Do Leme ao Recreio

Juíza proíbe construção de quiosques em praias do Rio

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30 de julho de 2005, 10h18

A Justiça Federal do Rio de Janeiro proibiu a construção de quiosques na orla das praias do Leme ao Recreio dos Bandeirantes, na cidade do Rio de Janeiro. Isso incluiu as praias de Ipanema e Copacabana, por exemplo. A decisão, da juíza Maria Alice Paim Lyard, da 2ª Vara Federal do Rio, torna nulo o Contrato Administrativo 417/99.

A juíza acolheu Ação Popular ajuizada por vereadores, União, Ibama, e outros. A intenção era anular o contrato administrativo e a Licitação CN 01/99, da Secretaria Municipal da Fazenda do Rio de Janeiro. Os autores da ação argumentaram que o município ignorou o fato de não haver licença ambiental ou autorização da Secretaria do Patrimônio da União para a construção dos quiosques.

“Não se pode consentir que tais obras sejam realizadas em desacordo com as normas legais pertinentes ao fato”, afirmou a juíza na sentença. Para ela, além de ilegal, a construção dos quiosques “ofende valores ambientais da comunidade”.

“O município do Rio de Janeiro, ao efetuar o procedimento licitatório, deveria dele fazer constar a necessidade de licenciamento ambiental como condição prévia para o início das obras pretendidas, mas não o fez”, concluiu a juíza.

Leia a íntegra da decisão

2ª Vara Federal

PROCESSO N.º 2000.5101013719-0

CLASSE: AÇÃO POPULAR

AUTORES: GERALDO CÂNDIDO DA SILVA

JORGE MILTON TEMER

FRANCISCO RODRIGUES DE ALENCAR FILHO

SOLANGE AMARAL

ELIOMAR SOUZA COELHO

ADV.: ÍTALO LEITE NERY (OAB/RJ N.º 77.091)

INSTITUTO BRASILEIRO DO MEIO AMBIENTE E DOS RECURSOS NATURAIS RENOVÁVEIS

PROC:CARLOS HUMBERTO BITENCOURT

UNIÃO FEDERAL

ADV: MARIANA MOREIRA E SILVA

RÉUS: MUNICÍPIO DO RIO DE JANEIRO

PROC: PATRÍCIA FÉLIX TASSARA

ORLA RIO ASSOCIADOS LTDA

ADV.: CELSO SEGAL (OAB/RJ N.º 41506)

JUÍZA: MARIA ALICE PAIM LYARD

SENTENÇA

Trata-se de Ação Popular ajuizada por GERALDO CÂNDIDO DA SILVA, JORGE MILTON TEMER, FRANCISCO RODRIGUES DE ALENCAR FILHO, SOLANGE AMARAL, ELIOMAR SOUZA COELHO, com pedido de liminar, em face da UNIÃO FEDERAL, INSTITUTO BRASILEIRO DO MEIO AMBIENTE E DOS RECURSOS NATURAIS RENOVÁVEIS – IBAMA, FUNDAÇÃO ESTADUAL DE ENGENHARIA DO MEIO AMBIENTE e do MUNICÍPIO DO RIO DE JANEIRO, objetivando a “anulação do Contrato n.º 417/99, e seus efeitos, correspondente ao reconhecimento da própria Administração do vício do ato administrativo referente à Licitação n.º CN- 01/99, da Secretaria Municipal de Fazenda que visa a CONSTRUÇÃO, INSTALAÇÃO E EXPLORAÇÃO, MEDIANTE CONCESSÃO DE USO, DE CONJUNTOS DE QUIOSQUES A SEREM INSTALADOS NA ORLA MARÍTIMA NO TRECHO DO LEME AO RECREIO DOS BANDEIRANTES, COM DIREITO À EXPLORAÇÃO PUBLICITÁRIA E SE PERMITIDA PELA LEGISLAÇÃO, EM SUBSTITUIÇÃO AOS ATUAIS QUIOSQUES, DE ACORDO COM AS DIRETRIZES CONSTANTES DO ANEXO 1,assinado com a licitante vencedora ORLA RIO ASSOCIADOS LTDA, por infringirem o artigo 225 da Constituição Federal, a Lei Federal n.º 9636/98, a Lei n.º7.661/88 e a Lei n.º 8.666/93”.

Com a inicial vieram os documentos de fls. 27/134.

Postergada a apreciação de liminar às fls. 135.

Às fls. 141/153, os autores anexaram cópia da ação civil pública, processo n.º 99.001163927-2, com pedido de liminar, ajuizada pelo Ministério Público do Estado do Rio de Janeiro, em 02/12/1999, em face do Município do Rio de Janeiro e da empresa Orla Rio Associados LTDA, que foi distribuída à 4ª Vara de Fazenda Pública da Comarca da Capital, alegando a ilegalidade do procedimento administrativo e dos atos subseqüentes ao Edital de Licitação CPL/SMF n.º CN-01/99.

