Dever de cuidar

Bradesco Seguros é condenada a indenizar portador de HIV

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3 de junho de 2005, 19h19

A Bradesco Seguros foi condenada a arcar com a cobertura completa do tratamento médico de urgência de um conveniado de Juiz de Fora, Minas Gerais, portador do vírus HIV, e também terá de pagar R$ 9 mil de indenização por danos morais, por se recusar a dar cobertura ao tratamento.

A decisão é da 17ª Câmara Cível do Tribunal de Justiça de Minas Gerais. Cabe recurso. Segundo os autos, o paciente é titular do plano de saúde da Bradesco desde 1993. Em outubro de 2003 apresentou quadro grave de pneumonia decorrente do vírus da Aids, com sérias dificuldades respiratórias, astenia e suspeita de outras infecções, necessitando urgentemente de internação.

O paciente foi encaminhado à Santa Casa de Misericórdia de Juiz de Fora. Lá, foi informado de que seria possível apenas o tratamento ambulatorial pelo período de 12 horas, por causa da limitação do plano de saúde. A Santa Casa encaminhou o paciente para a rede pública de saúde.

Também não havia vaga no Hospital Universitário. A família levou o segurado ao hospital Monte Sinai. O doente foi internado como paciente particular, já que o plano de saúde negou a autorização para os procedimentos médicos necessários. O valor total da internação ficou em R$ 1.600. A informação é do Tribunal de Justiça mineiro.

O paciente ajuizou ação pedindo o reembolso das despesas pagas e indenização por danos morais. A 5ª Vara Cível de Juiz de Fora acatou o pedido e estabeleceu indenização de 100 salários mínimos. A Bradesco Seguros recorreu.

Os desembargadores Márcia De Paoli Balbino, relatora do recurso, Mariné da Cunha e Walter Pinto da Rocha, confirmaram o reembolso dos valores gastos. Porém, reduziram a indenização por danos morais para R$ 9 mil.

Segundo a relatora, “a cláusula contratual que afasta a cobertura securitária no caso de Aids, que sequer era preexistente à assinatura do contrato, revela-se nitidamente abusiva, afrontando o disposto no artigo 51 do Código de Defesa do Consumidor”.

A desembargadora também esclareceu que são devidos os danos morais por causa da “via crucis” que o paciente teve de se submeter para ser atendido. Entretanto, entendeu ser suficiente o valor de R$ 9 mil considerando “o efeito da ofensa, a condição socioeconômica das partes e a necessária repreensão pedagógica que o fato exige”.

Processo 502204-6

Leia a íntegra do acórdão

APELAÇÃO CÍVEL. AÇÃO DE INDENIZAÇÃO. DANO MORAL. CONDUTA ILÍCITA DE RECUSA DE COBERTURA DE TRATAMENTO DE URGÊNCIA. CLÁUSULA CONTRATUAL ABUSIVA. COMPROVAÇÃO. INDENIZAÇÃO DEVIDA. VALOR. CRITÉRIO DE FIXAÇÃO. RAZOABILIDADE E PROPORCIONALIDADE ATENDIDOS. RECURSO PARCIALMENTE PROVIDO.

Provada que a conduta antijurídica do agente causou lesão ao patrimônio moral da vítima, resta caracterizado o dever de indenizar.

Para fixação do valor do dano moral há de considerar as peculiaridades de cada caso, a proporcionalidade, razoabilidade e moderação, evitando o enriquecimento ilícito da parte moralmente lesada e reprimenda inócua para o causador do dano. Não se amoldando o valor nesses critérios, a redução revela-se viável.

Apelação conhecida e parcialmente provida.

A C Ó R D Ã O

Vistos, relatados e discutidos estes autos de Apelação Cível Nº 502.204-6 da Comarca de JUIZ DE FORA, sendo Apelante (s): BRADESCO SEGUROS S.A. e Apelado (a) (os) (as): FRANCISCO CARLOS FÁVERO,

ACORDA, em Turma, a Décima Sétima Câmara Cível do Tribunal de Justiça do Estado de Minas Gerais DAR PROVIMENTO PARCIAL AO RECURSO.

Presidiu o julgamento o Desembargador MARINÉ DA CUNHA (Revisor) e dele participaram os Desembargadores MÁRCIA DE PAOLI BALBINO (Relatora) e WALTER PINTO DA ROCHA (Vogal convocado).

