a definição de âmbito nacional, extraímos que a legitimidade ad causam para a propositura da argüição de descumprimento de preceito fundamental, inserta no controle concentrado de constitucionalidade, exige que a associação constituída tenha representatividade e associados em mais de 9 (nove) estados-membros, tenha em seu escopo a defesa dos interesses atingidos pela lei que se pretende questionar e, finalmente, seja representativa de uma categoria profissional determinada e restrita, com o mesmo objetivo social.

11.Destarte, pretende a autora argüir o descumprimento dos preceitos fundamentais elencados nos artigos 1º, inciso IV (livre iniciativa), 5º, inciso XIII (liberdade do exercício de qualquer trabalho) e 170, caput, inciso IV e parágrafo único (livre iniciativa e livre concorrência), que estão sendo flagrantemente vilipendiados pelos atos da argüida, que insiste em não permitir o livre desempenho das atividades contidas nos contratos e estatutos sociais das associadas da argüente.

12.Portanto, vê-se que existe uma estreita pertinência entre os preceitos fundamentais violados e os objetivos sociais da autora, que são a de representação dos interesses de suas associadas, mormente no que concerne à sobrevivência das empresas privadas de distribuição com a conseqüente manutenção dos empregos — cerca de um milhão e duzentos mil postos de trabalho.

13.A pertinência que ora se comenta será melhor explorada nos próximos capítulos, nos quais estarão expostos em detalhes os fatos e os preceitos fundamentais violados.

II – DO CABIMENTO DA ARGÜIÇÃO DE

DESCUMPRIMENTO DE PRECEITO FUNDAMENTAL

14.Dispõe a Lei 9.882/99:

“Art. 1º A argüição prevista no § 1º do art. 102 da Constituição Federal será proposta perante o Supremo Tribunal Federal, e terá por objeto evitar ou reparar lesão a preceito fundamental, resultante de ato do Poder Público.

Parágrafo único. Caberá também argüição de descumprimento de preceito fundamental:

I – quando for relevante o fundamento da controvérsia constitucional sobre lei ou ato normativo federal, estadual ou municipal, incluídos os anteriores à Constituição Federal”.

15.Da leitura do artigo depreende-se que cabe a argüição tanto para questionar atos do Poder Público, quanto leis, sejam federais, estaduais ou municipais, inclusive as anteriores à Constituição Federal.

16.A presente argüição, como restará detalhado a seguir, tem cabimento por dois motivos:

a)A relevância da controvérsia decorrente de lei federal anterior à Constituição de 1988 e por esta tacitamente revogada, a Lei 6.538/78;

b)Atos do Poder Público, perpetrados por meio da empresa pública federal de Correios e Telégrafos.

17.De fato, como restará cabalmente comprovado nesta peça, os atos perpetrados pela argüida, juntamente com a relevância da questão envolvendo a lei federal 6.538/78, não deixam espaço para outra medida judicial senão o ajuizamento da presente argüição de descumprimento de preceito fundamental.


18.Independentemente do motivo para ajuizamento da argüição, pressupõe esta a inexistência de nenhum outro meio eficaz de sanar a lesividade. E é exatamente o que acontece no presente caso.

19.No tocante aos atos da empresa pública federal argüida, seus reflexos são sentidos por empresas em todo o território nacional e da decisão dessa ação depende a existência de cerca de 15.000 empresas e mais de 1.200.000 empregados.

20.Como referidas atitudes têm como base a Lei 6.538/78, existem diversos processos, em todas as regiões federais, discutindo o assunto. A questão já chegou ao Superior Tribunal de Justiça e existe um pronunciamento do Supremo Tribunal Federal anterior à presente Carta Magna (vide STF, agravo regimental 77825; STJ RESP 65354/DF; 1995/0022027-0; RESP 4653 / RS ;1990/0008155-6; TFR Apelação em MS nº 103598-MG).

21.Assim, evidente que a relevância da questão aconselha a propositura de uma das ações constitucionais e a única cabível na espécie é a argüição, principalmente em razão da lei federal questionada ser anterior à Constituição de 1988 e frente às flagrantes violações aos preceitos fundamentais a seguir apontados. Afasta-se, portanto, por absoluta inexistência de outro meio eficaz, o disposto no art. 4º, § 1º, da Lei 9.882/99.

III – DO PRINCÍPIO DA SUBSIDIARIEDADE

22.Não obstante tudo o quanto foi exposto até o momento, mister se faz demonstrar o atendimento ao princípio constitucional da subsidiariedade, a qual é condição basilar para a admissão da argüição de descumprimento de preceito fundamental, não só na legislação brasileira, mas a exemplo do que ocorre na Alemanha, de onde também se inspiraram Portugal e Espanha. Destarte, nesse tópico procuraremos demonstrar a inexistência de outro meio eficaz.

23.A primeira vista a ADPF não poderá ser intentada quando for admitida ou outra ação direta de controle de constitucionalidade ou outra medida judicial cabível. Assim, em tese, não caberia a argüição de descumprimento de preceito fundamental caso houvesse a possibilidade de ajuizamento de uma ação direta de constitucionalidade (ADIN) ou qualquer outra medida judicial, como, por exemplo, o mandado de seguranca (MS) coletivo.

24.Cabe aqui transcrever o brilhante entendimento exposado pelo Ministro Celso de Mello, na ADPF nº 17, a saber:

“A mera possibilidade de utilização de outros meios processuais, no entanto, não basta, só por si, para justificar a inovação do princípio em questão, pois, para que esse postulado possa legitimamente incidir revelar-se-á essencial que os instrumentos disponíveis mostrem-se aptos a sanar de modo eficaz e real, a situação de lesividade que se busca neutralizar com o ajuizamento da ação constitucional de argüição de descumprimento de preceito fundamental”.

25.Nesta mesma esteira de raciocínio, encontra-se o culto entendimento do Ministro Gilmar Ferreira Mendes em seu festejado artigo “Argüição de Descumprimento de Preceito Fundamental: Demonstração de Inexistência de Outro Meio Eficaz” (in Revista Jurídica Virtual)

“À primeira vista, poderia parecer que somente na hipótese de absoluta inexistência de qualquer meio eficaz à eventual lesão poder-se-ia manejar, de forma útil, a argüição de descumprimento de preceito fundamental. É fácil ver que uma leitura excessivamente literal dessa disposição, que tenta introduzir entre nós o princípio da subsidiariedade vigente no direito alemão e no direito espanhol para, respectivamente, o recurso constitucional e o recurso de amparo, acabaria por retirar desse instituto qualquer significado prático”

26. Ademais, na esteira da lição do Ministro Gilmar Mendes, é importante lembrar que com o advento da criação dessa medida – a exemplo da legislação alemã (Verfassungsbeschwerde) – tornou-se possível dizer que nosso sistema jurídico-constitucional conta com múltiplas funções, inclusive o chamado recurso constitucional.

27. No presente caso, na seara do controle direto de constitucionalidade, não existe outra medida hábil para a finalidade ora pretendida, pois:

a) os atos praticados pela argüida têm fundamento em lei anterior à Constituição de 1988 – o que afasta a possibilidade da Adin;

b) os conflitos a situação enfrentados pelas associadas da argüente e a insegurança jurídica hoje existente em relação aos serviços postais só podem ser sanadas por meio de medida coletiva, erga omnes, e que tem o poder de pacificar os preceitos fundamentais em testilha, de forma cogente, não apenas às associadas, mas à toda a sociedade – o que afasta a possibilidade das clássicas garantias constitucionais brasileiras, v.g., mandado de segurança.