Ofício-resposta às fls. 162/163, da Secretaria do Patrimônio da União, a quem compete identificar, demarcar, cadastrar, registrar e fiscalizar (entre outras atribuições) os bens imóveis da União Federal, com base no art. 1º da Lei n.º 96.363/98.

O Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis – IBAMA apresentou contestação às fls. 200/202, requerendo, em preliminar, sua exclusão do pólo passivo, ao argumento de que “o IBAMA não praticou nenhum ato relativo à autorização das obras dos quiosques questionados pelos Autores nem participou da Licitação.”

Sustentou o IBAMA que não houve sequer pedido de autorização das obras previstas no contrato de licitação relativo à Orla do Rio de Janeiro junto à Autarquia.

Petição dos Autores às fls. 208/211, anexando matéria jornalística às fls. 213.

Às fls. 215, os Autores requereram a inclusão da empresa Orla Rio Associados LTDA no pólo passivo da relação processual, tendo em vista ser beneficiária da concessão impugnada, o que foi deferido às fls. 221.

A União Federal contestou o feito às fls. 222/227, requerendo, preliminarmente, sua exclusão do feito da condição de ré para participar da lide como assistente litisconsorcial dos Autores, diante do fato de que “a área objeto da licitação impugnada é, pelo menos em parte, terreno da Marinha”.


Sustentou seu interesse no feito, nos termos do art. 1º da Lei n.º 9636/98, em face da existência de “terreno de Marinha” e acrescidos nas áreas a serem afetadas pelas obras e diante da possibilidade de eventual dano ambiental em área da areia da praia, considerada de preservação permanente.

No mérito, argumentou, em síntese, que o Município do Rio de Janeiro necessariamente deveria ter feito convênio com a União Federal para utilizar ou licitar a área objeto do contrato impugnado, o que não ocorreu, acarretando lesão ao patrimônio público federal, nos termos dos artigos: 1º e 2º, alíneas “a” e “b” da Lei n.º 4.717/65 c/c art. 5º, LXXIII da Constituição Federal.

Alegou, ainda, a violação aos princípios licitatórios estabelecidos na Lei n.º 8.666/93 e a existência de conexão em relação à Ação Civil Pública n.º 99.001.163927-2, processada perante o Juízo da 4ª Vara de Fazenda Pública da Comarca do Rio de Janeiro. Aduziu a falta de autorização da União Federal para a realização das obras em referência.

Requereu a procedência do pedido, em virtude:

a) do desrespeito à legislação ambiental;

b) da obrigatoriedade de convênio para licitar área de domínio da União Federal;

c) da necessidade de cessão para utilização da área de uso comum do povo; d) dos princípios constitucionais da proporcionalidade, da isonomia, da moralidade e da eficiência.

Anexou os documentos de fls. 228/250.

O Município do Rio de Janeiro ofereceu contestação às fls. 254/258, argüindo, em preliminar, a incompetência absoluta do Juízo para o julgamento da causa, ao argumento de que nenhum pedido foi formulado em face da União Federal e do IBAMA. Requereu a exclusão dos mesmos da lide.

Sustentou, outrossim, a inépcia da exordial, em face da ausência de pedido em relação aos demais réus, e, bem assim, a impossibilidade jurídica do pedido, visto que “o único pedido formulado nos autos é no sentido de anular uma licitação já encerrada” (fls. 255). Requereu a extinção do processo com fundamento no parágrafo único do art. 295 do CPC e anexou cópia do agravo de instrumento e da contestação que apresentou nos autos da ação civil pública, processo n.º 99.001.163.927-2.

Contestação da empresa Orla Rio Associados LTDA às fls. 279/307, alegando, em preliminar, a incompetência da Justiça Federal para o julgamento do feito, em face da suposta ilegitimidade ad causam da União Federal e do IBAMA.

No mérito, sustentou a decadência do direito dos autores de impugnar o

procedimento licitatório em tela e o respectivo contrato de concessão.

Anexou os documentos de fls. 309/393.

Os autores, às fls. 397, informaram ao Juízo que nada têm a opor acerca do requerimento de assistência formulado pela União Federal (fls. 222/250). O IBAMA também não se opôs (fls. 400).

Às fls. 402/405, a empresa Orla impugnou o pedido de assistência formulado pela União Federal. Anexou o documento de fls. 406.

Às fls. 408/413, o Município do Rio de Janeiro alegou a completa ilegitimidade da União Federal para integrar a lide.