O voto proferido pela Desembargadora Relatora foi acompanhado, na íntegra, pelos demais componentes da Turma Julgadora.

Belo Horizonte, 05 de maio de 2005.

DESEMBARGADORA MÁRCIA DE PAOLI BALBINO

Relatora

V O T O

A SRª. DESEMBARGADORA MÁRCIA DE PAOLI BALBINO:

O apelado aforou a presente ação ordinária contra o apelante visando a indenização por danos morais e materiais. Alegou que celebrou contrato de seguro saúde com o apelante e ao pleitear o reembolso das quantias que gastou com tratamento médico, ela recusou o pagamento, ao argumento de que a doença da qual era o apelado portador, não estava acobertada pelo referido contrato. Alegou ainda que a doença que o acometeu, síndrome de deficiência imunológica adquirida, surgiu após a celebração do contrato. Entende que a recusa da apelante em acobertar a necessidade de atendimento de urgência e despesas materiais com o tratamento, acarretou-lhe danos material e moral.

Citada, a apelante apresentou a contestação de f. 37/60. Pleiteou a improcedência do pedido, ao argumento de que a doença da qual o apelado é portador não está acobertada pelo contrato celebrado entre entre as parte. Nega a existência de dano moral.


Pela r. sentença de f. 108/112 o pedido foi julgado procedente, e a apelante condenada a pagar ao apelado as despesas médicas que realizou, e ainda indenização por dano moral no equivalente a cem salários mínimos.

Inconformada, a apelante aviou o recurso de apelação de f. 118/138, em suas razões, pleiteou a reforma da sentença, ao argumento de que não se aplica a Lei nº 9.656, de 1998, que a doença da qual o apelado é portador não está acobertada pelo contrato e que inexiste dano moral. Alternativamente pleiteou a redução do valor fixado para o dano moral.

Nas contra-razões de f. 143/146, o apelado pugnou pela confirmação da sentença.

JUÍZO DE ADMISSIBILIDADE

Conheço do recurso porque presentes os requisitos de admissibilidade.

PRELIMINAR

Não foram argüidas preliminares no presente recurso de apelação.

MÉRITO

No mérito, são os seguintes os pontos de inconformismo da ré, ora apelante: inexistência da obrigação de indenizar as despesas efetuados pelo apelado porque a doença, da qual é portador, está excluída do contrato; inaplicabilidade da Lei nº 9.656, de 1998; inexistência de dano moral; redução do valor arbitrado, caso seja mantida a condenação.

Pela prova carreada ao feito verifica-se que o pedido de cobertura para o tratamento de urgência é procedente e foi ilicitamente negado pela apelante, porque era previsto no contrato e, ainda que não fosse, o contrato antigo há muito já deveria estar adaptado à lei nova, ou seja, Lei nº 9.656, de 1998.

Contudo, nestes autos não há prova de que o apelado tenha sido notificado pela apelante para fazer a opção de adesão ao contrato adaptado à nova lei, cujo ônus era da apelante e cujo prazo fixado pela ANS à tanto de muito esgotou-se, conforme o disposto no art. 35 da mencionada lei:

“Aplicam-se as disposições desta Lei a todos os contratos celebrados a partir de sua vigência, assegurada ao consumidor com contrato já em curso a possibilidade de optar pelo sistema previsto nesta Lei.”

Nesse sentido decidiu este Tribunal no seguinte aresto:

“PLANO DE SAÚDE – INTERNAÇÃO – CLÁUSULA ABUSIVA – INTELIGÊNCIA DO INCISO IV, DO ARTIGO 51, DO CDC, C/C O INCISO II, DO § 1º, DO MESMO ARTIGO – NULIDADE – PESSOA JURÍDICA – CONTRATO QUE VISA A ASSISTÊNCIA MÉDICA A SEUS FILIADOS – VULNERABILIDADE – LEI 9.656/98 E MEDIDA PROVISÓRIA 2.177-44/2001 – CONTRATOS ANTERIORES – INEXISTÊNCIA – CONVALIDAÇÃO DE CLÁUSULAS – POSSIBILIDADE DE OPÇÃO –

