Companhia limitada

Jucesp diz que empresa limitada não precisa definir valor de cota

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19 de julho de 2005, 20h10

A possibilidade da sociedade de uma empresa ser limitada com quota sem valor nominal foi admitida nessa terça-feira (19/7) pela Jucesp — Junta Comercial do estado de São Paulo que deu provimento ao recurso contra decisão da Assessoria Técnica.

O Vogal Presidente da 3ª Turma de Vogais da Junta Comercial do Estado de São Paulo, Alberto Murray Neto, defendeu no seu voto que

“o valor nominal atribuído às quotas nas sociedades limitadas tem um papel meramente ilustrativo.”. Segundo ele, “esse mecanismo foi apenas uma ficção jurídica, criada pelos operadores do direito, para facilitar a visualização do contrato social e identificar quanto cada sócio detém do capital social.”

Na opinião de Murray Neto, “a inscrição do valor nominal da quota no contrato social é absolutamente irrelevante. Não serve para nada. O importante é que esteja definido no contrato social, com clareza, o valor percentual que cabe a cada sócio na divisão do capital social”

O advogado diz que no caso de compra, venda ou permuta, não se considera o valor nominal, o que vale é o valor patrimonial. Também, segundo Murray Neto, para delimitar o poder de voto de cada sócio em reunião, o percentual que cada sócio tem no contrato basta para decidir a questão.O mesmo princípio pode ser utilizado para determinar as responsabilidades dos sócios, segundo sua opinião.

A Procuradoria da Junta Comercial do Estado de São Paulo vai recorrer da decisão ao DNRC — Departamento Nacional de Registro do Comércio. Mas, o recurso não tem efeito suspensivo.

Leia o voto de Alberto Murray Neto

Processo 133/05

Quotas Sem Valor Nominal

Trata-se de processo em que a parte recorre ao Plenário, contra decisão singular que indeferiu o arquivamento de sociedade limitada empresária que estipula, em seu contrato social, quotas sem valor nominal.

Após ler o que dos autos consta, incluindo, mas não se limitando ao, r. despacho de indeferimento do arquivamento do contrato social exarado pelo Sr. Assessor Técnico, Recurso da parte interessada, Parecer da Douta Procuradoria, Voto do Vogal Relator e Parecer do Professor Titular de Direito Comercial da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo, Fábio Ulhoa Coelho, voto como se segue.

Embora polêmica, a questão da quota sem valor nominal, para mim, não é nova. A posição que, na qualidade de Vogal aqui defenderei é a mesma que, em outras oportunidades, no exercício de minha profissão e em debates acadêmicos, tenho adotado, mormente com a edição do novo Código Civil.

Não vou alongar-me em tecer comentários à natureza jurídica da quota no direito brasileiro. O mesmo não farei com relação à sua evolução jurídica. Ambos os conceitos estão muito bem abrangidos pelos documentos colacionados ao processo, na peça da Douta Procuradoria, no Parecer do Professor Fábio Ulhoa Coelho e no Recurso da parte interessada.

Quero, sucintamente, discorrer sobre qual é a função da quota em uma sociedade. A quota se presta ao papel de, identificar a proporção de cada sócio no capital social de determinada sociedade. E nessa proporcionalidade serão demarcados os direitos, obrigações e responsabilidade dos sócios perante os demais sócios, à própria sociedade e terceiros. Assim, o ato de dividir, ou de fracionar, o capital social em quotas é para que se determine que quinhão da sociedade compete a cada sócio que contribuiu com a sua formação. Nada além disso.

Por isso, tecnicamente, o correto é, inclusive, dizer-se que o ”sócio A possui uma quota parte da sociedade representando X% do capital”. Ora, se esse X%, nesse exemplo, forem 30%, é óbvio que o sócio terá 30% do quinhão daquela sociedade, pouco importando o valor nominal daquela quota.

Aliás, essa divisão do capital social em quinhões, com o intuito de identificar quanto do capital social cabe a cada sócio, não é privilégio das sociedades limitadas. O princípio para as sociedades por ações ("S.A.") é rigorosamente o mesmo. Quando a lei das S.A. determina que o capital social das sociedades constituídas sob aquele tipo societário será fracionado em ações é, também, para que se possa identificar que parcela do capital social caberá, proporcionalmente, a cada sócio.


