Guerra das cervejas

Agência de Nizan deve pagar R$ 500 mil à Fisher

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2 de junho de 2005, 14h36

A juíza Adriana Porto Mendes, da 9ª Vara Cível Central de São Paulo, rejeitou recurso, nesta quarta-feira (1/6), e manteve decisão que condenou a África São Paulo Publicidade — empresa do publicitário Nizan Guanaes — a pagar indenização por danos morais de R$ 500 mil à Fisher América Comunicação Total, autora do filme publicitário da Schincariol em que atuava o sambista carioca Jessé Gomes da Silva Filho, o Zeca Pagodinho. Cabe recurso ao Tribunal de Justiça.

O recurso (Embargos de Declaração) foi interposto pela África São Paulo, insatisfeita com a sentença proferida no último dia 13 de maio, que a condenou ao pagamento da indenização. A mesma sentença determinou o pagamento de danos materiais, que serão apurados em liquidação de sentença. A magistrada ainda condenou a África a pagar indenização, também por danos morais, no valor de R$ 100 mil, a favor da ALL-E Esportes e Entretenimento Ltda (One Stop).

“As provas produzidas revelam que as autoras (Fisher e ALL-E) estão corretas ao se insurgirem contra a conduta adotada pela ré que, de forma deliberada, acabou por prejudicar a campanha publicitária que estava sendo veiculada com grande sucesso”, afirma a juíza na sentença.

“Os documentos indicam que a ré optou por chamar o personagem central da campanha divulgada pela primeira autora, quando esta ainda estava em curso, fazendo referência ao produto anunciado com a nítida finalidade de depreciar as suas qualidades”, completou.

A África ingressou com os Embargos alegando que a decisão, de 15 páginas, era contraditória, obscura e omissa. A juíza não acolheu o pedido. Ela afirmou que a sentença analisou os fundamentos do pedido apresentado, bem como as razões oferecidas durante a contestação. Para ela, a matéria em questão é exclusivamente de direito, dispensando produção de qualquer outra prova.

“Por estas razões, a sentença não é omissa e a eventual reforma deverá ser pleiteada por meio de recurso adequado. O embargante, na realidade, pretende a modificação da decisão, o que não pode ser feito por meio de embargos de declaração”, afirmou a juíza.

Histórico

Em setembro de 2003, o cantor e compositor Zeca Pagodinho fechou contrato com a Schincariol, cervejaria com sede em Itu (SP), para ser garoto-propaganda da maca “Nova Schin”. O acordo venceria em setembro de 2004. O valor do contrato foi estimado em R$ 1 milhão.

Para realizar, produzir e divulgar a campanha, a Schincariol contratou a agência de publicidade Fisher. Em 2003 foi criada uma campanha publicitária para lançamento do novo sabor da cerveja. A campanha da “Nova Schin”, com Pagodinho, Luciano Huck, Aline Moraes, Fernanda Lima e Thiago Lacerda, popularizou-se, ganhou sucesso e estava concentrada no slogan “experimenta”.

O objetivo da campanha era convencer o consumidor a provar o novo sabor, o que seria feito por meio da veiculação de filme publicitário com a presença do cantor Zeca Pagodinho. Ao coro de “experimenta”, o sambista também se rende ao apelo do público e experimenta a nova cerveja.

O artista foi contratado, constando do contrato a assinatura da ALL-E Esportes e Entretenimento Ltda. De acordo com o documento, seriam realizados dois filmes, mas apenas um deles foi possível em razão de atos ilícitos praticados pela África são Paulo Publicidade Ltda e o publicitário Nizan Guanaes, visando capturar o sucesso da campanha.

Em novembro de 2003, a Justiça manda tirar do ar a campanha da “Nova Schin”, a pedido da Ambev, dona das marcas Brahma, Antarctica e Skol, No filme, um consumidor aparece em cena experimentando diversas cervejas com os olhos vendados.

A “Nova Shin” ganha espaço, vira a terceira marca do ranking nacional e reduz pela metade a diferença em relação à Brahma — de dez para cinco pontos percentuais. Na Bovespa, ações da Ambev caem com preocupação dos analistas com a perda de mercado da empresa.

Em janeiro do ano passado, a Ambev contrata a agência África, do publicitário Nizan Guanaes, para cuidar da conta da Brahma, no lugar da F/Nazac.

