Saúde mineira

Estado de Minas terá de fornecer remédio a paciente com lúpus

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24 de julho de 2005, 9h34

O estado de Minas Gerais terá de fornecer a Ana Keila Sabino de Freitas o medicamento Micofenolato Mofetil, para tratamento de lúpus, uma doença grave que ataca os rins e outros órgãos vitais, podendo levar a morte do paciente. A decisão é do juiz Fabiano Rubinger de Queiroz, da 2ª Vara Cível de Uberaba. Cabe recurso.

No entendimento do juiz, o estado tem a obrigação de “atendimento médico adequado e, por óbvio, entrega de medicação de que carece os necessitados”. O próprio juiz reconheceu que “a ausência do tratamento pode resultar em insuficiência renal crônica a até mesmo risco de vida”.

Segundo os autos, Ana Keila Sabino de Freitas é portadora de lúpus e precisar tomar o medicamento todos os dias. O salário da paciente é de R$ 400. Cada caixa do remédio custa R$ 700 e dura apenas 12 dias. Como ela precisa usar duas caixas por mês, pediu a Secretaria do Estado e da Saúde o fornecimento gratuito do medicamento.

O pedido foi negado. O estado argumentou que o Micofenolato Mofetil não é usado para tratamento de lúpus, mas contra rejeição em caso de transplante de órgãos. Inconformada com o posicionamento da Secretaria da Saúde de Minas Gerais, a paciente, representada pelo advogado Eduardo Diamantino, do escritório Diamantino & Associados, entrou com ação na Justiça.

Diamantino sustentou que “a negativa do estado não tem amparo legal, já que é seu dever zelar pela saúde e a vida dos cidadãos. Se a prescrição do remédio foi feita por um médico habilitado, não se pode afastar a oportunidade de conservar a saúde e salvar uma vida, só porque uma portaria está desatualizada com os acelerados avanços da medicina”.

Em caso de descumprimento, o estado de Minas Gerais deverá pagar multa de R$ 1 mil. O estado deverá fornecer à jovem o medicamento pelo tempo que ela necessitar, “integrando tudo o que for necessário, inclusive exames sofisticados, internações cirúrgicas e atendimento de emergência”.

Processo 70105117713-0

Leia a íntegra da decisão

COMARCA: UBERABA/MG

AUTOS Nº: 70105117713-0

TIPO: COMINATÓRIA

Vistos, etc…

Trata-se de cominatória intentada por ANA KEILA SABINO DE FREITAS contra o ESTADO DE MINAS GERAIS.

Em resumo, afirmou que, acometida de grave doença, necessita de uso contínuo. Todavia, esgotados os recursos financeiros ate mesmo de sua família e sem condições para a aquisição de medicamento, exercitando seu direito constitucional, reclamou do Município o fornecimento gracioso da medicação de que necessita, sendo negada sua pretensão, ao fundamento de que tais medicamentos não se acham à disposição para entrega aos municípios, sendo que sua distribuição compete ao réu através da Diretoria de Ações Descentralizadas de Saúde-DADS. Outrossim, formulou requerimento administrativo junto ao réu, sendo seu pedido negado ao argumento de que o medicamento é indicado

apenas para pessoas transplantadas.

Por tudo isto, pugnou liminar para que seja ordenada a imediata entrega da medicação que carece, conforme especificação de fls. 16. Para tanto, invocou preceitos constitucionais e outros aplicáveis à espécie, além de reclamar gratuidade da Justiça.

É sucinto o relatório. DECIDO.

A documentação acostada à inicial, sem sombra de dúvida, revela que a autora é portadora de grave doença (CID M-32.1). Ademais, doença que reclama acompanhamento e medicação constante para o seu controle, sendo que a ausência do tratamento pode resultar em insuficiência renal crônica e ate mesmo risco de vida.

A urgência, por outro lado, está denotada pela necessidade de constante medicação para controle, havendo recusa por parte do réu ao fornecimento.

Ora, conforme premissa constitucional, configura direito social de todo e qualquer cidadão a saúde. Referida premissa, por cento, obriga o Poder Público ao fornecimento de atendimento médico adequado e, por óbvio, entrega da medicação de que carece os necessitados (art. 196, da CF), estando envolvidos no cumprimento do encargo União, Estado e Município.

Neste sentido, pacifica e jurisprudência, inclusive do TJMG. Confira:

CONSTITUCIONAL E ADMINISTRATIVO – SERVIÇO DE SAUDE – SUS – ENTIDADE HOSPITALAR PRIVADA – REMUNERAÇÃO – FATOR DE CONVERSÃO PARA URV – UNIÃO – LEGITIMIDADE PASSIVA ESTADO-MEMBRO E MUNICIPIOS – LITISCONSÓRCIO NECESSÁRIO – PROVIMENTO PARCIAL – 1. O direito constitucional à saúde impõe como conseqüência indissociável a obrigação jurídica ou o dever moral de os entes políticos das diversas esferas governamentais garantirem o acesso de todos à saúde, responsabilidade conjugada ou conjunta que se dá de forma autônoma e solidária.