28.Assim, vê-se que inexiste outro remédio apropriado e eficaz para o fim que se colima, sendo imperiosa sua admissão, mormente se levarmos em conta a relevância do assunto.


IV – DOS FATOS

29.Com a promulgação da Lei Fundamental de 1988, diversas empresas de distribuição, em todo o território nacional, foram criadas com o fim de atenderem a demanda do mercado de serviços de logística, movimentação de materiais, manuseio, distribuição de malotes, revistas, periódicos, pequenas encomendas, leitura e entrega de contas de luz e gás etc., tendo elas todas, invariavelmente, recebido a autorização de todos os entes federativos (União, Estado e Município), para funcionarem desempenhando ditas funções.

30.Uma vez autorizadas pelo Poder Público a funcionarem, efetuaram pesados investimentos e acabaram por gerar mais de 1.200.000 (HUM MILHÃO E DUZENTOS MIL) empregos, sem pretenderem, em nenhum momento, entregar ou distribuir cartas, entendidas estas como correspondências de cunho pessoal, íntimo e sigiloso, mas tão somente os produtos de origem comercial/industrial referidos no parágrafo anterior. Prescindível mencionar que referidas empresas além de empregos, geram e recolhem impostos, os quais vêm a financiar a atividade pública.

31.Nesta condição de plena legalidade, atuaram durante anos, algumas há mais de uma década, contribuindo com o desenvolvimento da economia e primando pelos princípios da livre concorrência, da livre iniciativa e dos mais basilares preceitos constitucionais.

32. Repita-se, sem temer incidir em tautologia, que nenhuma das empresas jamais tentou ou pretendeu distribuir ou entregar cartas, i.e., aquelas de cunho pessoal, direcionado, íntimo, que recebem selo, ou, na definição do lexicógrafo HOUAISS, “mensagem manuscrita ou impressa, a uma pessoa ou a uma organização, para comunicar-lhe algo. Tal mensagem, fechada num envelope, geralmente endereçado e freqüentemente selado”.

33. Ocorre que para o espanto geral, a argüida iniciou uma verdadeira cruzada nacional para expurgar a concorrência e banir do mercado todas as empresas que congregam a argüente (na verdade, todas as empresas do ramo de distribuição), sob o argumento de que possuiria o monopólio postal absoluto e, assim, toda e qualquer correspondência, seja ela uma lista telefônica, uma conta de luz ou uma encomenda, estaria sob o conceito de carta, ou seja, papel escrito, metido em envoltório fechado, que se envia de uma parte a outra para comunicação entre pessoas distantes; manuscrito fechado com endereço (cf. Dicionário Brasil Contemporâneo).

34. Assim, a argüida, baseada na Constituição Federal de 1969, que permitiu a criação de monopólio por leis infraconstitucionais, e na contramão dos preceitos fundamentais contidos na Carta Política de 1988, escora-se na revogada Lei 6.538/78, para obter respaldo à sanha de eliminar a livre concorrência e fazer do primado da iniciativa privada “letra morta”.

35.Tal intenção visa o desempenho exclusivo e a liberdade total de preços das atividades do Correio Aéreo Nacional (mantido pela Constituição atual, fato que não se questiona), mas ainda as atividades que o Estado não tem interesse em tutelar, pois de cunho privado (atividade econômica) e que destoam das situações previstas no artigo 173 de nossa Lei Maior, tais como impressão e entrega de extratos de consumo industrial e comercial, entrega de pequenas encomendas, leitura de medidores etc.

36. Pareceres dos maiores juristas nacionais foram encomendados por empresas do setor e todos eles, sem exceção, caminham no entendimento da Constituição de que os monopólios existentes no Brasil, são aqueles elencados taxativamente no artigo 177 da Lei Magna.

37. Hoje, as empresas do setor estão sendo vítimas de notificações judiciais, seguidas de ações civis e criminais, que visam impedir o desenvolvimento de suas atividades, incutindo medo não apenas em seus dirigentes e empregados, mas também em clientes e terceiros interessados.

38. O Poder Judiciário, por sua vez, tem decidido ora entendendo que existe monopólio postal, ora pela existência da necessária manutenção do serviço postal, sendo este não conflitante com as atividades da empresa demandada, conforme se verifica dos decisórios monocráticos ou colegiados que encartam essa inicial.

39. A situação, portanto, é de total insegurança jurídica, pois as empresas de distribuição, em que pesem prestarem serviços de qualidade, a preços competitivos, gerando empregos, recolhendo impostos, tudo com a aprovação expressa dos Entes Federativos, estão ameaçadas de fechamento, pela atuação cada vez mais predatória da argüida.

40. Feito esse pequeno intróito, passa-se a demonstrar a inexistência do monopólio postal no ordenamento jurídico brasileiro, bem como a necessidade de intervenção do Guardião da Constituição de 1988, frente ao reiterado comportamento abusivo e violador de preceitos fundamentais da Empresa Brasileira de Correios e Telégrafos.


IV.1 – Da Evolução dos Serviços de Entrega e Distribuição

e da Manutenção do Serviço Postal

41.Como acontece em todas as áreas do conhecimento humano, os serviços de entrega e distribuição passaram por severas transformações.

42.Não apenas os Correios atuam mais nesse mercado, mas diversas empresas, inclusive multinacionais, prestando serviços de entrega, seja em âmbito nacional, seja no plano internacional.

43.Até pouco tempo atrás, quase não havia competição, gozando os Correios de posição quase exclusiva. Os avanços tecnológicos e a perspectiva do legítimo lucro, porém, não apenas levaram diversas empresas privadas a explorar o mercado, como também o modificaram sensivelmente. Tais mudanças são resultado da globalização da economia, da desestatização, do afastamento do Estado das atividades econômicas exploradas pela iniciativa provada, que aliadas ao advento da Internet, encurtaram distâncias e dinamizaram os processos de entrega (v.g., compras pela Internet).

44.Em estudo sobre o tema, assim posiciona-se o mestre Celso Ribeiro Bastos:

Ora, nos dias atuais o próprio serviço postal assume tão variadas modalidades que seria até mesmo um desatino e um contrasenso admitir-se que uma única empresa concessionária de serviço público pudesse prestá-lo em todas as suas variegadas externações. (…) O serviço público não existe para traduzir-se em fonte odiosa de privilégios econômicos como é próprio das economias corporativistas, não se vislumbra qualquer razão que justifique uma visão açambarcador por parte da Empresa Brasileira de Correios e Telégrafos, não só por lesar o direito constitucional à livre iniciativa como também a impor custos acrescidos aos usuários desses serviços que em última análise vão diminuir o poder aquisitivo do povo já tão amesquinhado pelas dificuldades econômicas por que passa o País. A intromissão da Empresa Brasileira de Correios e Telégrafos em áreas em que ela não é bem-vinda, pois não requisitada pelos próprios usuários, é não só uma tentativa de fazer valer um monopólio que a Constituição não consagra como também a implementação de um execrável precedente marcado por uma racionalidade econômica na qual não é lícito supor-se possa traduzir-se o interesse coletivo”.

45.A argüida, entretanto, continua sendo responsável pela entrega do objeto conhecido como carta, ou seja, aquela comunicação geralmente manuscrita, por meio da qual pessoas distantes fisicamente comunicam-se. Frise-se que cabe à União, em decorrência do disposto no artigo 21, inciso X, da Carta Magna, apenas manter o serviço postal em todo território nacional, o que compreende entregar uma carta de alguém residente no interior do Acre para um destinatário residente no interior do Rio Grande do Sul. Neste sentido, o magistério de Ives Gandra Martins:

“Creio que o correio aéreo nacional só se justifica, hoje, para atender aquelas áreas do País aonde não chegam as linhas regulares, com o que seu serviço público é, indiscutivelmente, supletivo, em face de ser menos eficiente que as demais companhias, no que concernente às regiões por elas atendidas” (in Comentários à Constituição do Brasil, Saraiva, 1992, 3º volume, tomo I, p. 149).

