Circulação livre

Idosa ganha direito de andar com cadela em elevador de prédio

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28 de julho de 2005, 14h57

Mesmo que as regras do condomínio sejam aceitas pela maioria ou por todos os moradores, elas não são incontestáveis. O entendimento é da 17ª Câmara do Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul que por unanimidade manteve tutela antecipada permitindo que uma moradora de 79 anos circule livremente com sua cadela pelo condomínio, inclusive no elevador. As informações são do Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul.

O Edifício Residencial Dutra pretendia reverter sentença da Comarca de Santa Maria, fazendo valer o artigo 6, letra “m”, da convenção do condomínio, que permite a presença de pequenos animais nos apartamentos e fora deles mas determina que eles sejam conduzidos apenas pelas escadas e no colo dos donos. O condomínio também pleiteou cobrar da idosa multa pelas penas cometidas.

Para a desembargadora Elaine Harzheim Macedo, certas normas de condomínio são muito imperativas e restringem a convivência com animais, o que segundo ela, acabam se tornando sem efeito. Segundo ela, não foi apresentada nenhuma prova de transtorno aos vizinhos pela atitude da mulher ou de que o animal seja feroz.

Elaine ressaltou também a importância social e terapêutica da convivência com bichos de estimação e os cuidados que devem ser dispensados com os idosos. De acordo com a desembargadora a regra da convenção é de excessiva onerosidade pois obriga a idosa a subir e descer cinco andares de escada “correndo-se o risco de danos à saúde, com o agravamento de seu quadro clínico, sem falar no aspecto emocional”.

A livre circulação, no entanto, foi concedida somente à idosa sem se estender a familiares e visitantes.

70009504473

<leia a íntegra da decisão

AGRAVO DE INSTRUMENTO. CONSIGNAÇÃO EM PAGAMENTO COM PEDIDO DE TUTELA ANTECIPADA. DIREITO DE LIVRE CIRCULAÇÃO EM ELEVADOR E ÁREA CONDOMINIAL DE CÃO DE PEQUENO PORTE JUNTO COM A DONA, PESSOA DE IDADE AVANÇADA. PRESENÇA, IN CASU, DOS REQUISITOS EXIGIDOS PELO ART. 273, ‘cAPUT’, i E § 2º DO CPC.

A ação de consignação em pagamento admite a discussão sobre a interpretação de cláusula contida em convenção de condomínio, até porque se trata de causa de pedir.

As normas condominiais não são de caráter e legitimidade absolutas, devendo ser relativizadas diante da situação concreta.

Caso em que a vedação à circulação de cão de pequeno porte com guia e acompanhado da dona, seja no espaço comum do edifício ou no elevador, pelo menos em princípio, não configura prejuízo aos demais condôminos, ganhando relevância, na particularidade do caso, a idade da agravada, 79 anos, a evidenciar que a manutenção da intolerância com o estipulado somente tende a debilitar ou causar-lhe danos ao seu estado de saúde emocional.

Presentes os requisitos da prova inequívoca da verossimilhança da alegação e risco de dano da demora no aguardo do resultado final do litígio, bem como inexistente perigo de irreversibilidade da medida, é de se manter a decisão proferida em sede de tutela antecipada, a teor do art. 273, ‘caput’, I e § 2º do CPC.

AGRAVO IMPROVIDO

Agravo de Instrumento: Décima Sétima Câmara Cível

Nº 70009504473: Comarca de Santa Maria

CONDOMINIO EDIFICIO RESIDENCIAL DUTRA: AGRAVANTE

DEA GUDOLLE ROSADO: AGRAVADO

ACÓRDÃO

Vistos, relatados e discutidos os autos.

Acordam os Desembargadores integrantes da Décima Sétima Câmara Cível do Tribunal de Justiça do Estado, à unanimidade, em negar provimento ao recurso.

Custas na forma da lei.

Participaram do julgamento, além da signatária, os eminentes Senhores Des. Alzir Felippe Schmitz e Dr. Luiz Roberto Imperatore de Assis Brasil.

Porto Alegre, 19 de outubro de 2004.

DESA. ELAINE HARZHEIM MACEDO,

Relatora.