Em março, a guerra das cervejas se instala de vez com a estréia de surpresa de comercial da Brahma com Zeca Pagodinho como principal estrela. No filme, ele canta uma música cujo refrão ironiza sua passagem pela “Nova Schin”; “Fui provar outro sabor, eu sei, Mas não largo meu amor, voltei”.

A Schincariol vai para o contra-ataque com slogans nacionalistas, após a venda do controle da concorrente para a belga Interbrew: “Experimenta investir 100% de seu lucro no país de origem” e “Experimenta construir novas fábricas no Brasil, que gerem empregos para brasileiros, desenvolvimento para cidades brasileiras e produzam cerveja brasileira”.

A cervejaria de Itu não fica satisfeita e pede ao Conar — Conselho de Auto-Regulamentação Publicitária (Conar) a suspensão do comercial da Brahma. A Schin perde e volta ao ataque com o comercia do sósia, no qual insinua que o cantor teria recebido US$ 3 milhões para trocar de opinião sobre a cerveja preferida.


A Schin diz que vai processar Pagodinho e a Ambev por quebra de contrato, perdas e danos. Zeca Pagodinho pede à Justiça a retirada do ar do comercial do sósia. Um juiz de São Paulo dá decisão desfavorável ao cantor.

Pagodinho recorre ao TJ e consegue liminar que fixa multa de R$ 100 mil se a Schincariol usar sósia do cantor no comercial. Em abril de 2004, o Conar proíbe a Brahma de veicular a publicidade com Zeca Pagodinho.

Leia as decisões

Embargos Rejeitados

Vistos.

Conheço, ressaltando, entretanto, que não podem ser acolhidos, pois a sentença não é obscura, contraditória, tampouco omissa. Analisou os fundamentos do pedido apresentado, bem como as razões oferecidas por ocasião da contestação. A matéria, no entendimento desta Juíza, é exclusivamente de direito e dispensava a produção de qualquer outra prova.

O feito comportava julgamento antecipado e este foi o motivo para não autorizar a dilação probatória, sendo necessário ressaltar que não há a obrigatoriedade para a designação da audiência de conciliação. As partes estão representadas por advogados e não dependem da intervenção judicial para eventual composição amigável. Ademais, a audiência apenas será designada quando houver a necessidade de produção de provas, o que não é o caso dos autos.

Por estas razões, a sentença não é omissa e a eventual reforma deverá ser pleiteada por meio de recurso adequado. O embargante, na realidade, pretende a modificação da decisão, o que não pode ser feito por meio de embargos de declaração. Os pontos relevantes foram analisados e ainda que isto não tivesse ocorrido, a jurisprudência tem constantemente decidido que desde que tenha havido fundamentação suficiente, motivando o julgador as razões que o levaram a decidir, fica dispensado de analisar e responder a todas as argüições das partes.

Nesse sentido: “O Juiz não está obrigado a responder a todas as alegações das partes, quando já tenha encontrado motivo suficiente para fundar a sua decisão, nem se obriga a ater-se aos fundamentos indicados por elas e tampouco responder um a um todos os seus argumentos” (RJTJESP 115/207).

Pelo todo exposto, conheço os embargos, mas nego provimento e mantenho a decisão tal como lançada.

Int.

Leia sentença condenatória

Vistos.

FISHER, AMÉRICA COMUNICAÇÃO TOTAL LTDA e ALL-E ESPORTES E ENTRETENIMENTO LTDA. (ONE STOP) movem a presente ação de reparação de danos, pelo rito ordinário, em face de NIZAN MANSUR DE CARVALHO GUANAES GOMES e ÁFRICA SÃO PAULO PUBLICIDADE LTDA. Alegam, em breve síntese, que a autora é a agência de publicidade contratada pela empresa Schincariol para conceber, produzir e divulgar a campanha publicitária para a cerveja que leva o mesmo nome. Em 2.003, foi criada uma campanha publicitária para lançamento do novo sabor da cerveja Schincariol. Esta campanha alcançou grande sucesso e estava centrada no slogan “experimenta!”. Tinha como objetivo convencer o consumidor a provar a qualidade do novo sabor da cerveja, o que seria feito através da veiculação de um filme publicitário que culminava com uma cena em que o cantor Zeca Pagodinho, conhecido apreciador de cerveja, era convencido por uma multidão a experimentar a cerveja Schincariol, ao som do bordão “Experimenta, experimenta!”.

