Boca fechada

Justiça proíbe entrevista com seqüestrador de Olivetto

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3 de junho de 2005, 15h02

O Tribunal de Justiça de São Paulo concedeu liminar em Mandado de Segurança que proíbe a gravação de entrevista com o seqüestrador Maurício Hernandez Norambuena, preso em Presidente Bernardes, no interior paulista. O pedido contra a entrevista foi ajuizado pelo procurador-geral de Justiça de São Paulo, Rodrigo Pinho.

A entrevista tinha sido autorizada pelo corregedor-geral da Justiça paulista, o desembargador José Maria Antonio Cardinale, e seria gravada no próximo dia 6 de junho pelo Canal 13, do Chile. Norambuena é o líder dos seqüestradores do publicitário Washington Olivetto.

Em despacho de três laudas, o desembargador Jarbas João Coimbra Mazzoni, primeiro vice-presidente do Tribunal de Justiça, acatou o pedido do MP. Mazzoni sustentou que “o sentenciado está cumprindo pena em regime disciplinar diferenciado, cujas regras expressamente excluem a possibilidade de contato outro que não pela correspondência ou leitura (cf. artigo 1, inciso V, da Resolução SAP-121, de 22-12-2003)”.

Leia a íntegra do Mandado de Segurança

EXCELENTÍSSIMO SENHOR DESEMBARGADOR PRESIDENTE DO EGRÉGIO TRIBUNAL DE JUSTIÇA DE SÃO PAULO

O MINISTÉRIO PÚBLICO DO ESTADO DE SÃO PAULO, representado pelo Procurador-Geral de Justiça, vem, respeitosamente, perante Vossa Excelência, com fundamento na Lei 1.533/51, na Constituição Federal (arts. 127, caput, e 129, incisos I e II), na Lei nº 7.210/84 (arts. 67 e 68, II, “a”), na Lei nº 8.625/93 (art. 10, inciso I) e na Lei nº nº 10.792, de 1º de dezembro de 2003 (art. 5º, inciso III), impetrar MANDADO DE SEGURANÇA, com pedido de liminar, contra ato do Excelentíssimo Desembargador Corregedor-Geral da Justiça, que considera ilegal, pelas razões que passa a expor.

I) DOS FATOS

1- Em decisão proferida em 5 de maio de 2005 e complementada cinco dias depois, o MM. Juiz de Direito da Vara das Execuções Criminais e Corregedor dos Presídios acolheu o requerimento de uma emissora de televisão estrangeira (o Canal 13, da Universidade Católica do Chile) e autorizou a realização por uma equipe de três profissionais (jornalista, “cameraman” e assistente), por ela indicados, de entrevista com o sentenciado chileno MAURÍCIO HERNANDEZ NORAMBUENA no Centro de Readaptação Penitenciária de Presidente Bernardes, onde se encontra, com a conseqüente gravação da matéria no interior desse presídio, para a transmissão de imagem e som aos seus telespectadores.

Embora consciente dos sérios riscos que são ínsitos à realização de tal reportagem, Sua Excelência concluiu que, havendo a concordância do preso, o interesse que prepondera é o do acesso à mídia, tendente a propiciar a sua ressocialização, só restando à Administração do presídio, diante da autorização judicial, escolher data e horário para a entrevista e adotar todas as cautelas necessárias, para que ela se realize em condições seguras.

De modo circunstanciado, o Senhor Secretário da Administração Penitenciária pediu ao Excelentíssimo Senhor Desembargador Corregedor-Geral da Justiça que revogasse a decisão do MM. Juiz de Direito e, no exercício do controle hierárquico, eliminasse a autorização para esse encontro do sentenciado com a equipe de televisão que pretende entrevistá-lo. A ilustre autoridade invocou precedente nesse sentido, do tempo em que era Corregedor-Geral da Justiça o eminente Desembargador Luiz Elias Tâmbara, atual Presidente desse Egrégio Tribunal de Justiça. Argumentou, em resumo, que eventual realização de uma entrevista no interior de um presídio depende de autorização da Administração Penitenciária e que, em se tratando de unidade especial, destinada ao Regime Disciplinar Diferenciado, não é possível concedê-la — pois a tanto se opõem a Lei nº 10.792, de 1º de dezembro de 2003 (art. 5º, inciso III), e a Resolução SAP-121, expedida em 22 de dezembro de 2003 (art. 2º, incisos III e V).

