Retratação judicial

FHC quer que Ciro Gomes explique acusações contra ele

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6 de junho de 2005, 16h58

O ex-presidente Fernando Henrique Cardoso quer que o ministro da Integração Nacional Ciro Gomes explique os ataques feitos a ele na última quarta-feira (1/6), depois de café da manhã com a bancada do nordeste, em Brasília. Neles, Ciro acusou FHC de “não ter a mais remota preocupação ética”.

O pedido de notificação judicial foi feito ao Supremo Tribunal Federal nesta segunda-feira (6/6) pelos advogados Paulo José da Costa Jr. e Fernando José da Costa, do escritório Paulo José da Costa Jr. Advogados.

Ciro acusou o governo Fernando Henrique (1994-2002) de ser “contemporizador com a ladroagem” ao afastar a máxima de que o governo atual é igual aos outros. “Não é. É diferente. Os que estão chafurdando na lama querem dizer que o PT é igual a eles. Esse é um governo nacional contra um governo entreguista”, afirmou.

Ao justificar suas acusações, Ciro disse que só iria “falar de bilhões” e enumerou como ilícitos a extinção da Sudam e da Sudene (superintendências de desenvolvimento da Amazônia e do Nordeste), o socorro aos bancos Marka e FonteCindam, a acusação de compra de votos no Congresso para aprovar a emenda da reeleição e a privatização do sistema Telebras. Todas as ações foram colocadas em prática no governo FHC.

Leia a íntegra da inicial

EXMO. SR. DR. PRESIDENTE DO EGRÉGIO SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL

Notificação judicial

FERNANDO HENRIQUE CARDOSO, brasileiro, casado, sociólogo, domiciliado na Rua Rio de Janeiro, 212, Higienópolis, São Paulo, SP, juntamente com seus advogados infra-assinados (doc. 1), vem respeitosamente à presença de V.Exa. propor a presente

NOTIFICAÇÃO JUDICIAL

com fundamento no artigo 25 da Lei no. 5.250, de 9 de fevereiro de 1967 e artigo 102, inciso I, “c”, da Constituição Federal em face do Ministro de Estado CIRO FERREIRA GOMES, brasileiro, separado, com endereço comercial no Ministério da Integração Nacional, Gabinete do Ministro, bloco “E”, 8º andar, Esplanada dos Ministérios, Brasília, DF, na forma seguinte:

O notificante é formado em sociologia pela USP, pós-graduado pela Université de Paris em Laboratoire de Sociologie Industrielle em 1962/3, pela Faculdade de Filosofia, Ciências e Letras da Universidade de São Paulo. Tornou-se pela USP, em 1961 “Doutor”, em 1963 “Livre Docente” e em 1968 Titular da Cátedra.

É Doutor Honoris Causa pela Universidade Rutgers de New Jersey, EUA desde 1978; Universidade de Notre Dame, Indiana, EUA, desde 1991; Universidade de Chile, desde 1992; Faculdade de Ciência Político, Universidade Livre de Berlin, Alemanha, desde 1995; Faculdade de Ciências, Universidade de Porto, Portugal, desde 1995; Faculdade de Direito da Universidade de Coimbra, Coimbra, Portugal, desde 1995; Faculdade de Ciências Econômicas e Sociais, Universidade Central de Venezuela, Venezuela, desde 1995; Universidade Lumière Lyon 2, França, desde 1996; Universidade Sofia, Japão, desde 1996; Faculdade de Ciência Política, Faculdade de Ciência Política, Universidade “degli studi”, Bologna, Itália, desde 1997; Universidade Soka, Japão, desde 1997; Universidade de Cambridge, Inglaterra, desde 1997; Ciência Econômica, London School of Economics and Political Science, Universidade de Londres, Inglaterra; Universidade Hebraica de Jerusalém, Israel, desde 2001; Faculdade Latinoamericana de Ciências Sociais, Flacso, desde 2001; Universidade de Oxford, Inglaterra, desde 2002; Universidade de Salamanca, Espanha, desde 2002; Universidade de Konstantin Filozof, Nitra, Eslováquia, desde 2002; Academia Moscovita, Universidade de Moscou, Rússia, desde 2002.