2. em compasso com o plasmado no parágrafo único do art. 198 da Constituição, “O sistema Único de Saúde será financiado, nos termos do art. 195, com recursos do orçamento da seguridade social, da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios, daí por que, na hipótese em que se discute o fator de correção da conversão para URV do reembolso devido à entidade hospitalar privada que executou serviços pelo SUS, muito embora seja reconhecida a legitimidade da União para figurar no pólo passivo da relação processual, impõe-se reconhecer que o Estado e os Municípios nos quais prestados os serviços devem, como litisconsortes necessários, integrar a lide. 3. Recurso parcialmente provido” (TRF 5ª R. – AC 296878 – (2002.05.00.017298-3) – CE – 2ª T. – Rel. Des. Fed. Petrucio Ferreira – DJU 20.10.2003 – p. 371).


MANDADO DE SEGURANÇA – INTERNAÇÃO EM HOSPITAL PÚBLICO – S.U.S. – GARANTIA CONSTITUCIONAL DO DIREITO À SAÚDE – ARTIGO 6º E 196 DA C.F. – “É de responsabilidade concorrente da União Estados e Municípios o dever de garantir saúde à todos; tal lição, emana da Carta Maior” (TJMG – APCV 000.321.151-3/00 – 7ª C. Civ. – Rel. Des. Alvim Soares – J. 05.05.2003).

AGRAVO DE INSTRUMENTO – MEDICAMENTOS – ANTECIPAÇÃO DE TUTELA – O fornecimento gratuito de medicamentos constitui responsabilidade solidária do Estado e do Município derivada do artigo 196 da Constituição Federal. Possibilidade de seu deferimento, em face da relevância dos interesses protegidos (vida e saúde), em antecipação de tutela, inclusive contra o Poder Público, mesmo na ausência de negativa expressa por parte da administração, em vista da demora de quase um ano na apreciação do requerimento administrativo. Precedentes do STJ e desta Câmara. Decisão reformada. Recurso provido” (TJRS – AI 70005011796 – 3ª C.Civ. – Rel. Des. Paulo de Tarso Vieira Sanseverino – J. 14.11.2002).

ADMINISTRATIVO E CONSTITUCIONAL – TRATAMENTO DE SAÚDE E FORNECIMENTO DE MEDICAMENTOS – SOLIDARIEDADEDOS ENTES PÚBLICOS – A Carta Federal é expressa ao assegurar o direito á vida e o direito à saúde como garantia fundamentais de acordo com a responsabilidade solidária (art. 196 da CF/88) Agravo de instrumento desprovido” (TJRS – AI 70004374062 – 4º C.Civ. – Rel. Dês. Vasco Della Giustina – J. 28.08.2002).

AGRAVO DE INSTRUMENTO – DIREITO À SAÚDE – EXAME DE RESSONÂNCIA NUCLEAR MAGNÉTICA – ANTECIPAÇÃO DE TUTELA – O fornecimento gratuito de medicamentos e demais serviços de saúde constitui responsabilidade solidária do Estado e do município derivada do artigo 196 da Constituição Federal. Possibilidade de seu deferimento, em face da relevância dos interesses protegidos (vida e saúde), em sede de antecipação de tutela, inclusive contra o Poder Público. Precedentes do STJ e desta Câmara. Decisão mantida. Recurso desprovido” (TJRS – AI 70004964284 – 3º C.Civ. – Rel. Dês. Paulo de Tarso Vieira Sanseverino – J. 24.10.2002).

APELAÇÃO CÍVEL – FUNDAÇÃO MUNICIPAL DE SAÚDE – FORNECIMENTO DE MEDICAMENTOS A PACIENTE CRÔNICO – Responsabilidade do Município que deriva das normas dos art. 23, II, 30, VII, e 198 da CF/88, e da Lei nº 8080/94, sendo concomitante a da União e dos Estados, bem como as de seus entes administrativos e paraestatais. Chamamento ao processo. Instituto processual que visa assegurar aqueles que sejam solidários com outros devedores, deles se ressarcirem, total ou parcialmente, ou integrá-los na relação processual.

Inexistência, in casu de vínculo regressivo entre os entes federativos pelos recursos que cada qual disponha na execução da saúde pública que impede o chamamento pretendido. Dotação orçamentária. Existindo no Orçamento Verbas para a execução da saúde pública, e não havendo, é óbvio, discriminação acerca da rubrica e da identificação das despesas, não pode o ente público se valer, do argumento para buscar se furtar a fornecer os medicamentos aos cidadãos, que, para garantia do direito fundamental a vida, dele necessite. Tutela antecipada. Impugnação à sua concessão contra a Fazenda Pública. Matéria já preclusa, não mais apreciável em recurso de sentença. Pretensão à imposição ao autor do dever de se apresentar para constatar a necessidade da continuidade dos medicamentos. Matéria suscitada ou apreciada perante o Juízo monocrático. Questão nova não apreciável em sede recursal, sob pena de violação do duplo grau de jurisdição. Recurso desprovido, mantida a sentença em reexame necessário” (IRP) (TJRJ – AC 24659/2001 – (2001.001.24659) – 18ºC Civ. – Rel. Des. Binato de Castro – J. 07.03.2002)