Esse prudente pedido, no entanto, foi rejeitado, por decisão proferida em 11 de maio de 2005 e que, na sua parte essencial, tem o seguinte teor: “Indefiro, no âmbito de conhecimento administrativo, o pedido de revogação da decisão do MM. Juiz da Vara das Execuções Criminais, que não se revela infringente do dispositivo legal e nem mesmo da Resolução referidos pelo ilustre subscritor. Anoto que a decisão impugnada expressamente realçou a adoção, pela administração prisional, das cautelas necessárias à segurança, inclusive escolhendo data e horário”.

O presente mandado de segurança é impetrado contra essa última r. decisão, que, por ter encampado o critério do MM. Juiz de Direito da Vara das Execuções Criminais e mantido a autorização que este concedera, contraria a Lei nº 10.792, de 1º de dezembro de 2003 (art. 5º, inciso III) e a Resolução SAP-121, expedida em 22 de dezembro de 2003 (art. 2º, incisos III e V), sendo, portanto, ilegal e inválida, além de ofensiva ao interesse social na preservação da segurança pública.


II) LEGITIMIDADE DO MINISTÉRIO PÚBLICO DO ESTADO DE SÃO PAULO PARA IMPETRAR O PRESENTE MANDADO DE SEGURANÇA:

2. Cabe ao Ministério Público fiscalizar a execução da pena privativa de liberdade (Lei n. 7.210/84, art. 67) e requerer todas as providências necessárias ao normal cumprimento da condenação criminal (lei citada, art. 68, II, “a”), assim realizando o programa que lhe foi traçado pela Lei Fundamental da República (arts. 127, “caput” e 129, incisos I e II).

Bem por isso, é, “data venia”, irrecusável a legitimidade da Instituição para se opor à prática de atos ilegais, ainda que emanados do Poder Judiciário, que embaracem o funcionamento regular dos estabelecimentos penitenciários e criem risco para a ordem pública e para a coletividade. Nesse caso, quando vislumbre uma indébita interferência na manutenção das condições necessárias ao exato cumprimento dos títulos penais, incumbe-lhe, verdadeiramente, o dever de postular em Juízo as medidas que considere adequadas, viabilizando, assim, a fiscalização jurisdicional dos atos administrativos.

Aliás, pouco importando a autoridade de que promanem:

(a) todos os atos do Poder Público estão sujeitos ao controle jurisdicional de legalidade (C.F., art. 5º, XXXV);

(b) deve o Ministério Público agir em Juízo, como um dos órgãos da execução penal (Lei n. 7.210/84, art. 61, III), para velar pelo fiel cumprimento da condenação criminal e dissipar os riscos que possam atingi-la, e é dele a função irrenunciável de buscar, ainda que fora dos estritos limites da execução penal, a constante proteção dos interesses sociais (C.F., art. 127, caput).

III) LEGITIMIDADE DO CORREGEDOR-GERAL DA JUSTIÇA PARA FIGURAR COMO IMPETRADO NO PRESENTE MANDADO DE SEGURANÇA:

3. É pacífico que no mandado de segurança deve figurar no pólo passivo a autoridade que, por ação ou omissão, deu causa à lesão jurídica alegada e que tem atribuições funcionais ordinárias para eliminar a ilegalidade (Cf., p. ex., STJ, Terceira Seção, MS 5355/DF, j. em 10-2-99, Rel. Min. Vicente Leal, DJU de 20-11-2000, pág. 00265; MS 6991/DF, j. em 25-10-2000, Rel. Min. José Arnaldo da Fonseca, DJU de 18-12-2000, pág. 00153; MS 7186/DF, j. em 22-11-2000, Rel. Min. Félix Fischer, DJU de 11-12-2000, pág. 00170; Segunda Turma, ROMS 10.477/PB, j. em 5-10-2000, Rel. Min. Peçanha Martins, DJU de 13-11-2000, pág. 00136; Quinta Turma, AROMS 6903/RS, j. em 13-2-2001, Rel. Min. Gilson Dipp, DJU de 12-3-2001, pág. 00152; Hely Lopes Meirelles, Mandado de segurança, ação popular, ação civil pública, mandado de injunção, habeas data, 21ª ed., São Paulo: Malheiros, 2000, p. 55) — como sucede com o eminente Corregedor-Geral da Justiça, relativamente aos atos praticados e decisões proferidas, em matéria administrativa, pelo MM. Juiz Corregedor Permanente dos Presídios. Sua Excelência, aliás, por não identificar a violação da legalidade, negou-se a reformar a decisão do MM. Juiz de Direito sobre o qual exerce supremacia e desse modo encampou-a, passando a ser o responsável por ela. Sendo assim, é clara sua legitimidade passiva para esta demanda.