Em sua carreira política foi eleito no ano de 1986 Senador da República, fundou o PSDB em 1988, foi nomeado Ministro de Estado, em 1992 ocupando o ministério das Relações Exteriores e em maio de 1993 passou para o ministério da Fazenda.

O notificante foi eleito Presidente da República para o mandato de 1994 a 1998. Foi reeleito Presidente para o período de 1999 a 2002.

Atualmente é presidente do Club de Madrid e co-presidente do Inter-americano Dialogue. É membro dos Conselhos Consultivos do Institute for Advanced Studdy, de Princeton e da Fundação Rockefeller, em Nova York. É professor da Universidade de Brown, em Providence e detentor da Cátedra Cultures of the South, da Biblioteca do Congresso, em Washington D. C. EUA.

Denota-se de há muito que o notificante dedicou sua vida profissional ao magistério e ao bem estar social, chegando a ser por dois mandatos Presidente da República Federativa do Brasil.

Ocorre que, em 2 de junho de 2005, o notificante, após a criação da CPI dos Correios, viu-se surpreendido com a inserção de seu nome, em matérias publicadas respectivamente nos jornais Folha de São Paulo (doc. 2), intitulada “Ciro acusa FHC de não possuir preocupação com a ética”, título esse inserido sob a chamada “Governo sob pressão – Ministro criticou os que querem transformar o Congresso Nacional em delegacia de polícia” e Jornal O Globo (doc. 3), intitulada “Ciro: FH contemporizou com ladroeira – Em defesa de Lula, ministro classifica governo passado de entreguista”.


A matéria publicada pela Folha de São Paulo, de autoria do jornalista Ranier Bragon, versa sobre declarações feitas por Ciro Gomes, ora notificado, após tomar café da manhã com a bancada do Nordeste na Câmara, afirmando que parte do Congresso quer se transformar em delegacia de polícia ao criar a CPI dos Correios. Acrescentou que o notificante, pela forma como governou o Brasil, não possui preocupação com a ética. Completou dizendo que o atual Governo é diverso do governo anterior, presidido pelo notificante, sendo um Governo nacional e ético contra um governo entreguista e contemporizador com a ladroagem.

A respeito do Governo anterior, o notificado enumerou quatro casos em que bilhões de reais em recursos públicos foram mal utilizados: extinção da Sudam e Sudene (Superintendências de desenvolvimento da Amazônia e do Nordeste); o socorro aos bancos Marka e FonteCindam; o caso da compra de votos no Congresso para a aprovação da emenda da reeleição e a privatização do sistema Telebrás.

Disse ainda que o notificante não se recata ao pudor de um ex-presidente, utilizando-se de expressões chulas e radicalização rasteira, apresentando-se como príncipe e com deboche sobre a sertanização da política em Brasília, o que não disfarça o preconceito contra Lula.

A matéria reproduz, entre aspas, as seguintes palavras do notificado:

’Quem acredita que o sr. FHC, tendo governado o Brasil como governou, tem a mais remota preocupação ética?”, diz o Ministro de Estado Ciro Gomes” (cf. doc. 2).

Na seqüência, nova alusão é feita pelo notificado:

Não é. É diferente. Os que estão chafurdando na lama querem dizer que o PT é igual a eles. Esse é um governo nacional contra um governo entreguista, um governo ético contra um governo contemporizador com a ladroagem’, diz o Ministro de Estado Ciro Gomes” (cf. doc. 2).

No corpo do mesmo texto, a respeito dos recursos públicos utilizados na gestão do notificante, constata-se:

’Só vou falar de bilhões’, disse, enumerando depois a extinção da Sudam e Sudene (superintendências de desenvolvimento da Amazônia e do Nordeste), o socorro aos bancos Marka e FonteCindam, o caso da compra de votos no Congresso para a aprovação da emenda da reeleição e a privatização do sistema Telebrás, todos os casos ocorridos durante a gestão tucana” (Trecho da matéria publicada pelo jornal Folha de São Paulo, cf. doc. 2).

