Violência contra internos

Organização denuncia abusos contra menores internos no Rio

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8 de junho de 2005, 12h46

Os jovens internos no Rio de Janeiro sofrem espancamentos dos agentes de disciplina e outros abusos ocultos que continuam impunes porque os centros de detenção juvenil do estado não são monitorados por organizações independentes. Essa é a afirmação da Human Rights Watch, em relatório que será divulgado nesta quinta-feira (9/6), às 10h30, na Assembléia Legislativa do Rio de Janeiro.

Em suas 50 páginas, o relatório “Na escuridão: Abusos ocultos contra jovens internos no Rio de Janeiro” documenta uma rotina de abusos físicos, condições esquálidas de vida e outras formas de tratamento desumano nos centros de detenção juvenil do estado. O relatório conclui que esses abusos persistem em grande parte porque não há um monitoramento eficaz e independente dos centros de detenção juvenil do estado.

“O sistema de internação sócio-educativa do estado vem operando há muito tempo de forma fechada e secreta”, afirmou o autor do relatório, Fernando Delgado, fellow e representante da Divisão dos Direitos da Criança da Human Rights Watch. “Os espancamentos brutais continuarão a ser a norma até que o governo do estado do Rio exponha o sistema ao escrutínio externo”, opina.

Autoridades ligadas ao sistema estadual de detenção juvenil criticaram o último relatório da Human Rights Watch sobre a situação da detenção de jovens no Rio de Janeiro — divulgado em dezembro de 2004. Segundo os críticos, o relatório continha informações desatualizadas e refletia as práticas do governo anterior. Mas a reavaliação dos centros de detenção juvenil do Rio de Janeiro, conduzida pela organização internacional seis meses após o primeiro relatório, constatou que as condições tinham, na verdade, se deteriorado em vários aspectos importantes.

Histórico de violência

Os guardas ou agentes espancam os jovens com violência pelas em retaliação às mais ínfimas infrações, tais como não manter as cabeças abaixadas e as mãos atrás das costas quando se encontram fora das celas. Alguns guardas também agridem os jovens detentos com porretes de madeira, aos quais dão grotescamente os nomes de personagens de desenhos ou de astros da música pop. As punições coletivas são comuns.

Segundo o relatório, a superlotação é grave em três centros de detenção: Padre Severino, Santo Expedito e CAI-Baixada. Por exemplo, o centro de detenção Santo Expedito já tinha um número de internos muito além de sua capacidade oficial quando a Human Rights Watch o inspecionou pela primeira vez em julho de 2003. Os jovens continuam em celas abarrotadas cujo espaço foi projetado para alojar cerca da metade do número de jovens que ali se encontram.

As deficiências graves de pessoal, gêneros alimentícios e roupas nos três centros aumentam o risco da eclosão de rebeliões violentas. Em março, os jovens do Santo Expedito se amotinaram depois que, no início do ano, as autoridades suspenderam as aulas, a recreação dos internos e quase todas as outras atividades, devido à falta de pessoal. Durante os três meses anteriores, os detentos tinham passado a maior parte do tempo trancafiados em suas celas, sem nada para fazer.

Os promotores públicos têm poderes para inspecionar os centros de detenção juvenil, mas quase nunca o fazem. Os inspetores do Judiciário concentram-se nos detalhes administrativos — número de internos, número de funcionários, quantidade de detergente disponível em cada centro, entre outras coisas — porém não investigam rotineiramente os abusos.

O órgão estadual responsável pelas instalações de detenção juvenil, o Degase — Departamento Geral de Ações Sócio-Educativas, dispõe de uma corregedoria na sua estrutura, mas essa função não possui independência necessária para cumprir a sua missão.

As tentativas de monitoramento independente se deparam com hostilidade e táticas obstrutivas. Depois que pesquisadores da Human Rights Watch inspecionaram três centros de detenção juvenil em maio, devidamente autorizados pela Secretaria de Estado da Infância e da Juventude, o Degase, apesar de estar subordinado à mesma secretaria, impediu-os de entrar em outros centros (para avaliar as práticas prevalentes nos outros dois centros que pretendia visitar, a organização examinou registros de processos judiciais e entrevistou pais, jovens já libertados, encarregados dos centros de detenção e outras pessoas familiarizadas com as condições desses centros).

A Human Rights Watch apelou ao Ministério Público e autoridades judiciárias para que fortaleçam o monitoramento do sistema estadual de detenção juvenil. Por sua parte, o Degase deveria montar um sistema de apresentação de queixas que não sofra a influência dos guardas, dar garantias de que todas as queixas serão investigadas cabalmente e de que o encarregados e funcionários que perpetrarem atos de violência e outros abusos serão devidamente disciplinados. O Degase deveria também preencher as vagas de pessoal e corrigir outras deficiências críticas dos centros, declarou, ainda, a organização.

Sob a estrutura federal brasileira, cada um dos 26 estados do Brasil administra seu próprio sistema de detenção juvenil. Mas é o governo federal que repassa grande parte dos recursos que os estados utilizam para manter os centros de detenção, contratar guardas e prestar serviços aos jovens internos. O Congresso Nacional deveria colocar como condição para a concessão desses recursos a apresentação de garantias, por parte dos estados, de acesso aos centros de detenção juvenil por parte de organizações independentes de monitoramento, concluiu a Human Rights Watch.

Portas abertas

Em contraste com o Rio de Janeiro, o estado de São Paulo oferece agora à Associação de Mães e Amigos de Crianças e Adolescentes em Risco, além de quatro outros grupos da sociedade civil, livre acesso — ou seja, acesso não limitado a seminários e apresentações previamente marcadas — a todos os centros de detenção juvenil, o que representa um avanço importante para o conturbado sistema de detenção juvenil do estado.

O estado do Pará garante aos representantes dos Centros para a Defesa de Crianças e Adolescentes, que são entidades não governamentais, o acesso às instalações de detenção juvenil. E a constituição do estado do Pará dispõe que este tipo de acesso será concedido a “toda e qualquer entidade legalmente constituída que trate da defesa de crianças e adolescentes”.

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