IV) O REGIME DISCIPLINAR DIFERENCIADO: INTEIRA PERTINÊNCIA À PERICULOSIDADE DO SENTENCIADO E RESTRIÇÕES LEGÍTIMAS AO SEU ACESSO AOS MEIOS DE COMUNICAÇÃO

4. A execução penal é uma atividade complexa, que pressupõe o exercício articulado de duas funções — a administrativa e a jurisdicional — e a convivência harmônica de dois Poderes (o Executivo e o Judiciário — Cf. ADA PELLEGRINI GRINOVER, Execução Penal: Lei n. 7210, de 11 de julho de 1984, São Paulo: Max Limonad, 1987, p. 7, 10 e 15; JULIO FABBRINI MIRABETE, A privatização dos estabelecimentos penais diante da Lei n. 7.210, de 11.07.84, In: Revista dos Tribunais, a. 81, v. 678, abr. 1992, p. 282; RENÉ ARIEL DOTTI, Execução penal no Brasil: aspectos constitucionais e legais, a. 80, v. 664, fev. 1991, p. 242), ambos autônomos e cada qual incumbido de dar direção própria aos assuntos de sua própria competência (C.F., art. 2º).

Embora o legislador tenha se preocupado em ampliar as garantias processuais dos sentenciados, nem tudo foi “judicializado” ou transferido ao Poder Judiciário — como, a propósito, reconhecido na Exposição de Motivos da Lei de Execução Penal: “Vencida a crença histórica de que o direito regulador da execução é de índole predominantemente administrativa, deve-se reconhecer, em nome de sua própria autonomia, a impossibilidade de sua inteira submissão aos domínios do Direito Penal e do Direito Processual Penal” (Cf. item 10).

Administrativas são, entre outras, as providências para fornecimento aos presos de alimentação, vestuário, remédios e cuidados de saúde e as medidas de contenção e segurança, tema em que não é consentido ao Judiciário substituir-se ao Executivo. Mas foi isso, data vênia, o que a autoridade impetrada fez, ao manter a autorização para a entrevista à imprensa, indevidamente concedida pelo MM. Juiz da Vara das Execuções Criminais e Corregedor dos Presídios.


Se tudo estivesse circunscrito a um simples avanço na órbita de atuação alheia, já seria motivo de preocupação, porque tal incidente contraria o princípio da separação dos poderes; mas a questão se complica porque — além de decidir questão afeta, verdadeiramente, à Administração Penitenciária —, o MM. Juiz de Direito (com a aprovação posterior da autoridade impetrada) contrariou regra primária de segurança e criou desnecessariamente um perigo sério, que não poderá ser conjurado com a mera ordem para a adoção de cautelas especiais.

4.1 Titular de um currículo repleto de atritos com a ordem jurídica, o chileno MAURÍCIO HERNANDEZ NORAMBUENA é figura notória em seu País, onde foi condenado à prisão perpétua por duas vezes, ambas por homicídios, cometidos contra autoridades, na qualidade de chefe de uma organização criminosa, na qual era conhecido como o “Comandante Ramiro”. Recolhido a um presídio de segurança máxima, em Santiago do Chile, dali veio a ser resgatado em ação cinematográfica, que envolveu o uso de um helicóptero, providenciado por integrantes de sua organização.

Foragido e gozando, assim, da liberdade, a que não tinha direito, veio para o Brasil com a única finalidade de cometer seqüestros para extorsão, tendo, então, comandado aquele do qual foi vítima o publicitário Washington Olivetto — um crime hediondo, tristemente célebre, pelo qual foi condenado a trinta anos de reclusão. E é para cumpri-la que está atualmente no Centro de Readaptação Penitenciária de Presidente Bernardes, unidade prisional destinada ao Regime Disciplinar Diferenciado (RDD), que é regulado pela Lei nº 10.792, de 1º de dezembro de 2003 e pela Resolução SAP-121, expedida pelo Senhor Secretário da Administração Penitenciária em 22 de dezembro de 2003.