A FUNDAÇÃO ESTADUAL DE ENGENHARIA DO MEIO AMBIENTE – FEEMA, às fls. 415, qualquer relação jurídica com os processo licitatório impugnado, retirando a União Federal do pólo passivo, para figurar como assistente litisconsorcial dos autores, e, bem assim, deferindo a liminar, para que fossem suspensos os efeitos do contrato n.º 417/99, nos termos do art. 5º, § 4º da Lei n.º 4.717/65.

Às fls. 429/432, petição da empresa Orla Rio, requerendo a reconsideração da decisão de fls. 420/421, no que tange à liminar deferida, para suspender, tão somente, os efeitos das alíneas “a”, “d” e “e” da 4ªcláusula do contrato administrativo impugnado. Anexou os documentos de fls. 434/446.

Às fls. 447, o Juízo reconsiderou, em parte, a decisão de fls. 420/421, para permitir que se continuasse a exploração dos quiosques já existentes na orla de Copacabana.

Às fls. 452, foi deferida a extensão dos efeitos da decisão de fls. 447, para que a empresa ORLA RIO ASSOCIADOS LTDA continuasse a exploração comercial dos quiosques já existentes na orla do Leme, Arpoador, Ipanema, Leblon, São Conrado, Mirante, Barra, Recreio e Prainha, tendo em vista que tais áreas também se encontram incluídas no Contrato de Concessão n.º 417/99, conforme requerido às fls. 451.

Os autores interpuseram agravo de instrumento contra a decisão de fls. 447, conforme cópias de fls. 460/495.

O município do Rio de Janeiro interpôs agravo de instrumento contra decisão de fls. 420/421, conforme cópia de fls. 497/506.

Petição dos autores às fls. 508/520. Anexados documentos às fls. 521/569.

Promoção do MPF às fls. 572/579.

Às fls. 583/585, petição da ORLA RIO ASSOCIADOS LTDA, noticiando o julgamento da Ação Popular com objeto idêntico ao do presente feito – processo n.º 99.001.081641-1. Anexou parecer do Ministério Público e sentença proferida pelo Juízo da 6ª Vara de Fazenda Pública nos autos do referido processo (fls. 586/602).


Às fls. 603, o Juízo determinou a comprovação, pelos autores, da condição de eleitores, mediante a juntada das cópias dos respectivos títulos eleitorais; a remessa à SEADI para incluir a União como litisconsorte ativa e a intimação do IBAMA para se manifestar acerca de seu interesse no feito.

Petição dos autores às fls. 604/605, anexando documentos às fls. 606/619 (relatório de Auditoria dos quiosques na orla compreendida entre o Leme e o Recreio dos Bandeirantes – RAG n.º 002/2001 – E).

Às fls. 622 e 625/626 foram anexados os títulos de eleitor dos autores, em cumprimento ao despacho de fls. 603.

O IBAMA, às fls. 628, informou seu interesse em integrar o feito na qualidade de assistente dos autores, anexando o parecer n.º 488/97 – PROGE/IBAMA, no qual entende ser a zona costeira patrimônio nacional (fls. 629/634).

Às fls. 635, deferida a inclusão do IBAMA no pólo ativo.

Petição da ORLA RIO ASSOCIADOS LTDA às fls. 639/640, anexando cópia do ofício GRPU/RJ/SESOC/N.º 1793, dirigido ao Prefeito do Município do Rio de Janeiro – MRJ, onde a Gerência Regional de Patrimônio da União Federal informa que é de inteira responsabilidade do Município do Rio de Janeiro o requerimento à Secretaria de Patrimônio da União para autorização do início das obras do projeto de implantação dos novos quiosques e sanitários ao longo da orla carioca.

Réplica da União Federal às fls. 643/651.

Manifestação dos autores, às fls. 654/656.

O IBAMA apresentou sua réplica às fls. 660/663, anexando o parecer técnico n.º 48/00 – DITEC/ IBAMA / RJ, a respeito da instalação dos referidos quiosques (fls. 663/665) e o parecer n.º 64/00 – DITEC/ IBAMA / RJ, avaliando, quanto aos aspectos ambientais, a implantação de quiosques e sanitários na orla marítima do Rio de Janeiro (fls. 666/670).

Às fls. 672, petição da Orla Rio Associados Ltda, anexando aos autos a Licença de Instalação – LI n.º 163/2002, expedida pela Fundação Estadual de Engenharia do Meio Ambiente – FEEMA, referente à instalação e construção de conjunto de quiosques e sanitários na orla das Praias de Copacabana e Leme, de acordo com o estipulado no Termo de Concessão de Uso n.º 417/99 – F/SPA, firmado entre Orla Rio Associados Ltda e o Município do Rio de Janeiro.