Há, claro, diferenças entre quotas e ações. Mas, em minha opinião, nada que diga respeito à necessidade de que, com relação às quotas, imponha-se valor nominal.

As ações, por exemplo, têm que estar fisicamente representada por cártulas, enquanto que as quotas estão inscritas no próprio contrato social. Ainda, no que diz respeito às quotas, é possível restringir sua livre circulação através de vedação expressa no contrato social. Com referência às ações, a Lei nº 6.404/76 proíbe que os estatutos sociais de uma S.A. vedem a circulação das ações. É possível, na S.A., criar mecanismos que dificultem tal circulação, tais como direitos de preferência (oferta aos demais sócios antes de aliená-las a estranhos à sociedade). Mas não impedir. Com referência ao valor nominal, no que diz respeito às S.A., o ordenamento jurídico já evoluiu, de modo de que na legislação específica das S.A, há norma expressa pela qual não é necessário que as ações contenham valor nominal. Já no que diz respeito às quotas, embora o Código Civil não traga provisão similar, por outro lado, não há rigorosamente nada que proíba as quotas de não terem valor nominal.

O valor nominal atribuído às quotas nas sociedades limitadas tem um papel meramente ilustrativo. Com o passar dos anos, criou-se o hábito de atribuir-se a cada quota, na maioria das vezes, o valor de R$ 1,00 (hum Real), em moeda de hoje. Assim, em uma sociedade de capital de R$ 20.000,00 (vinte mil Reais), aquele que detivesse 50% das quotas, apareceria como detentor de metade do capital social, representando, a sua participação social, nominalmente, R$ 10.000,00 (dez mil Reais).

Sabem o que esse valor nominal de R$ 10.000,00 (dez mil Reais), escrito no contrato social, representa em termos práticos? Absolutamente nada. Esse mecanismo foi apenas uma ficção jurídica, criada pelos operadores do direito, para facilitar a visualização do contrato social e identificar quanto cada sócio detém do capital social. Contudo, nesse exemplo, o que interessa mesmo, é que o sócio em questão tem 50% do capital social. E é por esse montante que ele será responsável perante terceiros, na forma da lei, bem como esse será o seu percentual de votos em reunião, ou assembléia, de quotistas.

Da mesma forma, ao se transacionar, empresarialmente, com as quotas daquele sócio, o valor nominal inscrito no contrato social, não é sequer levado em consideração. O que importa é o valor patrimonial daquelas quotas, que determinarão o montante do negócio.

Como se vê, portanto, a inscrição do valor nominal da quota no contrato social é absolutamente irrelevante. Não serve para nada. O importante é que esteja definido no contrato social, com clareza, o valor percentual que cabe a cada sócio na divisão do capital social.

A razão pela qual se obrigava que as sociedades limitadas atribuíssem valor nominal às suas quotas era a aplicação supletiva do Código Comercial, especificamente os artigos 302 e 304, ao Decreto Nº 3.708/19, que dizia que para a constituição das sociedades, era necessário "a declaração da quota com que cada um dos sócios entra para o capital.” Embora eu, pessoalmente, considerando a evolução dos tempos e enxergando a transformação pelas quais passavam as sociedades limitadas – cada vez mais dinâmicas — e as finalidades para quais vinham sendo constituídas, já admitisse a possibilidade da quota sem valor nominal, a aplicação supletiva do Código Comercial ainda era uma teoria forte. Mas, repito, não poderíamos ignorar que, ainda assim, o Código Comercial era de 1.850 e o Decreto de 1.919 e que a interpretação desses diplomas legais deveria evoluir, acompanhar as necessidades dos novos tempos. É por isso que, mesmo desde antes das revogações desses dois estatutos legais, eu já admitia a instituição de quotas sem valor nominal. Aliás, se a doutrina e jurisprudência tivessem mantido seu pensado rígido e estático sobre todas as questões envolvendo as sociedades limitadas, amparando-se, exclusivamente, no Código Comercial de 1.850 e no Decreto de 1.919, não se teria, por exemplo, admitido, pacificamente, a figura da quota preferencial.


