Contrato nulo

Acompanhante de paciente não arca com despesas de hospital

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2 de junho de 2005, 15h58

O acompanhante de paciente morto no hospital não é obrigado a arcar com as despesas médicas firmadas em contrato. O entendimento é da 15ª Câmara Cível do Tribunal de Justiça de Minas Gerais, que anulou contrato imposto pelo Hospital Mater Dei. Cabe recurso.

Segundo os autos, em julho de 2002, o irmão de Marco Aurélio da Silva deu entrada no Hospital e Maternidade Santa Helena, com suspeita de pancreatite. O estado de saúde do paciente piorou. Foi solicitada ao SUS a transferência para hospital que dispusesse de CTI, mas não foi encontrado nenhum hospital que público com vaga disponível. A informação é do site do Tribunal mineiro.

Sem opção, a família removeu o paciente para o Hospital Mater Dei, onde não havia convênio com o SUS. O hospital obrigou Marco Aurélio a efetuar depósito prévio de R$ 4,5 mil e a assinar um contrato, se comprometendo a arcar com todas as despesas do tratamento. O paciente foi internado e morreu quatro dias depois.

O hospital cobrou R$ 46 mil de Marco Aurélio, referentes aos gastos com o tratamento de seu irmão. Inconformado, ele ajuizou ação para anular a cobrança. Alegou que assinou o contrato por se tratar de uma medida extrema, para salvar a vida de seu irmão. A 3ª Vara Cível de Belo Horizonte negou o pedido e o condenou a pagar ao hospital o valor cobrado, com acréscimos legais.

Marco Aurélio recorreu. O desembargador Mota e Silva, relator da apelação, afirmou que o Hospital Mater Dei, ao receber o paciente, tinha conhecimento de que estava sendo atendido através do SUS e, portanto, “deveria ter providenciado a internação nos mesmos moldes ou encaminhado para hospital que o fizesse”.

Além disso, o relator destacou e que o contrato foi assumido por Marcos Aurélio “sob forte pressão emocional, na ânsia de salvar a visa de seu irmão, como acompanhante”.

O relator considerou ainda que o Mater Dei deve pedir ao SUS o ressarcimento das despesas hospitalares. Os desembargadores José Affonso da Costa Côrtes e Guilherme Luciano Baeta Nunes acompanharam a decisão.

AP. CV. 491776-8

Leia a íntegra do acórdão

EMENTA: HOSPITAL — PACIENTE EM ESTADO DE SAÚDE GRAVE — ASSINATURA DE CONTRATO PELO ACOMPANHANTE — VÍCIO DE CONSENTIMENTO — MÁ-FÉ — OCORRÊNCIA — DANOS MORAIS – MEROS ABORRECIMENTOS — INEXISTÊNCIA DE DANO EFETIVO.

Age com má-fé o nosocômio que condiciona a internação de paciente, em estado grave de saúde, à prévia assinatura de contrato de prestação de serviços pelo acompanhante, que fica obrigado ao pagamento das despesas.

Nulidade do contrato declarada, em face do vício de consentimento.

Meros dissabores, aborrecimentos, contrariedades, não geram danos morais.

A C Ó R D Ã O

Vistos, relatados e discutidos estes autos de Apelação Cível Nº 491.776-8 da Comarca de BELO HORIZONTE, sendo Apelante (s): MARCOS AURÉLIO DA SILVA e Apelado (a) (s): HOSPITAL MATER DEI S/A,

ACORDA, em Turma, a Décima Quinta Câmara Cível do Tribunal de Justiça do Estado de Minas Gerais DAR PARCIAL PROVIMENTO.

Presidiu o julgamento o Desembargador JOSÉ AFFONSO DA COSTA CÔRTES (Revisor) e dele participaram os Desembargadores MOTA E SILVA (Relator) e GUILHERME LUCIANO BAETA NUNES (Vogal) .

O voto proferido pelo Desembargador Relator foi acompanhado, na íntegra, pelos demais componentes da Turma Julgadora.

Belo Horizonte, 05 de maio de 2005.

DESEMBARGADOR MOTA E SILVA

Relator

V O T O

O SR. DESEMBARGADOR MOTA E SILVA:

Ação Declaratória de Inexistência de Relação Jurídica ajuizada por Marcos Aurélio da Silva Vasconcelos contra Hospital Mater Dei S/A.

Na inicial, de f. 02-11, aduziu o autor que seu irmão, Márcio Vicente de Vasconcelos, foi internado no Hospital e Maternidade Santa Helena, com suspeita de pancreatite. Com o agravamento do estado de saúde, fora solicitado junto ao SUS a transferência para hospital que dispusesse de CTI, cuja vaga não fora obtida. Assim, a família, como opção extrema, removeu o paciente para o hospital ré, que se recusou ao atendimento pelo SUS, tendo o próprio paciente efetuado depósito prévio, em dinheiro, no valor de R$4.500,00. Assevera que seu irmão veio a falecer 04 dias após sua internação junto ao réu, que está cobrando do autor a vultosa quantia de R$51.107,52, atribuindo-lhe a responsabilidade pelo pagamento.