Depois de noticiar alguns casos, envolvendo bilhões, em que recursos públicos teriam sido malversados na gestão do notificante, inclui-se na matéria jornalística a questão da Comissão Parlamentar de Inquérito dos Correios:

Os ataques de Ciro aos tucanos se dá devido à crise política que resultou na criação da CPI dos Correios. Sobre a comissão especificamente, o ministro disse que estão tentando manipular o sentimento popular e que há duas coisas a responder.

A primeira: ‘A população está de saco cheio de notícia infame de ladroeira ser premiada com impunidade’, afirmou, frisando que o governo tomou todas as medidas possíveis para investigar as denúncias em questão. ‘Todas as providências (…) foram tomadas, 100%; daí para frente é esquartejar, enforcar, mas isso não pode’, afirmou, ressaltando que a imprensa deve tomar cuidado para não fazer linchamento de ninguém sem provas.

A segunda: ‘O país espera que o governo governe e o Parlamento vote. Como as coisas não estão propriamente assim, o que tem acontecido? O executivo legisla, e o Legislativo quer virar delegacia de polícia, não o Legislativo, parte dele quer virar delegacia de polícia’, afirmou Ciro, que acrescentou: ‘Essa é uma velha opinião. Quando setores do PT queriam fazer CPI e politizar tudo quanto era escândalo no governo FHC, fui contra também’”(cf. doc. 2).

Como se vê, superficial leitura do texto em questão autoriza concluir a prática de crime contra a honra do notificante. Nele há alusão à falta de ética do notificante enquanto chefe do poder executivo, de seu envolvimento na questão da irregular destinação do dinheiro público, bem como na compra de votos para sua reeleição etc.

A matéria publicada pelo jornal O Globo (doc. 3), cujas autoras são Isabel Braga e Adriana Vasconcelos, versa sobre as mesmas declarações feitas pelo notificado, acima mencionadas.

O notificado afirma que o Governo do notificante teria “contemporizado com a ladroeira” (cf. doc. 3).

Na matéria intitulada “Ciro: FH contemporizou com a ladroeira – Em defesa de Lula, ministro classifica governo passado de entreguista”, desde seu início o notificado faz alusão ao notificante, trazendo sérias acusações ofensivas à honra objetiva e subjetiva do notificante, nos seguintes termos:

O ministro da integração Nacional, Ciro Gomes, assumiu o discurso mais duro contra a oposição ontem, tendo como alvo preferido o ex-presidente Fernando Henrique Cardoso, seu ex-companheiro de PSDB. Sem medir palavras, o ministro acusou o governo Fernando Henrique de ser entreguista e de ter ‘contemporizado com a ladroeira’. Classificou a proposta de CPI dos Correios de uma tentativa da oposição de querer passar à opinião pública a impressão de que os dois governos agem do mesmo modo diante de denúncias de corrupção.


– Querem provar que o PT é igual a eles, que o governo é igual ao deles. Não é, é diferente. Esses e aqueles que estão chafurdando na lama. Este é um governo nacional contra um governo entreguista, um governo ético contra um governo contemporizador com a ladroeira – disse Ciro em entrevista após um café da manhã com as bancadas do Nordeste na Câmara”(cf. doc. 3).

A respeito da ética do notificante, afirmou o notificado:

“- Uma cobrança que considero legítima é saber qual é realmente o compromisso ético da coalizão liderada pelo senhor Fernando Henrique. Quem acredita que o senhor Fernando Henrique Cardoso, tendo governado o Brasil como governou, tem a mais remota preocupação ética? Vou ficar só nos bilhões – disse Ciro, enumerando, em seguida, denúncias de irregularidades no passado:

– Ao extinguir a Sudam, R$ 3 bilhões; pôs o manto da impunidade sobre todos, confundindo alhos com bugalhos. (A operação de socorro aos bancos) Marka e FonteCindam, US$ 1,6 Bilhões. Passa na cabeça do mais ingênuo dos brasileiros que o Brasil esteve na iminência de uma crise que ia esterilizar o sistema financeiro e o ministro da Fazenda e o presidente não sabiam? Nunca tinha ouvido falar na minha história de venda de voto para a reeleição! Já tinha ouvido falar de pressão, chantagem, fisiologia. A quem interessava naquela oportunidade a reeleição? Ao senhor Fernando Henrique Cardoso, ele mesmo”(cf. doc. 3).