Mas o fato é que, com a edição do novo Código Civil, foram revogados o Decreto Nº 3.708/19 e o Código Comercial. Assim, a questão da aplicação supletiva do Código Comercial resta completamente superada. O Código Civil de 2.002 traz uma nova metodologia de analisar a matéria.

Vejamos como se processa, segundo meu entendimento, a questão da aplicação supletiva das leis, em face do novo Código Civil.

A legislação concernente à estruturação e gerenciamento das Sociedades Limitadas, tipo societário mais freqüente em nosso País, sofreu enormes modificações com a edição do novo Código Civil, em 11 de janeiro de 2002.

O Decreto 3.708 de 1919 e o Código Comercial (este último, no que concerne a esse tipo societário), consistiam em uma legislação muito simplificada acerca do referido tipo societário, abordando apenas aspectos genéricos acerca das Sociedades Limitadas. E foram, assim, revogados pelo novo Código Civil.

No contexto da legislação anterior, a Sociedade Limitada sempre se valia das normas referentes às Sociedades por Ações para suprir a falta de disposição normativa específica nos referidos Decreto e Código Comercial, naquilo que lhe era cabível.

Nessa conformidade, dispunha o Artigo 18 do referido Decreto:

“Art. 18 – Serão observadas quanto às sociedades por quotas de responsabilidade limitada no que não for regulado no estatuto social, e na parte aplicável, as disposições da lei das sociedades anônimas.” (grifos nossos)

Assim sendo, antigamente, as então “sociedades por quotas de responsabilidade limitada”, regiam-se pelo Decreto 3.708/1919, pelo disposto nos seus estatutos sociais e, supletivamente aos estatutos sociais, eram aplicadas as normas das Sociedades por Ações.

A nova legislação acerca das Sociedades Limitadas reforçou, expressamente, a tese de que a incidência da Lei das Sociedades por Ações (“LSA”) é supletiva às Sociedades Limitadas, se assim previr o Contrato Social, naquilo que couber. Vejamos:

“Art. 1.053 – A sociedade limitada rege-se, nas omissões deste Capítulo (Livro II, Título II, Capítulo IV do Código Civil), pelas normas da sociedade simples.

Parágrafo Único – O contrato social poderá prever a regência supletiva da sociedade limitada pelas normas da sociedade anônima.”

A partir da inserção expressa do parágrafo único do artigo 1.053 do Código Civil, supra mencionado, a questão da legislação aplicável às sociedades limitadas deixou de ser doutrinariamente complexa.

A partir de então, o regime jurídico aplicável a esses tipos societários é, em primeiro lugar, o próprio Código Civil, no capítulo referente às sociedades limitadas (artigos 1.052 a 1.087). Quando o Código Civil for silente no que se refere especificamente a esse tipo societário, nosso entendimento é de que a aplicação supletiva pode ser a das sociedades simples, ou da LSA, conforme for a vontade dos sócios, expressa no próprio contrato social (parágrafo único, do artigo 1.053 do Código Civil Brasileiro).

Portanto, na hipótese de o contrato social da limitada apresentar cláusula expressa indicando a aplicação supletiva da LSA, esta será aplicável nas omissões do capítulo do Código Civil. Do contrário, as omissões desse capítulo deverão ser preenchidas pelas regras atinentes às sociedades simples. Note que as regras da sociedade simples são consideradas normas gerais das sociedades de pessoas, de caráter contratual. Mas, ao inserir o parágrafo único no artigo 1.053 do Código Civil, no capítulo das limitadas, o legislador deu às partes contratantes a faculdade expressa de optar, em caso de omissão da lei e do próprio contrato, pela aplicação supletiva da LSA, não as obrigando a seguir as normas das sociedades simples.

