Serviço parado

MPF pede que Justiça ponha fim na greve do INSS em São Paulo

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3 de junho de 2005, 16h36

O Ministério Público Federal ajuizou Ação Civil Pública contra o Sinsprev — Sindicato dos Trabalhadores em Saúde e Previdência do Estado de São Paulo em que requer o fim da greve dos servidores do INSS em todo o estado.

Segundo o procurador da República Márcio Schusterschitz da Silva Araújo, autor da ação, o atendimento nos postos do INSS é um serviço básico que garante a sobrevivência de várias pessoas e por isso não pode ser prejudicado. A informação é do MPF de São Paulo.

O procurador ainda argumenta que a greve fere princípios como a adequação e a continuidade do serviço público, além da garantia à seguridade social. Por isso, pede que a Justiça determine o imediato retorno dos servidores do INSS às suas atividades normais em São Paulo.

Caso o pedido de fim da greve não seja atendido, o Ministério Público requer que seja instalada uma equipe emergencial de trabalho durante a paralisação de, no mínimo, 60% dos servidores em cada município “para garantir o atendimento preferencial dos benefícios de auxílio doença, aposentadoria por invalidez, pensão por morte, benefícios assistenciais da Lei Orgânica de Assistência Social — Loas, auxílio-reclusão e salário maternidade”. O sindicato deverá apresentar relatórios semanais que mostrem o cumprimento da decisão.

Serviço falho

No início de maio, o procurador entrou com uma Ação Civil Pública contra a Agência de Previdência Social Santo Amaro, na capital paulista, pedindo a conclusão de 27 mil processos parados e de mais de 6 mil encontrados num cadastro paralelo.

As investigações do Ministério Público Federal detectaram falhas graves no atendimento dos segurados. O serviço prestado por outras agências da capital também está sendo investigado. A Justiça ainda não se manifestou sobre essa ação.

Leia a íntegra da ação

Exmo. Sr. Federal da ___ ª Vara da Seção Judiciária de São Paulo

O Ministério Público Federal, por seu Procurador que ao final assina e com base no artigo 129, II e III da Constituição Federal, e do artigo 1.º e seguintes da Lei n.º 7.437/85, vem ajuizar a presente AÇÃO CIVIL PÚBLICA com PEDIDO DE ANTECIPAÇÃO DA TUTELA em face do

SINSPREV – Sindicato dos Trabalhadores em Saúde e Previdência no Estado de São Paulo, pessoa jurídica de direito privado, inscrita no CGC sob o n.º CGC: 55.952.451/0001-10 e com endereço a – Rua Senador Felício dos Santos, 404 – São Paulo – SP -CEP: 01511-010 – Aclimação – Fone: 11- 3207-9344;

Pelos seguintes fundamentos de fato e de direito.

I. Introdução

Pela presente ação, pretende o Ministério Público Federal o fim da paralisação dos serviços prestados pelo Instituto Nacional do Seguro Social em razão da greve iniciada em 02 de junho de 2005, em face de determinação do sindicato réu, tendo-se assim o retorno dos servidores em greve às suas atividades.

Subsidiariamente, pretende-se a estipulação de patamares mínimos de atendimento que devam ser garantidos pelo réu.

II. Quanto aos bens que se pretende tutelar: os direitos difusos

É preciso salientar, desde o início, que a presente ação visa proteger direitos e interesses que transcendem a indivíduos determinados, atingindo universo de pessoas que com o Instituto Nacional do Seguro Social mantém uma relação de titularidade, ligando-se uns aos outros por uma relação de fato, qual seja, a sujeição à prestação de serviços exclusivamente pelo INSS.

Desta forma, identifica-se que o objeto desta Ação Civil Pública está vinculado à tutela dos direitos transindividuais relativos à prestação dos serviços púbicos pelos servidores paralisados, de acordo com os princípios constitucionais basilares inscritos no art. 37 da Carta Maior e com os demais inferidos da totalidade das normas que orientam tais prestações, cuja desconformidade no caso concreto gera a ofensa a diversos direitos difusos, como se verá a seguir.

II.I. Da legitimidade ativa do Ministério Público

A adequada prestação do serviço público, sua continuidade e credibilidade, a moralidade administrativa, a dignidade da pessoa humana enquanto sujeita às medidas adotadas dentro do movimento grevista e os direitos da sociedade enquanto destinatária das atividades públicas são, por certo, direitos difusos, nos termos do artigo 1.º da LACP.