Nesta campanha, o cantor aceitava provar o produto e, logo em seguida, demonstrava a sua aprovação. Para que a campanha pudesse ser veiculada, o artista foi contratado, constando do contrato, a assinatura da segunda autora. Segundo o contrato, seriam realizados dois filmes, mas apenas um deles foi possível em razão dos atos ilícitos praticados pelos réus visando a capturar o sucesso da campanha criada pela primeira autora. Aproveitaram do personagem e da idéia central com o objetivo de frustrar a utilização do bordão “Experimenta” criado pela primeira autora. O produto desta trama foi vendido pelo primeiro réu para promover-se e ridicularizar a autora, pois, segundo declarou à imprensa, teve a idéia de procurar o cantor Zeca Pagodinho por ter tomado conhecimento do fato de que preferia a cerveja da marca Brahma.

Os documentos juntados aos autos demonstram o procedimento adotado pelos réus e que estes teriam procurado o cantor, assumindo os riscos decorrentes da ruptura do contrato. A gravação do filme da cerveja Brahma foi feita de forma sigilosa e levada ao ar em horário em que já havia encerrado o expediente forense, impedindo qualquer reação por parte da primeira autora. Acrescentam que apenas após a veiculação do filme foi possível compreender o motivo de tanto segredo, pois os réus procuraram anular a campanha criada pela autora dizendo que o cantor fora provar outro sabor, mas que havia voltado para a cerveja Brahma. Prejudicaram a continuidade da campanha elaborada pela primeira autora no momento em que esta já estava em curso.


Afirmam que houve a prática de ato ilícito, pois os réus agiram de forma intencional para causar danos às autoras ao procurarem a figura central da campanha criada pela primeira autora para que passasse a fazer a campanha do produto concorrente. Os réus foram os responsáveis pela negociação, com nítida intenção de lucro e promoção pessoal. Têm o dever de indenizar, pois a campanha criada é passível de proteção. Cometeram plágio ao se apropriarem do argumento da campanha criada pela autora, além de estar configurada a prática da concorrência desleal. Entendem que o artigo 209 da Lei 9.279/96 é aplicável ao caso em discussão e que os réus devem ser condenados ao pagamento da indenização para compensar os danos causados. Sustentam que os danos materiais devem ser apurados em liquidação de sentença levando em consideração os ganhos que seriam auferidos pela autora. Caso não seja este o entendimento, entendem que a indenização poderá ser calculada com base nos lucros obtidos pelos réus com a veiculação da nova campanha.

Quanto à segunda autora, os réus devem ser condenados ao pagamento da multa que vier a ser cobrada pela Schincariol em razão do descumprimento do contrato celebrado com o cantor Zeca Pagodinho. Sustentam que os réus também devem ser condenados ao pagamento da indenização pelos danos morais. Requerem, portanto, a procedência do pedido para que os réus sejam solidariamente condenados ao pagamento: a) das perdas e danos sofridos pelas autoras e que serão apurados em liquidação de sentença; b) da indenização pelos danos morais; c) dos valores que venha a ser pagos pela segunda autora em razão do rompimento do contrato.

Foram juntados documentos com a petição inicial.

Os réus foram devidamente citados e ofereceram defesa. Alegam que o fato de ter sido utilizado o mesmo garoto propaganda não configura o ato de plagiar, pois isto somente ocorreria se uma campanha copiasse a outra. Isto não ocorreu, sustentando que a ação tem como única finalidade causar prejuízo aos réus. Acrescentam que não houve a prática de qualquer ato ilícito, sendo inviável a condenação. Sustentam, em preliminar, que o réu Nizan Guanaes deve ser excluído do pólo passivo, pois não há como confundir a pessoa do sócio com a da sociedade. O réu não agiu em nome próprio e apenas coordenou as atividades desenvolvidas pela ré. Também questionam a legitimidade da primeira ré, pois a campanha foi desenvolvida a pedido de uma outra empresa. Fazem considerações a respeito das campanhas anteriores e que a autora tinha conhecimento da preferência do cantor Zeca Pagodinho por uma outra cerveja.

