Filho sem pais

Pais perdem guarda de filho por falta de condições psicológicas

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22 de julho de 2005, 9h18

Quando for evidenciada negligência e falta de condições psicológicas, e não apenas falta de recursos materiais, pode ser aplicada a perda a guarda de um menor. Com esse entendimento, a 7ª Câmara Cível do Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul rejeitou a apelação dos pais que queriam ter seu filho de volta.

O pai do menor alegou que tem interesse em ficar com o filho, pois possui sustento próprio. Entende que para a criança a melhor alternativa é ficar com o genitor. Apesar de pobre, assegurou ter bom caráter, ser trabalhador, mas não delinqüente. Ele salientou também que, em eventuais falhas, terá a ajuda de familiares.

Já a mãe disse que conseguiu melhorar de vida, desejando que o filho cresça junto de sua família, perto do irmão. Alegou que a avó e o seu companheiro ajudarão no que for preciso. As informações são do TJ gaúcho.

O Ministério Público, autor da ação que decidiu pela destituição do poder familiar sobre o menor, buscou a manutenção da sentença. Garantiu que toda a prova colhida no processo assegura juízo suficiente para tanto.

O desembargador José Carlos Teixeira Giorgis, relator do recurso no TJ gaúcho, destacou que a pretensão dos recorrentes não pode ser atendida depois de uma análise dos autos, principalmente da prova técnica produzida, dos laudos sociais e psicológicos dos genitores, somados aos depoimentos colhidos.

“Todos os fatos narrados na peça, graves e que indicam séria negligência, como consumo exagerado de drogas e álcool, baixas condições de higiene, inclusive convívio com animais e desinteresse no menor foram confirmados ao longo da instrução”, afirmou.

O desembargador enfatizou que a mãe confessou o uso de substâncias entorpecentes, ser dependente do companheiro e perambular pela cidade embriagada com a criança. “Salta aos olhos o descumprimento dos deveres inerentes ao poder familiar por parte da mãe”.

Quanto ao pai, afirmou que, segundo o laudo psicológico, fica evidente sua expectativa de ajuda dos familiares para proteger integralmente o filho. Manifestou que a falta de condições econômicas, por si só, não é motivo para a decisão. “Os Conselheiros Tutelares, em seus depoimentos, foram unânimes ao dizer dos problemas de alcoolismo do apelante”.

Acompanharam o voto do relator a desembargadora Maria Berenice Dias e a juíza-convocada Walda Maria Melo Pierrô.

Processo 70.009.433.566

Leia a íntegra da decisão

ECA. PERDA DO PODER FAMILIAR. DESEJO DOS GENITORES DE TER O FILHO DE VOLTA. A FALTA DE RECURSOS MATERIAIS, POR SI SÓ, NÃO É MOTIVO PARA A PERDA DO PODER FAMILIAR. MAS EVIDENCIADA NEGLIGÊNCIA E FALTA DE CONDIÇÕES PSICOLÓGICAS É VIÁVEL A DESTITUIÇÃO.

APELO DESPROVIDO.

APELAÇÃO CÍVEL: SÉTIMA CÂMARA CÍVEL

Nº 70009433566: COMARCA DE SANTA CRUZ DO SUL

P.P.S.: APELANTE

M.L.R.: APELANTE

M.P.: APELADO

ACÓRDÃO

Vistos, relatados e discutidos os autos. Acordam os Magistrados integrantes da Sétima Câmara Cível do Tribunal de Justiça do Estado, à unanimidade, negar provimento a ambos os recursos. Custas na forma da lei.

Participaram do julgamento, além do signatário, as eminentes Senhoras DESA. MARIA BERENICE DIAS (PRESIDENTE) E DRA. WALDA MARIA MELO PIERRO.

Porto Alegre, 03 de novembro de 2004.

DES. JOSÉ CARLOS TEIXEIRA GIORGIS, RELATOR.