Pelos moldes do inciso IV, do referido dispositivo legal, a matéria é regida pelo princípio da não taxatividade da ação civil pública. Assim também o artigo 129, III, da Constituição Federal, revela o dever de proteção por esta Instituição aos direitos difusos não estabelecidos de forma exaustiva.

Por outro lado, no mesmo artigo, inciso II, o Texto Maior prevê, ainda, a atribuição ministerial de zelo aos serviços de relevância pública e aos direitos assegurados na Constituição Federal, função esta que traz ao âmbito de atuação do Ministério Público a busca da medida cabível para o retorno da respeitabilidade aos serviços públicos e aos direitos difusos da população.


Assim, a legitimidade do Ministério Público Federal, decorre tanto do já referido art. 129, III, da CF, como, em base infraconstitucional, do artigo 5.º da Lei da Ação Civil Pública e do Capítulo I da Lei Orgânica Nacional do Ministério Público Federal (Lei Complementar no. 75), que prevê as atribuições pertinentes à proteção dos direitos difusos já enunciados.

Especificamente quanto à atividade em causa do Ministério Público Federal, dispõe o artigo 5.º, da referida LC 75/1993:

Art. 5º São funções institucionais do Ministério Público da União:

I – a defesa da ordem jurídica, do regime democrático, dos interesses sociais e dos interesses individuais indisponíveis, considerados, dentre outros, os seguintes fundamentos e princípios

h) a legalidade, a impessoalidade, a moralidade e a publicidade, relativas à administração pública direta, indireta ou fundacional, de qualquer dos Poderes da União;

II – zelar pela observância dos princípios constitucionais relativos:

d) à seguridade social, à educação, à cultura e ao desporto, à ciência e à tecnologia, à comunicação social e ao meio ambiente

IV – zelar pelo efetivo respeito dos Poderes Públicos da União, dos serviços de relevância pública e dos meios de comunicação social aos princípios, garantias, condições, direitos, deveres e vedações previstos na Constituição Federal e na lei, relativos à comunicação social;

Ainda, como já decidiu o Superior Tribunal de Justiça, em acórdão da lavra do Ministro José Delgado (RESP 427140 / RO):

2. A carta de 1988, ao evidenciar a importância da cidadania no controle dos atos da administração, com a eleição dos valores imateriais do art. 37 da CF como tuteláveis judicialmente, coadjuvados por uma série de instrumentos processuais de defesa dos interesses transindividuais, criou um microsistema de tutela de

interesses difusos referentes à probidade da administração pública,

nele encartando-se a Ação Popular, a Ação Civil Pública e o Mandado

de Segurança Coletivo, como instrumentos concorrentes na defesa

desses direitos eclipsados por cláusulas pétreas.

3. Em conseqüência, legitima-se o Ministério Público a toda e qualquer demanda que vise à defesa do patrimônio público sob o ângulo material (perdas e danos) ou imaterial (lesão à moralidade).

Tem-se, portanto, evidenciada a legitimidade ativa do Ministério Público Federal para composição deste feito.

III. Da competência da Justiça Federal

Cuidando a presente de ação de danos decorrentes de greve no serviço público federal, manifesto o interesse da autarquia federal previdenciária, titular dos direitos violados e responsável pela sua adequada prestação à sociedade.

Neste sentido (STJ):

CONFLITO POSITIVO DE COMPETÊNCIA. JUSTIÇA FEDERAL E JUSTIÇA ESTADUAL. AÇÃO CIVIL PÚBLICA E AÇÕES POPULARES COM O FIM COMUM DE ANULAR PROCESSO DE LICITAÇÃO. CONEXÃO. PORTO DE ITAJAÍ. OBRAS REALIZADAS SOBRE BENS DE DOMÍNIO DA UNIÃO. COMPETÊNCIA DA JUSTIÇA FEDERAL.

1. Competência da Justiça Federal fixada, anteriormente, em conflito

julgado pela Seção. Conflito renovado (CC 32.476-SC), sob o fundamento de que compete à Justiça Federal apreciar as causas nas

quais estão sendo impugnados projetos que afetam bens da União,

ainda que a implementação dessas obras tenha sido delegada a algum município.

CC 36439 / SC

Por outro lado, de se reconhecer o entendimento de, enquanto órgão federal, implicar a atuação do Ministério Público Federal a competência da Justiça Federal. Assim o decidido pelo Superior Tribunal de Justiça:

“Se o Ministério Público Federal é parte, a Justiça Federal é competente para conhecer do Processo” (CCom 4.927-0-DF, rel. Min. Humberto Gomes de Barros)

A legitimidade do MPF, ademais, é reforçada pelo fato de ser nele depositada a atribuição de garantir em juízo a proteção dos direitos difusos e coletivos ligados à Previdência Social, serviço público federal de cunho social que é, atuando ele evidentemente na Justiça Federal.