O Conar (Conselho Nacional de Auto-Regulamentação Publicitária) exige que, nas chamadas campanhas testemunhais, o depoimento seja genuíno, conforme estabelece o artigo 27 do Código Brasileiro de Auto-Regulamentação Publicitária. Veicularam um testemunho que sabiam não corresponder à realidade. Além disso, ressaltam que a autora também fez referência a outras campanhas lançadas pela ré. Quanto à propaganda impugnada por meio desta ação, consideram que não houve plágio e que o novo filme lançado não é uma paródia do anterior. Não foi utilizada a expressão “experimenta”. Na nova campanha, o artista apenas gabava o novo produto anunciado dizendo que embora tenha ido provar outro sabor, não largava o seu amor. Afirmam que ocorreu apenas a utilização da ironia, mas não o plágio na medida em que não houve cópia do argumento ou idéia central da campanha. Ademais, consideram que a utilização da palavra “experimenta” havia sido proibida pelo Conar. Ao final, acrescentam que não está presente o nexo de causalidade, assim como não foram causados danos às autoras, requerendo a improcedência do pedido formulado, caso as preliminares não sejam acolhidas.

As autoras apresentaram réplica.

É O RELATÓRIO.

FUNDAMENTO E DECIDO.

O feito comporta julgamento antecipado, nos termos do artigo 330, inciso I do Código de Processo Civil, pois a matéria em discussão pode ser considerada exclusivamente de direito sem que exista a necessidade de dilação probatória.

A autora solicitou o julgamento antecipado (item 17 de fls. 321), sendo a prova documental juntada aos autos a única pertinente, de modo que passo a analisar as questões apresentadas.

Antes de entrar no mérito, necessário ressaltar que a primeira preliminar oferecida na contestação deve ser acolhida, pois o co-réu Nizan Guanaes realmente é parte ilegítima para figurar no pólo passivo.

Isto se deve ao fato de que, ao longo da petição inicial, as autoras não indicaram qualquer conduta que tenha sido por ele praticada, em nome próprio.

Muito embora afirmem que praticou atos lesivos, o co-réu estava, na realidade, agindo em nome da pessoa jurídica por ele representada, sendo inviável confundir a pessoa do sócio com a da sociedade.


O fato de ter sido um dos criadores da propaganda que supostamente teria prejudicado as autoras não lhe confere legitimidade, pois, como anteriormente ressaltado, agia em nome da sociedade.

Por estas razões, não pode ser chamado a responder pelos atos praticados em nome da sociedade, sendo, portanto, parte ilegítima, com a sua exclusão do pólo passivo, extinguindo-se o processo em relação a ele com fundamento no artigo 267, inciso VI do Código de Processo Civil.

A segunda preliminar, por outro lado, deve ser rejeitada.

Em que pesem os argumentos apresentados, a campanha foi criada pela segunda ré e não pela Ambev.

Foi a idealizadora da nova campanha e ainda que tenha agido a pedido de terceiro, este fato não a isenta da responsabilidade pelos fatos praticados e que tenham causado prejuízo às autoras, motivo pelo qual o processo deve ter continuidade para que o mérito seja analisado.

Assim, rejeitada a segunda preliminar, deixo consignado que as autoras e a ré África são partes legítimas e estão devidamente representadas.

Também estão presentes os pressupostos processuais e as condições da ação na medida em que as autoras estão utilizando o procedimento útil e adequado para a obtenção da tutela jurisdicional.

Quanto ao mérito, o pedido é procedente, mas apenas em parte.

As provas produzidas revelam que as autoras estão corretas ao se insurgirem contra a conduta adotada pela ré que, de forma deliberada, acabou por prejudicar a campanha publicitária que estava sendo veiculada com grande sucesso.

Os documentos indicam que a ré optou por chamar o personagem central da campanha divulgada pela primeira autora, quando esta ainda estava em curso, fazendo referência ao produto anunciado com a nítida finalidade de depreciar as suas qualidades.

A procedência do pedido, no entanto, não se dá em razão do acolhimento da primeira tese apresentada pelas autoras, pois o plágio não está configurado.

Carlos Alberto Bittar define plágio “como a imitação servil ou fraudulenta de obra alheia, mesmo quando dissimulada por artifício que, no entanto, não elide o intuito malicioso. Afasta-se do seu contexto o aproveitamento denominado remoto ou fluido, ou seja, de pequeno vulto”. (Direito do Autor. 4ª edição. São Paulo: Editora Forense, pág. 149).

Acrescenta que, no plágio, “a obra alheia é simplesmente apresentada pelo imitador como própria, ou sob graus diferentes de dissimulação. Há absorção de elementos fundamentais da estrutura da obra, atentando-se, pois contra a personalidade do autor (frustração da paternidade)”. (Ibidem, p.149).