Parecer do Ministério Público Federal às fls. 674/678.

Em provas, os autores requereram a realização de perícia (fls. 680).

Às fls. 683/686, petição da empresa Orla Rio Associados Ltda, informando ao Juízo que a Prefeitura da Cidade do Rio de Janeiro implementou o “Projeto Eco Orla”, na orla marítima do Rio de Janeiro, no final da Barra da Tijuca, no trecho Reserva/Barra, exatamente como no caso sub judice. Ocorre que, nesse caso, a Prefeitura do Rio peticionou à Secretaria de Planejamento, Orçamento e Coordenação, a cessão de uso do solo da União para construção dos quiosques. Anexou os documentos de fls. 687/728.

Petição do IBAMA às fls. 730, ratificando a prova documental já acostada aos autos por ocasião da réplica.

Em provas, a União Federal nada requereu (fls. 732).

A empresa Orla Rio Associados Ltda, às fls. 734, requereu a produção de prova pericial.

Às fls. 736, o município do Rio de Janeiro requereu a expedição de ofício à FEEMA, para que aquela fundação prestasse informações atualizadas sobre o licenciamento ambiental do projeto de substituição dos quiosques da orla da Cidade do Rio de Janeiro, o que foi deferido (fls. 737).

Ofício-resposta às fls. 739, anexando o documento de fls. 740/741.

A respeito do ofício de fls. 739, pronunciamento da empresa Orla Rio Associados Ltda, às fls. 743; do IBAMA, às fls. 745; do Município do Rio de Janeiro, às fls. 747, e dos autores, às fls. 748.

Às fls. 750/751, manifestação da União Federal, informando que os documentos trazidos aos autos pela FEEMA não têm o condão de alterar a questão sub judice, eis que o fato dos réus possuírem autorização da FEEMA não elide a necessidade da autorização ambiental do órgão federal competente, bem como a permissão da União para construção em seu bem.

Às fls. 753/761, foram anexadas cópias trasladadas dos autos do agravo de instrumento n.º 082687/RJ, interposto pelo Município do Rio de Janeiro, cujo seguimento foi negado pelo Desembargador Relator, nos termos do art. 557, caput, do CPC e art. 39, § 1º, II, do Regimento Interno do egrégio TRF da 2ª Região.

Às fls. 762, petição dos autores, esclarecendo que a especialidade da perícia requerida é engenharia ambiental, o que foi deferido pelo Juízo (fls. 763).

Orla Rio Associados Ltda indicou assistente técnico e quesitação às fls.

767/769.

O Município do Rio de Janeiro indicou assistentes técnicos às fls. 771 e formulou quesitos às fls. 772/773.


Os autores apresentaram quesitos às fls. 774/775.

A União Federal, às fls. 779/780, requereu a reconsideração do despacho que deferiu a perícia, ao argumento de ser desnecessária sua realização para o deslinde da controvérsia.

Remetidos os autos ao Ministério Público Federal, este ratificou os termos da petição de fls. 779/780, da União Federal, pugnando pelo indeferimento da perícia pretendida, inócua e protelatória ao deslinde da questão (fls. 782/785).

Petição da União Federal às fls. 787, anexando o documento de fls. 788.

Instada a manifestar-se sobre o alegado às fls. 779/780 e 782/785, a parte autora desistiu da produção de prova pericial (fls. 790/793).

A ré Orla Rio insistiu na produção da prova pericial, conforme peticionou às fls. 795.

Às fls. 797, ofício-resposta do Juízo de Direito da 8ª Vara de Fazenda Pública.

Petição da ré Orla Rio Associados Ltda, às fls. 799/800, informando ao Juízo que o Prefeito do Rio de Janeiro decretou a cassação do Termo de Concessão n.º 417/99 F/SPA, considerando que a ré, Orla Rio, não realizou as reformas mobiliárias previstas no contrato. Ocorre que, segundo sustenta, a referida empresa está impedida de realizar tais obras em virtude da decisão proferida por este Juízo, suspendendo os efeitos do contrato n.º 417/99 e permitindo apenas a exploração comercial dos quiosques já existentes na Orla. Afirma que a edição do Decreto Municipal n.º 23.516/03 afrontou decisão deste Juízo, razão pela qual requereu a prolação de ordem para que a Municipalidade do Rio de Janeiro se abstenha de praticar qualquer ato contrário à decisão judicial e para que anule o mencionado decreto, sob pena de configuração de crime de desobediência. Anexou os documentos de fls. 801/805.

Às fls. 806/807, decisão, indeferindo o pedido de fls. 799/800, tendo em vista que não compete ao Poder Judiciário exercer o controle de legalidade de atos do Poder Executivo Municipal.

