A base do mensalão

Presidente do PTB diz que PT pagava mesada a deputados aliados

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6 de junho de 2005, 11h55

O presidente Luis Inácio Lula da Silva convocou uma reunião da coordenação política do governo para discutir as declarações do presidente do PTB, Roberto Jefferson, segundo as quais o PT pagava uma mesada de R$ 30 mil para os deputados da base aliada no Congresso. Jefferson fez a revelação em entrevista exclusiva ao jornal Folha de S. Paulo.

Segundo o deputado, a prática durou desde o início do governo do Lula, até o começo deste ano, quando o presidente tomou conhecimento do chamado “mensalão” e ordenou sua suspensão. O pagamento, segundo Jefferson, era feito por Delúbio Soares, o tesoureiro do PT. À Folha Jefferson relatou a conversa na qual contou ao presidente o que sabia. “Presidente, o Delúbio vai botar uma dinamite na sua cadeira. Ele continua dando o `mensalão´”. Segundo Jefferson, o presidente, que não sabia de nada, chorou e a partir daí “a fonte secou”.

Na entrevista, o presidente do PTB diz que os deputados do PP e do PL receberam a mesada do governo. Segundo Jefferson, seu partido, o PTB, rejeitou a proposta para entrar no esquema, feita e repetida a partir de 2003. Ele próprio denunciou a prática à cúpula do PT, antes de levá-la ao presidente. “O Zé Dirceu deu um soco na mesa: ‘o Delúbio está errado, eu falei para não fazer’”.

Corrupção no governo

O governo, que nunca conseguiu contar com uma base de apoio fiel e consistente no Congresso, falhou na tentativa de comprar uma. Desde que foi suspenso o pagamento da mesada, a insatisfação teria crescido na base parlamentar do governo: “A insatisfação está brutal porque a mesada acabou”.

O PTB, que segundo seu presidente não entrou no ‘mensalão’, está no centro de outro suposto esquema de corrupção implantado nos Correios, e que consistia também em desviar dinheiro público para garantir apoio no Congresso.

A revelação do esquema de corrupção nos Correios pela revista Veja provocou um terremoto na base de sustentação do governo, um abalo dentro da própria base petista e pode levar à instalação de uma CPI para investigar o caso. Também no IRB — Instituto de Resseguros do Brasil existiria um esquema de arrecadação de dinheiro para financiar o apoio do governo no Congresso. Nos dois casos, dirigentes das duas entidades indicadas pelo PTB estariam no centro das irregularidades.

A revelação do ‘mensalão’ pela Folha coloca mais lenha na fogueira e acaba de uma vez por todas com a imagem de defensor inatacável da moralidade que marcou a história do PT enquanto esteve na oposição. Segundo pesquisa do instituto Datafolha, 65% da população acredita que o governo Lula é corrupto. Em marco de 2004, apenas 32% pensava assim. O índice é muito próximo ao ostentado pelo governo Fernando Henrique Cardoso em sua pior avaliação no que se refere à moralidade. Em maio de 2002, 69% dos entrevistados acreditavam que o governo FHC era corrupto.

Negativa

Em nota oficial, a direção do PT negou as declarações de Roberto Jefferson: “O PT nega as declarações do deputado Roberto Jefferson, pois elas não têm o mínimo fundamento na realidade. O relacionamento do PT com todos os partidos da base de sustentação do governo, inclusive o PTB, se assenta em pressupostos políticos e programáticos e no objetivo de garantir a governabilidade do país e implementar o programa de governo pelo qual o presidente Lula foi eleito”.

A nota afirma ainda que o partido apóia “todas as investigações em curso feitas pela Polícia Federal, pelo Ministério Público, pela Controladoria Geral da União e por outras instituições, ressalvando a presunção de inocência de todos os envolvidos, mas com a convicção de que todos os culpados deverão ser punidos”. As investigações em curso, a que se refere a nota, dizem respeito ao escândalo nos Correios. Não há investigação, ainda, para apurar o mensalão.

Leia trechos da entrevista de Roberto Jefferson à Folha de S. Paulo

O mensalão

“Um pouco antes de o Martinez morrer, ele me procurou e disse: “Roberto, o Delúbio [Soares, tesoureiro do PT] está fazendo um esquema de mesada, um “mensalão”, para os parlamentares da base. O PP, o PL, e quer que o PTB também receba. R$ 30 mil para cada deputado. O que você me diz disso?”. Eu digo: “Sou contra. Isso é coisa de Câmara de Vereadores de quinta categoria. Vai nos escravizar e vai nos desmoralizar”. O Martinez decidiu não aceitar essa mesada que, segundo ele, o doutor Delúbio já passava ao PP e ao PL.”

Quem recebia

“E eu passei a viver uma brutal pressão. Porque deputados do meu partido sabiam que os deputados do PL e do PP recebiam. As informações que eu tenho são que o PMDB estava fora. Não teve “mensalão” no PMDB.”

Quem sabia

“Fui ao ministro Zé Dirceu, ainda no início de 2004, e contei: “Está havendo essa história de mensalão. Alguns deputados do PTB estão me cobrando. E eu não vou pegar. Não tem jeito”. O Zé deu um soco na mesa: “O Delúbio está errado. Isso não pode acontecer. Eu falei para não fazer”. Eu pensei: vai acabar. Mas continuou.”

Pressão

“Toda a pressão que recebi neste governo, como presidente do PTB, por dinheiro, foi em função desse “mensalão”, que contaminou a base parlamentar. Tudo o que você está vendo aí nessa queda-de-braço é que o “mensalão” tem que passar para R$ 50 mil, R$ 60 mil. Essa paralisia resulta da maldição que é o “mensalão”.”

Por quê?

“É mais barato pagar o exército mercenário do que dividir o poder. É mais fácil alugar um deputado do que discutir um projeto de governo. É por isso. Quem é pago não pensa.”

Com o presidente

“No princípio deste ano, em duas conversas com o presidente Lula, na presença do ministro Walfrido, do líder Arlindo Chinaglia, do ministro Aldo Rebelo, do ministro José Dirceu, eu disse ao presidente: “Presidente, o Delúbio vai botar uma dinamite na sua cadeira. Ele continua dando “mensalão” aos deputados”. “Que “mensalão’?, perguntou o presidente. Aí eu expliquei ao presidente”.

Reação

“O presidente Lula chorou. Falou: “Não é possível isso”. E chorou. Eu falei: É possível sim, presidente”.

Leia a Nota do PT

1 – Foi com surpresa e indignação que o Partido dos Trabalhadores tomou conhecimento das declarações do deputado Roberto Jefferson, concedidas ao jornal Folha de S.Paulo, segundo as quais o nosso partido, através do tesoureiro Delúbio Soares, concedia uma mesada mensal de R$ 30 mil aos deputados do PL e do PP;

2 – O PT nega as declarações do deputado Roberto Jefferson, pois elas não têm o mínimo fundamento na realidade. O relacionamento do PT com todos os partidos da base de sustentação do governo, inclusive o PTB, se assenta em pressupostos políticos e programáticos e no objetivo de garantir a governabilidade do país e implementar o programa de governo pelo qual o presidente Lula foi eleito;

3 – O PT, a exemplo de outros partidos da base do governo, apóia todas as investigações em curso feitas pela Polícia Federal, pelo Ministério Público, pela Controladoria Geral da União e por outras instituições, ressalvando a presunção de inocência de todos os envolvidos, mas com a convicção de que todos os culpados deverão ser punidos.

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