Desta forma, analisando-se os conceitos apresentados, não há como dizer que a ré tenha se apropriado da idéia da primeira autora ou que tenha ocorrido a imitação.

O plágio não se faz presente, pois foram utilizados alguns dos elementos da campanha criada pela autora, não com a finalidade de imitar, mas sim de oferecer a contraposição à idéia central.

Não foi possível identificar a dissimulação para frustrar a autoria.

A ré, na realidade, fez uso de um recurso admitido pelo mercado publicitário, ou seja, a propaganda comparativa, mas de forma exagerada e depreciativa contrariando até mesmo o disposto no Código Brasileiro de Auto-Regulamentação da Publicidade que em seu artigo 32, autoriza o recurso, mas desde que respeitados os limites por ele fixados.

Entre estes limites está o da objetividade na comparação, sendo vedada a utilização de dados subjetivos, de fundo psicológico ou emocional, por não constituírem uma base validade de comparação perante o consumidor (alínea “b”).

Além disso, segundo a alínea “f” do mencionado artigo, a publicidade comparativa não poderá ser utilizada quando caracterizar concorrência desleal, “denegrimento à imagem do produto ou à marca de outra empresa”.

Ora, pelo que se percebe da campanha veiculada pela ré, o princípio fixado nesta alínea foi desrespeitado não apenas ao utilizar o personagem central da campanha da autora, mas também ao transmitir a idéia de que o consumo do produto divulgado pela autora foi apenas passageiro.

A música utilizada na publicidade da ré transmite a idéia de que o personagem foi provar (“experimentar”) o produto divulgado pela primeira autora, mas que retornou ao seu “amor”, ou seja, o produto divulgado pela ré.

A referência ao produto e à propaganda da primeira autora é direta, sem qualquer objetividade, mas ao contrário, pautada em depoimento pessoal e a preferência subjetiva do personagem da campanha, contrariando as alíneas “a” e “f” do artigo 32 do Código de Auto-Regulamentação.

Neste ponto, vale lembrar que ainda que este Código não tenha a natureza de lei, pode ser considerado como um compromisso entre as pessoas que atuam no ramo publicitário.


Marco Antônio Marcondes Pereira menciona, ao citar Mario Frota, que: “a auto-regulamentação ´constitui um compromisso entre os empresários com assento nas associações de interesses econômicos em que se revêem’, mas é acima de tudo uma manifestação de controle democrático da própria sociedade, que, sem a ingerência do Estado, estabelece rumos éticos da publicidade” (Concorrência Desleal por meio da publicidade. São Paulo: Editora Juarez de Oliveira, 2001, p. 65).

Existe um compromisso assumido por todos aqueles que atuam e que deve ser respeitado para evitar condutas como a que foi noticiada nestes autos.

A ré não fez uso da propaganda comparativa apenas para exaltar ou divulgar o produto da empresa por ela representada.

Foi muito além. Contratou o personagem central da campanha, como também passou a idéia de que este estava satisfeito por deixar a marca concorrente.

Explorou de forma negativa o fato de ter sido divulgada a preferência do personagem central da campanha da autora e somente o fez quando a publicidade já estava sendo veiculada.

Além disso, se a preferência do cantor era tão notória, como alegado na defesa, qual o motivo para que não tivesse sido contratado antes, mas apenas após a veiculação da campanha publicitária criada pela autora.

Percebe-se, portanto, que os argumentos apresentados pela ré não podem prosperar, pois não recorreu à ironia.

Fez uso da publicidade comparativa, mas sem atentar aos limites estabelecidos no Código Brasileiro de Auto-Regulamentação que pode ser utilizado como diretriz a ser observada por aqueles que atuam no mercado publicitário.

Neste ponto, também vale lembrar que os argumentos apresentados pela ré em sua defesa não podem prosperar.

A autora não praticou qualquer irregularidade ao contratar o cantor Zeca Pagodinho e não há como dizer que a propaganda tenha contrariado o disposto no artigo 27 do Código Brasileiro de Auto-Regulamentação Publicitária.

Ainda que se admita a necessidade das propagandas testemunhais estarem pautadas em depoimentos genuínos, não há notícia de que a primeira autora tenha sido punida pelo órgão competente, tampouco que tenha sido obrigada a deixar de veicular a campanha por determinação do Conar.