46.Como já dito, cabe à União unicamente manter o serviço postal e o Correio Aéreo Nacional. Nada mais.Isso não quer dizer que a União tem o monopólio da atividade.

47.Ao tentar abarcar toda atividade postal, viola a União, por meio da empresa argüida, referido dispositivo, já que a prestação desse serviço não é exclusiva, como bem ensina Celso Ribeiro Bastos:

“O Serviço Postal Nacional cabe à União manter. Tal prestação não é exclusiva” (Op. Cit, 3º volume, Tomo I, p. 148).

48.Não pretende a argüente tirar a argüida do mercado. Apenas quer seja reconhecida a inexistência de qualquer monopólio (até porque o taxativo artigo 177 da Lei Fundamental não contempla hipótese de monopólio postal) e, conseqüentemente, a aplicação dos preceitos fundamentais da livre iniciativa, da livre concorrência e do livre exercício de qualquer trabalho, profissão ou ofício.

49.De fato, não cabe à União, por intermédio da argüida, entregar todo e qualquer tipo de correspondência pelo Brasil afora, mesmo porque tal fato seria absolutamente inviável. Apenas demonstra a necessidade de convivência entre a ECT e as empresas que formam a argüente.

IV.2 – Dos Constrangimentos sofridos pelas associadas da Argüente

50.De forma exemplificativa apenas, cabe citar os graves constrangimentos que as associadas têm sofrido em todo o Brasil, vítimas das ações da argüida, corroborando de forma direta com a necessidade da presente medida.

51.Tais fatos, indicados exemplificativamente, reforçam o princípio da subsidiariedade no qual permite utilizar a ADPF como verdadeiro recurso de amparo constitucional, a exemplo do que ocorre na legislação alemã, na qual a jurisprudência informa que o recurso constitucional não representa um remédio adicional para os processos submetidos à jurisdição ordinária, mas instrumento constitucional extraordinário, que permite afastar ofensas aos direitos fundamentais perpetradas pelo Poder Público (conforme lição do erudito Min. Gilmar Mendes, in Jurisdição Constitucional: O Controle Abstrado de Normas no Brasil e na Alemanha. Ed. Saraiva, 1996, p. 14-5).


52.Referidas violações aos direitos das associadas da argüente vão desde a notificação enviadas pela argüida aos clientes daquelas, informando que as mesmas desempenham atividades ilegais e passíveis de punições civis e criminais, até tomada de medidas criminais de busca e apreensão, condução de seus funcionários, mediante escolta policial à delegacia etc.

53.Para melhor visualização, citamos no quadro a seguir, alguns exemplos dos desmandos e ilegalidades aqui mencionados, apenas para corroborar com todo o alegado:

São Paulo — Logistech Distr. Planejamento Ltda. —2001.61.000237923 4ª Vara Federal — Perda de clientes, má reputação comercial em virtude da alegação de atividades ilícitas, desemprego.

São Paulo — Logistech Distr. Planejamento Ltda. — 2003.61.81.0010930 — 8ª Vara Federal Criminal — Busca e Apreensão de objetos e documentos de clientes, condução coercitiva de diretores à delegacia e desemprego.

Rio de Janeiro — Hot Service Air Cargo Ltda. — Notificação Extrajudicial nº 950603, do 6º RTD da Comarca do Rio de Janeiro — Perda de clientes, desassossego de empregados, ameaça de fechamento da empresa e indiciamento criminal dos sócios.

Ceará — Tyme Service Ltda. — 2003.8100165680 — 3ª Vara Federal — 2003.850028039 — 3ª Vara Federal — Perda de contrato e clientes e paralisação das atividades da empresa. Desemprego.

Piauí — Mercury Courrier — 2002.400030271 — 2ª Vara Federal — Paralisação das atividades da empresa. Maior empregadora do ramo no Estado do Piauí. Desemprego.

54.Ficam, pois, comprovadas, ainda que de forma exemplificativa, as graves conseqüências ocasionadas pelos desmandos da argüida, muitas vezes, provocando o fechamento das empresas, mas sempre, invariavelmente, causando desemprego.

55.Colocados os fatos de forma resumida apenas para traçar um panorama geral da situação, passamos a enfrentar os temas de direito.

V – DOS PRECEITOS FUNDAMENTAIS VIOLADOS

56.Atendendo o determinado no artigo 3º, inciso I, da Lei Federal 9.882/99, passamos a elencar e comentar os preceitos fundamentais vilipendiados ou desprezados.

57.Antes, porém, vale citarmos a definição de preceito fundamental, muito embora saibamos que cabe à esse Augusto Sodalício definir tais limites, conforme muito bem conceituou o erudito Ministro Néri da Silveira, ao julgar a ADPF nº 1, dizendo que “cabe exclusiva e soberanamente ao STF conceituar o que é descumprimento de preceito fundamental decorrente da Constituição, porque promulgado o texto constitucional e ele o único, soberano e definitivo intérprete, fixando quais são os preceitos fundamentais, obediente a um único parâmetro – a ordem jurídica nacional, no sentido mais amplo. Está na sua discrição indicá-los”.

58. André Ramos Tavares, em sua festejada obra “Tratado de Argüição de Preceito Fundamental” (Saraiva, 2001), ao escrever sobre preceito, ensina o seguinte:

“Assim é que a idéia de preceito está acirradamente ligada àquilo que regula a conduta. A definição acaba por misturar princípios e regras, no estrito jurídico aqui adotado, porque na realidade o enfoque e a preocupação está em acentuar que se trata de vocábulo preso à idéia de prescrição de algo. Neste sentido, preceito estaria praticamente equiparado a norma, no sentido de conjunto de regras e princípios.

( … )

Em conclusão, tem-se que preceito é qualquer norma, no sentido estrito já assinalado (contemplativo tanto de regras quanto de princípios que formam o corpo constitucional). Já o preceito fundamental traduz-se, mais precisamente, na somatária entre, de uma parte, parecela dos próprios princípios constitucionais (já que nem todos eles são preceitos fundamentais), bem como, de outra parte, das regras cardeais de um sistema constitucional, constituídas, essencialmente, pelo conjunto normativo assecuratório dos direitos humanos.” (Ob. cit. p. 118 e 122)

59. O Direito Português que também abarca o instituto “princípio fundamental”, traz o escólio de Canotilho e Vital Moreira, para esclarecer que os princípios fundamentais visam essencialmente definir e caracterizar a colectividade política e o Estado e enumerar as principais opções político-constitucionais”. Acrescentam ainda, Canotilho e Vital Moreira, que estabelecem os princípios fundamentais, por assim dizer, a síntese ou matriz de todas as restantes normas constitucionais (in Fundamentos da Constituição, Coimbra, 1991, p. 67).

60. O grande teórico José Afonso da Silva também leciona acerca do conceito de preceito fundamental, da seguinte maneira:

“Preceitos fundamentais não é expressão sinônima de princípios fundamentais. É mais amplo, abrange a estes e todas prescrições que dão o sentido básico do regime constitucional, como são, por exemplo, as que apontam para a autonomia dos Estados, do Distrito Federal e especialmente as designativas de direitos e garantias fundamentais (tít. II)” (Curso de Direito Constitucional Positivo, 12ª Edição, Malheiros Editores, p. 530).


