Primeiros passos

Nova lei faz despencar número de pedidos de falência

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30 de julho de 2005, 10h28

O número de pedidos de falência apresentados à Justiça de São Paulo despencou com a entrada em vigor da nova Lei de Falências. É o que mostram dados do Tribunal de Justiça de São Paulo. Em junho do ano passado, 411 credores foram à Justiça requerer a falência de empresas. Este ano, foram 121 pedidos desde a data que a nova lei entrou em vigor, em 9 de junho, até o dia 25 de julho.

Esses são os primeiros resultados da nova Lei de Falências, perto de completar dois meses. O juiz Alexandre Alves Lazzarini, titular da 1ª Vara de Falência e Recuperação Judicial da capital paulista, explica a queda nos pedidos de falência. “A fixação de um valor mínimo para o pedido de falência (R$ 12 mil) é o principal fator da diminuição dos pedidos. Antes não existia esse valor mínimo”. O juiz conta que já viu pedidos de falência por causa de R$ 563.

Segundo Lazzarini, que era juiz titular da 16ª Vara Cível do Fórum João Mendes, os pedidos de recuperação que chegaram às varas especializadas — sete até agora — estão dentro das expectativas. “A recuperação judicial é um instituto que veio para substituir a concordata, que já tinha poucos pedidos em relação aos de falência. Então, os pedidos de recuperação estão seguindo um ritmo anterior”, esclareceu.

Na opinião do advogado Lionel Zaclis, do escritório BKBG — Barretto Ferreira, Kujawski, Brancher e Gonçalves Sociedade de Advogados, o desenvolvimento do plano de recuperação e a aprovação dele pela assembléia de credores é um dos fatores responsáveis pelo baixo número de pedidos de recuperação. “Para que a recuperação seja concedida, o plano tem que ser aprovado pelos credores, tem que ser consistente e apresentar viabilidade econômico-financeira. Muitas empresas interessadas ainda estão em fase de estudos e de elaboração dos planos”.

O Judiciário paulista criou duas varas especializadas para tratar do assunto. A 2ª Vara é liderada pelo juiz Caio Marcelo Mendes de Oliveira. No Tribunal de Justiça de São Paulo foi criada uma Câmara Especial de Falências e Recuperações Judiciais, composta pelos desembargadores Sidnei Agostinho Beneti, Boris Padron Kauffmann, Hamilton Elliot Akel, Manoel Queiroz Pereira Calças, Romeu Ricupero.

Nos cinco primeiros meses de 2005 foram distribuídos cerca de 200 mil recursos às câmaras de direito privado do tribunal. Destes, 888 foram encaminhados para a Câmara de Falências.

Grandes empresas experimentam a possibilidade de recuperação com as portas abertas e os empregados trabalhando. As companhias aéreas Vasp e Varig, e a Parmalat pediram a recuperação. De acordo com o juiz Lazzarini, o grande desafio de assumir a Vara Especializada é começar a trilhar um caminho novo, explorar um universo recém-criado. “Estamos construindo a experiência necessária para a aplicação da nova lei. A dificuldade é a novidade, que é a recuperação judicial. O trabalho do juiz é assim, temos de dar formatação jurídica aos fatos independentemente de estar ou não na lei. É uma questão de interpretação”, afirma.

O advogado Luís Felipe Marzagão, do escritório Rocha Barros Sandoval & Ronaldo Marzagão, traça o panorama da evolução judicial com a nova lei. “Pela lei anterior, era mais fácil utilizar o pedido de falência como mero instrumento de coação contra o devedor. Os limites para a propositura dependiam, muitas vezes, de entendimento ou interpretação judicial. A nova lei impôs limites mais objetivos”.

Depois de ter o pedido de recuperação judicial concedido pelo juiz, a empresa tem 60 dias para apresentar o plano de recuperação à assembléia de credores. O plano deve ser aprovado por mais de 50% dos credores para que seja iniciado o processo de recuperação. O juiz da 1ª Vara de Falência de São Paulo esclarece que o juiz pode impor a aceitação do plano de recuperação aos credores e devedores por força dos princípios que norteiam a lei: manutenção da fonte produtora, do emprego dos trabalhadores e dos interesses dos credores, preservando a empresa, sua função social e estimulando à atividade econômica.