Também deve ser anotado que a autora explorou a idéia de que o cantor seria levado a experimentar uma nova cerveja, sem que isto implique em qualquer ofensa aos princípios estabelecidos pelo Código de Auto-Regulamentação.

A autora também não foi proibida de utilizar a palavra “experimenta”, tendo ocorrido apenas a determinação para que fosse acrescida da expressão “com moderação”, como cláusula de advertência.

Ademais, se há algum problema com a utilização desta expressão, mais uma vez ressalto que a questão deveria ter sido apreciada em ação própria sem que o argumento seja apto a isentar a ré da responsabilidade pelo fato de que também explorou a campanha lançada pela autora.

Se realmente havia ofensa à ética publicitária, deveria ter tomado as medidas previstas no sistema em vigor, impedindo a divulgação da campanha através dos órgãos competentes.

A ré, na realidade, impediu a veiculação da propaganda da autora ao lançar uma nova, com o personagem central, o que não pode ser admitido.

Pelas mesmas razões, ressalto que os problemas envolvendo as campanhas anteriores não podem ser invocados nestes autos.

A autora questiona uma propaganda específica lançada pela ré e esta será a única analisada, pois nem mesmo houve a apresentação de reconvenção.

Além disso, ainda que a autora tenha utilizado uma nova propaganda para atacar aquela lançada pela ré, a matéria está sendo objeto de ação que tramita perante outra Comarca, sendo desnecessária qualquer consideração a respeito.

Para a solução do problema apresentado, necessário apenas analisar as duas propagandas que tiveram o cantor Zeca Pagodinho como personagem central.

Os limites do julgamento foram estabelecidos na petição inicial e não podem ser ampliados pela contestação em razão da aplicação do principio da adstrição do julgamento ao pedido.

Houve a prática de uma conduta ilícita ao contratar o personagem central da campanha divulgada pela autora, rompendo o contrato celebrado, além de ter feito comparações de caráter subjetivo com a finalidade de denegrir a imagem do produto divulgado pela autora.

Muito embora a conduta não encontre amparo em um dos incisos previstos no artigo 195 da Lei de Propriedade Industrial, o artigo 209 deste mesmo diploma legal admite a reparação civil para os “atos de concorrência desleal não previstos nesta Lei, tendentes a prejudicar a reputação ou os negócios alheios”.

Este é exatamente o caso dos autos, pois a autora foi impedida de dar continuidade à campanha por ela lançada, o que autoriza a reparação dos danos que lhe foram causados.


Estão plenamente caracterizados os danos materiais e morais.

Os primeiros se devem ao fato de que a primeira autora foi impedida de dar continuidade à campanha lançada e de veicular a segunda.

O contrato celebrado entre a Schincariol e o cantor Zeca Pagodinho, do qual a segunda autora participou como interveniente, era claro ao estabelecer que seriam produzidos dois filmes publicitários (alíneas “a” e “b” da cláusula primeira fls. 58).

Em razão da conduta praticada pela ré, apenas o primeiro foi produzido, o que implicou na interrupção da campanha, caracterizando os danos materiais.

Os danos morais também estão presentes, pois as autoras tiveram os nomes divulgados em razão do incidente, com grande repercussão no mercado publicitário.

Valendo-nos, mais uma vez da lição do professor Carlos Alberto Bittar, temos que: “com efeito, o dano moral repercute internamente, ou seja, na esfera íntima , ou recôndito do espírito, dispensando a experiência humana qualquer exteriorização a título de prova, diante das próprias evidências fáticas”. Continua o referido autor sustentando que “a simples análise das circunstâncias fáticas é suficiente para a sua percepção, pelo magistrado, no caso concreto”. (Reparação civil por danos morais, 2ª edição, Revista dos Tribunais. pág. 130).

Dispensável qualquer outra prova para a constatação do dano moral por ser este evidente.

A imagem e o conceito das autoras junto ao mercado foram abalados em razão da ruptura repentina do contrato celebrado e da imediata veiculação de uma nova campanha com o mesmo personagem.

Não há como deixar de considerar que foram feitos comentários e que a credibilidade da criadora da campanha acabou sendo abalada.

Os danos morais estão presentes e são devidos às duas autoras, a primeira, na condição da criadora da campanha publicitária, e a segunda na condição de interveniente do contrato celebrado com o cantor Zeca Pagodinho.