IV. Da competência da presente Seção Judiciária (1.ª Seção Judiciária do Estado de São Paulo)

Primeiramente, deve-se considerar que se tem em vista na presente ação a inibição dos danos que vêm ocorrendo em razão da greve no Estado de São Paulo, não albergando a responsabilidade pelos danos causados nos demais Estados através dos sindicatos e associações locais.

Ademais disto, a competência aqui na Capital se estabelece, nos termos do artigo 93, I, do CDC.

V. Da legitimidade passiva dos réus

É de responsabilidade do réu os danos causados pelo movimento grevista aqui discutido, não sendo de se visualizar os mesmos enquanto resultados danosos sem a participação do mesmo.


Como já decidiu o Tribunal de Justiça de São Paulo:

“Sem comando sindical qualquer tentativa de aglutinação de trabalhadores não passaria do campo imaginário, de sorte que a real liderança dos dirigentes constitui fator exclusivo de sucesso da empreitada e prepondera na análise do ilícito que define a responsabilidade civil” (Apelação Cível 083.250-4/2)

Ademais, os servidores em greve concederam à entidade, através de seus Estatutos constitutivos, o poder de representação judicial e extrajudicial e de deliberação que acarretaram na decisão em favor da greve e das atividades desenvolvidas no seu curso.

De se repetir pois que a decisão da greve é uma decisão do réu.

VI. Da ilegitimidade da greve

Como diz Alexandre de Morais: “A Constituição Federal de 1988 ampliou os direitos sociais dos servidores públicos civis, permitindo lhes tanto o direito à livre associação sindical, quanto o direito de greve, este último exercido nos termos e nos limites definidos em lei ordinária específica, conforme prevê a Emenda Constitucional n.o. 19/98”.

Não obstante, a greve no serviço público, enquanto direito reconhecido constitucionalmente não foge da compatibilização com os demais institutos de direito administrativo, com a indisponibilidade do interesse público e sua supremacia, com a continuidade do serviço, com a legislação que prevê a remuneração dos servidores e com a proteção dos interesses legítimos da sociedade. As especificidades da matéria em Direito Administrativa são, assim, tão amplas e caminham tanto na direção da necessidade de manutenção da continuidade do serviço público, quanto no apontamento pela impossibilidade de negociações coletivas à maneira do Direito do Trabalho.

No próprio direito do trabalho, no qual o direito de greve é já tradicionalmente reconhecido, tem-se que seu exercício é, por definição limitado, devendo os interesses das categorias interessadas se submeter, justamente, aos interesses da coletividade. Em razão disto, inclusive, no âmbito trabalhista, a legitimidade da greve decorre do efetivo atendimento da Lei n.º 7783/89. Ainda, importante se levar em conta, referido ramo bem separa a definição do instituto enquanto paralisação do trabalho com outras medidas, que sob o mesmo fundamento de pressão, deslegitimam as reinvidicações trabalhistas.

Mesma distinção que aqui também deve ser feito, pois, como já reconheceu o Tribunal Regional Federal da 4.a. Região (Processo n.º 200004010764010, rel. Des.Marcelo Nardi):

PROCESSO CIVIL. ADMINISTRATIVO. AÇÃO POSSESSÓRIA. SERVIDORES FEDERAIS. GREVE. TURBAÇÃO. ÔNUS DA PROVA.

É do conhecimento geral, que a greve dos servidores do INSS foi promovida e organizada pelo SINDISPREV/RS. Por essa razão inverte se o ônus da prova. É certo que pela Constituição Federal de 1988, estendeu se o direito de greve aos servidores públicos. Contudo, regulamentado ou não, o direito do servidor de entrar em greve não pode atingir o direito do servidor que não quer entrar em greve e muito menos o direito de ir e vir dos usuários do serviço público.

Sempre se prestigiou que o direito de greve, mormente no serviço público, não é ilimitado, não albergando posicionamento que ultrapasse a simples paralisação, nem paralisações que impeçam qualquer contrapartida em defesa dos interesses tutelados pelos serviços objeto da greve.

Por outro lado, a preocupação com os demais interesses e direitos envolvidos cresce quando se passa a considerar a greve dentro de uma estrutura de serviço público.

Por sua própria definição, a titularidade no Estado de determinada prestação releva, basicamente por si só, a magnitude, a importância, a imprescindibilidade dos interesses envolvidos.