Lazzarini esclarece também que o juiz pode requisitar peritos, como suporte técnico, para apoiar as decisões. Isso, em duas possibilidades: para comprovar se os credores agiram de forma deliberada e fraudulenta para tirar a empresa do mercado ou para apurar se a empresa é economicamente viável.

Dois meses em vigor

O advogado Luiz Rogério Sawaya Batista, do escritório Nunes e Sawaya Advogados, acha muito cedo para atribuir a queda do número de falências à nova lei. Ele acredita que há um forte componente econômico entre os números do ano passado e desse ano.

Sawaya Batista afirma que “como houve uma melhora no panorama econômico a partir do ano passado, houve um reflexo nos pedidos de falência. Isso sem mencionar que advogados especializados já esperavam a possibilidade de migração do antigo para o novo regime, o que os fez ingressar com o pedido de falência já em 2004 ou mesmo antes do início da nova Lei”.

Segundo Luís Felipe Marzagão, a nova lei representa um avanço, pois trouxe aspectos positivos como a recuperação extrajudicial, mas deixou muito a desejar se for levado em consideração o quanto se esperava dela.

“A expectativa era de que a nova lei possibilitasse, de maneira eficiente, a superação de crises financeiras das empresas, privilegiando a manutenção da fonte produtora de rendas, empregos e tributos. Entretanto, não foi isso que ocorreu, porque o que a lei privilegia é a recuperação não das empresas, mas do capital financeiro”, afirma.

Para Marzagão, a influência dos bancos sobre o projeto de lei que deu origem à nova regra, provocando uma excessiva proteção aos créditos financeiros. “Os créditos tributários da Fazenda Pública ficam atrás dos créditos com garantia real. A lei, portanto, apesar de declarar expressamente que tem como objetivo a recuperação da empresa, não anima o devedor a persegui-la, ainda mais quando se sabe que é cultural a prática de simplesmente fechar as portas do negócio para iniciar um novo”.

Outra crítica do especialista é que a lei tratou com desdém a questão das microempresas e empresas de pequeno porte, quando se sabe que elas representam a maior parte das empresas no país.

Barreiras à recuperação

Um ponto que ainda é fonte de polêmica e incomoda muitos profissionais do Direito é a exigência de certidão negativa de débitos como condição para conseguir a recuperação. As regras para o parcelamento dos débitos tributários ainda precisam ser definidas. Estão em forma de projeto de lei em tramitação na Câmara dos Deputados.

De acordo com o juiz Lazzarini, em tese, o Poder Judiciário deverá refletir profundamente sobre a questão dos débitos fiscais. Isso porque o devedor deverá indicar a forma de pagamento dos débitos em atraso. E também deverá estar em dia com os tributos. “Se não, vamos abrir uma brecha para a concorrência desleal com a empresa que paga lealmente os impostos”.

Sawaya Batista afirma que muitos clientes declinam da idéia “aparentemente atrativa” de recuperação quando tomam conhecimento das exigências de certidão negativa. O advogado Lionel Zaclis concorda. “A questão das dívidas tributárias representa, senão o principal, um dos mais fortes obstáculos aos pedidos de recuperação para um número expressivo de empresas, tendo em vista a obrigação de apresentação das certidões negativas para que ela seja concedida. Enquanto não for solucionado tal problema, dificilmente haverá um aumento significativo dos pedidos de recuperação”.

Para Marzagão a exigência de certidões negativas de uma empresa que está procurando se recuperar financeiramente é burlesca. “É sabido que uma empresa em crise não pode deixar de pagar os fornecedores e os funcionários, caso contrário aniquilará a fonte produtora. Logo, são os tributos os primeiros a serem colocados de lado. Onde está a lógica, então, em exigir dessa empresa a comprovação de que os tributos estejam em dia?”, questiona o advogado.

Ele afirma que a exigência de certidão negativa trata-se de um “obstáculo quase que intransponível” à recuperação judicial, “o que só confirma o desajuste da lei relativamente ao princípio básico que deveria norteá-la: a preservação da empresa”.

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