Reportando-se à legislação e doutrina, pediu a procedência do pedido, para que seja declarada a inexistência de relação jurídica entre as partes, determinando que o réu promova a exclusão do nome do autor junto a qualquer cadastro negativo, bem como a condenação do réu ao pagamento de indenização por danos morais.

Contestação fora apresentada pelo réu, as f. 45-64, onde foram refutados os argumentos do autor. Também fora apresentada reconvenção, de f. 139-142, pretendendo a condenação do autor ao pagamento da quantia de R$46.517,48, com devidos acréscimos legais.


O MM. Juiz a quo proferiu sentença, de f. 421-426, julgando improcedente o pedido contido na exordial e julgando procedente o pedido contido na reconvenção, condenando o autor/reconvindo, ao pagamento da quantia de R$46.517,48, com acréscimos legais, além dos ônus da sucumbência.

Inconformado, o autor/reconvindo aviou recurso de apelação, de f. 429-435, reavivando os argumento expendidos na inicial. Reportando-se às provas produzidas nos autos, pediu provimento ao recurso, para que seja reformada a sentença, julgando-se procedente o pedido contido na peça de intróito e improcedente o pedido reconvencional.

Contra-razões foram apresentadas as f. 437-442.

É o relatório. PASSO A DECIDIR.

O Apelante, sob forte pressão emocional, na ânsia de salvar a vida de seu irmão, como acompanhante, assinou o “contrato Particular de Prestação de Serviços Hopitalares”, juntado à f. 65, o qual lhe responsabiliza pelo pagamento de todas as despesas advindas do objeto do contrato.

Este ato arbitrário dos hospitais, de impor ao acompanhante do paciente a responsabilidade pelas despesas que vierem a ser realizadas para o cumprimento do contrato, é ineficaz para obrigar o acompanhante, ora apelante, a suportar o pagamento das despesas hospitalares realizadas, pois, naquela situação, a manifestação da vontade fora viciada, tendo em vista que a parte estava brutalmente abalada emocionalmente, não possuindo nenhuma alternativa. É dizer, ou assinava o contrato ou deixava a vida de seu irmão jogada à própria sorte.

Ademais, o hospital apelado, ao receber o paciente, tinha ciência de que estava sendo transferido do Hospital e Maternidade Santa Helena, onde estava sendo atendido através do SUS, e, portanto, deveria ter providenciado o internamento do paciente nos mesmos moldes ou encaminhado para hospital que o fizesse.

Neste sentido já se manifestou o Tribunal de Alçada de Minas Gerais:

“Hospital — Recebimento de paciente transferido por hospital conveniado do SUS — Internamento nos mesmos moldes — Cobrança indevida. A nota promissória emitida por pessoa carente, sob forte emoção, em momento dramático, visando ao atendimento de emergência em hospital, em momento em que a vida do parente internado se encontra em perigo, tendo sido atendido por entidade hospitalar conveniada do SUS, que transferiu o paciente para outro hospital, onde o título foi assinado, não pode ser tida como título de crédito extrajudicial, validamente constituído, por lhe faltar os elementos subjetivos e até objetivos necessários. Ao receber de outro hospital conveniado, a transferência de paciente que estava internado pelo SUS, obriga-se o hospital a interná-lo nos mesmos moldes, nada podendo exigir do paciente ou seu responsável, que estará sem condições emocionais de assinar livremente qualquer termo de responsabilidade ou título de crédito.” (TAMG — 1ª Câmara Cível, Ap. n.º 327.311-8, rel. Juíza Vanessa Verdolim Andrade, v.u.).

Essa construção pretoriana, que fora se firmando nos Tribunais, fez com que o legislador regulasse o assunto no Código Civil vigente, no Livro III, Título I, Capítulo IV, que trata “Dos Defeitos do Negócio Jurídico”, especificamente no art. 156, in verbis:

“Art. 156. Configura-se o estado de perigo quando alguém, premido da necessidade de salvar-se, ou a pessoa de família, de grave dano conhecido pela outra parte, assume obrigação excessivamente onerosa.

Parágrafo único: (omissis).”

Sobre o assunto, Maria Helena Diniz, in “Curso de Direito Civil Brasileiro”, 18ª edição, Editora Saraiva, p. 401-403, ensina:

“No estado de perigo haverá temor de grave dano moral ou material à pessoa que compele o declarante a concluir contrato, mediante prestação exorbitante. Pelo art. 156 do Código Civil ter-se-á estado de perigo quando alguém, premido pela necessidade de salvar-se, ou pessoa de sua família, de grave dano conhecido pela outra parte, assume obrigação excessivamente onerosa. (…).