61.Assim, feitos esses breves comentários, passamos a identificar os preceitos fundamentais violados.

V. 1 – Livre Iniciativa

62. O artigo 1º, inciso IV, do Título I – Dos Princípios Fundamentais, da Constituição Federal é o primeiro preceito fundamental violado.

63. A livre iniciativa é um dos preceitos fundamentais da Carta Política de 1988. De fato, não apenas a Constituição expressamente elevada a livre iniciativa a categoria de fundamentalidade, mas assim também o faz a doutrina.

64. Celso Ribeiro Bastos afirma que a livre iniciativa é importante na medida em que para o homem projetar sua personalidade no trabalho ele há de ser livre, ou seja, o Estado há de assegurar a opção individual de cada um (Op. Cit., Volume 1, p. 426).

65. Assim, segundo ensinamento de Manoel Gonçalves Ferreira Filho, pelo princípio da livre iniciativa, ao “Estado cabe na ordem econômica posição secundária, embora importante, já que sua ação deve reger-se pelo chamado ‘princípio da subsidiariedade’ e dever ser tal que ‘não reprima a liberdade da iniciativa particular, mas antes a aumente, para a garantia e proteção dos direitos essenciais de cada indivíduo” (in Curso de Direito Constitucional, Ed. Saraiva, 15ª edição, São Paulo, 1986, p. 327).

66. No momento em que a argüida toma medidas visando inibir a livre iniciativa, com base em lei da época da ditadura e anterior à atual Constituição, alijando empresas legalmente constituídas, com o claro intuito de constituir, a fórceps, um monopólio, está clara a violação ao preceito fundamental em tela.

V.2 – Liberdade do Exercício de Qualquer Trabalho

67. Dispõe o artigo 5º, inciso XIII, da Constituição Federal:

“Art. 5º Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade, nos seguintes termos:

(…)

XIII – é livre o exercício de qualquer trabalho, ofício ou profissão, atendidas as qualificações profissionais que a lei estabelecer”.

68. Trata-se de dispositivo amplo, que tem por finalidade a formação do mercado, bem como a condição humana, pois “é na escolha do trabalho que o homem vai impregnar mais fundamentalmente a sua personalidade com os ingredientes de uma escolha livremente levada a cabo” (Op. cit., 2º Volume, p. 76).

69. Vale lembrar que o preceito em comento só pode ser restringido e/ou limitado em casos da atividade ser considerada ilícita ou em casos de qualificação profissional.

70. Logo, sendo as atividades das empresas associadas à argüente lícitas e contando com o reconhecimento do Poder Público, qualquer movimento que vise suprimir o direito das afiliadas de desempenhar os misteres constantes de seus contratos sociais viola diretamente o preceito fundamental em comento.

V.3 – Livre Concorrência

71. A livre concorrência, prevista no artigo 170, inciso IV, da Lei Magna, é um dos preceitos fundamentais da ordem econômica.

“Art. 170. A ordem econômica, fundada na valorização do trabalho humano e na livre iniciativa, tem por fim assegurar a todos existência digna, conforme os ditames da justiça social, observados os seguintes princípios:

(…)

IV – livre concorrência (…)”

72.Trata-se de desdobramento da liberdade de iniciativa. Sua importância é tamanha que, nos termos do artigo 173, § 4º, da Constituição Federal:

“A Lei reprimirá o abuso do poder econômico que vise à dominação dos mercados, è eliminação da concorrência e ao aumento dos lucros”.

73. Não se pretendendo adentrar à competência do CADE, importante demonstrar que a presente medida visa manter a saudável livre concorrência no ramo da distribuição, bem como evitar que os associados da argüente sejam obrigados a simplesmente fechar as portas e dispensar todo o contingente de trabalhadores que hoje mantém.

V – Indicação do Ato Questionado

74. Os associados da argüente vêm sofrendo sérios problemas para desenvolverem os misteres constantes de seus estatutos sociais, em que pese estarem todos legalmente constituídos, funcionando há anos, com conhecimento a anuência do Poder Público e da argüida.

75. Assim, o que se questiona por meio desta medida judicial são os atos perpetrados pela argüida, que violam os preceitos fundamentais acima especificados, na medida em que, baseados em lei anterior à atual Constituição, e visam assegurar aos Correios a existência de um monopólio inexistente.

76. De fato, as diversas medidas judiciais, notificações extrajudiciais, intimidações verbais junto a funcionários, diretores e clientes dos associados da argüida não podem ser toleradas e precisam ser imediatamente interrompidas.


77. Assim, como mencionado no início dessa peça, a presente medida visa questionar os atos do Poder Público, manifestados pela empresa pública federal argüida, bem como a Lei 6.538/78 frente ao ordenamento constitucional vigente.

78. De fato, a argüida, baseada na Lei 6.538/78, vem tomando diversas medidas, resultantes da política nacional desenvolvida pelo Ministério da Comunicações e seguida a risca por seus dirigentes, visando banir do ramo de distribuição a livre iniciativa, a livre concorrência e impedindo o desenvolvimento de tal ofício pela iniciativa privada.

79.Tudo isso com base em lei anterior à Carta Política de 1988. Referida norma prevê em seu artigo 9.º:

“Art. 9.º – São exploradas pela União, em regime de monopólio, as seguintes atividades postais:

I – recebimento, transporte e entrega, no território nacional, e a expedição, para o exterior, de carta e cartão-postal;

II – recebimento, transporte e entrega, no território nacional, e a expedição, para o exterior, de correspondência agrupada;

III – fabricação, emissão de selos e de outras fórmulas de franqueamento postal.

§ 1º – Dependem de prévia e expressa autorização de empresa exploradora de serviço postal:

a) – venda de selos e de outras fórmulas de franqueamento postal;

b) – fabricação, importação e utilização de máquinas de franquear correspondência, bem como de matrizes para estampagem de selo ou carimbo postal.

§ 2º – Não se incluem no regime de monopólio:

a) – transporte de carta ou cartão-postal, efetuado entre dependências da mesma pessoa jurídica, em negócios de sua economia, por meios próprios, sem intermediação comercial;

b) – transporte e entrega de carta a cartão-postal, executados eventualmente e sem fins lucrativos, na forma definida em regulamento.

80. Ora, evidente que os atos praticados pela argüida, bem como a lei em questão são absolutamente contrários aos preceitos fundamentais acima indicados, bem como ao que reza o artigo 177 da Carta Magna.

81. Ficam, portanto, totalmente demonstrados os atos questionados, bem como o cabimento da presente medida judicial.

VI – PROVA DA VIOLAÇÃO DO PRECEITO FUNDAMENTAL

82. As provas das violações aos preceitos fundamentais apontados nessa peça são as seguintes:

a)Notificações extrajudiciais enviadas pela argüida;

b)Medidas judiciais – tanto na esfera cível quanto na esfera criminal, ajuizadas pela argüida; e

c)Relevância da matéria, que se expressa por meio dos julgados ora juntados.

83. As provas juntadas são documentais e prescindem de maiores divagações, não obstante protesta-se pela eventual produção de outras, caso assim entenda essa Augusta Corte Suprema.

VII – DO DIREITO

84. Uma vez cabalmente demonstradas as violações aos preceitos fundamentais apontados, passa a argüente a comprovar a inexistência do chamado monopólio postal frente ao ordenamento jurídico pátrio, bem como as razões que embasam a presente argüição.

VII.1. Da Inexistência de Monopólio Postal

85. Apenas para demonstrar a total ilegalidade das medidas adotadas pela argüida e demonstrar de maneira inequívoca as violações a diversos preceitos fundamentais, passamos à exposição da inexistência do monopólio postal na ordem jurídica brasileira.