Em outro trecho da matéria, o notificado se refere à falta de pudor do notificante:

“- Quem está querendo provar que tem crise institucional é o senhor Fernando Henrique Cardoso. Não se recata ao pudor de um ex-presidente. Expressões chulas, radicalização rasteira. Apresentando-se como príncipe e com deboche sobre a sertanização da política em Brasília, o que não disfarça o preconceito contra Lula” ( cf. doc. 3).

Rápida leitura do texto em questão revela em seu conteúdo a intenção manifesta do notificado em ofender a reputação, a dignidade e o decoro do notificante.

Posto isto, indaga-se do notificado:

Confirma o notificado, por inteiro, os termos de suas declarações publicadas nas matérias em epígrafe, publicadas nos jornais Folha de São Paulo e O Globo, do dia 2 de junho de 2005?

O notificado assevera que o notificante, por ter governado o país como governou, não dispõe da mais remota preocupação ética. Assim sendo, com base em quais elementos formula tal afirmação?

Ao mencionar que o governo atual do PT não é igual “a eles”, teria o notificado se referido ao governo presidido pelo notificante? Em caso positivo, com base em quais fatos concretos afirma que sua gestão foi entreguista e contemporizadora com a ladroagem? Com base em que o notificado conclui estar a gestão do notificante chafurdando na lama?

Sustentado por quais elementos o notificado conclui que a extinção da Sudam teria lançado um manto de impunidade sobre todos, confundindo alhos com bugalhos?

Ratifica o notificado suas declarações de que, na gestão do notificante, houve gastos públicos irregulares como o de R$ 3 bilhões na extinção da Sudam, US$1,6 bilhões na operação de socorro aos bancos Marka e FonteCidam? Em caso positivo quais os elementos que alicerçam tais afirmações?

Confirma o notificado de que, ao se referir a respeito das operações envolvendo bilhões seria impossível o Ministro da Fazenda e o notificante não terem conhecimento delas? Em caso positivo, teria o notificante determinado tais operações, ou teria sido pelo menos conivente com elas?

Em razão do notificante declarar: “Nunca tinha ouvido falar na minha história de venda de voto para reeleição”, poderia descrever com detalhes tal fato? Quais as provas que confirmam esta alegada compra e venda de votos para a reeleição do notificante?

Ao mencionar que só interessava ao notificante a reeleição, de que forma o notificante teria participado desta suposta venda de votos?

Em que sentido o notificado entende que o notificante não se recata ao pudor de um ex-presidente da República?

O notificado confirma suas declarações publicadas pelo O Globo de que o notificante está se utilizando de expressões chulas e radicalização rasteira? Quais as expressões chulas empregadas pelo notificante e de que forma houve uma radicalização rasteira?

Ao afirmar o notificado que o notificante apresenta-se como príncipe e com deboche sobre a sertanização da política em Brasília, não disfarçando o preconceito contra Lula pretende concluir que o notificante está preconceituando o Presidente da República? Em caso positivo, embasado em quais elementos faz tal afirmação?

Por todo o exposto, requer-se de V.Exa. se digne determinar seja o notificado intimado a dar as explicações pedidas, no prazo legal de 48 horas, com a advertência de que, se não as der ou as oferecer de modo insatisfatório, responderá pelas ofensas proferidas.

Termos em que,

P.Deferimento.

São Paulo, 6 de junho de 2005.

FERNANDO HENRIQUE CARDOSO

PAULO JOSÉ DA COSTA JR.

OAB/SP no. 5.865

FERNANDO JOSÉ DA COSTA

OAB/SP no. 155.943

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