(…) O que fizeram a Lei 9.656/98 e a Medida Provisória 2.177-44/2001 não foi convalidar, indiscriminadamente, as cláusulas dos contratos anteriormente celebrados, mas sim asseguraram aos signatários daqueles contratos a possibilidade de opção entre um e outro; opção esta que, obviamente, deverá ser oferecida ao consumidor com a discriminação circunstanciada de todas as modificações e seus respectivos valores, podendo este, a seu exclusivo juízo, e já cônscio de todas as suas possibilidades, optar por manter o contrato antigo, caso em que, aí então, e somente depois disso, em caráter excepcional, se poderá, quiçá, considerar que não haveria desequilíbrio nas relações entre as partes.” (Ac. na Ap. nº 361.621-7, 11ª Câmara Cível, rel. Des. Mauro Soares de Freitas, j. em 12.06.2002, in www.tjmg.gov.br, disponível em 15.04.2005).

A nova lei veda a exclusão de cobertura de tratamentos de urgência e emergência que favorecer o paciente consumidor, conforme art. 12, § 2º, da Lei nº 9.656, de 1990 que dispõe:

“É obrigatória cobertura do atendimento nos casos:

I- emergência, como tal definidos os que implicarem risco imediato de vida ou de lesões irreparáveis para o paciente, caracterizado em declaração do médico;”

A lei também veda a limitação do tempo de internação e se a apelante admitiu cobertura da internação por doze horas, não pode limitar o tempo da internação e pagar somente por período que fixou arbitrariamente, ignorando os diagnósticos médicos, gerando sério risco de vida ao apelado.

Logo, não há dúvida quanto à obrigação contratual da apelante, de arcar com a completa cobertura do tratamento médico de urgência a que submeteu-se o apelado porque exigido pela ANS, e por constituir em interpretação mais favorável ao consumidor, conforme CDC, já que deve ser presumido e esteja o plano adaptado à nova lei, e conseqüentemente o seguro respectivo, disso inferindo-se que o seguro cobre tratamentos de urgência.

Não fosse isso, e mesmo se entendido como não aplicável a Lei nº 9.656, de 1998 à espécie, ainda assim o pedido mostra-se procedente.

É que a cláusula contratual que afasta a cobertura secutária, no caso de AIDS que nem sequer era preexistente à assinatura do pacto, revela-se nitidamente abusiva, afrontando o disposto no art. 51, do CDC, pois coloca o consumidor em desvantagem excessiva, além de ser contrária à boa-fé objetiva e aos seus deveres anexos, especialmente ao dever de lealdade e à proteção das fundadas expectativas dos contratantes. É farta a jurisprudência do egrégio Superior Tribunal de Justiça, nesse sentido:


“Seguro saúde. Má-fé. Exclusão da cobertura de AIDS. Precedentes da Corte.

1. Não é possível presumir-se a má-fé da segurada sobre a pré-existência da doença sem respaldo em prova técnica e, ainda, neste caso, sem que sequer tenha sido alegada e demonstrada pela seguradora.

2. São muitos os precedentes da Corte que acolhem a nulidade, por abusiva, da cláusula que exclui a cobertura da AIDS.

3. Recurso especial conhecido e provido.” (STJ, REsp. nº 617.239/MG, rel. Min. Carlos Alberto Menezes Direito, j. em 14.09.2004, DJ 17.12.2004, p. 540).

“PROCESSUAL CIVIL. RECURSO ESPECIAL. PRÉ-QUESTIONAMENTO. AUSÊNCIA. FUNDAMENTO INATACADO.

I – Inviável o especial, à mingua de pré-questionamento, se a matéria impugnada não foi objeto de deliberação no tribunal de origem.

II – mantém-se inalterada a conclusão do acórdão recorrido, se o especial não impugna todos os fundamentos nele adotados.

III – Esta Corte vem entendendo ser inválida a cláusula contratual que determina a exclusão da AIDS da cobertura do plano de saúde.

Recurso especial não conhecido”. (STJ, REsp nº 647.712/SP, rel. Min. Castro Filho, j. em 29.6.2044, DJ 2.8.2004, p. 393).

“DIREITO CIVIL. CONTRATO DE SEGURO-SAÚDE. AIDS. EXCLUSÃO DE COBERTURA. CLÁUSULA POTESTATIVA E ABUSIVA. PRECEDENTES. RECURSO ESPECIAL. ENUNCIADOS 5 E 7 DA SÚMULA/STJ. AGRAVO DESPROVIDO.