86. De fato, por meio de uma análise apurada do quanto disposto na nossa Carta Magna, conclui-se que não existe monopólio da União sobre as atividades exercidas pelas associadas da argüente.

87. Nossa Constituição Federal efetivamente determina:

“Art. 21. Compete à União:

X – manter o serviço postal e o correio aéreo nacional”

Art. 22. Compete privativamente à União legislar sobre:

V – serviço postal (…)”.

88. Por outro lado, a Carta Magna reza:

89.

“Art. 170. A ordem econômica, fundada na valorização do trabalho humano e na livre iniciativa, tem por fim assegurar a todos existência digna, conforme os ditames da justiça social, observados os seguintes princípios:

(…)

IV – livre concorrência (…)”.

90.Tal dispositivo encontra-se posicionado no Capítulo I do Título II da Constituição Federal, constituindo-se princípio geral da atividade econômica, ou seja, verdadeiro princípio constitucionalmente previsto.

91. Em exceção aos preceitos fundamentais da livre concorrência e da livre iniciativa (este previsto no caput), especialmente com relação às atividades econômicas, encontra-se o quanto disposto na Constituição Federal a respeito dos monopólios estatais, verbis:

177. Constituem monopólio da União:

I – a pesquisa e a lavra das jazidas de petróleo e gás natural e outros hidrocarbonetos fluidos;


II – a refinação do petróleo nacional ou estrangeiro;

III – a importação e exportação dos produtos e derivados básicos resultantes das atividades previstas nos incisos anteriores;

IV – o transporte marítimo do petróleo bruto de origem nacional ou de derivados básicos de petróleo produzidos no País, bem assim o transporte, por maio de conduto, de petróleo bruto, seus derivados e gás natural de qualquer origem;

V – a pesquisa, a lavra, o enriquecimento, o reprocessamento, a industrialização e o comércio de minérios e minerais nucleares e seus derivados.

§ 1.º A União poderá contratar com empresas estatais ou privadas a realização das atividades previstas nos incisos I a IV deste artigo, observadas as condições estabelecidas em lei.

§ 2.º A lei a que se refere o § 1.º disporá sobre:

I – a garantia do fornecimento dos derivados de petróleo em todo o território nacional;

II – as condições de contratação;

III – a estrutura e atribuições do órgão regulador do monopólio da União.

§ 3.º A lei disporá sobre o transporte e a utilização de materiais radioativos no território nacional.

92. Sendo o monopólio estatal exceção aos princípios da livre iniciativa e da livre concorrência, tem-se que inevitavelmente o dispositivo da Constituição Federal que prevê os monopólios da União é numerus clausus, ou seja, constituindo limitação à atuação de princípio constitucional, deve ser restrito às hipóteses nele expressamente previstas.

93. Esta a lição do ilustre José Afonso da Silva:

“A Constituição não é favorável aos monopólios. Certamente que o monopólio privado, assim como os oligopólios e outras formas de concentração da atividade econômica privada, é proibido, pois está previsto que a lei reprimirá o abuso do poder econômico que vise à dominação dos mercados, à eliminação da concorrência e ao aumento arbitrário dos lucros. O monopólio público também ficou bastante limitado, pois já não se declara, como antes, a possibilidade de monopolizar determinada indústria ou atividade. Declara-se a possibilidade de exploração direta da atividade econômica quando necessária aos imperativos da segurança nacional ou a relevante interesse coletivo (art. 173). Parece-nos que aí não entra o monopólio, que é reservado só para as hipóteses estritamente indicadas no art. 177 e agora com a flexibilização introduzida pela EC 9/95, que também veda a edição de medida provisória para regulamentar a matéria prevista nos incisos I a IV do citado dispositivo…” (in Curso de Direito Constitucional Positivo, Malheiros Editores, 20ª edição, p. 781 e 782).

94.Não podem, pois, ser ampliadas as hipóteses de monopólio da União ou de órgãos a ela relacionados.

95.Resta, então, saber se o serviço postal é serviço público ou atividade econômica: se se entender que o mesmo é atividade econômica, não é de monopólio da União, visto que não elencado como tal, e que deverão prevalecer, em tal âmbito, os princípios da livre iniciativa e livre concorrência; por outro lado, se se entender que o serviço postal é serviço público, aí sim se poderá falar em controle exclusivo pela União, impedindo-se a atuação dos particulares a não ser que de acordo os órgãos públicos competentes, nos termos de lei.

96.Pela análise das atividades praticadas pelos Correios, conclui-se que sua atividade é atividade econômica, e não serviço público, senão vejamos.

97.O ilustre doutrinador Luís Roberto Barroso faz análise extremamente acurada do tema ora discutido. Pedimos vênia para transcrever trechos de seus ensinamentos, contidos no parecer publicado na Revista de Direito Administrativo de outubro-dezembro de 2000, nas páginas 179-212:

“(…)

67. A realidade demonstra que, em todo o mundo, a prestação de serviço postal não pressupõe o exercício de um poder estatal: muitos Estados não lhe atribuem a qualidade de serviço público e outros sequer prevêem essa modalidade de intervenção do Estado na economia. Com efeito, ninguém é capaz de imaginar, na realidade atual, que o serviço postal só possa ser prestado pelo Estado ou que decorra de alguma de suas funções básicas. O serviço postal, portanto, não é, definitivamente, um serviço público inerente. Resta saber se o direito objetivo brasileiro, por uma opção político-normativa, atribui ao serviço postal tal qualidade. Também aqui a resposta é negativa.

68. A ordem jurídica anterior à Constituição de 1988 não considerava o serviço postal como serviço público – ao menos desde a década de 60 – e também a nova Carta assim não o consagrou. Como já referido, o serviço postal pode ter sido considerado um serviço público no passado, em razão principalmente da falta de capacidade ou interesse da iniciativa privada nesse empreendimento, mas já de algum tempo evoluiu para uma atividade econômica. O marco legal dessa alteração histórica na natureza do serviço postal brasileiro foi a transformação do Departamento de Correios e Telégrafos – DCT, em 1968, em empresa pública, à qual competia, nos termos do Decreto-lei 509, de 20/03/1969, a execução e controle, em regime de monopólio, dos serviços postais. Lembre-se que a Constituição em vigor à época permitia que a lei ordinária instituísse monopólios.


69. Ora bem. Somente atividades econômicas podem ser objeto de monopólio estatal; o Estado o institui exatamente para subtrair da iniciativa privada o exercício de determinada atividade econômica.

70. Essa evidência pode ser observada no próprio texto da Carta de 1988. Todos os casos de monopólio que são ou foram arrolados no texto referem-se a atividades econômicas: exploração de atividades nucleares e petrolíferas (art. 177), e de resseguro (art. 192, alterado pela Emenda Constitucional n.º 13, de 21/8/1996), etc. O mesmo acontecia com a Constituição de 1967/1969, cujo art. 163 facultava a ‘intervenção no domínio econômico e o monopólio de determinada indústria ou atividade, mediante lei federal, quando indispensável por motivo de segurança nacional ou para organizar setor que não possa ser desenvolvido com eficácia no regime de competição e de liberdade de iniciativa.’ Assim, ao menos desde 1968, o direito brasileiro não considera o serviço postal serviço público, e sim atividade econômica explorada pelo Estado (àquela altura em regime de monopólio).

98. Vê-se, portanto, da irretocável análise acima citada, realizada pelo ilustre jurista Luís Roberto Barroso, que o serviço postal não é serviço público, e sim atividade econômica, e que, desta forma, teria de estar elencado como monopólio para que fosse exercido exclusivamente pela União.