P. Ex., o pai que, tendo seu filho seqüestrado, paga vultosa soma de resgate vendendo jóias a preço inferior ao do mercado; o doente, em perigo de vida, que paga honorários excessivos para o cirurgião atendê-lo; a venda de casa a preço irrisório ou fora do valor mercadológico para pagar cirurgia urgente ou débito de emergência; a vítima de acidente automobilístico ou de incêndio que assume negócio exagerado para que seja logo salvo. Em todos esses casos, os negócios efetivados poderão ser anulados (CC, arts. 156 e parágrafo único, 171, II e 178, II) desde que a outra parte, aproveitando-se da situação, tenha conhecimento do dano, bastando que o declarante pense que está em perigo, ou que pessoa de sua família o esteja, celebrando contrato desvantajoso. É preciso reequilibrar o ato negocial conforme os padrões mercadológicos ante o princípio do enriquecimento sem causa. Assim se houver perigo real e a pessoa o ignora ou entenda que não é grave, não se poderá falar em defeito de consentimento, não podendo, então, o declarante pleitear a anulação negocial. Para invalidar contrato, alegando estado de perigo, deverá haver nexo de causalidade entre o temor da vítima e a declaração da outra parte contratante, pois pessoa que abusando da situação, se vale de terror alheio para assumir negócio excessivamente oneroso, não poderá ser tida como contratante de boa-fé. No estado de perigo o contratante entre as conseqüências do grave dano que o ameaça e o pagamento de uma quantia exorbitante será levado a optar pelo último com a intento de minimizar ou de sanar o mal. Na lesão o contratante, devido a uma necessidade econômica, realizará negócio que só lhe apresentará desvantagens. E pelo art. 171, II, o Código Civil declara anulável o negócio jurídico por vício da vontade enquanto não ratificado, depois de passado o perigo, sob cuja iminência foi feito.


P. Ex., contrato celebrado por alguém ameaçado de perigo, como estado crítico de moléstia grave, operação cirúrgica, naufrágio, inundação, incêndio, acarretando risco de vida, é considerado anulável. (…).”

Com efeito, em meu entendimento, age com má-fé o nosocômio que condiciona a internação de paciente, em estado grave de saúde, à prévia assinatura de contrato de prestação de serviços pelo acompanhante, que fica obrigado ao pagamento das despesas.

Destarte deve o contrato firmado ser anulado em face do vício do consentimento, devendo o apelado pleitear junto ao SUS o ressarcimento das despesas hospitalares ocorridas.

Quanto ao pedido de dano moral, tem-se que o dano moral consiste na violação dos valores internos e anímicos da pessoa humana, capazes de acarretar dor espiritual e incômodos à alma. Logo, tais valores psíquicos e anímicos devem ser resguardados.

Relativamente ao dano indenizável, Rui Stoco, anota que:

“O indivíduo é portador de dois patrimônios: um objetivo, exterior, que se traduz na riqueza que amealhou, nos bens materiais que adquiriu. Outro, representado pelo seu patrimônio subjetivo, interno, composto da imagem, personalidade, conceito ou nome que conquistou junto a seus pares e projeta à sociedade.

Ambos são passíveis de ser agredidos e, portanto, indenizáveis conjunta – ainda que em razão do mesmo fato – ou isoladamente”. (Responsabilidade Civil e sua Interpretação Jurisprudencial, 2ª Ed., Editora Revista dos Tribunais, 1995, p. 476/477).

Nesse sentido é a jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça:

“Dano moral puro. Caracterização. Sobrevindo, em razão de ato ilícito, perturbação nas relações psíquicas, na tranqüilidade, nos sentimentos e nos afetos de uma pessoa, configura-se o dano moral, passível de indenização (STJ — 4ª T. REsp. — Rel. Barro Monteiro — j. 18.2.92 — RSTJ 35/285).”

No caso em exame, verifico pelos fatos narrados na petição inicial que o alegado dano moral não ocorreu.

A prova produzida não revela conduta antijurídica capaz de provocar lesão à honra, à dignidade ou mesmo a qualquer outro aspecto anímico do apelante.

Não é toda situação desagradável e incômoda, que faz surgir, no mundo jurídico, o direito à percepção de ressarcimento por danos morais.

Ora, o nosocômio apelado não tomou nenhuma medida sequer judicial para receber o crédito representado pelo contrato firmado. Apenas tentou contatar o apelante para solucionarem a questão. Com efeito, tenho que o apelante não provou fato algum capaz de ensejar indenização por danos morais.

Pelo exposto, considerando tudo quanto foi visto, DOU PARCIAL PROVIMENTO AO RECURSO, reformando a sentença hostilizada, para JULGAR PARCIALMENTE PROCEDENTES os pedidos contidos na exordial, declarando nulo o contrato firmado entre as partes. Via de consequência, JULGO IMPROCEDENTE o pedido reconvencional. Custas e despesas processuais, 50% para cada parte. Honorários advocatícios, R$1.000,00 em favor do advogado da parte autora e R$1.000,00 em favor do advogado da parte ré, os quais deverão ser compensados, nos termos da Súmula 304, do Superior Tribunal de Justiça.

Custas recursais, 50% para cada parte.

As condenações sucumbenciais impostas ao apelante deverão permanecer suspensas, tendo em vista que litiga sob o pálio da Justiça Gratuita.

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