Os princípios que balizam a atividade pública aqui, no ensinamento de Dinorá Adelaide Musetti Grotti , e que são frustrados pela ilicitude da greve no serviço público, podem assim então ser apontados: a) princípio da continuidade, considerando uma necessidade permanente de prestação do serviço (“o princípio da continuidade do serviço público deriva de sua indisponibilidade, do seu caráter essencial e do interesse geral que o serviço satisfaz” ).; b) princípio da regularidade; c) princípio da obrigatoriedade (“o princípio da obrigatoriedade deve ser entendido como o dever que pesa sobre quem tem a seu cargo a realização de um serviço – seja o Estado ou os particulares – de prestá-lo obrigatoriamente, cada vez que lhe seja requerido por qualquer usuário, e também o direito dos usuários de reclamar sua realização efetiva perante os que o prestem” ); d) princípio da cortesia(“o princípio da cortesia traduz-se em bom acolhimento ao público, constituindo-se em um dever do agente, da Administração Pública ou dos gestores indiretos e, em especial, um direito do cidadão” ); e) princípio da eficiência; f) princípio da responsabilidade.


Tratando se de serviço público que garante a entrega pelo Estado dos direitos sociais previdenciários à população, a essencialidade do serviço evidencia se. Assim, como diz Celso Bastos (Celso Bastos em seu Curso de Direito Administrativo, 2002, pp. 430/1) diante da greve nos serviços públicos:

“A greve contra os Poderes Públicos encerra certa dose de paradoxo. Os efeitos nocivos não recaem fundamentalmente na própria pessoa jurídica a que o servidor se vincula. Atingem toda a coletividade. Daí por que se apresenta ela extremamente injusta. Há setores que repelem de forma veemente a paralisação da sua atividade. É revoltante que no serviço médico se possa criar perigo de vida à população em nome de puras reivindicações salariais, da mesma forma que muitos outros setores poderiam pôr em risco valores extremamente importantes da organização da vida social. Não que alguém possa imaginar que ao Estado seja lícito explorar o trabalho humano e que este não tenha qualquer arma para fazer valer a sua insurgência. O que parece irrecusável admitir é que há muitos meios alternativos para atingir tal pretensão salarial.”

De se lembrar ademais, no âmbito concreto do réu, que há, em desfavor da sociedade um histórico de greves na Previdência Social que não pode se permitir seja rotina do serviço público, repetida ano a ano.

Em 2002, houve uma greve que durou 119 dias. Em 2003 , 56 dias. Em 2004, 44 dias.

VII. Da posição do Supremo Tribunal Federal

No Mandado de Injunção 20 (relator Ministro Celso de Mello), firmou o Supremo Tribunal Federal jurisprudência acerca do direito de greve como expressamente previsto pela Constituição Federal, julgamento que culminou no entendimento da inexistência do direito de greve enquanto não sobrevier a legislação infraconstitucional que o regulamente.

Conforme a ementa, temos:

MANDADO DE INJUNÇÃO COLETIVO – DIREITO DE GREVE DO SERVIDOR PÚBLICO CIVIL – EVOLUÇÃO DESSE DIREITO NO CONSTITUCIONALISMO BRASILEIRO – MODELOS NORMATIVOS NO DIREITO COMPARADO – PRERROGATIVA JURÍDICA ASSEGURADA PELA CONSTITUIÇÃO (ART. 37, VII) – IMPOSSIBILIDADE DE SEU EXERCÍCIO ANTES DA EDIÇÃO DE LEI COMPLEMENTAR – OMISSÃO LEGISLATIVA – HIPÓTESE DE SUA CONFIGURAÇÃO – RECONHECIMENTO DO ESTADO DE MORA DO CONGRESSO NACIONAL – IMPETRAÇÃO POR ENTIDADE DE CLASSE – ADMISSIBILIDADE – WRIT CONCEDIDO. DIREITO DE GREVE NO SERVIÇO PÚBLICO: O preceito constitucional que reconheceu o direito de greve ao servidor público civil constitui norma de eficácia meramente limitada, desprovida, em conseqüência, de auto-aplicabilidade, razão pela qual, para atuar plenamente, depende da edição da lei complementar exigida pelo próprio texto da Constituição. A mera outorga constitucional do direito de greve ao servidor público civil não basta – ante a ausência de auto- aplicabilidade da norma constante do art. 37, VII, da Constituição – para justificar o seu imediato exercício. O exercício do direito público subjetivo de greve outorgado aos servidores civis só se revelará possível depois da edição da lei complementar reclamada pela Carta Política. A lei complementar referida – que vai definir os termos e os limites do exercício do direito de greve no serviço público – constitui requisito de aplicabilidade e de operatividade da norma inscrita no art. 37, VII, do texto constitucional. Essa situação de lacuna técnica, precisamente por inviabilizar o exercício do direito de greve, justifica a utilização e o deferimento do mandado de injunção. A inércia estatal configura-se, objetivamente, quando o excessivo e irrazoável retardamento na efetivação da prestação legislativa – não obstante a ausência, na Constituição, de prazo pré-fixado para a edição da necessária norma regulamentadora – vem a comprometer e a nulificar a situação subjetiva de vantagem criada pelo texto constitucional em favor dos seus beneficiários. MANDADO DE INJUNÇÃO COLETIVO: A jurisprudência do Supremo Tribunal Federal firmou-se no sentido de admitir a utilização, pelos organismos sindicais e pelas entidades de classe, do mandado de injunção coletivo, com a finalidade de viabilizar, em favor dos membros ou associados dessas instituições, o exercício de direitos assegurados pela Constituição. Precedentes e doutrina.