RELATÓRIO

Desa. Elaine Harzheim Macedo (RELATORA)

Trata-se de agravo de instrumento interposto pelo CONDOMÍNIO RESIDENCIAL DUTRA, insurgindo-se contra decisão proferida nos autos da ação de consignação em pagamento cumulada com pedido de liminar que lhe move DEA GUDOLE ROSADO , que deferiu a antecipação de tutela para determinar ao síndico da ré que a requerente possa transitar livremente pelas escadas, corredores ou elevador do prédio com sua cachorrinha, sem que tenha de carregá-la no colo.

Alega o agravante da impossibilidade da acumulação de consignação com declaração em ação única ajuizada pelo rito da primeira, bem como da legalidade do Regimento Interno no que pertine à cláusula condominial debatida. Lembra, inclusive, que o art. 6º, ‘m’ da convenção veda a manutenção de animais nas respectivas unidades autônomas, entretanto o condomínio, sensível aos apelos de vários condôminos passou a tolerar a presença de pequenos animas, desde que, quando retirados dos apartamentos, fossem conduzidos pelas escadas e no colo, jamais pelo elevador.

Aliás, somente a falta de vontade da filha da agravada e seus netos que com a mesma residem, de atender pequena determinação condominial (conduzir animais em recipiente ou no colo) é que causou toda a celeuma quando levaram os mesmos pelas escadas ou elevador em contrariedade à norma regimental.

Pede a concessão de efeito suspensivo e, ao final, o provimento do recurso no sentido de que seja determinado à agravada a observação da convenção do condomínio e seu regimento, possibilitando a imposição de multa ou, alternativamente, possibilidade o registro de todas as infrações praticadas referente à cláusula combatida, de molde a que, no futuro, sendo julgada improcedente a demanda, seja possibilitada a cobrança das multas impostas.

Requer, subsidiariamente, caso admitida a utilização da consignatória em cumulação com a anulatória, seja intimada a agravada para que, no prazo de 24 horas, proceda ao pagamento de todas as parcelas condominiais vencidas, pena de revogação da liminar deferida.

À fl. 95, a Relatora indeferiu o pedido de efeito suspensivo e solicitou informações ao juízo ‘a quo’, que vieram aos autos à fl. 98.

É o relatório.

Desa. Elaine Harzheim Macedo (RELATORA)

Analisando, inicialmente, a irresignação que diz respeito ao procedimento escolhido, consignatório, que seria incompatível com o anulatório de cláusula, é de se lembrar que a consignação é uma modalidade de extinção da obrigação diante da impossibilidade real do pagamento voluntário ou insegurança ou risco de ineficácia do pagamento voluntário. Entre outras hipóteses, esta impossibilidade pode dizer com a recusa injusta do credor em receber a prestação.

No caso em tela, estamos diante da recusa do condomínio em receber o emcargo sem a multa estabelecida por transitar a agravada no prédio com seu cão sem as cautelas impostas pela convenção. Portanto, o pleito envolve essencialmente verificar se o agravante agiu corretamente ao impor restrições no trânsito de animais, o que configura a própria causa de pedir da ação proposta. Aliás, o art. 896 do CPC, embora limite a contestação, indica como um dos fundamentos da defesa exatamente a justiça da recusa. HUMBERTO THEODORO JÚNIOR comentando o inciso II do mencionado dispositivo, diz que o credor “deverá provar que sua recusa foi justa, entendendo-se como tal qualquer argüição que, nos termos da lei, o autorizasse a rejeitar o pagamento. Aqui entram os mais variados temas, desde o descumprimento ou ineficácia do vínculo jurídico estabelecido entre as partes, como a própria negação da qualidade de credor imputada ao réu. Nem se devem excluir as questões pertinentes à interpretação de cláusulas contratuais” (in “Curso de Direito Processual Civil”, vol. III, 32ª edição, Forense, Rio de Janeiro, 2004, p. 37)

Desse modo, verifica-se que utilização da demanda consignatória é plenamente possível diante do caso em tela onde, se necessário, realizar-se-á inclusive dilação probatória para produzir prova no sentido da demonstração de fatos. No tocante à cumulação de pedidos, equivocou-se o recorrente, pois não se trata de ação anulatória de cláusula de convenção de condomínio, mas apenas e tão-somente o exame de sua (i)licitude e/ou (i)legitimidade ao efeito de subtrair a parte postulante do respectivo comando. De sorte que qualquer decisão judicial, nos limites da ação proposta, não terá o condão de anular a rega imposta pela coletividade, compondo, tão-somente, a lei do caso concreto, envolvendo as partes litigantes: a condômina Dea e o condomínio Residencial Dutra.

