Preço embutido

Empresa que compra marca herda dívidas trabalhistas

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8 de junho de 2005, 18h22

As dívidas trabalhistas fazem parte do kit de compra de uma marca quando a nova empresa comercializa os mesmos produtos, com o mesmo nome, no mesmo ponto de venda. A decisão foi tomada pela 7ª Turma do Tribunal Regional do Trabalho da 2ª Região (São Paulo), em julgamento de recurso da Scarpe Comércio de Roupas e Acessórios.

De acordo com o processo, a 64ª Vara do Trabalho de São Paulo determinou a penhora de valores e bens da empresa para pagar dívida trabalhista de uma ex-empregada da Astéria Comércio de Vestuário. A primeira instância entendeu que, ao adquirir a grife de calçados “Mezzo Punto”, a Scarpe tornou-se sucessora da Astéria.

Inconformada, a empresa recorreu sustentando que “não é, nunca foi sucessora da Astéria”, pois elas são “empresas distintas, com sedes em lugares diferentes” e que apenas adquiriu, por meio de “Cessão e Transferência de Direitos”, o uso da marca “Mezzo Punto”.

Para a juíza Cátia Lungov, relatora do recurso no tribunal, documentos comprovam que as atividades da Astéria são hoje exercidas pela Scarpe. Segundo a ela, além de ser a atual detentora do principal bem da Astéria — a marca “Mezzo Punto” —, a Scarpe está estabelecida nos antigos endereços da ex-empregadora.

De acordo com a juíza, “é evidente que, através do esvaziamento das ex-empregadoras, a agravante pretende dar continuidade à empresa, através da comercialização dos mesmos produtos, com a mesma marca nos mesmos locais. Houve sucessão sim, de modo que a agravante é solidariamente responsável pelo crédito trabalhista da reclamante”.

A decisão da 7ª Turma foi unânime pela manutenção da sentença de primeira instância. Ainda cabe recurso.

AP 03062.1996.064.02.00-2

Leia a íntegra do acórdão

PROCESSO TRT SP 03062.1996.064.02.00-2

AGRAVO DE PETIÇÃO

ORIGEM: 64ª VT/SÃO PAULO

AGRAVANTE: SCARP COMÉRCIO DE ROUPAS E ACESSÓRIOS LTDA

AGRAVADOS: 1. LUCIANA DELMONT DONZELLI ARIENZO

2. ASTÉRIA COMÉRCIO DE VESTUÁRIO LTDA

3. BRASBOOT COMÉRCIO DE VESTUÁRIO LTDA

4. PERMESSO IND. E COM. DE ARTEFATOS DE COURO LTDA

SUCESSÃO DE EMPRESAS – USO DE MARCA – Empresa é a organização dos fatores da produção exercida pelo empresário – Incólume a atividade empresarial das ex-empregadoras, através da agravante, atual detentora do principal bem da empresa – a marca (direito patrimonial que tem por objeto bens incorpóreos). Estabelecida no mesmo endereço, comercializando os mesmos produtos, com a mesma marca, nos mesmos locais, inegável sua responsabilidade trabalhista. Agravo de petição rejeitado.

Agravo de petição interposto pela sucessora da 1ª reclamada (despacho de fl. 264) às fls. 601/614 em face da r. sentença de fls. 596/597, sustentando que não é, nunca foi sucessora da primeira ré; que são empresas distintas, com sedes em lugares diferentes; que nunca houve transferência da titularidade do estabelecimento da “Astéria” para a “Scarpe”, tendo a agravante apenas adquirido daquela, através de “Cessão e Transferência de Direitos”, o uso da marca “Meso Punto”, de modo que a agravante deve ser excluída da presente execução, além de ser determinado o levantamento da penhora.

Contra-minuta às fls. 616/618.

Manifestou-se o D. Representante do Ministério Público do Trabalho às fls. 629, pelo prosseguimento.

É o relatório.

VOTO

Satisfeitos os pressupostos de admissibilidade, conheço.