4.2 O sentenciado ingressou naquele presídio especial e ali permanece por ser o comandante de uma complexa e sofisticada organização criminosa e porque — devido a seus péssimos antecedentes e ao seu notório poder de liderança — oferece alto risco para a ordem pública e para a segurança da sociedade, com possibilidade real de fuga. Tudo isso, aliás, foi enfatizado em r. decisão do MM. Juiz de Direito da Vara das Execuções Criminais e Corregedor dos Presídios, proferida em 18 de janeiro de 2005 (cópia anexa), que serviu de base para o histórico feito acima e da qual se extraem estas lúcidas passagens

“… levando-se em consideração que o requerente encontra-se condenado em nosso país a cumprir pena de 30 anos de prisão, em decorrência do crime de extorsão mediante seqüestro, seu resgate espetacular de um presídio de segurança máxima em Santiago, Chile, e, principalmente, suas duas condenações nesse país à pena de prisão perpétua pela prática de terríveis delitos, que inclusive deram ensejo à solicitação de sua extradição pelo governo daquele país, a melhor solução, por ora, ainda é mantê-lo no atual regime disciplinar, com apoio nos §§ 1º e 2º, do art. 52 da Lei de Execução Penal, pois não há dúvidas de tratar-se aludido sentenciado de preso estrangeiro que representa alto risco para a ordem e a segurança, tanto de estabelecimento penal, como para a sociedade, envolvido com organizações criminosas. Existe, portanto, mais do que fundadas razões no sentido de apontar o requerente como sendo um risco à comunidade.

“Há que ser ressaltado, ainda, que tal medida se impõe, inclusive, para assegurar a aplicação da lei penal chilena, assim como eventual extradição a ser concedida pelo governo brasileiro.

(…)

“Na verdade, os direitos e garantias de condenado estrangeiro que aqui veio única e exclusivamente para praticar crime hediondo e que sequer reside no País, deveriam se restringir ao cumprimento da pena aplicada e, em sendo de altíssima periculosidade, em estabelecimento adequado.

“Indivíduo assim, com alto grau de periculosidade, com duas condenações em conseqüência da prática de delitos hediondos no seu país, que, após espetacular fuga de um presídio de segurança máxima, ainda volta a delinqüir, e, mais que isso, em outro país, só pode receber do Estado resposta à altura da sua audácia.

“Aliás, apenas o fato de ter contra si aquelas duas condenações, a cumprir pena de prisão perpétua, já é o bastante para autorizar seja o sentenciado mantido no presídio onde se encontra.

“Tal se dá porque, se o nosso ordenamento não prevê esse tipo de pena, evidentemente que não pode também o estrangeiro que se encontra condenado a esse tipo de punição receber tratamento igual ao sentenciado residente no país, que é punido, no máximo, com pena privativa de liberdade.”

A rigor, mais nada é necessário dizer para destacar a altíssima periculosidade do sentenciado, reconhecida pelo próprio Poder Judiciário (e, como tal, insuscetível de contestação neste instrumento). Foi justamente por isso que o sentenciado foi submetido ao Regime Disciplinar Diferenciado (RDD), no qual está. E essas mesmas considerações bastam para evidenciar o equívoco em que incidiu a autoridade impetrada, ao manter a autorização para a entrevista à emissora de televisão chilena, que o MM. Juiz de Direito da Vara das Execuções Criminais e Corregedor dos Presídios deferira, contrariando as regras peculiares ao RDD e partindo da premissa (incorreta) de que não compete à Administração Penitenciária restringir o acesso dos presos aos meios de comunicação.


Ao negar a revogação ou o cancelamento daquela r. decisão, que fora proferida no exercício de uma competência administrativa (e que era passível, portanto, de correção até mesmo espontânea), o eminente Corregedor-Geral de Justiça acabou referendando um critério manifestamente equivocado, que identifica no objetivo genérico de ressocialização do preso um valor suscetível de preponderar, no caso concreto, sobre as condições especialíssimas desse sentenciado, cuja biografia é a eloqüente demonstração de que nada lhe tem servido de freio e que, por isso mesmo, permanece internado no RDD, depois de decorrido o primeiro período de 360 dias.

Ora, entre as características essenciais do Regime Disciplinar Diferenciado figura uma severa restrição das visitas e do contato com o mundo exterior, que é possível unicamente pela correspondência escrita e pela leitura (art. 2º, III e V, da Resolução SAP-121, de 22 de dezembro de 2003), estando vedada, portanto, a presença de jornalistas no interior do presídio para a gravação de imagens e sons. E é essencial que seja assim, para resguardar a eficiência desse método, que nasceu, como se sabe, como uma imposição das circunstâncias e para defender a sociedade contra organizações criminosas poderosas, cujos membros continuam operando no interior do sistema penitenciário, em aberto contraste com as finalidades da pena.

