Regime de cooperação

Trabalhador que usa instrumento próprio não tem vínculo

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20 de julho de 2005, 18h13

Trabalhador que usa ferramentas próprias e ganha de acordo com sua capacidade de produção não tem vínculo empregatício. O entendimento é da 6ª Turma do Tribunal Regional do Trabalho de São Paulo, que negou a relação de emprego de uma cabeleireira com o salão de beleza onde atendia. As informações são do TRT São Paulo.

De acordo com o juiz Rafael Pugliese Ribeiro, relator do Recurso Ordinário no tribunal, “a autora tem a qualificação profissional própria de uma cabeleireira e onde quer que ela vá trabalhar encontrará a mesma realidade do trabalho em regime de cooperação, de parceria, de meação, cujos custos ordinários do negócio não fazem sobreexceder os de mera subsistência, sendo certo que a existência de horário pré-fixado e subordinação não ficou provada”.

A cabeleireira entrou com processo na 26ª Vara do Trabalho de São Paulo pedindo o reconhecimento do vínculo empregatício e o pagamento das verbas trabalhistas como férias, 13º salário, horas extras e o recolhimento do FGTS — Fundo de Garantia por Tempo de Serviço.

Ela alegou que era empregada do salão, recebendo salário pago por comissão. A cabeleireira admitiu que utilizava suas próprias ferramentas de trabalho, como escovas, tesoura e secador, “pelas quais era responsável no caso de conserto ou substituição”. O salão fornecia xampus, produtos de química e outros necessários ao consumo. Acrescentou que recebia 50% de comissão sobre os cortes e 40% nos serviços de química.

O salão de beleza apresentou contratos assinados pela cabeleireira que comprovariam a ausência do vínculo empregatício. Por entender que a cabeleireira não comprovou suas alegações, a vara indeferiu o pedido.

A cabeleireira recorreu ao TRT São Paulo sustentando que “os contratos juntados com a defesa não correspondem à realidade”. Para o juiz relator Rafael Pugliese Ribeiro “pelas bases da estipulação dos ganhos da autora, não estava ela sujeita à condição de uma empregada assalariada de rendimentos fixos”.

Segundo o juiz, “a Justiça não pode desconsiderar as peculiaridades por que se situam certas categorias profissionais, sendo exemplo as manicures, as cabeleireiras que também alugam a cadeira do salão, o funileiro que trabalha em parceria com o dono da oficina mecânica, o fruteiro em regime de consignação, o meeiro, parceiro, arrendatário, o locatário de taxi, os carregadores da zona cerealista, dentre tantos outros”.

Por unanimidade, a 6ª Turma negou o vínculo empregatício da cabeleireira com o salão de beleza.

RO 02560.2002.026.02.00-0

Leia o voto do relator

Natureza: Recurso Ordinário

Recorrente: Luzia Ramos da Silva

Recorrido: José Divino Ferreira da Cruz

Origem: 26ª Vara do Trabalho de São Paulo

Ementa:

Vínculo de emprego. Cabeleireira. Utilização das próprias ferramentas de trabalho. Renda de expressiva proporção em função do que estava em condições de produzir. O produto do trabalho da autora não estava apto a justificar, frente a receita do réu, o custo expressivo de uma relação empregatícia normal (férias, 13º salário, INSS, FGTS, etc.). A autora tem a qualificação profissional própria de uma cabeleireira e onde quer que ela vá trabalhar encontrará a mesma realidade do trabalho em regime de cooperação, de parceria, de meação, cujos custos ordinários do negócio não fazem sobreexceder os de mera subsistência.

Contra a sentença que julgou improcedente a ação, recorre a autora alegando que os contratos juntados com a defesa não correspondem a realidade; que era empregada da ré, recebendo salário pago por comissão; que o serviço prestado era essencial ao empreendimento da ré; que houve vínculo de emprego. Sem contra-razões. O Ministério Público teve vista dos autos.

V O T O:

1. Apelo aviado a tempo e modo (custas isentas, fl. 57). Conheço-o.

2. Vínculo de emprego. A autora era cabeleireira e em depoimento (fl. 38) admitiu que utilizava suas próprias ferramentas de trabalho, como escovas, tesoura e secador, pelas quais era responsável no caso de conserto ou substituição, sendo que o réu fornecia xampus, produtos de química e outros necessários ao consumo. Disse ter ajustado que receberia 50% de comissão sobre os cortes e 40% nos serviços de química, cujos preços destes últimos eram por ela fixados. Já se vê que, pelas bases da estipulação dos ganhos da autora, não estava ela sujeita à condição de uma empregada assalariada de rendimentos fixos. Era de expressiva proporção a sua renda em função do que o seu trabalho estava em condições de produzir; metade era da autora, o que permite facilmente concluir que o produto do trabalho da autora não estava apto a justificar, frente a receita do réu, o custo expressivo de uma relação empregatícia normal (férias, 13º salário, INSS, FGTS, etc.).

A Justiça não pode desconsiderar as peculiaridades por que se situam certas categorias profissionais, sendo exemplo as manicures, as cabeleireiras que também alugam a cadeira do salão, o funileiro que trabalha em parceria com o dono da oficina mecânica, o fruteiro em regime de consignação, o meeiro, parceiro, arrendatário, o locatário de taxi, os carregadores da zona cerealista, dentre tantos outros. A autora tem a qualificação profissional própria de uma cabeleireira e onde quer que ela vá trabalhar encontrará a mesma realidade do trabalho em regime de cooperação, de parceria, de meação, cujos custos ordinários do negócio não fazem sobreexceder os de mera subsistência, sendo certo que a existência de horário pré-fixado e subordinação não ficou provada.

A autora disse que o horário de entrada era às 8h, mas a sua testemunha afirmou que iniciava as suas atividades por volta das 9h30, o que afasta, por si só, a existência de jornada pré-estabelecida, sem falar no descompasso entre o afirmado pela autora e a sua testemunha acerca do trabalho aos domingos. Por outro lado, a testemunha disse que, além dos clientes que entravam espontaneamente no salão, atendia aqueles próprios que tinham preferência por ela (testemunha), tal qual informou a autora que o cliente que tivesse preferência por ela (autora) não precisava respeitar a escala de seqüência de atendimento. Não havia relação de emprego.

CONCLUSÃO:

Nego provimento ao recurso.

Dr. Rafael E. Pugliese Ribeiro

Juiz Relator – 6a Turma do Tribunal

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