Patente de medicamentos

Licença compulsória tem de observar interesse social

Autor

  • Luiz Carlos Nemetz

    é advogado especialista em Direito Médico e da Saúde professor de Direito Processual Civil e Direito Econômico da Universidade Regional de Blumenau

30 de julho de 2005, 10h08

Segundo nota divulgada em 8 de julho pelo Ministério da Saúde, foram concluídas as negociações com o laboratório Abbott, iniciadas em março deste ano, sobre a redução do preço do medicamento Kaletra, um anti-retroviral fornecido pelo governo à pacientes com Aids.

O governo brasileiro havia anunciado em 24 de junho a possibilidade de licenciamento compulsório (quebra de patente) do medicamento caso no prazo de 10 dias, estipulado na notificação, o laboratório norte-americano Abbott não concordasse em reduzir o preço do medicamento.

O medicamento passaria então a ser produzido pelo laboratório Farmanguinhos, da Fundação Oswaldo Cruz, para consumo exclusivo do SUS – Sistema Único de Saúde, a US$ 0,68 a unidade, contra os US$ 1,17 cobrados pelo Abbott.

A quebra da patente de oito medicamentos, dentre eles o Kaletra, que compõem o coquetel anti-Aids distribuído pelo Ministério da Saúde, foi aprovada em 1 de junho com base no interesse público.

A possibilidade de licença compulsória é prevista pela Lei de Patentes nacional (Lei 9.279/96) nos casos de emergência nacional e interesse público, mediante o pagamento de royalties, que, no caso, conforme informação do Ministério da Saúde, seriam pagos na base de 3% sobre o valor do produto fabricado no laboratório Farmanguinhos.

A decisão do governo brasileiro sobre a licença compulsória encontra respaldo também na legislação internacional já que o Acordo de Propriedade Intelectual da OMC – Organização Mundial do Comércio e a Declaração de Doha de 2001 permitem a adoção da medida em casos de urgência e reconhecem que o referido acordo internacional não deve se sobrepor aos interesses de saúde pública.

Segundo a nota emitida pelo Ministério da Saúde, o acordo fechado com o laboratório Abbott garantirá a sustentabilidade do Programa Nacional de DST-Aids, assegurando uma redução significativa no preço do medicamento e o fornecimento do Kaletra pediátrico durante os próximos seis anos, garantindo o acesso à nova formulação do Kaletra, o Meltrex, que será lançada mundialmente em dois anos e que significará um maior conforto para os usuários, pois reduz de seis para uma dose diária a posologia do remédio, além de reduzir os efeitos adversos. O acordo garante também a realização, a partir de 2009, da transferência de tecnologia para que o laboratório Farmanguinhos produza este medicamento.

O êxito nas negociações entre o Ministério da Saúde e o laboratório Abbott, por fim, afastou a hipótese de quebra de patente do medicamento Kaletra, além de garantir ao governo uma redução no custo da obtenção do medicamento na ordem de aproximadamente R$ 18 milhões em 2006 e de R$ 259 milhões em seis anos.

É sempre importante observar que a licença compulsória é permitida pela legislação brasileira quando se verifica um choque entre os princípios constitucionais da proteção à propriedade e do interesse social.

Nesses casos, deve-se aplicar um terceiro princípio constitucional – o da proporcionalidade – a fim de restabelecer o equilíbrio. Isto significa dizer que a licença compulsória, segundo os parâmetros constitucionais, não pode exceder a extensão, a duração e a forma indispensável para suprir o interesse público relevante ou para reprimir o abuso da patente ou do poder econômico.

Além disso, para que não haja um processo de frenagem ou falta de incentivo nas pesquisas, a quebra da patente sempre será efetivada mediante o pagamento de royalties, que configura a contra-prestação pecuniária devida pelo acesso às informações acerca da produção do medicamento.

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