Assim, da interpretação da Constituição conforme o órgão supremo de análise do texto constitucional, já há suporte jurídico a se determinar o fim da paralisação, como aqui se pretende.

Mas à mesma conclusão temos que se deva chegar quer em face da essencialidade dos serviços prestados, vinculando a ele o direito à existência de toda uma parcela de pessoas que tem seus ganhos provindos exclusivamente da previdência social, quer, inclusive, em face do próprio princípio da razoabilidade: o servidor que quer a melhora das condições de prestação do serviço pelo INSS não pode contribuir para a sua piora.


As conseqüências da greve são extremas e não se limitam apenas ao período de paralisação. Havendo o retorno às atividades, o serviço público prestado pelas Agências do Instituto haverá que dar solução à toda demanda represada durante a greve, sem prejuízo da demanda rotineira que voltará.

E não se deve aqui esquecer que quando se fala em demanda no INSS, se fala de pessoas sujeitas a filas, a desgastes, sofrimentos, desinformação e confusão. Se fala de benefícios que garantem a subsistência das pessoas, ou seja, de pessoas essas em verdadeira situação de dependência da adequada prestação do serviço pelo Estado.

Se não há direito ao Estado em fechar esse fluxo em favor da população, muito menos o há em favor das entidades promotoras da greve.

Em conclusão, não há mínimo do atendimento que não a sua totalidade que se adeque às necessidades da população em face do INSS. O retorno às atividades deve ser amplo.

VIII. Dos interesses dos destinatários do serviço paralisado

Os serviços paralisados são essenciais, seu beneficiário é a sociedade, e fazem eles jus ao respeito de sua essencialidade e continuidade pelo réu.

Temos ainda que a paralisação do serviço leva diretamente a que o Estado, que é quem resta efetivamente paralisado, passe a anular os direitos dos administrados e segurados , ilegitimamente para ambos.

Resta assim a mera sujeição do movimento grevista toda a gama de pessoas e direitos que deveriam estar sendo prestados em circunstâncias de normal atendimento do serviço.

Feridos por isso, os princípios da adequação e continuidade do serviço público, da finalidade, da legalidade, da moralidade, da dignidade da pessoa humana e da própria garantia à seguridade social, pelo que cabível judicialmente o afastamento dos danos e a responsabilidade civil dos grevistas.

Ademais, como diz Caio tácito:

“O direito ao funcionamento regular dos serviços públicos (o dever de boa administração a que se refere a Constituição italiana de 1948) inscreve-se destacadamente no elenco dos direitos fundamentais dos indivíduos e das empresas”(Temas de Direito Público – Estudos e Pareceres, vol. I, Editora Renovar, p. 403).

IX. Da natureza social e cogente dos direitos assistenciais

Temos que, diante do quadro que nessa se apresenta, diretamente ofendidos se mostram os direitos consagrados no Capítulo da Seguridade Social na Constituição Federal.

Ressaltando a situação de dependência do indivíduo em relação ao Estado quando se fala de direitos sociais, esclarece Paulo Bonavides:

“O Estado Social no Brasil aí está para produzir as condições e os pressupostos reais e fáticos indispensáveis ao exercício dos direitos fundamentais. Não há para tanto outro caminho senão reconhecer o estado atual de dependência do indivíduo em relação às prestações do Estado e fazer com que este último cumpra a tarefa igualitária e distributivista, sem a qual não haverá democracia nem liberdade”

O Estado Social é assim um Estado eminentemente prestador de serviços, de amparo do cidadão, de realização de direitos, e tanto assim deve se colocar à disposição daquelas a quem se obriga constitucionalmente ao atendimento.