4.3 Data vênia, o propósito de ressocialização — que a autoridade impetrada, à semelhança do MM. Juiz de Direito, reputou superior à disciplina — não tem preponderância sobre esta, tanto mais no âmbito do Regime Disciplinar Diferenciado e na situação peculiar do sentenciado, a quem a Administração pode (e deve) negar as oportunidades de contato com o mundo exterior, suscetíveis de lhe propiciar a ocasião para a fuga. Chega a ser inapropriado cogitar de ressocialização para quem — como o sentenciado — tem 30 anos de reclusão a cumprir por um crime hediondo e, ainda, duas penas de prisão perpétua no seu próprio País. Neste panorama, não se pode contar com a readaptação social do sentenciado, até por evidente impossibilidade de atingi-la: quando concluir a expiação em curso no Brasil, onde obviamente não poderá permanecer solto, não terá como gozar a liberdade no Chile, cuja Justiça já o condenou (por duas vezes!) à prisão perpétua.

4.4 Ninguém ignora que a perda da liberdade — inclusive em caráter cautelar — submete o preso ao poder disciplinar, do qual as disposições regulamentares também são uma fonte idônea, por força do que a Lei de Execução Penal dispõe no seu art. 47 (“O poder disciplinar, na execução da pena privativa de liberdade, será exercido pela autoridade administrativa conforme as disposições regulamentares”).

E é sabido que o funcionamento ordinário de qualquer estabelecimento prisional pressupõe a observância de algumas regras elementares. A principal tem por destinatário o preso, de quem é exigível que trabalhe, que colabore com a ordem e que obedeça às determinações das autoridades e seus agentes, tudo conforme reza o art. 44 da Lei de Execução Penal: “A disciplina consiste na colaboração com a ordem, na obediência às determinações das autoridades e seus agentes e no desempenho do trabalho”.

Esta é matriz fundamental da convivência no interior de um presídio e dela derivam minúcias e especificações, que cumpre à Administração Penitenciária extrair, sob o sucessivo controle judicial. O escopo básico é o de garantir o exato cumprimento da condenação, que — na hipótese de privação da liberdade e tanto mais no regime integralmente fechado — se preordena a segregar o agente, excluindo-o do convívio social e impedindo-o de agir como e onde queira.

Ora, aqui ou alhures, é notório que, dentro dos presídios, os líderes das piores organizações criminosas conservam perversa influência sobre uma rede de pessoas livres (sobretudo familiares, sócios e acólitos), aos quais incitam à prática de atos ilícitos, com direto reflexo no cárcere e nas relações de poder que ali se estabelecem. Daí, aliás, a criação do Regime Disciplinar Diferenciado, que corre o risco de se esvaziar se não for acompanhado de medidas especialmente restritivas e se elas não forem respeitadas por todos.

Neste panorama, está correta a leitura que o Secretário da Administração Penitenciária fez de suas funções e que inspirou a Resolução nº 121, de 22 de dezembro de 2003, editada em fina harmonia com a Lei nº 10.792, de 1º de dezembro de 2003 e cuja validade impõe o seu acatamento.

4.5 Convém observar que o legislador é livre para usar o método que lhe pareça mais adequado e nem sequer o princípio da reserva de lei está em conflito com o eenvio normativo, admitindo-se, por isso, a normação administrativa de certos aspectos, complementares à respectiva atividade e indispensáveis à sua execução eficiente (Cf. J. J. GOMES CANOTILHO e VITAL MOREIRA, Constituição da República Portuguesa Anotada, 3ª ed., Coimbra: Coimbra Ed., 1993, nota XXII ao art. 115º, p. 512-513). Aliás, a reserva de um espaço autônomo de execução opera, normalmente, como um dos limites instrumentais ao Poder Legislativo (Cf. MANUEL AFONSO VAZ, Lei e reserva da lei: a causa da lei na Constituição Portuguesa de 1976, Porto: Universitas Catholica Lusitana, 1992, p. 512, 515 e 525).


Logo, é perfeitamente admissível a remissão contida no art. 47 da Lei de Execução Penal e no art. 5º, caput e inciso III, da Lei nº 10.792, de 1º de dezembro de 2003 — dispositivos que, conjugados, constituem fonte legítima para o exercício, pelo Secretário da Administração Penitenciária, do poder normativo de que resultou a Resolução SAP-121, de 22 de dezembro de 2003. E, precisamente porque foi expedida pela autoridade competente e tem por objeto providência lícita, todos lhe devem respeito e acatamento — inclusive as autoridades que, no âmbito do Poder Judiciário, exercem a fiscalização dos presídios.