A agravante sustenta a inexistência de sucessão, mas sim mera aquisição de marca às reclamadas.

Segundo Rubens Requião (Curso de Direito Comercial, Editora Saraiva, 13ª edição, 1982, p.48) empresa, “Objetivamente considerada, apresenta-se como uma combinação de elementos pessoais e reais, colocados em função de um resultado econômico, e realizada em vista de um intento especulativo de uma pessoa, que se chama empresário”, para afirmar a seguir (p.49) que “Essas considerações levam-nos a compreender que, no ângulo do direito comercial, empresa, na acepção jurídica, significa uma atividade exercida pelo empresário”.

Dessa explicação surge nítida a idéia de que a empresa é essa organização dos fatores da produção exercida, posta a funcionar, pelo empresário. Desaparecendo o exercício da atividade organizada do empresário, desaparece, ipso facto, a empresa.

Confrontando tais elementos com os fatos trazidos aos autos, verifica-se que o desaparecimento das reclamadas, não obstou que a empresa, tal como acima conceituada, persistisse, pois a atividade empresarial à qual se dedicavam as ex-empregadoras é hoje objeto de exploração da agravante.

A agravante, entretanto, afirma que apenas possui o direito de uso da marca Meso Punto.

Tal elemento, no caso presente, não é desprezível, por certo.

Rubens Requião (op. cit., p. 173/174), afirma que “O fim imediato da garantia do direito à marca é resguardar o trabalho e a clientela do empresário”, afirmando que “O direito sobre a marca é patrimonial e tem por objeto bens incorpóreos. O que se protege é mais do que a representação material da marca, pois vai mais fundo, para atingir sua criação ideal. O exemplar da marca é apenas o modelo a representação sensível. A origem do direito é a ocupação, decorrendo, portanto, do direito natural que assegura a todos o fruto do trabalho” (sublinhou-se).

É certo, no entanto, que além da agravante ser a atual detentora do principal bem da empresa, ou seja, a marca, encontra-se hoje estabelecida nos mesmos endereços antes ocupados pelas ex-empregadoras.

Sim, porque conforme se verifica da certidão negativa de fl. 170, a locadora do imóvel sede da 1ª ré (Rua Oscar freire, 727), informou que esta havia se mudado em setembro/98.

Também a 2ª reclamada, estabelecida na Rua Roque Petrôni Jr., 1089 – loja 39, não foi encontrada pelo oficial de justiça (fl. 196).

Ocorre que a alteração contratual de fls. 202/204, noticia que em setembro/1998, a agravante mudou sua sede social para a Rua Oscar Freire, 550. O mesmo instrumento informa ainda que a agravante possui duas filiais, uma situada na Av. Roque Petroni Jr, 1089, loja 39, e a outra na Av. Brigadeiro Faria Lima, nº 2232 Loja M-1 A (imóvel cuja locação foi cedida pelo sócio das reclamadas à agravante, conforme contrato de fls. 235/237).

Portanto, é evidente que através do esvaziamento das ex-empregadoras, a agravante pretende dar continuidade à empresa, através da comercialização dos mesmos produtos, com a mesma marca nos mesmos locais.

Se do ponto de vista fático, é clara a responsabilidade solidária da empresa envolvida em relação às reclamadas, do ponto de vista puramente jurídico sustenta-se no fenômeno da “despersonalização do empregador” (Manoel Antonio Teixeira Filho, op.cit., p.108/109), claramente delineado nos artigos 2º, 10 e 448 da CLT, que impõe reconhecer-se como responsável pelo contrato de trabalho, a empresa, tal como conceituada pelo eminente Professor Rubens Requião.

Houve sucessão sim, de modo que a agravante é solidariamente responsável pelo crédito trabalhista da reclamante.

ISTO POSTO, NEGO PROVIMENTO ao recurso, nos termos da fundamentação, mantendo íntegra a r. sentença de fls.

CATIA LUNGOV

Juíza Relatora

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