ADMINISTRATIVO E CONSTITUCIONAL – TRATAMENTO DE SAÚDE E FORNECIMENTO DE MEDICAMENTOS – SOLIDARIEDADE DOS ENTES PÚBLICOS – PRELIMINAR DE FALTA DE INTERESSE ´HONORÁRIOS ADVOCÁTICOS AO FADEP – Rejeição da preliminar uma vez que o pedido na via administrativa – instaurado ou não o processo administrativo – Não impede ao acesso ao Judiciário , consoante garantia individual prevista na CF/88. A Carta Federal é expressa ao assegurar o direito à vida e o direito à saúde como garantias fundamentais, de acordo com a responsabilidade solidária (art. 196 da CF/88). Nenhum dispositivo legal ou constitucional afasta a incidência do art. 20 do CPC quando o Estado fica vencido, sendo o autor representado por defensor público. Precedente de julgamento. Modificação da condenação da verba honorária em atenção à disposição da Súmula nº 201 do STJ. Apelos desprovidos. Sentença parcialmente reformada, em reexame necessário” (TJRS – AP-RN 70004386769 – 4ª C.Civ. – Rel. Des. Vasco Della Giustina – J. 28.08.2002).


AGRAVO DE INSTRUMENTO – AÇÃO ORDINÁRIA – NEGATIVA DE SEGUIMENTO – Recurso em confronto com jurisprudência dominante do Tribunal de Jutiça do Rio Grande do Sul e do Superior Tribunal de Justiça. Fornecimento de medicamentos excepcionais pelo Estado. Possibilidade. I. Estado e município. Responsabilidade solidária pelo fornecimento da medicação. Aos entes da federação cabe o dever de fornecer gratuitamente tratamento médico a pacientes necessitados, inteligência dos artigos 6º e 196 da Constituição Federal. A responsabilidade solidária entre os municípios e os Estados-Membros pelo fornecimento gratuito de medicamentos a doentes decorre do próprio texto constitucional (CF, art. 23, inc. II e art. 196). Precedentes do STJ e desta Corte Estadual. O Estado do Rio Grande do Sul, conforme determinado no artigo 82, IV, da Constituição do Estado do Rio Grande do Sul, editou a Lei Estadual nº 9.980/93 estabelecendo o dever de fornecer medicamentos excepcionais para pessoas que não puderem prover as despesas com os referidos medicamentos, sem privarem-se dos recursos indispensáveis ao próprio sustento e de sua família.

II. Antecipação da tutela contra a Fazenda Pública. Vedação da Lei nº 9.404/97 afastada. Aplicação do princípio da proporcionalidade. A existência de disposição expressa no art. 1º da Lei nº 9.494, de 10 de setembro de 1997, vedando a antecipação de tutela contra a Fazenda Pública, não é aplicável quando a cognação exauri ente antes da concessão da tutela põe em perigo a vida ou a integridade física da parte postulante e, consequentemente, coloca em risco a própria efetividade da jurisdição. Caso em que, entre a tutela do direito da autora a saúde e a tutela dos meramente pecuniários da Fazenda Pública, opta-se pela primeira, com arrimo nos princípios axiológicos insculpidos na Constituição Federal. Negado seguimento ao agravo de instrumento”. (TJRS – AGI 70006477269 – 3ª C.Civ. – Relª Desª Matilde Chabar Maia – J. 05.06.2003).

ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA – SAÚDE – CIRURGIA – OBRIGAÇÃO – 1. A ordem constitucional atribui ao Poder Público o dever de garantir o exercício do direito à saúde, assegurada a toda a sociedade. 2. Considerando este aspectos, é dever solidário da Administração Pública Estadual e Municipal a execução de cirurgia em pessoa que não tem meios de prover a sua realização a que dela necessita para se manter saudável e vivo” (TJRJ – AC 17786/20014 – (2001.001.17786) – 5ª C.Civ. – Rel. Des. Milton Fernandes de Souza – J. 11.12.2001).

Como visto, a responsabilidade pela vida e saúde do cidadão é concorrente e abrangente, integrando tudo o que for necessário, inclusive exames sofisticados, internações, cirurgias, atendimentos de emergências e, também a entrega da medicação indispensável, principalmente aquela chamada como de uso contínuo (art. 196, da Constituição Federal).

O quadro que emerge da peça de ingresso, ao menos para este juízo provisório, denota alegação verossímil, sendo irrespondível a presença dos demais requisitos do art. 273, do CPC.

Ex positis, defiro o pleito liminar para determinar ao réu que, incontinenti, forneça a medicação de que necessita a autora, na forma descrita no item 4, alínea “b”, do pedido de ingresso, observada eventual necessidade de receituário próprio o que deve ficar retiro, sob pena de multa-diária que fixo em R$ 1.000,00.

Com urgência, expeça-se carta precatória (via “FAX”) para cumprimento da liminar deferida e, após, citação do réu para resposta, observado o prazo privilegiado (art. 188, do CPC).

P. Intime-se. Cite-se.

Uberaba, 20 de julho de 2005.

Fabiano Rubinger de Queiroz

Juiz de Direito em Plantão Forense

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