Mas deve ser ressaltado, ainda, o aspecto da contratualidade da matéria, objeto da aplicabilidade supletiva da LSA ao contrato social da limitada. Isto quer dizer que, não é apenas porque o capítulo do Código Civil que trata das sociedades limitadas é omisso, bem como o contrato social, que automaticamente aplicar-se-ão supletivamente os dispositivos da LSA. A aplicação supletiva é feita única e exclusivamente naquilo que couber, naquilo em que for possível aplicar supletivamente a LSA ao contrato social. Se o tema em discussão não pode ser tratado no contrato social, por inaplicável às sociedades limitadas, é certo que a LSA será, igualmente, inaplicável supletivamente. Em síntese, aplica-se somente às limitadas, nesse caso, aquilo que pode ser objeto de negociação entre os sócios e que seja cabível ao tipo societário da limitada.


Portanto, sobre a legislação aplicável às sociedades limitadas, é o meu entendimento que: (a) aplicam-se, em primeiro lugar, as normas do próprio Código Civil, no capítulo que trata das sociedades limitadas; (b) para a sua constituição e dissolução, aplicar-se-ão, sempre, as regras do Código Civil, em qualquer hipótese; e (c) nas outras hipóteses, nas questões cujas matérias puderem ser objeto de livre disposição entre os sócios, aplica-se, supletivamente às normas atinentes às sociedades simples, também previstas no Código Civil, ou se estes expressamente apontarem no contrato social, as regras da LSA (parágrafo único do artigo 1.053 do Código Civil). Se a matéria em discussão não for objeto de livre negociação entre as partes, é possível, ainda, que o Magistrado aplique, valendo-se do princípio da analogia, a LSA para preencher eventuais lacunas existentes da própria lei.

Concluindo, temos que:

Para transacionar (comprar, vender e permutar) quotas de uma sociedade, o valor nominal não é sequer considerado. O que vale mesmo é o seu valor patrimonial.

O valor nominal da quota não tem importância alguma para delimitar o poder de voto de cada sócio em reunião, ou assembléia geral de quotistas. Basta que o contrato social aponte, com clareza, qual o percentual que cada sócio detém no contrato social. Esse percentual corresponderá ao seu poder de voto.

O mesmo princípio é válido para circunscrever as responsabilidades de cada sócio perante a própria sociedade e perante terceiros. Se um sócio tem 30% do capital social da sociedade, sua responsabilidade será limitada a 30% do valor total do capital social, estando ele totalmente subscrito e integralizado. Novamente, não se verifica a necessidade de apontar a relevância do valor nominal da quota.

Poder-se-ía dizer que o valor nominal da quota teria o papel de proteger os quotistas minoritários contra possíveis aumentos de capital que resultasse na sua diluição. Ora, se a quota não tem valor nominal e se os sócios contrataram livremente pela regência supletiva da Lei das S.A., quando da emissão de novas quotas, deverão ser seguidas as normas de emissão previstas na Lei Nº 6.404/76, aplicáveis, igualmente, aos casos de ações sem valor nominal. Esse é, de certo, um cuidado que os sócios e a sociedade deverão tomar, a fim de estipular o preço de emissão de novas quotas. Feito isso e respeitado o direito de preferência garantido no Código Civil, não há impedimento para que assim seja feito. Nesse caso, é perfeitamente cabível a aplicação supletiva da Lei Nº 6.404/76.

O mesmo princípio, da aplicação supletiva da Lei das S.A., é válido para o caso de redução de capital social (artigo número 174 da Lei Nº 6.404/76).

Não há, no Código Civil, nenhum dispositivo que obrigue a quota a conter valor nominal. O artigo 997, que estabelece os elementos e as condições para a constituição da sociedade limitada, não menciona, em instante algum, a obrigação de a quota explicitar valor nominal. Ora, se a lei não veda, não é proibido prescindir o valor nominal da quota.

E, finalmente, cabe a Junta Comercial analisar, unicamente, os aspectos formais do contrato social. Se não há vedação na lei com relação a eliminar o valor nominal da quota, se os sócios livremente contrataram dessa maneira, se não há prejuízos de terceiros com relação às cláusulas do contrato social, se estão claramente contemplados no contrato social em questão todos os requisitos do artigo 997 do Código Civil Brasileiro, não compete à Junta Comercial oferecer óbices ao arquivamento do documento em discussão.

Por isso, sou pelo provimento do Recurso.

Sala das Sessões, 18 de julho de 2.005

Alberto Murray Neto

amn:Vogal

 

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