A jurisprudência também já se posicionou admitindo a reparação do dano moral à pessoa jurídica quando estiver configurada a lesão à imagem e ao conceito que detém junto ao mercado.

Quanto aos danos materiais, a condenação ao pagamento da indenização será concedida apenas em benefício da primeira autora por a única que teve efetivo prejuízo.

No caso da All-E Esportes, não há como reconhecer a obrigação da ré ao ressarcimento do valor representado pela multa, pois não há notícia de que tenha efetuado qualquer pagamento à empresa Schincariol.

O pagamento da multa pode ser considerado como evento futuro e incerto, pois depende da prática de atos por terceiros.

Não há notícia de que a autora tenha sido demandada, motivo pelo qual inviável o reconhecimento da obrigação na forma pleiteada na petição inicial.

A procedência do pedido não pode estar condicionada ao preenchimento futuro de determinados requisitos.

Neste sentido:

PROCESSO CIVIL – RELAÇÃO JURÍDICA CONDICIONAL – POSSIBILIDADE DE APRECIAÇÃO DO MÉRITO – SENTENÇA CONDICIONAL – INADMISSIBILIDADE – DOUTRINA – ARTIGO 460, PARÁGRAFO ÚNICO, CPC – RECURSO PROVIDO – I – Ao solver a controvérsia e pôr fim à lide, o provimento do juiz deve ser certo, ou seja, não pode deixar dúvidas quanto à composição do litígio, nem pode condicionar a procedência ou a improcedência do pedido a evento futuro e incerto. Ao contrário, deve declarar a existência ou não do direito da parte, ou condená-la a uma prestação, deferindo-lhe ou não a pretensão. II – A sentença condicional mostra-se incompatível com a própria função estatal de dirimir conflitos, consubstanciada no exercício da jurisdição. III – Diferentemente da “sentença condicional” (ou “com reservas”, como preferem Pontes de Miranda e Moacyr Amaral Santos), a que decide relação jurídica de direito material, pendente de condição, vem admitida no Código de Processo Civil (artigo 460, parágrafo único). IV – Na espécie, é possível declarar-se a existência ou não do direito de percepção de honorários, em ação de rito ordinário, e deixar a apuração do montante para a liquidação da sentença, quando se exigirá a verificação da condição contratada, como pressuposto para a execução. (STJ – REsp nº 164.110 – SP – 4ª T. – Rel. Min. Sálvio de Figueiredo Teixeira – J. 21.03.2000 – v.u.).

Ademais, caso algum pagamento venha a ser realizado, a autora não estará impedida de pleitear a indenização contra aquele descumpriu o contrato celebrado, sendo inviável a condenação de terceiros que não fizeram parte da relação contratual.

Desta conforma, configurado o dano e estando presente a conduta lesiva, além do nexo causal (pois se não fossem os atos praticados pela ré, a primeira propaganda teria sido divulgada até o final do prazo estabelecido), resta fixar o valor da indenização.


Como anteriormente abordado, a legislação em vigor confere ao lesado a possibilidade de reparação pelos prejuízos sofridos, de ordem moral e material, incluindo os danos emergentes e lucros cessantes.

As autoras invocam os artigos 186 do Novo Código Civil e artigo 210 da Lei de Propriedade Industrial como fundamento ao dever de indenizar.

Os danos morais estão plenamente configurados.

A legislação em vigor não estabelece parâmetros para a fixação do valor da indenização, sendo caso de arbitramento que levará em consideração a capacidade econômica das partes e o valor do contrato que deixou de ser cumprido.

A ré estava ciente da existência de um contrato vinculando o cantor Zeca Pagodinho e ainda assim optou por contratá-lo, motivo pelo qual o valor nele estabelecido deve ser utilizado como parâmetro para a indenização pelos danos morais.

Por esta razão, a ré deve ser condenada ao pagamento da indenização no valor de R$600.000,00 (seiscentos mil reais) pelos danos morais, sendo R$500.000,00 (quinhentos mil reais) devidos à primeira autora por ser a idealizadora da campanha e R$100.000,00 (cem mil reais) à segunda autora que, na condição de interveniente, teve a sua reputação abalada por ter garantido o cumprimento do contrato.

Quanto aos danos materiais, estes são devidos apenas à primeira autora por ser a empresa responsável pela criação da campanha.

Celebrou contrato de publicidade com a empresa Schincariol (fls. 50/56), razão pela qual é a que tem o direito de receber a indenização pelos prejuízos causados.