Em suma: nada autoriza que as medidas administrativas adotadas para restringir o acesso dos presos provisórios e condenados aos meios de comunicação — segundo as diretrizes traçadas pela Lei nº 10.792, de 1º de dezembro de 2003 (inciso III do art. 5º) — tenham a sua eficácia paralisada, tanto mais em nome de um ideal de ressocialização que, no caso deste sentenciado, não resiste a nenhum prognóstico prudente.

V) A NECESSIDADE DA MEDIDA LIMINAR

5. Há, no presente caso, sinais inequívocos, fundadas razões e indícios veementes de perigo de lesão ou de iminência de prejuízo irreparável aos direitos afirmados pelo impetrante, sendo essa ameaça séria, objetiva e atual, pois — tendo sido compelida a fazê-lo — a direção do presídio escolheu o próximo dia 6 de junho para a equipe de profissionais do Canal 13, da Universidade Católica do Chile, entrevistar o sentenciado MAURÍCIO HERNANDEZ NORAMBUENA no Centro de Readaptação Penitenciária de Presidente Bernardes e realizar no interior desse presídio a gravação da matéria. Daí a urgência e a necessidade de medida liminar, para suspender a eficácia daquela autorização, concedida, originalmente, pelo MM. Juiz de Direito da Vara das Execuções Criminais e Corregedor dos Presídios, com a imediata confirmação pelo eminente Desembargador Corregedor-Geral da Justiça.

Pretende-se, em suma, providência prática, tendente a impedir que se concretize essa modalidade de acesso, pelo sentenciado, a um meio de comunicação cuja presença na unidade prisional é fonte de elevado perigo e se mostra incompatível com o Regime Disciplinar Diferenciado.

VI) O PEDIDO

6. Por todo o exposto, o Ministério Público requer:

(a) a concessão de medida liminar, para que, até o julgamento deste mandado de segurança, seja suspensa a eficácia da autorização judicial concedida para que ocorra, no interior do Centro de Readaptação Penitenciária de Presidente Bernardes, da entrevista que a CORPORACIÓN DE TELEVISIÓN P.U.C. CANAL 13, DA UNIVERSIDADE CATÓLICA DO CHILE, pretende realizar com o sentenciado MAURÍCIO HERNANDEZ NORAMBUENA;

(b) a requisição de informações ao Excelentíssimo Senhor Desembargador Corregedor-Geral da Justiça, na qualidade de sujeito passivo da impetração;

(c) a citação, como litisconsortes passivos necessários, de MAURÍCIO HERNANDEZ NORAMBUENA, atualmente preso em Presidente Bernardes, e da CORPORACIÓN DE TELEVISIÓN P.U.C. CANAL 13, DA UNIVERSIDADE CATÓLICA DO CHILE, com sede neste endereço: Inês Matte Urrejola 0848, Providencia, Santiago, tel. (56 2) 6302744 – 6302380, Fax (56 2) 6302382, ato de comunicação a ser realizado, na pessoa de seu Diretor Executivo (atualmente, Eliana Rozas Ortúzar), por meio de carta rogatória (CPC, arts. 201 e 210; Portaria 26, de 14 de agosto de 1990, do Ministério das Relações Exteriores e da Secretaria Nacional dos Direitos da Cidadania e Justiça do Brasil e Acordo de Cooperação e assistência jurisdicional em matéria civil, comercial, trabalhista e administrativa entre os Estados Partes do Mercosul e a República da Bolívia e a República do Chile, MERCOSUL/CMC/DEC nº 08/02, de 5.7.2002);

(d) ao final, a concessão do presente mandado de segurança, com a confirmação da medida liminar, para cassar a decisão que autorizou a CORPORACIÓN DE TELEVISIÓN P.U.C. CANAL 13, DA UNIVERSIDADE CATÓLICA DO CHILE, a entrevistar o sentenciado MAURÍCIO HERNANDEZ NORAMBUENA no Centro de Readaptação Penitenciária de Presidente Bernardes e proibir que este, enquanto estiver sob o Regime Disciplinar Diferenciado, tenha acesso aos meios de comunicação para dar entrevistas, salvo por escrito e com prévia autorização da direção do respectivo presídio.

Em atenção ao art. 258 do Código de Processo Civil, atribui à causa o valor de R$ 1.000,00.

Nestes termos,

p. deferimento.

São Paulo, 31 de maio de 2005.

RODRIGO CÉSAR REBELLO PINHO

PROCURADOR-GERAL DE JUSTIÇA

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