Se assim quis o constituinte, pois, não se pode permitir ao réu pretender em sentido contrário. Ou seja, não há para ele o direito de frustar os direitos constitucionais.

X. Subsidiariamente. Da compatibilização entre os interesses

Caso aqui entendido, ao contrário do acima argumentado, pela possibilidade de manutenção dos serviços prestados paralisados, subsidiariamente, pensamos inevitável a estipulação de limites que cercam o exercício do direito, seguindo a intenção de compatibilizar o interesse dos grevistas com o da população que deve ser atendida.

Nessa linha, do corpo do acórdão do RODC 784172, Tribunal Superior do Trabalho, constam os seguintes fundamentos, que aqui crescem de importância:

Acerca da limitação ao exercício do direito de greve em serviços essenciais, lembrou, em boa hora, a atual Presidente da Academia Nacional de Direito do Trabalho e Ministra desta Eg. Corte MARIA CRISTINA IRIGOYEN PEDUZZI:

Serviços essenciais e serviços inadiáveis podem … ser desempenhados pelo setor público ou pelo setor privado. Muitos já estão afetos às empresas particulares, verificando-se tendência a ampliar a participação da iniciativa e capital privados nas atividades consideradas essenciais à comunidade.

Ruprecht justifica que quer se trate de um serviço público atendido

pelo Estado ou por particulares, sua paralisação afeta serviços essenciais imprescindíveis à comunidade ou a um grande segmento dela, cujo cumprimento deve ser bem assegurado. O interesse da comunidade é nitidamente superior ao dos grevistas e se pode dizer com todo fundamento que mais do que uma questão jurídica é de interdependência social, de viver em comunidade e até de bom-senso. (RUPRECHT, Alfredo J. Relações coletivas de trabalho, revisão técnica Irany Ferrari, tradução Edílson Alkmin Cunha, Ed. LTr, São Paulo: 1995, p. 752). Daí a pertinência da afirmação de Peres Paton, no sentido de que, quando o direito de greve fere ou contraria o direito da coletividade deve sofrer restrições em seu exercício que vão até a proibição radical, uma vez que a saúde e a sobrevivência da sociedade estão acima dos direitos de grupos ou classe, que por mais respeitáveis, devem-se circunscrever aos limites que lhes trace a convivência coletiva ( apud RUPRECHT, Alfredo J., ob. cit. p. 752).


Daí porque concluiu, com propriedade: Não existem direitos absolutos, dependem eles de regulamentação. Tal o direito de greve, de natureza coletiva, comportando, como os demais, restrições ao seu exercício, quer em razão da pessoa que os exerce ( v.g. funcionários públicos), quer em razão da natureza dos serviços prestados (v.g. serviços essenciais). As restrições ou proibições impostas à greve nos serviços essenciais fundam-se na necessidade coletiva de continuidade desses serviços, que necessita ser permanentemente atendida, não podendo ceder a interesses de grupos de trabalhadores, por mais legítimos que sejam. ( in Curso de Direito Coletivo do Trabalho. Coordenador GEORGENOR DE SOUSA FRANCO FILHO. São Paulo: LTr, 1998, pág. 485 sem destaque no original)

Sem dúvida, em que pese a greve revelar-se atualmente um direito dos empregados reconhecido pela Constituição da República, não é absoluto e, pois, deve ater-se aos limites definidos pela lei. Nesse diapasão, ensina WILSON DE SOUZA CAMPOS BATALHA que a greve é direito que deve ser exercido de maneira a não desvirtuar sua função social ( in Sindicatos, sindicalismo. São Paulo: LTr, 1992, p. 220).

Na falta de legislação regulamentando o direito de greve entre os servidores públicos a própria lei processual garante, pelo art. 461 do CPC, o atingimento do resultado prático conforme pretendido, aqui especificamente o menor prejuízo à população.

Considerando, por outro lado, que os serviços estatais, mormente os tipicamente estatais e especialmente os garantidores da seguridade social, devam implicar a permissão da greve em termos mais restritos do que os considerados pela jurisprudência trabalhista para o que ela considere como serviços públicos essenciais.

Na legislação trabalhista, segundo a Lei 7.783/89 cabe aos sindicatos, aos empregadores e aos trabalhadores, durante a greve, assegurar a prestação de serviços que, uma vez não atendida, coloque em risco a sobrevivência da população.:

Art. 11 Nos serviços ou atividades essenciais, os sindicatos, os empregados e os trabalhadores ficam obrigados, de comum acordo, a garantir, durante a greve, a prestação de serviços inadiáveis da comunidade.