RELATÓRIO

DES. JOSÉ CARLOS TEIXEIRA GIORGIS (RELATOR)

DEMANDA — Trata-se de apelações propostas por PPS e MLR, nos autos da ação de destituição de poder familiar contra a sentença que julgou procedente a demanda.

RAZÕES RECURSAIS — O recorrente PPS aduz que tem interesse em ficar com o filho já que tem sustento próprio. Eventuais falhas terão a ajuda de familiares. O melhor para a criança é ficar junto com seu genitor, e seu interesse no mesmo é evidente, pois noticiou ao Conselho Tutelar a negligência sofrida pelo menor em poder da genitora. O apelante tem bom caráter, trabalhador, mas pobre, não um delinqüente. Deve prevalecer o interesse do menor. Postula o provimento do recurso (fls. 134-140). Já MLR aduz que conseguiu melhorar de vida, possuindo outro filho, desejando que este seja cuidado junto com seu irmão, crescendo na mesma família. A avó e o companheiro ajudarão no que for preciso. Postula o provimento do seu recurso (fls. 144-147).

CONTRA-RAZÕES — Pugna pela manutenção da sentença de primeiro grau. Assevera que toda a prova colhida no processo assegura juízo suficiente para destituição do poder familiar.

MINISTÉRIO PÚBLICO (2º GRAU) — Opina pelo conhecimento e desprovimento dos recursos.

Vieram-me os autos conclusos para julgamento.

Foi cumprido o disposto no art. 551, § 2º, do CPC.

É o relatório.

VOTOS

DES. JOSÉ CARLOS TEIXEIRA GIORGIS (RELATOR)

Cuida-se de apelações interpostas por PPS e MLR, já que insatisfeitos com a sentença de fls. 127-133, que julgou procedente a ação de destituição de poder familiar do menor WCRS. Sem razão os recorrentes.

Compulsando os autos, principalmente a prova técnica produzida, laudos sociais e psicológicos dos genitores, somando-se com os depoimentos colhidos em juízo não há como prosperar a pretensão dos recorrentes.

Todos os fatos narrados na peça vestibular, graves e que indicam séria negligência, como consumo exagerado de drogas e álcool, baixas condições de higiene, inclusive convívio com animais e desinteresse no menor foram confirmados ao longo da instrução.

O laudo sociológico referente à mãe do menor (fls. 54/56), inconteste pelas partes, relata toda uma história familiar difícil, um círculo vicioso que se revela absolutamente inviável de convívio saudável para uma criança, inclusive com notícias de violência física sofrida pela mãe (fl. 55).

A avaliação psicológica na apelante não teve resultado diferente. Frise-se o descuido com sua própria pessoa, conforme fl. 65 “…demonstrando descuido com os aspectos de higiene pessoal.” Também o seu atual companheiro, segundo relato relação essa que advém de algum tempo, é marcada por “Desde a pré-adolescência relaciona-se maritalmente com seu atual companheiro. Relacionamento este norteado pela miséria, violência, desvio-social e abuso de drogas.” E continua: “Embora a vontade da examinada em responsabilizar-se integralmente pelo filho, suas condições psico-socio-laborais colocam em risco o desenvolvimento do mesmo (no caso o menor).”

No interrogatório prestado (fl. 71), a genitora confessa o uso de substâncias entorpecentes (loló e cola), ser dependente do companheiro e perambular pela cidade embriagada e sob o efeito de entorpecentes com a criança.

Os Conselheiros tutelares ouvidos (fls. 72/74) foram uníssonos ao narrar a situação de vulnerabilidade da criança, sendo conhecido deles o caso dos autos pelo encaminhamento do menor à avó algumas vezes.

