Controle moderado

CNJ deve dividir-se entre inovador e corporativista

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4 de junho de 2005, 15h14

Luciana Nanci

Duas correntes distintas devem se formar dentro do CNJ — Conselho Nacional de Justiça, previsto para começar a operar de fato nesta próxima quarta-feira (8/6). Órgão criado pela Emenda Constitucional 45 (Reforma do Judiciário) para desenhar estratégias que modernizem e agilizem a prestação jurídica e controlar o trabalho de seus personagens, ele terá seus contornos definidos pelo perfil e histórico profissionais dos membros que o compõem — apesar de cedo para definir os rumos do grupo, pode-se, desde já, supor como ele irá se comportar.

Montado através de um longo processo de seleção que passou pela indicação de diferentes órgãos e setores da sociedade, por uma sabatina na Comissão de Constituição, Justiça e Cidadania do Senado e pela aprovação do Plenário do Senado, o CNJ aguarda apenas a sanção do presidente Luiz Inácio Lula da Silva para ser instalado, o que deve ocorrer nesta semana que se inicia.

De um lado do Conselho, é provável que tome forma uma linha de ação mais técnica e política, representada pela figura de seu presidente, o também atual presidente do Supremo Tribunal Federal, Nelson Jobim. Suas ações devem ser pautadas pela experiência acumulada pelos cargos de deputado federal e ex-ministro da Justiça do governo Fernando Henrique Cardoso: a visão processual do sistema unida ao conhecimento legislativo que carrega. “A tendência é que essa corrente dê maior ênfase às demandas da sociedade”, diz uma fonte familiar com os movimentos do Judiciário. “Jobim é o grande idealizador do CNJ, não tem tanta preocupação com a autonomia e a independência dos juízes, quer dar um choque de gerenciamento e tentar melhorar a estrutura do Judiciário”, afirma um juiz de carreira.

Visão política

Do grupo liderado pelo presidente do STF devem fazer parte também Alexandre de Moraes, ex-secretário de Justiça do governo Geraldo Alckmin e professor de Direito Constitucional da USP, nome indicado pelo Senado. Supõe-se que esta corrente terá, ainda, a juíza federal no Ceará e professora de Direito Administrativo e Constitucional, Germana de Oliveira Moraes, e pelo desembargador do Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro e presidente do Tribunal Regional Eleitoral, Marcus Faver. Ex-presidente do Tribunal de Justiça do estado, ele é um dos grandes responsáveis pela modernização e pela eficiência verificada hoje num dos tribunais mais produtivos do país, segundo levantamento feito recentemente a pedido do próprio Jobim.

No lado um pouco mais moderado, mas também com ranço político, estão os juízes trabalhistas Douglas Alencar Rodrigues e Paulo Luiz Schmidt. Rodrigues foi nomeado para o Tribunal Regional do Trabalho por Lula e foi por duas vezes presidente da Amatra 10 — Associação dos Magistrados do Trabalho da 10ª Região. É professor de Direito Processual do Trabalho.Schimidt, especialista em orçamento público e presidente da Amatra-4, conhece o funcionamento de todos os procedimentos dentro de um tribunal.

Corporativismo

Ao mesmo passo, no papel de representantes de uma categoria dentro do Judiciário — no caso os juízes trabalhistas — ambos podem assumir um papel mais corporativista dentro do órgão e garantir, por meio do conhecimento técnico, um contraponto à atuação do presidente do conselho. “Jobim não será uma raposa no meio das ovelhas”, palpita uma fonte do Judiciário.

À linha ligada ao movimento associativo também devem se juntar os nomes indicados pela Ordem dos Advogados do Brasil, o advogado alagoano e membro honorário da Comissão de Ensino Jurídico da Ordem, Paulo Luiz Netto Lobo, e o advogado do Rio de Janeiro Oscar Argollo, integrante da Comissão de Ensino Jurídico da entidade e membro do Superior Tribunal de Justiça Desportiva. “Todos os integrantes são pessoas sérias, mas cada um vai levar as experiências profissionais consigo e há um risco grave de os representantes da OAB defenderem, dentro do conselho, seus interesses corporativos”, afirma uma fonte. “É muito provável que os indicados pela Ordem alinhem-se com as posições históricas da entidade”, diz outra.

No outro extremo da corrente liderada por Jobim, poderá se formar um grupo de atuação mais tradicional e resistente a mudanças, personificado nas figuras do corregedor do órgão, ministro mais antigo do Superior Tribunal de Justiça Antônio de Pádua Ribeiro, e do presidente do Tribunal Superior do Trabalho Vantuil Abdala. “Ambos têm longa carreira na magistratura, com maior sensibilidade a ouvir o público interno do Judiciário”, afirma um servidor do STF. Não que eles irão colocar obstáculos às mudanças de gestão da Justiça, mas é pouco provável que liderem uma agenda de transformações.

Pesa na suposição, também, o fato de ambos serem juizes de carreira, ao contrário do presidente do STF, por exemplo. Por outro lado, também não há como dizer que este é um quadro acabado do que deve ser o conselho. Pádua Ribeiro é um bom exemplo: como presidente do STJ, ele deu destaque à informatização da Justiça e colocou em prática medidas para agilizar a tramitação dos processos na corte.

Holofotes apagados

Sabe-se, desde já, no entanto, que a atuação do CNJ será muito mais propensa a desenvolver planos de mudanças gerenciais, de administração e gestão do Judiciário que a punir a má atuação de juízes. Desde que o conselho começou a sair do plano teórico para o prático, Nelson Jobim faz questão de frisar que ele não será um órgão meramente correcional. Mesmo porque, alega, esse papel já é de responsabilidade das Corregedorias instaladas em cada tribunal do país. A inclinação pode até servir como um tranqüilizador aos que temem a caça aos juízes de primeiro grau: um dos motivos de rejeição à criação do conselho vem justamente do temor que a corda estoure sempre para a lado mais fraco, privilegiando os juizes de segunda instância e a presidência dos tribunais.

Já na reunião informal promovida por Jobim depois que os membros foram aprovados pelo Senado, que durou cerca de uma hora, o presidente do STF expôs a prevalência do papel técnico e não punitivo do órgão, o que foi acatado por todos os participantes.

Nesse sentido, sabe-se também que o conselho não será um órgão midiático. Todos os membros do CNJ possuem um caráter ponderado, longe do radical. É pouco provável que os casos de denúncias contra juízes cheguem à imprensa, numa atuação que pode se assemelhar à que é desempenhada pelo Conselho de Medicina. “O conselho não promoverá chacina de juízes, tomará muito cuidado em proteger os juízes da execração pública. Não será um órgão afeito a espetáculos, no mal sentido da palavra”, afirma uma fonte. Um exemplo da tendência é a participação do juiz do Tribunal Regional Federal da 1ª Região, Jirair Meguerian no conselho. Como desembargador do Tribunal Regional Eleitoral do Distrito Federal, Meguerian ficou famoso por determinar a apreensão de todos os exemplares do jornal Correio Braziliense caso ele divulgasse trechos de uma conversa entre o governador Joaquim Roriz e o fazendeiro Pedro Passos, acusado de grilagem de terras.

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