Parágrafo único. São necessidades inadiáveis da comunidade aquelas que, não atendidas, coloquem em perigo a sobrevivência, a saúde ou a segurança da população. (Lei nº 7.783/89).

A jurisprudência já reconheceu em todas as atividades desempenhadas pelo INSS um serviço público essencial assegurado a todos os cidadãos, como bem asseverou o Tribunal Regional Federal da 4ª Região:

“… A greve dos servidores públicos previdenciários não elide a obrigação do INSS ao recebimento de Comunicação de Acidente do Trabalho (CAT), uma vez que caracteriza omissão do Estado, pois deixa de cumprir serviço público essencial, ofendendo, assim, direito líquido e certo de segurado ao recebimento de benefício de caráter alimentar (REO-MS 2001.71.12.004418-0 – RS – 6ª T. – Rel. Desembargador Federal Álvaro Eduardo Junqueira – DJU 27.08.2003 – p. 762)

No sentido da necessidade da garantia da continuidade, temos:

”DISSÍDIO COLETIVO DE GREVE. LIMINAR. MANUTENÇÃO DOS SERVIÇOS ESSENCIAIS. MULTA. HONORÁRIOS ADVOCATÍCIOS.

Correta a decisão recorrida ao deferir medida liminar obrigando a categoria profissional a garantir a prestação de serviços cuja paralisação possa colocar em perigo iminente a sobrevivência, a saúde ou a segurança da população. Aplicação do artigo onze da lei sete mil setecentos e oitenta e três de oitenta e nove. A coleta de lixo não pode ser suspensa, sobretudo em cidade como a de Campinas (Estado de São Paulo), com mais de um milhão de habitantes. Mantida a multa pelo descumprimento da ordem judicial que determinou o retorno de trinta por cento dos trabalhadores ao serviço.” (TST, RODC 165332 – Seção Especializada em Dissídios Coletivos – Rel. Almir Pazziantto Pinto – DJU 29.09.95)

“Dissídio Coletivo de Greve. Medida Cautelar Inominada para assegurar prestação de serviços essenciais à população. ‘Embora a lei atribua às partes, diretamente interessadas, a obrigação de equacionar o esquema emergencial de trabalho, se o Poder Judiciário não fixar um percentual para manutenção dos serviços e uma multa no caso de inadimplemento, não terá como dar cumprimento ao disposto nos artigos 11 e 12 da Lei 7.783/89, nem como evitar sérios prejuízos aos usuários de transporte coletivo e intermunicipal, notadamente pessoas mais carentes da população. Medida Cautelar julgada procedente para determinar a manutenção de 30% dos serviços, sob pena de desobediência e multa diária de R$ 5.000,00.” (TRT 15ª Região, DC 000228/1997 – Seção Especializada em Dissídios Coletivos – Rel. Edison Laércio de Oliveira).

Assim, ainda que se tenha como possível o exercício do direito de greve, ao contrário dos itens como acima defendidos, deverá haver um respeito pelo movimento, ou seja, pelo réu, de um mínimo de atendimento em favor da população.


XI. Da antecipação da tutela

De forma a atender aos modernos institutos de processo civil, tendentes a inibir o dano, temos por presentes os requisitos determinados pelo Código de Processo Civil para a antecipação da tutela.

O fumus boni iuris decorre dos argumentos acima expedidos.

Presente também o perigo da demora.

Ainda que se queira considerar uma greve de seis ou sete meses, temos que se esperar o fim do processo para dar solução ao ponto seria implicar a inefetividade do processo em desconformidade com o direito de ação e todas as reformas processuais que recentemente modificaram o CPC.

Aqui trata-se de ação judicial contra situação localizada no tempo que se quer inibir, evitar. A resposta rápida judicial, temos, deve se fazer presente.

Não se impedir de imediato o prosseguimento da ampla paralisação é possibilitar a perda dos direitos que deveriam ser prestigiados pela Previdência Social.

O fechamento das Agências para atendimento ao público impede, por exemplo, que sejam protocolados pedidos de benefícios, inclusive daqueles de maior urgência como auxílio-doença, aposentadoria por invalidez, pensão por morte, salário-maternidade, auxílio-reclusão e benefícios assistenciais da LOAS, inviabilizando, por conseqüência, sua análise e concessão, e colocando em risco a sobrevivência das pessoas que necessitam do dinheiro do benefício para o seu sustento e o de seus familiares.