99. Assim conclui o autor citado, corroborando o entendimento da argüente:

“81. Visto, assim, que os serviços postais não podem ser caracterizados como serviços públicos, chega-se à inevitável conclusão de que, atualmente, sua prestação pelo Poder Público configura meio de exploração de atividade econômica, o que, como regra, não impede que os particulares também a explorem concomitantemente, salvo a exceção da exploração monopolista legitimamente atribuída ao Estado. Cumpre, portanto, analisar se o serviço postal, embora explorado como atividade econômica e não como serviço público, estaria submetido a um regime de monopólio.

82. Como já se teve a oportunidade de esclarecer, as hipóteses de reserva de monopólio estatal são situações absolutamente excepcionais, pois importam em negativa da liberdade de concorrência. Mais que isso, com a entrada em vigor da Constituição de 1988, apenas subsistem os monopólios que a nova Carta tenha consagrado. Com efeito, em um regime em que a livre iniciativa é princípio constitucional fundamental, só podem ser consideradas monopolizadas aquelas atividades que a própria Constituição expressamente assim considera. A análise a ser empreendida neste ponto é, portanto, bastante simples: cuida-se apenas de saber se a Constituição de 1988 considerou o serviço postal como atividade a ser explorada pela União em regime de monopólio. A resposta é negativa.

83. Como já se referiu, subsistem na Constituição apenas os monopólios previstos – de forma inequívoca, aliás – em seu art. 177, nos quais não se inclui qualquer menção ao serviço postal.”

100. Sendo o serviço postal uma atividade econômica não monopolizada pela União em nível constitucional, impossível que se diga que só aquela pessoa de direito público pode exercê-lo, sob pena de afronta ao princípio constitucional da livre concorrência por legislação infraconstitucional.

101. O ilustríssimo jurista Celso Ribeiro Bastos tem também parecer no sentido de que é impossível falar-se em monopólio ou exclusividade da União com referência aos serviços postais. Embora seja um tanto diverso do entendimento do Dr. Luís Alberto Barroso, diz, também, que não se pode atribuir exclusivamente aos Correios as atividades exercidas pela apelante. Vejamos:

“3. O princípio cardeal sobre o qual se estrutura toda a ordem econômica na Constituição é o da Livre Iniciativa. A nossa Constituição optou nitidamente por um sistema de organização da economia em que o papel primordial é reservado à iniciativa particular. O artigo 170 no seu ‘caput’ estipula que a ordem econômica se funda na livre iniciativa. O inciso IV do mesmo artigo preceitua a observância do princípio da livre concorrência e o parágrafo único da mesma norma arremata com a afirmação de que é assegurado a todos o livre exercício de qualquer atividade econômica, independentemente de autorização de órgãos públicos, salvo nos casos previstos em lei.

(…)

5. Do exposto deflui claramente que o nosso sistema econômico e financeiro tem como regra a iniciativa particular e como exceção a intervenção do Estado, que, portanto, deve ser restritivamente interpretada, principalmente, quando se cuida de monopólio.

(…)

7. A Carta de 1988 deu contornos novos ao instituto do monopólio. A inversão principal consistiu na total avocação da matéria para o Texto Constitucional. Em outras palavras, existem, sim, monopólios, mas tão-somente aqueles criados pela Constituição. Extinguiu-se a possibilidade constante do artigo 163 da Carta de 67/69 traduzida na faculdade de instituírem-se monopólios mediante lei nos seguintes termos: ‘São facultados a intervenção no domínio econômico e o monopólio de determinadas indústrias ou atividades, mediante lei federal, quando indispensável por motivo de segurança nacional ou para organizar setor que não possa ser desenvolvido com eficácia no regime de competição e de liberdade de iniciativa, assegurados os direitos e garantias individuais’.(…)


9. Do visto até aqui resulta claro que as pretensões exclusivistas da Empresa Brasileira de Correios e Telégrafos só poderiam embasar-se em Texto Constitucional que lhe assegurasse o desempenho privativo dessa atividade. No entretanto, não é o que se lê na Lei Maior. Com efeito, o artigo 21, X diz competir à União ‘manter o serviço postal e o correio aéreo nacional’.(…)

11. A afetação à União do serviço postal e do correio aéreo nacional só pode ser entendida como tarefa imposta ao Poder Público federal a ser cumprida dentro de um regime concorrencial ou de liberdade de iniciativa que, como vimos, no nosso Direito é o decorrente dos princípios que fundam a nossa Ordem Econômica. Qualquer atividade atribuída ao Poder Público sem referência ao caráter exclusivo induz necessariamente a que a natureza dessa atribuição seja não impeditiva do exercício de igual atividade pelos particulares. Não se pode ter monopólio presumido. Há de ser ele criado por disposições claras e inequívocas, o que de resto não ocorre na espécie. Pelo contrário, há absoluta omissão do Texto Constitucional quanto a qualquer indício, vestígio ou sinal do seu intento de atribuir ao Poder Público o monopólio dessa atividade. A reforçar este argumento existe ainda a circunstância de que fora essa a intenção do Texto e deverá ele esclarecer se o serviço público é prestado diretamente ou mediante concessão. Se referência não é feita a uma dessas modalidades de serviço público é porque desse instituto não se trata. Se se forçar a inteligência de que se cuida efetivamente de serviço público, a própria Empresa Brasileira de Correios e Telégrafos seria inconstitucional, eis que não encontra permissão na Lei Maior para que tal suposto serviço público pudesse ser prestado por empresa concessionária, ainda que estatal. Foi assim que o Texto Constitucional procedeu quando quis instituir a permissibilidade delegatória. Ficou então claro que esta não se presume mas há de ser expressa na Constituição. A única explicação plausível, pois, para a não irrogação da pecha de inconstitucionalidade na concessão que goza a Empresa Brasileira de Correios e Telégrafos é admitir-se que de serviço público exclusivo não se cuida”.

102. Por outro lado, também no âmbito infraconstitucional, inexistente monopólio da União ou de qualquer outro órgão ou pessoa jurídica com relação às atividades prestadas pela impetrante e ora apelante, descritas na inicial.

103. Assim, clarividente que impossível falar em monopólio da União em âmbito infraconstitucional porque, como já afirmado, se monopólio houvesse, o que já se demonstrou que não ocorre, ele teria de ser disciplinado na própria Carta Magna, por representar exceção aos princípios da livre iniciativa e livre concorrência.

104. Não tendo havido previsão constitucional de monopólio da União para as atividades de serviço postal, tem-se que este pode ser exercido também pelos particulares, em observância aos princípios da livre iniciativa e livre concorrência.

105. Todos os casos não previstos no artigo 177 não são de monopólio dos entes estatais, em específico a União, porque tal dispositivo é numerus clausus, uma vez que representa exceção aos princípios constitucionais da livre iniciativa e da livre concorrência.

106. Sendo a Lei 6.538 do ano de 1978, ao entrar em vigor a Constituição Federal de 1988, foi tal lei revogada no que se refere aos monopólios nela estabelecidos.

107. Destarte, claro está que inexistente o chamado monopólio postal. Logo, ilegais e violadores dos preceitos fundamentais apontados os atos praticados pela empresa brasileira de Correios e Telégrafos, bem como inconstitucional a Lei 6.538/78, pois revogada tacitamente pela Carta Política de 1988.

VIII – DO PEDIDO DE LIMINAR

108. Dispõe a Carta Política de 1988:

“Art. 5º…………………………………………………………..

(…)

XII – é livre o exercício de qualquer trabalho, ofício ou profissão, atendidas as qualificações profissionais que a lei estabelecer…”.

