Anos de chumbo

União é condenada a reparar vítima de estupro na ditadura

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2 de junho de 2005, 20h00

A União foi condenada a reparar uma mulher vítima de estupro durante o regime militar de 1964 em R$ 100 mil. A decisão é da 3ª Turma do Tribunal Regional da 4ª Região, que confirmou sentença da Justiça Federal de Cascavel (PR). Ainda cabe recurso.

Filha de um líder partidário da oposição, ela tinha 16 anos quando foi violentada por um soldado do Exército na propriedade da família, ocupada por militares que queriam capturar seu pai.

De acordo com a ação, o crime foi cometido durante o movimento do chamado “Grupo dos 11”, que partira do Rio Grande do Sul com destino a São Paulo em protesto contra a ditadura militar. A identidade do soldado é desconhecida. Sabe-se, no entanto, que ele integrava o contingente militar sediado em Leônidas Marques (PR), cuja missão era barrar o grupo.

O valor da indenização deverá ser acrescido de correção monetária e juros de mora de 0,5% ao mês, contados a partir da citação. De acordo com o voto da desembargadora federal Silvia Goraieb, acompanhado pela maioria dos integrantes da 3ª Turma, o pedido de indenização está previsto no artigo 37, parágrafo 6º da Constituição Federal.

O dispositivo estipula que as pessoas jurídicas de direito público responderão pelos danos que seus agentes, nessa qualidade, causarem a terceiros. Para Silvia, a União não conseguiu provar que o fato não teria acontecido, limitando-se a informar através de ofício não existir “qualquer registro sobre o suposto ocorrido”.

Como o fato aconteceu em um período de intensa censura e repressão política, destacou a desembargadora, “seria temerário que a autora procedesse ao registro de queixa em qualquer órgão policial civil, bem como uma verdadeira insanidade se o tivesse feito perante órgãos militares”.

Assim, segundo Silvia, não é estranho a ausência de prova documental do delito. “Somente os tempos de hoje oferecem as necessárias condições de segurança para que determinados fatos venham à tona e sejam reparados”, afirmou.

Também não foram refutadas pela União, destacou a desembargadora, as afirmações de que o pai da vítima era perseguido político e de que soldados estiveram na região para capturar pessoas tidas como opositoras ao regime. Silvia lembrou que tramita no Ministério da Justiça um pedido de declaração de anistiado político feito pelo pai da autora.

Além disso, não há contestação quanto às pesquisas históricas referidas pela sentença da Justiça Federal de Curitiba, “que confirmam a presença do Exército Brasileiro nos locais noticiados”. Finalmente, Silvia considerou que a prova oral não deixa dúvidas de que a autora foi vítima de estupro, “que seus gritos foram ouvidos à distância e atraíram a atenção de dois depoentes, os quais saíram correndo para socorrê-la”.

Para a desembargadora, a dor e o sofrimento vivenciados até hoje pela autora dispensam comprovação. “Não é crível aceitar que alguém possa passar por uma experiência desse porte sem sofrer abalos emocionais”.

Processo 01062005.doc

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