Os parâmetros para a fixação são aqueles estabelecidos no artigo 210, inciso I da Lei de Propriedade Industrial.

A autora realmente deixou de veicular a segunda propaganda que havia sido criada e para a qual o cantor Zeca Pagodinho havia sido contratado. Este fato causou prejuízos não apenas em razão da necessidade de criação de uma nova publicidade como também pelo fato de que deixou de receber os valores previstos pela veiculação da campanha.

Como a autora não indicou qual dos critérios estabelecidos no artigo 210 da Lei de Propriedade Industrial lhe seria mais favorável e por haver a necessidade de fixação de critérios objetivos para a liquidação, a indenização levará em consideração os valores que seriam auferidos pela autora com a veiculação do segundo comercial e não a vantagem econômica obtida pela ré.

Para saber o valor que a autora receberia, basta apurar os valores pagos pela Schichariol em decorrência da veiculação do primeiro comercial por representar a estimativa da quantia que receberia pelo segundo.

O valor será apurado em liquidação de sentença, por arbitramento, mediante a realização de perícia contábil, lembrando que os honorários pagos pela Schincariol foram fixados na cláusula quarta do contrato celebrado com a autora, segundo a qual: “os honorários devidos pela CONTRATANTE à CONTRATADA serão calculados sob a forma de comissão e seu percentual ora fixado em 13% (treze por cento) incidirá, para fins de apuração de honorários a serem pagos à CONTRATADA, sobre os valores brutos negociados com os veículos de divulgação”.

Desta forma, o pedido formulado pelas autoras procede, em parte, para a condenação da ré ao pagamento dos danos morais e materiais, na forma acima fixada.

Os valores serão corrigidos de acordo com a tabela prática do Tribunal de Justiça e acrescidos dos juros de mora de 12% ao ano, contados da citação.

Os juros serão computados neste percentual, pois são aqueles previstos para os impostos devidos à Fazenda Nacional.

Nelson Nery Júnior e Rosa Maria Andrade Nery ensinam que:

“Quando não convencionados pelas partes, os juros de mora são legais, isto é fixados pela lei. A taxa de juros moratórios legais, a que se refere a parte final da norma comentada, em vigor para pagamento dos impostos devidos à Fazenda Nacional, é a prevista no CTN161, §1º, isto é, de 1% (um por cento) ao mês” (Código Civil Anotado, 2ª edição, Editora Revista dos Tribunais, pág327).

Pelo todo exposto e o mais que dos autos consta, julgo:

a) extinto o processo, sem análise do mérito, em relação ao réu NIZAN MANSUR DE CARVALHO GUANAES GOMES, o que faço com fundamento no artigo 267, inciso VI do Código de Processo Civil.

b) procedente, em parte, o pedido formulado pela autora FISHER, AMÉRICA COMUNICAÇÃO TOTAL LTDA nos autos da presente ação que move em face de ÁFRICA SÃO PAULO PUBLICIDADE LTDA., o que faço para condenar a ré ao pagamento da indenização pelos danos morais, fixando-os em R$500.000,00 (quinhentos mil reais) que serão corrigidos desde a data da propositura da ação e acrescidos dos juros de mora de 12% ao ano, contados da citação. Condeno a ré ao pagamento dos danos materiais que serão apurados em liquidação de sentença, por arbitramento, com a apuração dos valores pagos pela Schichariol à autora em decorrência da veiculação do primeiro comercial;

c) procedente, em parte, o pedido formulado pela autora ALL-E ESPORTES E ENTRETENIMENTO LTDA. (ONE STOP) para condenar a ré ÁFRICA SÃO PAULO PUBLICIDADE LTDA., ao pagamento da indenização pelos danos morais que fixo em R$100.000,00 (cem mil reais) que serão corrigidos desde a data da propositura da ação e acrescidos dos juros de mora de 12% ao ano, contados da citação;

d) como a sucumbência das autoras foi mínima, condeno a ré ao pagamento das custas e dos honorários advocatícios que fixo em 10% do valor da condenação relativa aos danos morais. Não há verba honorária em razão do reconhecimento da ilegitimidade do réu Nizan por estar representado pelo mesmo advogado da ré África.

P.R.I.

São Paulo, 13 de maio de 2005.

Adriana Porto Mendes

Juiz(a) de Direito Auxiliar

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