109. Com base neste dispositivo, aos associados da argüente já estariam autorizados a funcionar e desenvolver os seus objetos sociais livremente, tendo em vista que receberam autorização do Poder Público e preenchem todos os requisitos legais. Como se não bastasse, o desenvolvimento de atividades constantes de seus objetos sociais têm como suporte, ainda, mais dois preceitos fundamentais, quais sejam, a livre iniciativa e a livre concorrência, que estão previstos da seguinte maneira:

110.

“Art. 170. A ordem econômica, fundada na valorização do trabalho humano e na livre iniciativa, tem por fim assegurar a todos existência digna, conforme os ditames da justiça social, observados os seguintes princípios:


(…)

IV – livre concorrência (…)”

111. Tal dispositivo encontra-se posicionado no Capítulo I, Título II da Constituição Federal, capitulando princípios gerais da atividade econômica.

112. A argüida, porém, ao arrepio de todas as normas constitucionais acima transcritas, e com base em lei anterior à Constituição atual, entende que o objeto social das empresas de distribuição constitui-se em atividade monopolizada, não se aplicando ao caso a livre iniciativa e a livre concorrência.

113. Como resultado de turvo entendimento, a argüida tem se utilizado de mecanismos constrangedores, com vistas a intimidar as associadas da argüente e eliminá-las do mercado. Toda essa atuação é feita embasada em incentivos e privilégios concedidos pelo governo federal, com dinheiro dos contribuintes, gerando diversos questionamentos legais, principalmente em relação à verdadeira finalidade para a qual a argüida foi criada.

114. Tanto é verdade que não existe monopólio postal, e que a atuação da argüida viola os preceitos fundamentais apontados, bem como toda a ordem constitucional vigente, que o Excelentíssimo Senhor Ministro das Telecomunicações Miro Teixeira, em entrevista concedida no dia 27 de fevereiro de 2003, ao Jornal Nacional, da Rede Globo de Televisão, afirma categoricamente (o óbvio) que não existem monopólios no Brasil (inclusive o estatal):

“… O monopólio é proibido por lei. Novas tecnologias facilitarão a quebra do monopólio” (grifos nossos).

115.Também o Secretário de Assuntos Postais, Marcelo Perrupato, em reportagem publicada na Revista Isto É Dinheiro, do dia 19 de março do corrente ano, afirma que a simples existência de cerca de 15.000 empresas de distribuição no Brasil comprovam a inexistência do monopólio e, comentando a criação da argüente afirma que:

“A Associação tem todo o direito de fazer os seus questionamentos legais, mas as evidências do mercado já demonstram que suas filiadas não têm encontrado impedimento para administrar correspondência comercial”.

116. Ora, se os comandantes da argüida afirmam que não existe monopólio, por que os seus subordinados continuam tomando medidas intimidatórias contra empresas de distribuição que não fazem outra coisa senão gerar empregos, impostos e tornar a disputa no mercado cada vez mais salutar? E, se não existe monopólio, como justificar a conduta da argüida frente à ordem econômica, à livre iniciativa e à livre concorrência?

117. Independentemente, as associadas da argüente têm o direito constitucionalmente garantido de prestar as atividades descritas em seus contratos sociais e nem precisariam, por óbvio que seja, da presente medida. Porém, como forma de pôr fim à insegurança jurídica hoje reinante, bem como definir-se a questão da existência ou não do monopólio postal, mister a proposição da presente medida e, conseqüentemente, da liminar ora pleiteada.

118. Concessa maxima venia, almeja a argüente a concessão de liminar, nos precisos e profícuos limites do procedimento preventivo, com vistas a assegurar a eficácia e a utilidade da prestação jurisdicional na presente medida recursal, ou seja, na lição de LIEBMAN, citada por Humberto Theodoro Júnior em sua obra Processo Cautelar (LEUD, 3ª ed., p. 44) “assegurar que o processo possa conseguir um resultado útil”.

119. Com efeito, destinando-se a liminar possibilitar a atuação posterior e eventual de uma das formas da tutela definitiva, tem ela como escopo satisfazer provisoriamente o interesse geral jurídico de assegurar a paz da convivência social ou evitar a perda ou a deterioração de bens econômicos ou, ainda, obstar a lesão ou ameaça de lesão a eventuais direitos, em virtude do perigo da demora natural dos processos judiciais e a alteração do equilíbrio inicial de forças entre as partes.

120.Nesse sentido, o magistério do preclaro Professor Humberto Theodoro Junior:

“Assim, no processo cautelar, em todas as suas formas, mesmo quando produz uma imediata alteração na situação das partes, encontra-se impregnado o fim de evitar, do limite do possível, aquela alteração no equilíbrio inicial das partes que possa resultar da duração do processo. Nasce, assim, a medida cautelar preordenada a servir a um posterior provimento definitivo, com o escopo de prevenir um perigo, isto é, de evitar um possível dano jurídico, mas não qualquer dano jurídico, e sim aquele que se situa precisamente na provável ineficácia ou deficiência na solução do processo, caso não haja a medida preventiva. Daí ser o fim último do processo manter, quanto possível, o equilíbrio inicial das partes, pondo a situação de fato em que elas se encontram a salvo das contingências temporais que envolvem, necessariamente, a prestação jurisdicional definitiva” (Op. cit., p. 64).


121. O mestre HUMBERTO THEODORO JÚNIOR, ainda na obra acima apontada, discorre, de forma clara e objetiva, acerca de dois requisitos necessários para a obtenção do provimento estatal em sede de liminar. O primeiro consistiria na plausibilidade do direito substancial invocado, um juízo de probabilidade e verossimilhança do direito cautelar a ser acertado e o provável perigo em face do dano ao possível direito pedido no processo principal, não se exigindo, destarte, a certeza do direito, mas tão somente, a probabilidade de procedência da pretensão, uma vez que essa certeza somente será aferida, efetivamente, com o provimento final.

122.No que respeita ao requisito do periculum in mora, impõe-se demonstrar, nas ponderadas palavras de LIEBMAN, que o perigo de dano refere-se ao interesse processual em obter uma justa composição do litígio, seja em favor de uma ou de outra parte, o que não poderá ser alcançado caso se concretize o dano temido, isto é, a alteração na situação de fato existente ao tempo do estabelecimento da controvérsia.

123.Permissa venia, preenche a argüente todas as condições para a concessão da liminar ora pleiteada, tanto as genéricas como as específicas, conforme se demonstrará na exposição dos fatos e do direito, pelo que se requer a concessão liminar da tutela jurisdicional, preservando o direito das partes e evitando que o provimento jurisdicional definitivo venha a perder eficácia e exigibilidade.

IX – DOS REQUISITOS ESPECÍFICOS PARA CONCESSÃO DA LIMINAR

124. Para que seja concedida liminarmente a tutela do Estado, e por final julgada procedente a presente argüição, necessárias são as presenças dos requisitos do periculum in mora e do fumus boni juris, ensejadores da concessão da tutela antecipada do Estado, conforme passaremos a seguir expor.

125.A fumaça do bom direito está patente no caso em tela. As filiadas da argüente têm suas atividades homologadas pelo Poder Público, há anos, e jamais tiveram qualquer questionamento dos órgãos governamentais sobre a lisura de seus procedimentos. Os contratos sociais das associadas, que instruem a presente demanda, são a maior prova da legalidade de suas atividades.

126.Por outro lado, as atitudes da argüida, demonstradas de forma exemplificativa em diversos Estados brasileiros, com o fechamento das empresas, cancelamento de contratos e, logicamente, mais desemprego e recessão, indicam, inexoravelmente, a existência de um estreito nexo causal entre os atos voluntários e propositais levados à efeito pela argüida e as gravíssimas e insanáveis conseqüências sofridas pelas empresas associadas à argüente.