A própria avó (fl. 76) alude que certa vez, ao levá-lo para o Conselho Tutelar, o menor encontrava-se sujo e “mijado”. Tanto que Lorena (fl. 74), aduz: “Em determinada ocasião a mãe da requerida foi até o CT levando a criança para o local para mostrar as péssimas condições de higiene que W. estava. Pelo que a depoente lembra o menino estava todo sujo, fezes e precisou ser banhado naquela instituição…”

Pelo todo narrado, salta aos olhos o descumprimento dos deveres inerentes ao poder familiar por parte da mãe, como bem esposado na sentença.

O art. 22 do ECA comina os deveres dos pais. O art. 1.638 do CCB prevê as hipóteses de perda do poder familiar.

Ao se ler os dois dispositivos vê-se que a solução para o caso não pode ser outra senão a destituição.

A Corte entende que, configurada a falta de condições da mãe biológica para o exercício da maternidade mostra-se correta a decisão que determinou a perda do poder familiar relativa ao filho que conta nove meses de idade (APC 70007819105, de minha relatoria, j. em 10/03/2004).

Na mesma linha a APC nº 70006443071, j. 13.08.04, Rel Des. Luis Felipe Brasil Santos, assim ementada:

“CARACTERIZADA SITUAÇÃO DE ABANDONO E NEGLIGÊNCIA PARA COM A FILHA MENOR, IMPÕE-SE A PERDA DO PODER FAMILIAR DOS GENITORES, EM NOME DO INTERESSE DA MENOR.”

A negligência da mãe no trato com o filho foi alarmante, ao ponto de se ter sérias dúvidas nas reais condições de sustento da criança se com a apelante.

De fato, todo o comportamento ao longo do processo, quando recebeu a notícia de que não iria mais visitar o filho M. ficou normal.” Assim, inviável o provimento de seu recurso.

Também o apelo de PPS não tem solução diferente, em que pese sua conduta ser menos grave.

Inobstante, como bem ressaltou o Juízo de Primeiro Grau, não basta o querer superficial. É necessária a real atitude de pai, o que ficou indemonstrado nos autos.

Segundo o laudo psicológico do apelante, fica evidente que sua motivação está embasada em sua expectativa de ajuda dos familiares, para proteger integralmente o filho (fl. 67).

De fato, revela-se desconexa a idéia do apelante em, para sustentar o filho, abrir uma fábrica de algodão doce, sem sequer indicar os meios para tal, já que faz planos para comprar uma carrocinha (fls. 70 e 81).

Ademais, “o entrevistado apresenta sérias dificuldades sócio-econômicas, baixa crítica sobre seu contexto de vida, pouca disponibilidade de ajuda por parte do grupo fraterno, fatos que demonstram sua falta de condições de responsabilizar-se por uma criança” (fl. 81).

É mandamento legal que a falta de condições econômicas, por si só, não é motivo para destituição do poder familiar, podendo aliar-se outros fatores graves aqui relatados.

Os Conselheiros Tutelares, em seus depoimentos, foram unânimes ao dizer dos problemas de alcoolismos do apelante.

Durante quase todo o feito foi tido como morador de rua, salvo sua versão, juntando comprovante de residência (fatura de energia elétrica, fl. 141) em nome de terceira pessoa, o que só vem a corroborar suas faltas de condições.

O apelante chegou a pedir “prazo” para se organizar (fl. 70), e que, passados quase dois anos desde a internação da criança, tendo por base as razões de apelação, nada veio de concreto quanto a tal projeto. Impossível prosperar tal pretensão. Pelo exposto, nego provimento às apelações.

DRA. WALDA MARIA MELO PIERRO — De acordo.

DESA. MARIA BERENICE DIAS (PRESIDENTE) — De acordo.

DESA. MARIA BERENICE DIAS — Presidente — Apelação Cível nº 70009433566, Comarca de Santa Cruz do Sul: “NEGARAM PROVIMENTO A AMBOS OS RECURSOS. UNÂNIME.”

Julgador(a) de 1º Grau: CLEBER AUGUSTO TONIAL

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