(…)

II – É da jurisprudência deste Tribunal a abusividade de cláusula que, em contrato de seguro-saúde, afasta o tratamento de moléstia infecto-contagiosas de notificação compulsória, a exemplo daAIDS.” (STJ, AgRG no RESp. nº 265.872/SP, rel. Min. Sálvio de Figueiredo Teixeira, j, em 18.9.2003, DJ 19.12.2003, p. 469).

“Processual civil. Recurso Especial. Embargos de Declaração rejeitados. Inexistência de omissão. Seguro-saúde. Invalidade de cláusula restritiva de cobertura de tratamento de AIDS. Obrigação de reembolsar despesas médicas. Pedido certo e determinado. Multa diária.

– São corretamente rejeitados os embargos de declaração opostos com o fim de suprir omissão inexistente, já que o Tribunal apreciou fundamentadamente todas as questões postas a desate.

– É inválida a cláusula que exclui da cobertura do seguro-saúde o tratamento de AIDS, tendo em vista tratar-se de contrato de adesão, em que inserido dispositivo exageradamente desfavorável ao segurado, parte mais fraca da relação jurídica, e que esta cláusula fere a natureza mesma do seguro-saúde. (…)” (STJ, REsp nº 304.326/SP, rel. Min. Nancy Andrighi, j. em 24.9.2002, DJ 3.2.2003, p. 315, RSTJ 168/314).

“Processual Civil. Recurso adesivo. Plano de saúde. Cláusula de exclusão. Portador do vírus da AIDS. Aplicação da Súmula 182 desta Corte.

I – Interposto o recurso autônomo, tido por deserto, descabe o recurso adesivo. Precedentes.

II – A cláusula de contrato de seguro-saúde excludente de tratamento de doenças infectocontagiosas, caso da AIDS, não tem qualquer validade porque abusiva.

III – Agravo regimental não conhecido.” (STJ, AgRg no REsp. nº 251.722/SP, rel. Min. Antônio de Pádua Ribeiro, j. em 22.10.2001, DJ 19.11.2001, p. 262).

Não se pode deixar de citar as interessantes considerações tecidas pela douta Ministra Nancy Andrighi, no julgamento do RESp nº 304.326/SP:

“Primeiramente, como já fixado pelo Tribunal a quo, o contrato em tela é de adesão, daqueles em que há mitigação do poder de barganha da parte economicamente mais frágil, na hipótese, o segurado. Esse apenas aceita as condições estipuladas pelo que detém a posição econômica mais vantajosa, a seguradora.

Essa espécie de contrato necessita da atenção do julgador para o fato de que, estando em condição mais frágil ao contratar, há grande probabilidade de que o segurado não pudesse discordar de cláusula que o desfavorecesse ou, ainda, que não tenha sido informado suficiente sobre o alcance da exclusão da cobertura.

Além disso, é preciso observar que o objeto ou finalidade do seguro de que se cuida, é a saúde, ou, mais especificamente, a garantia de indenização contra evento futuro e incerto, danoso à saúde do segurado. Como já acentuou, Cláudia Lima Marques,

” O objeto principal destes contratos é a transferência (onerosa e contratual) de riscos referentes a futura necessidade de assistência médica ou hospitalar. A efetiva cobertura (reembolso, no caso dos seguros de reembolso) dos riscos futuros à sua saúde e de seus dependentes, a adequada prestação direta ou indireta dos serviços de assistência médica (no caso dos seguros de pré-pagamento ou de planos de saúde semelhantes) é o que objetivam os consumidores que contratam com estas empresas. Para atingir este objetivo os consumidores manterão relações de convivência e dependência com os fornecedores desses serviços de saúde por anos, pagando mensalmente suas contribuições, seguindo as instruções (por vezes, exigentes e burocráticas) regulamentadoras dos fornecedores, usufruindo ou não dos serviços, a depender da ocorrência ou não do evento danoso à saúde do consumidor e seus dependentes (consumidores-equiparados).


Dessa forma, o segurado contrata um seguro-saúde a fim de que possa usufruir, no futuro, do tratamento médico necessário a garantir ou restaurar sua saúde, às vezes até mesmo salvar sua vida. Faz isso por recear que o custo de tal tratamento seja alto demais para ser suportado, pagando, então, mensalmente, o prêmio à seguradora que assume o risco de arcar com as despesas médicas se e quando for necessário.