Ainda sobre a possibilidade do procedimento adotado, destaque-se a decisão abaixo ementada:

ACAO DE CONSIGNACAO EM PAGAMENTO. QUOTA CONDOMINIAL. A ACAO DE CONSIGNACAO EM PAGAMENTO ADMITE A DISCUSSAO SOBRE A INTERPRETACAO DE CLAUSULA CONTIDA EM CONVENCAO DE CONDOMINIO. NORMA PROIBITIVA DE GUARDA DE ANIMAL DOMESTICO. INTERPRETACAO FINALISTICA DA VEDACAO, QUE NAO SE APLICA QUANDO O PEQUENO CAO, QUE NAO CIRCULA NAS AREAS COMUNS, NAO APRESENTA INCOMODO AOS DEMAIS CONDOMINOS, TAMPOUCO TRAZ QUALQUER RISCO A SEGURANCA DESTES OU A HIGIENE DO PREDIO. MULTA IMPOSTA AOS CONDOMINOS QUE E DE SER CONSIDERADA INVALIDA, EIS QUE ABUSIVA. CONSIGNACAO DA QUOTA CONDOMINIAL, EXCLUIDA A SANCAO REFERIDA, QUE E DE SER ACOLHIDA PARA O EFEITO DE LIBERAR O DEVEDOR DA OBRIGACAO. APELO PROVIDO. VOTO VENCIDO. (APELAÇÃO CÍVEL Nº 599071123, VIGÉSIMA CÂMARA CÍVEL, TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO RS, RELATOR: JOSÉ AQUINO FLORES DE CAMARGO, JULGADO EM 09/03/1999)

A decisão proferida, outrossim, ficou exatamente nesses limites, isso é, a partir do enfrentamento da cláusula que autoriza a cobrança que está sendo discutida na consignação pela oblação sem a multa, sem adentrar nos demais pedidos, extraiu um juízo de valor sumário e provisório, dele, desde logo, extraindo efeitos práticos, qual seja, a liberação da autora a circular com seu cãozinho em guia e não no colo, como pretende o condomínio. Tal não implica incompatibilidade de ritos ou pedidos, mas traduz, isso sim, a efetividade que todos parecem (?) buscar no processo deste terceiro milênio.

Quanto ao mérito, como estamos a tratar de decisão proferida em sede de tutela antecipada, cumpre a este colegiado verificar da presença, in casu, dos requisitos insculpidos no art. 273 e incisos do CPC.

Nesse sentido, o fato principal é incontroverso, pois ambos admitem que a autora está a circular pelos corredores e elevador com o cão, o que estaria desatendendo a convenção e regimento interno do condomínio.

Portanto, a controvérsia diz com a validade da proibição, o que remete o debate, conforme pretende o próprio agravante, para a presunção de absoluta regularidade e legitimidade da convenção condominial, o que, cediço é, não procede, porque a convenção, a exemplo de qualquer outro regulamento, estatuto, lei ou norma não está afastado da revisão judicial.

Aliás, percebe-se seguidamente pelas demandas que aportam junto a esta Corte que algumas administradoras, ou mesmo os síndicos, entendem que a convenção ou regimento interno tem caráter de imperatividade, a todos obrigando e, votadas pela maioria, são imodificáveis, o que não soa correto. Não é por outra razão que os tribunais pátrios têm tornado sem efeito, entre tantas outras, cláusulas de condomínio que proíbem a convivência com um animal em sua unidade, desde que não seja de grande porte, coloque em risco a integridade dos demais condôminos ou perturbe a tranqüilidade alheia. Tudo sem prejuízo, por óbvio, da responsabilidade dos donos dos animais quanto à sujeira eventualmente causada nas áreas comuns ou de terceiros, hipótese que se submete inclusive a sanções, que costumam ir da advertência até à multa. È uma questão de aplicá-las, curando a doença e não matando o doente com a proibição da possibilidade e direito da pessoa de possuir um cão ou outro animal doméstico.