Às fls. 809/811, petição da ré Orla Rio Associados Ltda, anexando cópias da decisão proferida por Desembargador da 17ª Câmara Cível do Tribunal de Justiça do Estado do Rio de Janeiro nos autos do agravo de instrumento interposto pela empresa ré contra decisum do Juízo da 5ª Vara de Fazenda Pública da Capital/RJ, onde tramitam duas ações cautelares, com liminares deferidas, a primeira no sentido de proibir o Município do Rio de rescindir unilateralmente o contrato por suposta infração à cláusula quarta, caput, do Termo n.º 417/99- F/SPA, que refere-se à remuneração mensal pela concessão de uso (fls. 812/847) e matéria jornalística (fls. 848).

Manifestação do Município do Rio de Janeiro às fls. 851, esclarecendo ao Juízo que a expedição do Decreto Municipal n.º 23.516/03 foi motivada pela inadimplência da empresa Orla Rio Associados Ltda, com os termos da Concessão de Uso n.º 417/99 – F/SPA, não havendo qualquer afronta à decisão liminar de fls. 420/421.

Petição dos Autores, às fls. 854, e da Orla Rio Associados Ltda, às fls. 858/860, anexando cópia do acórdão (transitado em julgado) prolatado nos autos do Mandado de Segurança n.º 1.655/2003, a fim de comprovar que a Concessão de Uso n.º 417/99 – F/SPA está vigorando em sua plenitude.

Informou, ainda, que ajuizou, em 30 de junho de 2004, ação ordinária de obrigação de fazer com pedido de antecipação de tutela específica em face do Município do Rio de Janeiro, que está sendo processada no Juízo da 2ª Vara da Fazenda Pública da Comarca da Capital, para obrigar o Município a providenciar o pedido de cessão onerosa dos terrenos onde os quiosques objetos da licitação estão instalados (fls. 861/876).

Às fls. 880, a União Federal requereu o julgamento antecipado da lide, protestando pela procedência do pleito autoral.

O MPF, às fls. 882-v, ratificou os termos das promoções de fls. 674/678 e 782/785, manifestando-se pelo julgamento antecipado da lide e procedência do pedido.

O IBAMA, instado a se pronunciar sobre a decisão de fls. 806/807, informou ao Juízo que nada tem a opor quanto à suspensão da realização da perícia (fls. 888).

É o relatório. DECIDO.

O art. 5º, LXXIII, da Constituição Federal estabelece que “qualquer cidadão é parte legítima para propor ação popular que vise a anular ato lesivo ao patrimônio público ou de entidade de que o Estado participe, à moralidade administrativa, ao meio ambiente e ao patrimônio histórico e cultural (…)”. (grifei)

Conforme a lição de Hely Lopes Meirelles:

“Ação popular é o meio constitucional posto à disposição de qualquer cidadão para obter a invalidação de atos ou contratos administrativos – ou a estes equiparados – ilegais e lesivos do patrimônio federal, estadual e municipal, ou suas autarquias, entidades paraestatais e pessoas jurídicas subvencionadas com dinheiros públicos.


A Constituição vigente, de 5.10.88, mantendo o conceito da Carta anterior, aumentou sua abrangência, para que o cidadão possa ‘anular ato lesivo ao patrimônio público ou de entidade de que o Estado participe, à moralidade administrativa, ao meio ambiente e ao patrimônio histórico e cultural’ (art. 5º, LXXIII). Assim, pôs termo à dúvida se abrangeria também os atos praticados por entidades paraestatais (sociedades de economia mista, empresas públicas, serviços sociais autônomos e entes de cooperação), além dos órgãos da Administração centralizada.

É um instrumento de defesa dos interesses da coletividade, utilizável por qualquer de seus membros. Por ela não se amparam direitos individuais próprios, mas sim interesses da comunidade. O beneficiário direto e imediato desta ação não é o autor; é o povo, titular do direito subjetivo ao governo honesto. O cidadão a promove em nome da coletividade, no uso de uma prerrogativa cívica que a Constituição da República lhe outorga.

Presentemente a ação popular acha-se regulamentada pela Lei n.º 4.717, de 29.6.65, que lhe dá o rito ordinário, com algumas alterações, visando à melhor adequação aos objetivos constitucionais da legalidade administrativa.

Mas observe-se que essa lei é anterior à Constituição de 1967 e à Emenda de 1969, pelo que deve ser entendida à luz do novo texto constitucional.”