Espera, portanto, o segurado, legitimamente e logicamente, que, cumprindo sua obrigação contratual, obtenha, quando necessitar, o tratamento adeqüado à doença que ataca sua saúde.

(…)

Dessa forma, tratando-se de contrato de adesão, em que se inseriu cláusula bastante desfavorável ao segurado, parte mais fraca da relação, sendo que tal cláusula ainda desnatura o contrato de seguro-saúde, correta a conclusão por sua inaplicabilidade, sem ofensa aos mencionados dispositivos legais.”

No julgamento do mesmo recurso, o Ministro Castro Filho explicitou que o Superior Tribunal de Justiça tem entendido que, mesmo no tocante aos contratos firmados antes do Código de Defesa do Consumidor, mostram-se inválidas as cláusulas de contratos de seguro-saúde que excluem o tratamento de moléstias infecto-contagiosas de notificação compulsória como a AIDS, por se tratar de disposições puramente potestativas e, portanto, nulas.

No que tange ao dano moral, como bem exposto na sentença pelo MM. Juiz, este é evidente.

O dano moral, como é por demais sabido, consiste na lesão aos bens extrapatrimoniais da pessoa física ou jurídica, conforme ensina Pablo Stolze Gagliano, em Novo curso de direito civil, São Paulo: Saraiva, 2004, vol. III, p. 61:

“O dano moral consiste na lesão de direitos cujo conteúdo não é pecuniário, nem comercialmente redutível a dinheiro. Em outras palavras, podemos afirmar que o dano moral é aquele que lesiona a esfera personalíssima da pessoa (seis direitos da personalidade), violando, por exemplo, sua intimidade, vida privada, honra e imagem, bens jurídicos titulados constitucionalmente.”

No mesmo sentido decidiu este Tribunal no seguinte aresto:

“EMENTA: AÇÃO DE PRECEITO COMINATÓRIO CUMULADA COM INDENIZAÇÃO – DANO MORAL – COMPROVAÇÃO – HONORÁRIOS ADVOCATÍCIOS – FIXAÇÃO – SENTENÇA DE NATUREZA CONDENATÓRIA – ART. 20, § 3º DO CPC.

O dano pode ser conceituado como qualquer lesão a um bem jurídico, restando comprovado o dano moral quando a pessoa tem sua paz, tranqüilidade, conduta ilibada e o conceito de honestidade ameaçados diante da cobrança de débito que não é de sua responsabilidade, porque estes bens imateriais também são juridicamente protegidos.

(…)” (Ac. na Ap. nº 320.020-4, 11ª Câmara Cível, rel. Des. Edilson Fernandes, j. em 25.10.2000, in www.tjmg.gov.br, disponível em 07.04.2005).

No caso em exame, o dano moral restou amplamente comprovado.

A via crucis pela qual passou, buscando atendimento urgente nos hospitais da cidade, pois seu quadro era gravíssimo – pneumonia em decorrência do vírus HIV-, configura nitidamente a dor moral e psicológica, a tristeza e a angústia que o apelado padeceu, em face do real risco de morte.

Em outras palavras, a conduta da apelante foi antijurídica e contrária ao que está previsto no próprio contrato que ela celebrou com o apelado, como já demonstrado anteriormente.

Logo, presentes os elementos previstos no art. 186 do Código Civil de 2002, configurada está a responsabilidade civil de indenizar danos morais.

No que respeita ao pedido de reforma da sentença para redução do valor arbitrado a título de danos morais, tenho que a apelante está com a razão.

O MM. Juiz arbitrou na r. sentença, a referida indenização por danos morais, no equivalente a cem salários mínimos.