127.Saliente-se que para muitos doutrinadores pátrios, mestres do quilate de Humberto Theodoro Júnior e Vicente Grecco Filho, o fumus boni juris sempre estará presente, sendo necessária apenas a demonstração do periculum in mora para a concessão de medida in limine, conforme nos ensina com o brilhantismo de sempre o maior expoente processualista no assunto:

“(…) o requisito chamado fumus boni juris, na prática só deixa de existir quando a pretensão do requerente, tal como mostrada ao juiz, configuraria caso de petição inicial inepta, fora daí, sempre haverá um vestígio de bom direito que em princípio se faz merecedor da tutela antecipada da jurisdição do Estado” (grifos nossos) (Curso de Direito Processual Civil, Ed. Forense, vol. II, 1991, nº 984, pág. 1117).

128. Outrossim, nunca é demais lembrar que nossa Carta Magna assegura a todos, até o trânsito em julgado de sentença, a presunção de inocência. Aplicando tal conceito ao âmbito civil, temos que ninguém poderá ser havido como praticante de atividades ilegais enquanto o Judiciário não se pronunciar a respeito do assunto discutido, sob pena de tornar letra morta o inciso LVII, do artigo 5º, da Constituição Federal.

“LV aos litigantes, em processo judicial ou administrativo, e aos acusados em geral são assegurados o contraditório e a ampla defesa, com os meios e recursos a ela inerentes”.

129. É inadmissível e ilógico permitir que uma pessoa jurídica tenha sua imagem atrelada à ilicitude civil e criminal quando está registrada em todos os órgãos federais, estaduais e municipais, há anos, pagando impostos e gerando emprego. Pior ainda é permitir a atuação nefasta da argüida, que prejudica, repita-se, tanto a ordem econômica quanto a ordem jurídica.

130.Tal conclusão deflui naturalmente da interpretação conjunta da Lei 8.884/94 com os princípios insculpidos nos incisos LV e LVII, artigo 5º e inciso IV, artigo 170, ambos da Constituição da República Federativa do Brasil. Isto sem falar no artigo 177 da Constituição Federal.

131. Já o periculum in mora também se faz presente, de forma clara e insofismável. As filiadas da argüente estão ameaçadas de paralisar imediatamente suas atividades, face aos atos ilegais e arbitrários praticados pela argüida, que inibem a concorrência e impossibilitam a continuidade das atividades comerciais para as quais referidas empresas existem há anos, como aliás, já ocorreu com diversas empresas por todo o território nacional e com maior freqüência a cada dia.


132. De fato, como comprovado pelos documentos juntados, caso não seja concedida a liminar pleiteada, as associadas à argüente continuarão sofrendo intervenções arbitrárias da argüida, o que certamente prejudicará seus negócios, afetará o relacionamento com clientes, fornecedores e manchará seus nomes no mercado.

133. Em efeito dominó, o insucesso induzido nos negócios da empresas de distribuição componentes da requerente causaria repercussão no mercado de distribuição, com o fechamento de seus estabelecimentos, gerando desemprego e aumentando as já tão conhecidas mazelas sociais.

134. As empresas de distribuição provadas não contam com benefícios e estrutura governamentais e só sobrevivem no mercado de distribuição graças à competência de suas equipes, aliada à eficiência, qualidade, excelência e bom preço de seus serviços.

135. Ademais, caso a liminar não seja concedida, os prejuízos para as empresas formadores da argüente serão imediatos, com o fechamento de empresas, desemprego, diminuição da arrecadação de impostos, aumentando as já conhecidas mazelas sociais que o nosso Governo tanto se esforça em expurgar.

136. Em primeiro lugar, em virtude da existência de diversos processos, tanto em primeira quanto em segunda Instâncias, que versam sobre o mesmo objeto da presente demanda.

137. Em segundo lugar pela repressão que ditas empresas certamente receberão da argüida caso não sejam resguardadas com a liminar ora pleiteada.

138. Vislumbradas a presença do fumus boni juris e do periculum in mora, que autorizam a concessão inaudita altera pars da medida liminar do Estado, não existe, permissa venia, motivo algum para a não concessão da liminar.

X – DOS REQUERIMENTOS FINAIS

139. Diante de todo o exposto, requer a argüente a concessão da tutela jurisdicional Estatal para:

a) Que seja deferida a liminar pleiteada, nos termos do artigo 5º, caput c.c. § 3º, determinando-se a suspensão de todo e qualquer processo, bem como de decisões judiciais, que versem sobre a matéria objeto da presente argüição, expedindo-se os ofícios respectivos aos Tribunais Regionais Federais, informando de tal decisão, haja vista não haver como, nesta peça, individualizar todos os feitos em trâmite no Poder Judiciário, em todo o território nacional, versando sobre esse tema.

b) Caso assim não entendam Vossas Excelências, que concedam a liminar unicamente para as associadas da argüente, impedindo que sejam vítimas das ações da argüida até o julgamento final desta argüição.

c) Deferir liminar que permita às associadas da argüente até o julgamento final dessa ação, o livre exercício das atividades constantes em seus respectivos contratos sociais, sem qualquer constrangimento por parte da argüida.

140. No mérito, julguem a presente argüição de descumprimento de preceito fundamental totalmente procedente, a fim de:

a) Reconhecer a violação aos preceitos fundamentais da livre iniciativa, da livre concorrência e do livre exercício de qualquer trabalho, como exaustivamente apontado nesta peça, perpetradas por atos da Empresa Brasileira de Correios e Telégrafos (Poder Público);

b) Declarar, nos termos do artigo 11 da Lei 9.882/99, a inconstitucionalidade da Lei 6.538/78, especialmente sobre a questão do monopólio de entrega de correspondências;

c) Também nos termos do artigo 11 da Lei 9.882/99, tendo em vista a relevância da matéria, declarar o que se entende por carta, que por motivos de segurança e privacidade, continuam sendo prerrogativas da argüida, restringindo tal conceito de carta ao papel escrito, metido em envoltório fechado, selado, que se envia de uma parte a outra, com conteúdo único, para comunicação entre pessoas distantes contendo assuntos de natureza pessoal e dirigido, produzido por meio intelectual e não mecânico, excluídos expressamente deste conceito as conhecidas correspondências de mala-direta, revistas, jornais e periódicos, encomendas, contas de luz, água e telefone e assemelhados, bem como objetos bancários como talões de cheques, cartões de crédito etc.;

d)Que sejam intimados para manifestarem-se sobre a presente ação, caso assim desejem, o Excelentíssimo Ministro das Comunicações, Sr. Miro Teixeira, o presidente da argüida, Sr. Airton Dipp, bem como o doutor Procurador Geral da República, como também qualquer outra autoridade que Vossas Excelências entenderem pertinente.

141.Das intimações veiculadas pela Imprensa Oficial, requer que constem o nome do advogado DAURO LÖHNHOFF DÓREA, o qual tem endereço e recebe intimações na Capital do Estado de São Paulo, na Rua Funchal, 203 – 11º andar, CEP: 04551-904, fone: (11) 3842.3000, inscrito na Ordem dos Advogados do Brasil, Secção Paulo, sob o nº 110133.

Termos em que, requer deferimento.

São Paulo, 14 de novembro de 2003.

DAURO LÖHNHOFF DÓREA, OAB/SP 110133

MARCO AURÉLIO SOUZA, OAB/SP 193035

Tags:

Encontrou um erro? Avise nossa equipe!