(in Mandado de Segurança, Ação Popular, Ação Civil Pública, Mandado de Injunção, “Habeas Data”. São Paulo: Malheiros Editores, 1999, p. 113-115)

Da análise da documentação anexada aos presentes autos, bem como dos pareceres e alegações das partes, ficou comprovado que os autores populares (que demonstraram sua condição de eleitores), a União Federal e o IBAMA efetivamente têm interesse no feito, sendo, portanto, legitimados para figurar no pólo ativo da presente ação popular.

De igual modo, incontestável a legitimidade passiva do Município do Rio de Janeiro e da empresa Orla Rio Associados Ltda.

Assinale-se que, nos termos do art. 6º da Lei n.º 4.717/65, que regula a Ação Popular, “a ação será proposta contra as pessoas públicas ou privadas e as entidades referidas no art. 1º, contra as autoridades, funcionários ou administradores que houverem autorizado, aprovado, ratificado ou praticado o ato impugnado, ou que, por omissão, tiverem dado oportunidade à lesão, e contra os beneficiários diretos do mesmo.”

No que concerne à preliminar de incompetência da Justiça Federal para o julgamento do feito, argüida pela empresa ré, considero-a descabida.

Nos termos do art. 109, I, da Carta Magna, aos juízes federais compete “processar e julgar as causas em que a União, entidade autárquica ou empresa pública federal forem interessadas na condição de autoras, rés, assistentes ou opoentes …”

Na hipótese em questão, tratando-se da construção de quiosques em terrenos de Marinha e acrescidos, evidente o interesse da União. Por outro lado, o IBAMA, autarquia federal, às fls. 628 e seguintes, justifica sua presença no feito.

O interesse federal na proteção e conservação da área de construção da obra – objeto do contrato impugnado, considerada área de preservação permanente é claro, eis que, nos termos do art. 225 da Constituição Federal “todos têm direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado, bem de uso comum do povo e essencial à sadia qualidade de vida, impondo-se ao Poder Público e à coletividade o dever de defendê-lo e preservá-lo para as presentes e futuras gerações.”

No mérito, pretendem os autores, na defesa da “coisa pública”, a anulação do Contrato n.º 417/99 e seus efeitos, referentes à Licitação n.º CN- 01/99, da Secretaria Municipal da Fazenda.

O referido contrato tem como vencedora a empresa ORLA RIO ASSOCIADOS LTDA (segunda ré), e visa à construção, instalação e exploração, mediante concessão de uso, de conjuntos de quiosques a serem instalados na Orla Marítima no trecho do Leme ao Recreio dos Bandeirantes, com direito à exploração publicitária.

Os autores argumentam que o contrato realizado por meio do Termo de Permissão de Uso n.º 417/99, promovido pela Comissão Permanente de Licitação da Secretaria Municipal de Fazenda, entre a empresa Orla Rio Associados LTDA e o Município do Rio de Janeiro, desobedeceu à Legislação Federal pertinente aos Bens de Domínio da União, padecendo, pois, de ilegalidade.

Assiste razão aos autores, eis que a área onde se pretende a implementação do projeto de construção dos quiosques está localizada em terrenos de Marinha e acrescidos, de propriedade da União Federal, nos termos do art. 20, inciso IV, da Constituição da República, o que torna imprescindível a competente autorização da Secretaria de Patrimônio da União ou Termo de Cessão de Uso de Bem Público para a realização de qualquer obra naquela área, inexistentes na hipótese.


Na doutrina, sobreleva a lição de José dos Santos Carvalho Filho:

“Terrenos de Marinha são as áreas que, banhadas pelas águas do mar ou dos rios navegáveis, em sua foz, se estendem à distância de 33 metros para a área terrestre, contados da linha do preamar médio de 1831.

Os terrenos de marinha pertencem à União por expresso mandamento constitucional (art. 20, VII, CF), justificando-se o domínio federal em virtude da necessidade de defesa e de segurança nacional.

Os Terrenos acrescidos também pertencem à União Federal, mencionados que estão no já citado art. 20, VII, da CF. ”

(JOSÉ DOS SANTOS CARVALHO FILHO, in Manual de Direito Administrativo, 13º ed., Rio de Janeiro, Editora Lúmen Júris, 2005, p. 894/896)

Verifica-se, ainda, que os quiosques ficam localizados nas praias do Rio, que também são consideradas bens da União Federal (art. 20, IV da CF).

O conceito de praia está positivado no art. 10 da Lei n.º 7.661/88, verbis:

“Art. 10 – As praias são bens públicos de uso comum do povo, sendo assegurado, sempre, livre e franco acesso a elas e ao mar, em qualquer direção e sentido, ressalvados os trechos considerados de interesse de segurança nacional ou incluídos em áreas protegidas por legislação específica.

§ 1º. Não será permitida a urbanização ou qualquer forma de utilização do solo na Zona Costeira que impeça ou dificulte o acesso assegurado no caput deste artigo.