Com toda venia, o valor afasta-se da moderação e proporcionalidade, bem assim dos parâmetros que vem sendo adotado neste Tribunal, conforme os seguintes arestos:

“EMENTA: DANO MORAL – ACIDENTE DE TRABALHO – APOSENTADORIA POR INVALIDEZ – INDENIZAÇÃO DEVIDA AINDA QUE A VÍTIMA RECEBA PENSÃO DO INSS – IMPOSSIBILIDADE DE COMPENSAÇÃO – DANO MORAL – VALOR – JUROS DE MORA – RESPONSABILIDADE EXTRACONTRATUAL – DIES A QUO

(…) O valor da indenização por danos morais deve respeitar, sobretudo e dentre outros parâmetros, os princípios da razoabilidade e da proporcionalidade, a fim de evitar enriquecimento sem causa da vítima e também o esvaziamento do instituto, face aos objetivos visados em relação ao ofensor, quais sejam, penalização e prevenção.

(…)” (Ac. na Ap. nº 336.432-1, 13ª Câmara Cível, rel. Des. Mariné da Cunha, j. em 24.05.2002, in www. tjmg.gov.br, disponível em 14.04.2004).

Ainda no mesmo sentido:

“APELAÇÃO – AÇÃO DE INDENIZAÇÃO – ACIDENTE DE TRABALHO – CULPA EXCLUSIVA DA EMPREGADORA – REPARAÇÃO DEVIDA – DANO MORAL – QUANTUM DEBEATUR – ARBITRAMENTO EXCESSIVO – REDUÇÃO – HONORÁRIOS ADVOCATÍCIOS – PERCENTUAL ADEQUADO AO TRABALHO DESENVOLVIDO – ATO ILÍCITO – MORA – TERMO INICIAL – PRIMEIRO RECURSO PARCIALMENTE PROVIDO – SEGUNDO RECURSO PROVIDO.

1. A responsabilidade civil, segundo a teoria subjetiva, exige a prova de uma conduta antijurídica do agente, potencialmente lesiva (eventus damni), de uma lesão efetiva (dano) e da relação de causa e efeito entre elas (nexo causal).

(…) A quantificação da reparação por dano moral, que tem natureza compensatória, deve ser feita de acordo com os critérios da proporcionalidade e da razoabilidade. Se excessiva, deve ser ajustada ao razoável.

(…).” (Ac. na Ap. nº 343.585-8, 11ª Câmara Cível, rel. Des. Caetano Levi Lopes, j. em 12.02.2001, in www.tjmg.gov.br, disponível em 14.04.2005).

Ainda sobre o tema decidiu o egrégio Superior Tribunal de Justiça no seguinte aresto:

“Ementa: Responsabilidade civil. Banco. Transferência de numerário para outra conta-corrente sem autorização. Dano material. Condenação em dobro. Inadmissibilidade. Dano moral. Quantum reputado excessivo.

(…) O valor da indenização por dano moral sujeita-se ao controle do Superior Tribunal de Justiça, quando a quantia arbitrada se mostra ínfima, de um lado, ou visivelmente exagerada, de outro. Determinação do quantum, no caso, em conformidade com o transtorno e o abalo psíquico sofridos pela vítima, considerada ainda a sua posição sócio-cultural, bem como a capacidade financeira do agente.

Recurso Especial conhecido, em parte, e provido.” (Ac. no REsp. nº 257.075 – PE, 4ª Turma, rel. Ministro Barros Monteiro, j. em 20.11.2001, in RSTJ 158/367).

No caso, verifico, houve efetivo risco à vida do apelado, tendo sido grave a intensidade da ofensa. Levando em consideração circunstâncias outras como o efeito da ofensa, a condição social e econômica das partes, a necessária repreensão pedagógica que o fato exige, tenho como suficiente à reparação do dano, o valor que ora arbitro, R$9.000,00, e que equivale a aproximadamente trinta salários mínimos, cujo valor considero razoável e condizente com as circunstâncias da espécie em julgamento.

Nesse aspecto, pois, assiste razão ao apelante.

No que toca à distribuição dos ônus da sucumbência na sentença, essa deve ser mantida, porque a indenização por dano moral pedida na inicial é meramente estimativa, e no caso o direito material foi reconhecido, sendo irrelevante o valor, cujo arbitramento compete somente ao juiz.

Com esses fundamentos, dou provimento parcial ao recurso, apenas para reduzir o valor da indenização por dano moral para R$9.000,00, acrescidos de juros da citação, e correção monetária contados da publicação deste acórdão.

Mantenho a distribuição dos ônus da sucumbência fixado em primeiro grau de jurisdição porque não sucumbiu o apelado.

DESEMBARGADORA MÁRCIA DE PAOLI BALBINOA

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