Não mais se ignora, por exemplo, a proteção a que os animais têm direito, penalizando seus algozes. Também rica é a contribuição para o desenvolvimento sadio e sociável de crianças, tanto aquelas que gozam de plena saúde como as que exigem tratamento especial para recuperação de suas deficiências, físicas ou mentais. Para muitos psicólogos infantis, o animal, notadamente o cão, quando criado por uma pessoa ainda criança torna-se importante referencial afetivo e que colabora nas relações que esta deverá manter no futuro. Não bastasse isso, sabe-se da importância dos animais para a pesquisa em geral. Recentemente tornou-se pública a técnica de utilização de cães, cheirando a urina de pacientes, para a descoberta precoce do câncer.

De outra banda, na medida em que o agravante não trouxe nenhuma prova concreta no sentido de demonstrar que o cão da agravada, especificamente, estaria a causar transtornos de monta ao caminhar com a guia ou adentrar no edifício (como se vê nas fotos não se trata de um cão fila, rottweiller, pitbull, dobermann ou pastor alemão, entre outros de índole mais feroz), cumpre analisar somente a matéria de direito a envolver a regra condominial.

Por falar em regra, o art. 3º, ‘j’ do condomínio, embora dê a entender da possibilidade de conduzir o cão também pelo colo (ali somente fala em “recipiente adequado”), não proíbe a utilização do elevador.

Portanto, pelo menos em sede de cognição sumária, evidencia-se a prova inequívoca da verossimilhança da alegação e o direito de transitar com o cão até pelo elevador, baseado na própria regra condominial, o que deve ser estendido para as demais áreas comuns e na guia, visto a idade da agravada. Isso não está a esgotar a discussão, cabendo o contexto probatório que se criar com a futura instrução indicar diferente, ou seja, da impossibilidade da convivência do cão da agravada nas condições em que ela está a postular.

Por sinal, as condições da agravada, pessoa de idade avançada (consta que tem 79 anos), enfrentando naturalmente dificuldades para subir e descer cinco andares de escada, a representar excessiva onerosidade da regra imposta, correndo-se o risco de danos a sua saúde, com o agravamento de seu quadro clínico, sem falar no aspecto emocional. Presente, pois, o perigo de dano de difícil reparação. Não apenas as crianças, mas também os idosos e doentes muito se beneficiam com o relacionamento com os animais de estimação, inclusive permitindo que doentes em estado terminal tenham a sua vida alongada, tão importante é o afeto que demonstram e que recebem dos seus donos.

E, para não deixar ‘in albis’, a sociedade também cada vez mais passou a se preocupar com os idosos. Não é à toa as diversas leis criadas em sua proteção desde as de aposentadoria, passagens de ônibus ou entradas de cinema gratuitas ou com desconto até o recente Estatuto do Idoso. Soa, diante disso, contraditório inviabilizar a uma senhora a convivência com seu cão, ao qual cuida há vários anos, sem qualquer motivo aparente, salvo a de abrir precedente a uma regra de duvidosa regularidade.

Não há, por derradeiro, que se falar em perigo de irreversibilidade do provimento antecipado, nos termos do art. 273, § 2º, do CPC. A decisão judicial valerá durante o tempo do processo, salvo, por óbvio, se novos fatos ocorreram, a autorizar sua revogação. Em eventual improcedência do pleito, a situação voltará a ser restabelecida. Assim como o condomínio, no caso de procedência, deverá se sujeitar ao comando judicial, o mesmo valerá para a autora, na hipótese de ser mal sucedida em sua pretensão.

Diante do exposto, nega-se provimento ao recurso, ressalvando, entretanto, que o direito à livre circulação com o cão refere-se somente à pessoa da agravada, tendo em vista as peculiaridades referentes a ela, e não aos seus familiares ou eventuais visitantes. O direito é vinculado à pessoa da recorrida e não ao seu cão.

Julgadora de 1º Grau: ELIANE GARCIA NOGUEIRA

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