§ 2º. A regulamentação desta lei determinará as características e as modalidades de acesso que garantam o uso público das praias e do mar.

3º. Entende-se por praia a área coberta e descoberta periodicamente pelas águas, acrescida da faixa subseqüente de material detrítico, tal como areias, cascalhos, seixos e pedregulhos, até o limite onde se inicie a vegetação natural, ou, em sua ausência, onde comece um outro ecossistema.”

Tendo em vista que a área de construção da obra impugnada é considerada área de praia, nos termos do art. 10 da Lei n.º 7.661/88, referente ao Gerenciamento Costeiro, exige-se a realização de prévio Estudo de Impacto Ambiental (EIA), a ser submetido ao crivo do órgão ambiental federal, no caso, o IBAMA, sendo também necessário o respectivo licenciamento ambiental para ser implementado, nos termos do art. 225 da CF/88 e da legislação infraconstitucional ambiental.

Conforme bem ressaltou o ilustre procurador federal do IBAMA, no parecer n.º 488/97, anexado às fls. 629/634, a Constituição Federal, ao incluir no § 4º do art. 225, a Floresta Amazônica brasileira, a Mata Atlântica, a Serra do Mar, o Pantanal Mato-Grossense e a Zona Costeira como patrimônio nacional, teve como finalidade específica conservar e proteger o meio-ambiente, impondo-se condições quanto ao seu uso, bem como dos seus recursos naturais.

A matéria em questão é tão relevante que a Constituição Federal dedica capítulo inteiro ao meio ambiente, estabelecendo que incumbe ao Poder Público o dever de preservá-lo, de diversas formas.

A Lei n.º 9636/98 dispõe que incumbe ao Poder Executivo identificar, demarcar, cadastrar, registrar, fiscalizar, regularizar as ocupações e promover a utilização ordenada dos bens imóveis de domínio da União, podendo, para tanto, firmar convênios com os Estados e Municípios em cujos territórios se localizem.

Da leitura dos autos, restou demonstrado que não existe convênio da União Federal com o Município do Rio de Janeiro para utilização da área objeto do Contrato n.º 417/99, referente à Licitação n.º CN- 01/99, da Secretaria Municipal da Fazenda.

Nos termos do art. 18 da referida lei:

“Art. 18 – A critério do Poder Executivo poderão ser cedidos, gratuitamente ou em condições especiais, sob qualquer dos regimes previstos no Decreto-Lei no 9.760, de 1946 , imóveis da União a: Decreto nº 3.725, de 10.1.2001 https://www.presidencia.gov.br/ccivil_03/decreto/2001/D3725.htm

I – Estados, Municípios e entidades, sem fins lucrativos, de caráter educacional, cultural ou de assistência social;

II – pessoas físicas ou jurídicas, em se tratando de interesse público ou social ou de aproveitamento econômico de interesse nacional, que mereça tal favor.

§ 1o A cessão de que trata este artigo poderá ser realizada, ainda, sob o regime de concessão de direito real de uso resolúvel, previsto no art. 7o do Decreto-Lei no 271, de 28 de fevereiro de 1967.

§ 2o O espaço aéreo sobre bens públicos, o espaço físico em águas públicas, as áreas de álveo de lagos, rios e quaisquer correntes d’água, de vazantes, da plataforma continental e de outros bens de domínio da União, insusceptíveis de transferência de direitos reais a terceiros, poderão ser objeto de cessão de uso, nos termos deste artigo, observadas as prescrições legais vigentes.

§ 3o A cessão será autorizada em ato do Presidente da República e se formalizará mediante termo ou contrato, do qual constarão expressamente as condições estabelecidas, entre as quais a finalidade da sua realização e o prazo para seu cumprimento, e tornar-se-á nula, independentemente de ato especial, se ao imóvel, no todo ou em parte, vier a ser dada aplicação diversa da prevista no ato autorizativo e conseqüente termo ou contrato.

§ 4o A competência para autorizar a cessão de que trata este artigo poderá ser delegada ao Ministro de Estado da Fazenda, permitida a subdelegação.

§ 5o A cessão, quando destinada à execução de empreendimento de fim lucrativo, será onerosa e, sempre que houver condições de competitividade, deverão ser observados os procedimentos licitatórios previstos em lei.”

Conforme se verifica da análise dos autos, também não houve a cessão de uso do imóvel da União ao Município, conforme estabelece o artigo

supramencionado.

Transcrevo, por oportuno, a lição de José dos Santos Carvalho Filho:

“Cessão de uso é aquela em que o Poder Público consente o uso gratuito de bem público por órgãos da mesma pessoa ou de pessoa diversa, incumbida de desenvolver atividade que, de algum modo, traduza interesse para a coletividade.