A greve impede também a conclusão dos pedidos já formulados e que aguardam análise e despacho.

Além disso, a greve prejudica gravemente também aqueles titulares de benefícios que necessitam renovar procurações e liberar pagamentos bloqueados, dentre outras situações que necessitam de encaminhamento urgente.

Há pois imediata necessidade de se reverter a negativa de direitos em favor de segurados e administrados.

Dessa forma, não se quer recusar a garantia inibitória dada pelo artigo 461 e 273 do CPC e pelo artigo 84 do CDC, este instrumentalizado especificamente a tutela dos interesses difusos e coletivos.

Sobre a tutela inibitória e sua aptidão para impedir a continuidade de uma situação negadora do direito ensinam Luiz Guilherme Marinoni e Sérgio Cruz Arenhart:

“A tutela inibitória é essencialmente preventiva, pois é sempre voltada para o futuro, destinando-se a impedir a prática de um ilícito, sua repetição ou continuação. Trata-se de uma forma de tutela jurisdicional imprescindível dentro da sociedade contemporânea, em que multiplicam-se os exemplos de direitos que não podem ser adequadamente tutelados pela velha fórmula do equivalente pecuniário. A tutela inibitória, em outras palavras, é absolutamente necessária para a proteção dos chamados novos direitos. (…) A tutela inibitória não visa apenas a impedir um fazer, ou seja, um ilícito comissivo, mas destina-se a combater qualquer espécie de ilícito, seja ele comissivo ou omissivo. O ilícito, conforme a espécie de obrigação violada, pode ser comissivo ou omissivo, o que abre a oportunidade, por conseqüência, a uma tutela inibitória negativa – que imponha um não fazer – ou uma tutela inibitória positiva – que imponha um fazer”

XII. Do pedido

Pelo exposto, nos termos do art. 282, IV, do CPC, é a presente para requerer:

a) a antecipação da tutela para, sob pena de multa diária e sem prejuízo das demais medidas previstas pelo art. 461 do CPC, se condenar o réu a determinar o fim da paralisação dos servidores do Instituto Nacional do Seguro Social no Estado de São Paulo, determinando-se o imediato retorno dos servidores paralisados ao normal exercício de suas funções;

b) subsidiariamente, em antecipação de tutela, que seja determinado ao réu disponibilizar imediatamente para o atendimento à população e ao processamento dos requerimentos administrativos, uma escala de no mínimo sessenta por cento dos servidores grevistas em cada Município, ou outro percentual entendido como mais adequado pelo Juízo, até um mínimo de trinta por cento, de modo a garantir o atendimento preferencial dos benefícios de auxílio-doença, aposentadoria por invalidez, pensão por morte, benefícios assistenciais da Lei Orgânica da Assistência Social – LOAS, auxílio-reclusão e salário-maternidade; b.1.) que se determine ao réu a apresentar ao Juízo relatórios semanais sobre o cumprimento da decisão, contendo informação quanto ao número de servidores que estão garantindo o atendimento emergencial e relatório da produção no período, sem prejuízo dos demais atendimentos;

c) a imediata intimação do réu para o cumprimento da decisão;

d) a intimação do Instituto Nacional do Seguro Social para que possa exercer sua faculdade de se litisconsorciar ao Ministério Público na presente ação;

e) a citação do réu;

f) ao final, sob pena de multa diária e sem prejuízo das demais medidas previstas pelo art. 461 do CPC, a condenação do réu a determinar o fim da paralisação dos servidores do Instituto Nacional do Seguro Social no Estado de São Paulo, determinando-se o imediato retorno dos servidores paralisados ao normal exercício de suas funções;

g) ao final, subsidiariamente, que seja determinado ao réu disponibilizar imediatamente para o atendimento à população e ao processamento dos requerimentos administrativos uma escala de no mínimo sessenta por cento dos servidores grevistas em cada Município, ou outro percentual entendido como mais adequado pelo Juízo, até um mínimo de trinta por cento, de modo a garantir o atendimento preferencial dos benefícios de auxílio-doença, aposentadoria por invalidez, pensão por morte, benefícios assistenciais da Lei Orgânica da Assistência Social – LOAS, auxílio-reclusão e salário-maternidade, sem prejuízo dos demais atendimentos.

Provará o alegado por todos os meios em direito admitidos.

Dá-se a causa o valor de R$ 1000,00.

São Paulo, 03 de junho de 2005.

Márcio Schusterschitz da Silva Araújo

Procurador da República

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