A grande diferença entre a cessão de uso e as formas até agora vistas consiste em que o consentimento para a utilização do bem se fundamenta no benefício coletivo decorrente da atividade desempenhada pelo cessionário.

A formalização da cessão de uso se efetiva por instrumento firmado entre os representantes das pessoas cedente e cessionária, normalmente denominado de “termo de cessão” ou “termo de cessão de uso”. (…) Logicamente, é vedado qualquer desvio de finalidade (…)

O fundamento básico da cessão de uso é a colaboração de entre entidades públicas e privadas com o objetivo de atender, global ou parcialmente, a interesses coletivos. É assim que deve ser vista como instrumento de uso de bem público.”

(JOSÉ DOS SANTOS CARVALHO FILHO, in Manual de Direito Administrativo, 13º ed., Rio de Janeiro, Editora Lúmen Júris, 2005, p. 882/883)

O empreendimento impugnado reputa-se, pois, ilegal, ante a constatação, nos autos, da ausência das referidas licenças ambientais e da necessária autorização da Secretaria do Patrimônio da União e/ou Termo de Cessão de Uso de Bem Público para a construção dos quiosques em tela.

Não se pode consentir que tais obras sejam realizadas em desacordo com as normas legais pertinentes ao feito.

Além de ilegal, o ato impugnado, por ofender valores ambientais da comunidade, revela-se igualmente lesivo.

O município do Rio de Janeiro, ao efetuar o procedimento licitatório em tela, deveria dele fazer constar a necessidade de licenciamento ambiental como condição prévia para o início das obras pretendidas, a fim de que os interessados procurassem os meios legais para a sua consecução, junto aos órgãos ambientais competentes, mas não o fez.

A 2ª Ré, por sua vez, não foi cuidadosa no que concerne à proteção do meio ambiente, sendo omissa quanto aos necessários licenciamentos.

Oportuno se torna consignar que 2ª Ré anexou, aos presentes autos, apenas um documento relativo ao pedido de licença protocolado na FEEMA, para proceder a uma exposição do protótipo dos quiosques que seriam construídos.

A partir de então, nenhuma providência foi tomada em relação às questões ambientais, conforme afirmado em réplica pela ilustre procuradora federal do IBAMA no Rio de Janeiro (fls. 662).

Como bem esclareceu a douta Procuradora da República, às fls. 577: “Incumbe, portanto, tanto ao Poder Público Federal, aos Estados e aos Municípios, quanto à comunidade a proteção e tutela dessa área de preservação permanente. Neste sentido, a lição do Professor Paulo Affonso Leme Machado dispõe que:“como aplicação concreta pode extrair-se do texto constitucional que esses bens ambientais interessam não só a própria região onde estão inseridos, mas a toda a nação e que as intervenções nessas áreas necessitam de manifestação dos Poderes Públicos Federais e não somente dos órgãos estaduais e ou regionais.” (grifei)

Feitas essas considerações, impõe-se a anulação do contrato n.º 417/99, e seus efeitos, diante das irregularidades constatadas no seu trâmite e da impossibilidade fática e legal da concretização do referido projeto de construção e substituição do conjunto de quiosques em área de terreno de Marinha (área de praia), considerada de preservação permanente, sem as competentes licenças ambientais e elaboração prévia de Estudo de Impacto Ambiental e do Relatório de Impacto ao Meio Ambiente.

Diante da reconhecida ilegalidade e lesividade, caracterizada pela infração às normas legais mencionadas na fundamentação supra, com o risco de conseqüências patrimoniais para a Administração Pública e para a defesa do meio ambiente, JULGO PROCEDENTE O PEDIDO, ratificando a decisão liminar de fls. 420, na parte que determina a suspensão dos efeitos do Contrato n.º 417/99, decretando-o nulo, bem como seus efeitos, referentes à Licitação n.º CN- 01/99, da Secretaria Municipal da Fazenda.

Condeno os réus ao pagamento de honorários advocatícios, que arbitro, em conformidade com o § 4º do art. 20 do CPC e Súmula n.º 33 do Tribunal Pleno do egrégio TRF da 2ª Região, em R$ 10.000,00 (dez mil reais), pro rata, levando em conta que no pólo passivo está igualmente o Município do Rio de Janeiro, em resguardo ao erário público.

Sentença sujeita ao duplo grau obrigatório de jurisdição.

Comunique-se ao relator do agravo de instrumento n.º 82678 (autuado sob n.º 2001.02.01.030694-8) o teor da presente.

P. R. I

Rio de Janeiro, 28 de julho de 2005.

Maria Alice Paim Lyard

Juíza Federal da 2ª Vara

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